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Cry Baby (Longfic 3/15)
Park Jimin Autora: Agness Saints Gênero: Romance Sinopse: Com a nova vaga para monitoria sendo aberta e um projeto obrigatório em dupla sendo lançado, Park Jimin acha que entre vocês só existe dois sentimentos: rivalidade e ódio. Mal sabe ele que você só guarda amor…
Eram cinco horas da tarde em todos os relógios de Seul quando Park Jimin apareceu em frente a porta do apartamento 423. E você a abriu. E se apaixonou.
Contagem de palavras: 3.978 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. A parte “eram cinco horas da noite em todos os relógios” foi inspirada na poesia A Captura e a Morte de Federico García Lorca. O conteúdo não se relaciona em nada com a história, só gosto muito dessa parte. Parte: 1 | 2 | 3 Playlist.
Afasto os lençóis das pernas, o farfalhar preguiçoso combina com a fresta de vidro embaçado que a cortina não cobriu. A chuva continua caindo lá fora, mas os pingos que batem contra a janela não são mais tão fortes quanto os de ontem à noite. Acabo ficando um tempo em silêncio, mirando o relógio digital marcando quase uma da tarde sobre minha escrivaninha e o laranja do sensor de movimento do aromatizador de ambiente iluminando meus livros volta e meia.
Meus cabelos ainda estão úmidos do banho que tomei de madrugada, da mesma forma que ainda sinto um desconforto na nuca pela posição que dormi no sofá. Movo-me pouco tempo depois, buscando meu celular embaixo do travesseiro e o trazendo para perto dos meus olhos. A claridade acaba me incomodando, mas não o suficiente para que eu não enxergue a mensagem de Yoongi.
[11:37] yoongi: vou voltar mais cedo pra casa
Largo o aparelho na cômoda ao lado da cama e fico mais um tempo ali. Desde que acordei há dez minutos, parece ser a primeira vez que presto atenção aos sons do lado de fora do meu quarto; sons dos apartamentos vizinhos e dos passos pelo corredor da minha própria casa. Jimin realmente passou a noite aqui, afinal. E isso faz com que eu me lembre de todas as coisas que a minha eu do passado deixou para a minha eu do presente ter de lidar hoje.
Solto um grunhido arrastado, sentindo minha cabeça pesada quando resolvo me sentar na beirada da cama; meus pés tocando o piso de madeira e minha coluna se esticando em um espreguiçar lento. É como se eu tivesse enchido a cara no dia anterior, não sinto o desconforto do enjoo, mas sinto a tortura psicológica das minhas ações. A vulnerabilidade que a tensão de estar sozinha me causou, meu cérebro maquinando formas de lidar com o que estava por vir e a mudança brusca de cenário com a chegada de Jimin. Sinto tudo isso também em forma de rigidez e dor acumulados nos ombros e nas costas.
Quando estou prestes a me levantar da cama e partir em direção ao banheiro, ouço três batidas firmes na porta de meu quarto. O som inesperado faz com que meus olhos corram imediatamente para a marcenaria branca, ficando lá por alguns instantes. Sendo sincera, não penso em absolutamente nada, mesmo que eu devesse pensar no que está por vir ou sobre todos os assuntos pendentes para hoje que precisarei lidar. Mas não penso; em nada. Como também não penso em nada quando me levanto, nem quando caminho até lá e muito menos quando abro a porta de meu quarto em um som abafado. Mas penso — e muito — quando meus olhos encontram a figura de Jimin logo ali em meio ao corredor.
Camiseta branca, jeans claros e os cabelos alaranjados jogados para trás. Sua imagem de agora é diferente da que encontrei quando abri a porta do apartamento no ano passado; ela ainda instiga, ainda é fascinante. Mas, ainda que pareça feroz, não é caótica. Talvez seja a falta do sangue escorrendo pelo queixo, o olho esquerdo inchado e o corte evidente no supercílio.
É... Talvez seja isso.
— Pensei que estivesse morta. — Sua voz vem rouca e me chacoalha um pouco o cérebro. Não digo nada para sua hipótese verbalizada sem hesitação alguma, porque, pensando bem, eu também acreditei que estivesse. — Você vai acordar?
Quando vejo seus olhos desviarem da minha face e mirarem por um instante o alto de minha cabeça, torno-me extremamente consciente da minha aparência. Camiseta larga até as coxas, calça de moletom, rosto amassado e cabelo desgrenhado. O último sendo, possivelmente, o alvo da curiosidade julgadora de Jimin.
Maravilha!
Já não bastasse a bagunça mental, há também a física.
— Acho que já estou acordada.
Seus olhos voltam para meu rosto outra vez. Jimin ainda parece querer incitar uma briga, ainda parece querer dizer coisas que não sabe ao certo se deve ou não dizer. A energia que emana, no entanto, não é pesada; ela é misteriosa, como um segredo nunca contado, como um tesouro nunca encontrado.
— Eu vou embora daqui a pouco, achei melhor avisar. — Seu semblante é impassível, a arrogância ali já me é vista com naturalidade. — Yoongi disse que vai chegar mais cedo do que planejava, decidi ir embora antes também. Você está me ouvindo?
Estou no meio de um bocejo aberto e longo e só entendo agora, quando seu rosto está me olhando com as sobrancelhas franzidas. Pisco os olhos marejados depois que finalizo, assentindo.
— Sim, estou.
O último olhar que me entrega é mortal, quase como um insulto gritado. Eu gostaria de lhe dizer que não foi por mal, mas não há tempo algum. Logo em seguida Jimin vira-se em direção à cozinha, caminhando para longe de mim. Seus movimentos fazem com que o cheiro de patchouli alcance meu nariz com facilidade; a fragrância do sabonete lhe caindo muito melhor do que em mim e — ouso dizer — em qualquer outra pessoa que já tenha usado.
— Eu tomei a liberdade de passar café.
Ele diz por cima do ombro, desaparecendo por detrás da porta do cômodo um segundo depois.
— Tudo bem. — Altero a voz para que ele me ouça, completando em seguida: — Obrigada!
Ao não receber nenhuma resposta sua depois de esperar por alguns instantes ali, entre o corredor e meu quarto, vou ao banheiro para escovar os dentes, prender os cabelos e lavar o rosto. Tento também expulsar a sensação de devaneio que me ronda como o epílogo de uma bebedeira mal intencionada. Não consigo.
A ressaca moral é algo que me incomoda bocados; não é de hoje.
Não gosto da ideia de ter sido pega por Jimin em meio a uma crise de ansiedade ao entardecer passado. Como também não gosto de lembrar que ainda me sentia vulnerável pela sensibilidade emocional quando a surpresa pela sua presença me alcançou. Gosto menos ainda da ideia de não ter me comportado da forma como costumo me comportar. Mesmo que a possibilidade de Jimin ter percebido algo seja pequena — levando em consideração todo seu egocentrismo soberbo e fervoroso —, ainda me incomoda. Assim como a situação com o Yoongi logo depois do ocorrido também me incomoda, mesmo já sendo resolvida.
Inspiro todo o ar que consigo e logo depois o solto gradativamente.
Ontem foi um dia cheio, afinal; atípico e horripilante. Não há nada que possa ser feito em relação a atitudes já tomadas, a sentimentos já sentidos. A única coisa que me é permitido fazer por agora é lidar com o sentimento de invasão sentimental que me toma o peito.
Nada além disso.
Coloco a camiseta longa dentro da calça antes de entrar na cozinha e ver Jimin sentado em um dos bancos da ilha, de costas para a porta. Ele parece concentrado demais em qualquer coisa que esteja lendo em seu celular para me perceber aqui. E, enquanto contorno o móvel principal e paro em frente à cafeteira, penso que sua presença em meu apartamento ainda me deixa atordoada. Ela é como uma peça que não se encaixa em lugar algum do quebra-cabeça.
— Deu tempo das suas roupas secarem? — Pergunto assim que me viro, encostando-me contra os armários embutidos ao que levo minha xícara de café para perto da boca.
Essa é uma tentativa de tentar varrer para longe o sentimento de exposição e o sentimento esquisito que nos ronda, mesmo que só eu saiba sobre a motivação que me incentiva a fazer isso.
A cabeça de Jimin não se mexe, mas seu olhar sobe do aparelho telefônico para me observar assoprando a bebida quente. Ele fica um tempo, portanto, em um silêncio pequeno e conflituoso. Seus olhos afiados me medem com afinco, trazendo-me a memória clara do momento em que nos encaramos na noite passada.
Ele bloqueia a tela do celular e o deixa de lado depois de uns instantes. Jimin parece ponderar sobre dizer algo ou me deixar sem resposta. Talvez ainda esteja ferido pelo bocejo de antes, não sei bem. Seus olhos espelham um tumulto torturante de pensamentos cheios de contras e prós, no segundo seguinte ele vem em um simples e carregado:
— Sim.
Mesmo que sua figura em si não pareça caótica, entendo agora que talvez todo o caos que lhe ronda faça morada em seus pensamentos. Jimin parece carregar consigo opiniões fortes e controversas sobre centenas de coisas; parece uma bomba-relógio prestes a explodir a qualquer instante.
— Você esqueceu as laranjas. — Sua voz surge antes mesmo do que pensei que viria. De imediato não entendo o que fala, até vê-lo indicar o pedaço de papel com anotações à mão perto da fruteira. — Procurei laranjas pra fazer suco, mas não encontrei.
Olho para a lista de mercado feita ontem às presas, lembrando-me do momento exato que decidi que não as levaria.
— Não esqueci. — Tomo um gole do café puro antes de continuar, não me importando em explicar inutilidades sobre a minha vida: — Não sei escolher nada que vem do hortifrutti. Quem compra sempre é o Yoongi, ontem foi meu dia e por isso não comprei.
— Não sabe escolher?
Sua pergunta vem quase violenta, como se questionasse o porquê de estar sendo alvo de uma mentira tão ruim como essa. Por fim, dou de ombros.
— Sempre escolho as frutas podres.
Jimin ergue as sobrancelhas em entendimento, a boca inchada inclinando-se um tanto para baixo. Gosto de ter sua atenção. E, antes que seus olhos se desviem mais uma vez, minha voz salta entre nós dois:
— Dormiu bem?
Sei que continua não sendo inteligente me arriscar dessa forma e ser descoberta de uma maneira vergonhosa sobre minhas verdadeiras intenções, mas ainda carrego comigo um desejo infundado de saber mais sobre ele, de conversar sobre ele.
Sua cabeça meneia; pensante. Os olhos ainda fincados em mim. Quase consigo ver os contras e prós saírem pelos seus ouvidos em uma confusão visual e mental.
Contras e prós.
Contras e prós.
Contras e prós.
— O Yoongi trocou de colchão? — Vem por fim, os olhos desdenhosos se desviando dos meus apenas para que ele agora se concentre nos dedos adornados por anéis prateados. — Parece mais macio que antes...
Nego mesmo que ele não veja, mesmo sem saber se existe uma resposta correta para seu questionamento. Apenas permaneço ali, então, calada. Enquanto beberico um pouco do café da xícara, meus olhos dançam pelos dedos de Jimin também; ele ajeita as pratarias que os enfeitam com destreza, como uma mania que carrega consigo. Os adereços possuem detalhes distintos, mas não raros. O meu favorito sendo o do dedo indicador direito; arco com minudências sucintas e ao meio uma pequena flor delicada.
— Yoongi contou que você está no terceiro período de Arquitetura.
Sua afirmação é quase acusatória e me pega desprevenida pelo tom e pelo assunto abrupto. Desvio meus olhos das suas mãos e o encaro o rosto, não me sentindo surpresa ao descobrir seu olhar já em mim.
Bebo mais um gole de café, levando o tempo necessário para saboreá-lo antes de assentir. Jimin fica mais algum tempo me olhando, como se me estudasse, me analisasse. Por fim, ele se inclina sobre o balcão que nos separada; o movimento escorregando a camiseta branca por sua clavícula e revelando o início de uma de suas tantas tatuagens.
— Sabe? Eu estou num dilema aqui. — Sua mão desliza pelos fios alaranjados, jogando os cabelos para trás. A voz é mansa, mas seus olhos são prepotência pura; um quê de raiva acumulada. — Eu sou alguém que gosta de se dar bem com os outros. Gosto de ser amigável, entende?
Quase me deixo franzir o cenho com o que diz. É inevitável pensar que nem sequer Jimin acredita no significado das suas próprias palavras, mas evito qualquer reação. A mudança repentina do rumo da conversa me faz curiosa e sou toda ouvidos, ainda mais que antes.
— E você é prima do Yoongi, então isso seria um bom motivo pra que a gente conseguisse desenrolar uma conversa. — Pausa, passando a ponta da língua pelos lábios cheios antes de continuar: — Mas o grande problema é que você também cursa Arquitetura e isso pesa no meu peito.
Dessa vez não deixo de me permitir transparecer confusão, até porque ainda não entendo aonde Jimin quer chegar com isso.
— Pesa no seu peito?
— Sim, cursar Arquitetura é um pré-requisito pra que eu não goste de você. — Jimin solta um suspiro teatral, sarcástico, os braços agora se apoiando sobre o balcão e ele descansando o rosto entre as mãos. — Não é nada pessoal, no entanto. É só a vida seguindo seu percurso.
Fico o encarando por um tempo, sentindo uma necessidade grande de rir em descrença. Ele é mesmo competitivo demais e nem sequer esconde. É até bonito de ver todo o seu esforço em ser desagradável, alguém digno de ódio.
Afasto a xícara de meu rosto, apoiando-a na bancada ao meu lado. Percebo que Jimin espera alguma resposta minha ou alguma reação previsível. Cruzo os braços, pigarreando antes de perguntar:
— Caramba, quem partiu seu coração?
Jimin deixa crescer um sorriso nos lábios bonitos, um sorriso sacana e sagaz. Talvez um sorriso de quem percebe agora que não me sinto intimidada, pelo menos não da forma como ele gostaria que eu me sentisse.
— _____? — Ele me chama e sinto-me confusa por um instante. Não me lembro de ter dito meu nome. — Tem outro ponto também.
Informa, me fazendo mover a cabeça interessada no que diz.
— Qual seria?
Seus olhos amolados se agarram aos meus. Jimin é cheio de camadas, fragmentos; juntos e bagunçados em uma harmonia entre cores pesadas e leves, entre contrastes grotescos do suave ao feroz.
É fascinante.
Ele solta um suspiro arrastado, o rosto sendo abandonado pelas duas mãos ao que as usa para jogar os cabelos para trás mais uma vez. Quando percebo os fios outonais caindo pelas laterais do seu rosto em camadas bonitas, sua boca revela o que parece ser a combinação de palavras mais insana que já ousei ouvir algum dia:
— Você é minha dupla na disputa para a vaga de monitoria da disciplina da Sra. Lee. E eu não gosto disso.
Pela primeira vez no dia, sinto meu corpo reagir genuinamente em meio à esse cenário fantasioso. Endureço de tensão, um calafrio me subindo a espinha e meu rosto se tornando impassível pelas palavras ouvidas.
Eu deveria ter imaginado isso vindo, deveria ter esperado esse momento chegar desde que recebi o e-mail. Mas a grande verdade é que ainda não havia conseguido lidar com a primeira etapa, com o momento em que eu aceitaria que a informação era verdade... E, se eu ainda não sabia como lidar com ela, eu sabia muito menos como lidar com o depois.
Ou, melhor, com o agora.
Maldito e-mail.
Maldito.
Meus pensamentos correm desastrados para o correio eletrônico recebido da Sra. Lee durante a tarde de sexta-feira. Os dizeres ainda parecem inconsistentes, irreais. As frases formuladas não fazem sentido mesmo agora, mesmo depois de ter descansado por horas a fio; ele continua a se parecer uma invenção do meu inconsciente.
Ilusório, extremamente delirante.
— Desculpa, — é o que digo, escolhendo o caminho mais fácil. — O quê?
Seus olhos se franzem em minha direção, cheios de desconfiança. Talvez eu seja tão ruim quanto Yoongi em mentir, mas eu preciso tentar ao menos.
— Yoongi me contou que você é do segundo período e que está concorrendo a uma vaga de monitoria. — Sua cabeça se inclina minimamente para o lado. — Alunos do segundo período não podem se candidatar para nenhuma dessas vagas, só se for convidado.
Pigarreio, desviando meus olhos do seu como uma forma de me defender. Busco minha xícara sobre o balcão mais uma vez, tomando um grande gole antes de dizer:
— Eu não estou entendendo o seu ponto.
Ele ergue as sobrancelhas, soltando um riso descrente.
— O meu ponto? — Jimin se ofende, é claro perceber isso pela forma como sua voz se altera minimamente. — O meu ponto aqui é que só existe uma vaga para monitoria aberta e só uma aluna do segundo período concorrendo nela.
Mais um gole de café. E depois mais outro.
Minha mãe sempre me disse que é difícil entender o que se passa dentro de mim, nunca se sabe ao certo se estou triste, feliz ou incomodada. Minha expressão facial não tem lá grandes alterações em frente a eventos importantes e/ou chocantes. Salvando o que me aconteceu há um mês e que me fez frágil diante dos olhos de Yoongi, eu sou vista como alguém apática, impassível. Não é a toa que sempre foi difícil obter amigos durante todo o tempo até aqui.
E não é a toa também que Jimin se sente visivelmente incomodado pela minha falta de reação diante de algo tão revoltante para ele.
— Você não recebeu o e-mail?
Seu cenho se franze consternado, enquanto ele estende seu celular em frente ao meu rosto para que eu leia o que está estampado na tela. Inclino-me minimamente para frente, franzindo os olhos para enxergar as letras miúdas logo ali.
Mesmo eu tendo o lido milhares e milhares de vezes no caminho entre a faculdade e o mercado do bairro, ainda me sinto pouco convencida. Ainda parece fora da realidade para mim e é por isso que o leio outra vez, letra por letra, palavra por palavra.
Boa tarde, meus caros
Parabéns novamente por venceram mais uma etapa eliminatória! Agora falta pouco.
A próxima fase da disputa para a vaga de monitoria em Projetos é a minha favorita. Vocês deverão montar um projeto de urbanização no prazo total de três meses. As áreas a serem trabalhadas serão sorteadas por mim e enviadas por e-mail a vocês no início da semana que vem.
O prazo dado é mais do que o suficiente para que desenvolvam um projeto completo com todas as seis primeiras fases que apresento em aula: briefing, estudo do local, estudo de viabilidade, estudo preliminar, anteprojeto e o projeto de aprovação. Decidi ser boazinha com vocês e tirar a parte do anteprojeto ao qual vocês deveriam pensar nos projetos complementares (estrutural, hidrossanitário e elétrico).
Cada etapa deve ser documentada em um trabalho escrito, relatando ações e conclusões tomadas; esses trabalhos deverão ser entregues ao longo dos três meses em prazos individuais. O primeiro prazo será informado no e-mail da semana que vem, fiquem atentos.
Nessa próxima fase vocês trabalharão em dupla! Não é permitido a troca entre vocês, assim como não existe a menor possibilidade de trabalharem de forma individual, quero ver trabalho em equipe.
Jongsuk (sexto período) x Eunha (sétimo período)
_____ (segundo período) x Jimin (sexto período)
A melhor dupla vai para a fase final. Boa sorte!
Se tiverem alguma dúvida, podem me procurar.
Beijinhos
Ergo as sobrancelhas ao que finalizo a leitura, recolhendo o dedo que usei para deslizar a tela do aparelho. E, enquanto vejo Jimin colocar o celular no bolso da calça, endireito-me no lugar para finalizar o café que ainda resta na xícara.
— Ah, isso. Recebi, — falo depois de um tempo, respondendo sua pergunta de antes. — Mas ainda tinha uma esperança besta de que não fosse verdade.
Vejo seu peito se inflar em descrença, os olhos afiados me olhando com tanta fúria que não me resta mais dúvida de que Jimin quer mesmo incitar uma briga.
— Não acredito que você é mesmo a _____. — Ele solta um riso sem humor. — Me diga, eu vou precisar ensinar você a desenhar? Vou ter que te ensinar topografia? A sua participação é algum teste de paciência? Uma peça que estão pregando em mim?
Não respondo, porque não sinto necessidade alguma. Talvez meu silêncio ainda seja visto como uma forma de incomodá-lo ainda mais, mas não ligo. É um tanto prazeroso ouvi-lo falar tão cheio de si.
Quando percebe que não direi nada em frente a sua tentativa óbvia de me amedrontar, Jimin inclina-se sobre a mesa, os cotovelos apoiados no balcão entre nós dois e os olhos estreitos e perigosos.
— Você já deve saber sobre a minha fama no curso, eu não sou nada amigável e fico pior quando preciso ter de lidar com trabalhos em grupo. Não vou ser diferente com você, mesmo você sendo prima do meu melhor amigo.
Sua voz é tão branda que toda sua intenção parece ambígua. Talvez seja seu lado travesso como o inferno, afinal. Persuasivo, cheio de flertes graves e escorregadios.
— Desde quando você sabe sobre isso?
É o que acabo perguntando. Sinto que com sua atenção voltada para mim, e toda a vulnerabilidade que ele tanto tenta disfarçar, posso tudo. Posso, inclusive, me sentir melhor pelas coisas que aconteceram ontem, pela quase exposição sentimental e pelas ações perturbadas que tive ao ver sua figura tão bonita em meio a minha sala.
— Antes de chegar aqui.
Dessa vez, quem acaba sorrindo sou eu. Parece óbvio agora o motivo de todo o seu comportamento arisco desde que chegou. Talvez ele seja realmente arrogante com todos a sua volta, mas ainda gosto de acreditar que nessa ocasião esse seu lado tenha sido carregado ainda mais por sua descoberta a respeito da vaga de monitoria.
— Como conseguiu que a Sra. Lee te convidasse para a disputa?
É ele quem pergunta dessa vez, o tom competitivo e feroz. Procurando pensar sobre a resposta, reservo um tempo para caminhar até a pia e deixar a porcelana vazia que ainda carrego.
Quando me viro, dou de ombros.
— Fiz uns pactos, subordinei alguns professores. Sabe como é.
Sua boca bonita me dá um sorriso completo, os dentes brancos à mostra e os olhos estreitos. Apesar de ser uma bela visão, seu sorriso não é nada sincero; ele é movido por puro sarcasmo.
Jimin escorrega para fora do banco, ainda sobre a mira dos meus olhos atentos. Ele pega a mochila do chão e a pendura em um dos seus ombros. Não sorri mais quando me olha outra vez.
— Quarta-feira às 16h, no último andar da biblioteca principal. Não se atrase, esse projeto não pode ter erro algum. — Avisa, aprontando-se para ir embora. No entanto, antes de sumir pela porta da cozinha, vira-se para mim: — Tem alguma coisa para dizer?
Pareço pensar. Tento buscar algum possível compromisso na data que disse, mas não existe nada que me impeça de estar lá no horário estipulado. Existe na terça e quinta, mas não na quarta.
Nego silenciosa, abrindo um sorriso aberto como o dele, apenas para dizer:
— Vejo você lá.
Jimin solta um riso, o ar saindo pelo nariz em claro desaforo. A visão dos seus olhos revirando em impaciência é a última que tenho antes dele virar de costas e ir embora de vez.
Quando ouço a porta da sala bater, toda a realidade me acerta como um soco na boca do estômago. Puta merda. É mesmo verdade, afinal. Eu e Jimin fomos selecionados para sermos uma equipe, para trabalharmos juntos por três meses em cima de um projeto de reurbanização.
Ótima forma de iniciar o semestre.
Ótima.
Acabo grunhindo em frustração, vendo-me então sozinha em meio a cozinha com duas certezas; a primeira é que não faço ideia do que está para acontecer nos próximos meses, a segunda é que estou sozinha. De novo.
Olho para o relógio analógico em cima da porta que dá acesso a lavanderia, ainda tenho tempo até que a noite chegue e o terror se instale. Com sorte, Yoongi chegará antes das luzes naturais irem embora, me poupando assim de mais uma crise de ansiedade.
Respiro fundo, girando os ombros para trás e mirando agora um par de meias sobre a máquina de lavar. Não me demoro a perceber que são as mesmas que molhei ontem à noite e que sumiram durante a madrugada.
Jimin as lavou?
Transtornada com a suposição, pego-as, caminhando pesado até meu quarto para, em seguida, enfiá-las no fundo de uma das minhas gavetas. Como se, dessa forma, eu também pudesse enterrar o projeto de monitoria, o cheiro doce de Jimin e seu sorriso ardiloso, perigoso e bonito.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 16/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 11.576 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Há um amontoado de pessoas perto da porta automática de vidro; o sensor de movimento não para de apitar, mas ninguém se atreve a sair de cima do tapete largo e sintético. É um pequeno caos instalado na loja de conveniência e o atendente tem certa dificuldade em lidar com tanta gente em frente ao caixa. Daqui dos fundos, sentada sozinha em uma das mesas vazias do estabelecimento, consigo enxergar a cena num todo.
A tempestade de verão nos pegou de surpresa no meio da tarde desta quinta-feira, ela veio de repente chacoalhando plantas, árvores, placas e até pessoas. Causou um rebuliço pelo campus inteiro e fez todo mundo correr para se abrigar debaixo de marquises, de toldos sobre os bancos, nas bibliotecas e então em lojas de conveniência.
Sinto meus pés encharcados pela corrida que fiz há pouco tempo, meus tênis estão mais pesados que o de costume e minhas meias começam a esfriar perto dos calcanhares. Sinto também o tecido de minha camiseta colado ao meu tronco e alguns pingos escorrerem pelas minhas costas. O calor lá fora continua o mesmo, mas dessa vez abafado e grudento.
Olho ao meu redor, pensando se adianto o jantar ou se invisto em algum café gelado. Tento calcular o tempo que tenho até a reunião do meu curso — que descobri ter ontem — e o que gastaria em cada uma das opções. Mas antes mesmo que qualquer decisão pareça crescer, um trovão estoura lá fora, fazendo meu corpo e o pequeno tumulto na porta se contraírem de susto.
Suspiro alto, o ar saindo por minha boca quando remexo-me sobre o banco redondo. Sucumbo. Enfio minhas mãos nos bolsos da calça jeans e os esvazio sobre a mesa. Algumas moedas dançam, meus fones quicam e as notas de dinheiro amassadas ameaçam voar pelo vento do ar condicionado. A superfície vermelha é tomada pelos meus pertences, alguns deles levando pingos aleatórios de chuva, outros secos iguais ao meu celular.
O aparelho agora está em minha frente, em meio à moedas e aos fios do meu fone. Olho-o por algum tempo, é como um peso que preciso me livrar; e gostaria de estar falando do físico. O avião no topo da tela me lembra que bloqueei qualquer sinal telefônico há dois dias quando minha mãe ligou três vezes em uma mesma tarde e enviou mais de quatro pretendentes para encontros às cegas por sms. Não que isso me cause algum tipo de pressão matrimonial como causava antigamente, como também não é como se isso me deixasse ansiosa ou angustiada, só é chato e cansativo. Mesmo eu lhe dizendo que não tenho interesse em nada disso, ela continua insistindo incansavelmente. Pelo menos, tentando olhar por um lado positivo, ela não envia mais suas antigas e rotineiras mensagens listando todas as qualidades de Haneul...
Haneul.
É um tanto engraçado pensar sobre ele agora. Parece ter existido em uma vida distante, passada, mesmo que tenha sido a razão por tantas coisas que fiz e me enfiei. Ele não me afeta mais como me afetava há um tempo, é como se a cotovelada em seu nariz tivesse me libertado de vez.
Algumas coisas mudaram, outras continuaram as mesmas; mas ele parece se encaixar nas duas opções.
Haneul continua sendo Haneul. Os mesmos pensamentos, as mesmas atitudes e seu temperamento difícil de lidar. Mas não mais me procura, não mais me manda mensagens. E isso ainda me parece um mistério. Até porque não acho que as palavras que falei ou as mensagens que não respondi tenham tido tanto poder a ponto de fazê-lo se afastar. Por um instante, entre minhas pelúcias antigas em meu quarto em Naju, acabei pensando que talvez minha mãe tenha tomado a frente da situação. Num pensamento utópico e contraditório, ela teria me defendido, teria o feito se afastar de mim. Mas a ideia parece fantasiosa demais e não me permiti pensar muito sobre, nem sequer alimentá-la mais do que já alimentei. Gosto de pensar então que talvez a vida tenha agido finalmente ao meu favor e o feito se afastar assim, como mágica.
O amontoado de pessoas continua intacto perto da porta, igual à tempestade lá fora. Ela parece varrer cada parte da cidade como uma limpeza física e emocional. E gostaria que ela varresse meu celular também. A chuva é tão forte que a música que costuma preencher o ambiente é só um ruído sonso.
O aparelho agora parece me encarar de volta, parece me cobrar um retorno à vida social. Ainda com ele repousado sobre a mesa, penso que de fato eu precisava me organizar, como também precisava respirar em paz. Mas agora que todos os meus pertences estão no lugar, meu bullet journal está atualizado e consigo ver uma vida universitária mais organizada, sei que não existe mais desculpa alguma para continuar com ele em modo avião. Como também sei que não faz muito sentido continuar dessa forma, até porque não posso mais me privar de coisas por causa dos meus pais, muito menos por causa da minha mãe.
Respiro fundo, finalmente habilitando meu celular a receber todos os sinais telefônicos antes bloqueados. Tento me concentrar no céu cinza do lado de fora, tento não me prender às inúmeras vibrações vindas dele. Por fim, giro meus ombros para trás como um aquecimento. Não consigo desviar a atenção auditiva, eu acompanho cada vibração que chega. Respiro fundo mais uma vez quando percebo que elas se encerraram. Antes de encará-lo tento então focar no que realmente importa. É como um mantra: qualquer coisa que aparecer ali não pode me afetar.
Assim que o encaro, as cores parecem criar vida em frente aos meus olhos, elas moldam toneladas de notificações de uma antiga conta do Twitter que nunca nem sequer usei, outras tantas do Instagram e o restante notificações de mensagens da operadora, de Sorn, do grupo do curso, de minha mãe e de… Espera.
O quê?
Jungkook?
Sinto minha garganta falhar e meu corpo todo se transformar em geleia. Olho para seu nome em minha tela; tão diferente e ao mesmo tempo tão habitual. As cores aparecem agora em um tom mais intenso e vivo, exclusivamente para ele; elas dançam como um sonho distante e nada real.
J-u-n-g-k-o-o-k.
É realmente seu nome; com todas as letras, cores e sentimentos. Está ali, exatamente ali, não está? Seu nome identificando o número novo que recebi de Sorn no início da semana; que salvei com tanto apreço e ansiedade. Está ali; em uma explosão de cores, brilhando muito mais do que qualquer outra notificação.
Pisco algumas vezes. Uma, duas, três… Talvez dez.
[13:17] jungkook: os encontros com a minju acabaram
[13:31] jungkook: é o jungkook
As mensagens continuam ali; a data de ontem encabeçando-as como um lembrete.
Meus dedos apertam meu celular com certo receio de que o momento me escape, quase achando graça de Jungkook sentir a necessidade de se identificar. Quase. Porque não tenho espaço para um riso frouxo ou leveza por agora. Meu corpo parece perder completamente a noção de tempo e espaço, é um trem desgovernado que acaba de passar por cima de toda a minha calmaria.
Todas as outras notificações continuam ali, mas pouco me importo. Meu mantra parece nem sequer existir mais, porque de fato estou afetada. Estou muito afetada.
Por todo o período de férias e por todos os dias em que sucederam minha chegada até aqui, eu planejei tudo o que gostaria de dizer à Jungkook. Com sinceridade e genuinamente. Precisei me policiar para não entrar em contato antes do tempo — do meu tempo —, antes de eu entender o que acontecia na minha vida, dentro de mim. Porque, caso eu fizesse, as atitudes seriam impensadas e os sentimentos verdadeiros sufocados por frases ansiosas e confusas.
Desde que Sorn me entregou o anúncio de designer gráfico, eu pensei em dezenas de formas de aparecer nas notificações de Jungkook. Não vou mentir, pensei mais do que me lembro. Pensei em dezenas de desculpas para conversar com ele, abri e fechei nossa conversa, digitei e apaguei mensagens. Mesmo com o celular em modo avião, não houve um dia desde que botei meus pés aqui que não ensaiei uma aproximação.
Pensando agora, chega até ser um tanto patético perceber que, nas últimas 24 horas, enquanto eu listava modos de chegar em Jungkook e me remoía com poucas ideias, a mensagem dele já estava ali: pronta para ser respondida.
Olhando para suas mensagens agora, penso que parece que todos os assuntos que eu gostaria de dizer simplesmente desapareceram no ar. Meus dedos dançam ansiosos sobre a tela, mas só dançam e não digitam nada por um longo tempo.
Por fim, envio a única coisa que consigo pensar por agora.
[15:40] eu: e eu quebrei o nariz do haneul
Não faço ideia do que eu quis dizer com isso, muito menos o que ele quis dizer com suas mensagens. Os encontros com Minju acabaram. É uma informação nova ou é uma antiga? Ou Jungkook só não sabia o que me mandar também?
Fecho os olhos e respiro fundo, dessa vez não como um mantra, mas como um momento para eu tentar me organizar. A informação que Sorn me trouxe de que Jungkook perguntou sobre mim nem sequer pareceu existir. Ela retoma meu cérebro agora como um tornado, uma tarefa de casa do ensino fundamental que esqueci por completo. Penso então que me afundei tanto no nervosismo de me aproximar dele que nem sequer lembrei que, talvez, ele quisesse falar comigo também.
A cada minuto que passa, sinto-me apreensiva. Meus olhos não deixam um instante sequer a conversa com Jungkook. Eu poderia ter falado sobre várias coisas. Poderia ter resgatado o dia das catracas, poderia lhe dizer que estou melhorando e mudando comigo. Poderia lhe contar que não o procurei, porque precisei me encontrar antes; que não achei justo tentar resolver algo no meio de todo meu conflito interno. Não achei justo comigo e nem com ele. Eu poderia lhe dizer que estou pronta agora, que estou pronta para qualquer coisa, porque estou sendo verdadeira comigo mesma e que eu estou finalmente livre.
Mas não, dentre todas as coisas que poderia lhe dizer, eu escolhi a que citava meu ex-namorado.
Inacreditável.
— Dumb dumb dumb dumb dumb...
Meu corpo sofre um solavanco surpreso ao som de Red Velvet, meus olhos crescendo em pavor quando eu finalmente entendo o que está acontecendo.
É uma ligação.
Uma ligação de Jungkook.
Sinto vontade de gritar, sair correndo em direção ao amontoado de pessoas e os chacoalhar enquanto solto frases sem cabimento algum. Sinto-me eufórica, a flor da pele. O nome estampado na tela grande e brilhosa em minha frente parece um alerta.
Quase caio na tentação de pensar em algo para lhe dizer ao atender, de tentar consertar a frase sem cabimento que lhe enviei, mas acabo pensando que a dele também não foi lá a mais incrível do mundo. Foi? Estamos quites nessa, afinal.
— Oi! Oi!
Minha voz sai alta e urgente, a loja de conveniência parecendo ter sido preenchida por ela como um alto falante. Ela não se parece em nada com as formas que planejei falar. Séria, madura e determinada.
— Oi, é o Jungkook.
— É, eu sei.
E, por um instante, ficamos assim; dividindo uma expectativa sem cabimento, porque eu espero com que ele fale e ele espera com que eu fale. Nossas respirações batendo no bocal e a certeza de que somos péssimos em lidar com esse tipo de situação pairando no ar.
— É... Hm. — Ouço seu pigarrear desconcertado do outro lado da linha. Aonde quer que ele esteja, parece silencioso e calmo. — Você quebrou o nariz do Haneul?
— É. — Respondo, nervosa. É pela lembrança e por ele. — Foi uma confusão tremenda.
— Como assim? O que aconteceu?
A voz de Jungkook é como eu sempre me lembrei e fico feliz por não tê-la esquecido.
Chacoalho-me sobre o banco, pensando em lhe narrar todo o episódio com Haneul em um dos portões do campus. Penso em lhe dizer com precisão, ato por ato, mas percebo que não vale a pena. Não agora. Não quando meu coração bate tão forte no peito que o sinto em meus ouvidos.
— Foi só uma vingança genuína, — falo sem pensar muito — quebrei sem querer.
Ouço um riso descrente e abafado vindo dele e imagino seu nariz se enrugando com o ato. Por alguma razão, meu peito se espreme pela lembrança de seu rosto e todos os seus detalhes.
— Sem querer?
— É, — chio, porque sei que parece suspeito. — Sem querer.
Seu riso se estende por mais um tempo, ele é baixo e leve. E me pergunto se toda essa angústia nostálgica que sinto, Jungkook também consegue sentir.
— Você tá na universidade?
Sua voz me faz sair do transe e, por um instante, não entendo sua pergunta.
— É, sim... — Venho aérea de início, mas tentando me recompor ao repetir: — Sim, eu to. E você?
— Também. — Solta ligeiro, como se já esperasse pela pergunta. — Voltei mais cedo pra fazer a mudança.
Lembro então de seus planos de sair dos dormitórios e se instalar em uma república. Balanço a cabeça em uma afirmação fervorosa, esquecendo que Jungkook não pode ver.
— Deu tudo certo? — Pergunto, meus dedos apertando o celular com tanta força contra meu ouvido que machuca.
— Deu.
O silêncio que vem a seguir parece errado, porque sinto que as coisas estão bagunçadas, fora de ordem. É um silêncio e vários pensamentos brigando entre si em meu cérebro. Giro os ombros para trás mais uma vez, apesar do ar condicionado, me sinto quente.
— E deu tudo certo na sua vinda pra cá?
Dessa vez é ele quem pergunta.
— Deu.
E mais silêncio.
É um jogo de perguntas e respostas. Um programa de auditório no fim da tarde de domingo.
Começo a me sentir aflita, agitada. Não entendo a ligação de Jungkook, não entendo o porquê de eu precisar encontrar uma razão para ela e não entendo o porquê de eu ficar nessa luta interna entre justificador e não justificar.
Remexo-me na cadeira, a chuva parece ter diminuído e, com isso, o pequeno tumulto na porta começa a se dispersar. Olho para as prateleiras de produtos ao meu lado, mas não presto atenção nelas.
— Vai ter uma festa amanhã à noite. — Jungkook anuncia de repente, por trás de sua voz eu ouço uma porta bater. — Não sei… É… Você quer vir? É a despedida do Taehyung.
Meu peito parece trepidar. Flutuo sobre as palavras por pouco tempo, tentando encontrar coesão a todo o meu caos repentino, até sua voz tomar a ligação outra vez:
— É porque eu preciso te entregar uma coisa! — Seu tom é urgente, como se precisasse se justificar pelo seu convite inusitado. — Eu vendi o notebook que você me deu.
Franzo o cenho, perdida em toda a mudança brusca de cenário. Tento ir e vir, tento entender aonde meus pensamentos estavam me levando e aonde de fato eles me trouxeram. Talvez essa não tenha sido a justificativa que eu esperava pelo convite.
— Quer dizer, — ele volta a falar — o notebook que o Haneul pagou.
— Erm... Vendeu? — Minha voz é incerta, surpresa. Ainda me sinto perdida, mas não me deixo chatear pela notícia. Pelo menos, não da forma que me faz acreditar que Jungkook se desfez de um presente meu. Porque, de fato, não era meu; era de Haneul. — O que aconteceu?
Do outro lado da linha, Jungkook parece ponderar por um instante. Ouço sua voz soltar murmúrios sem sentido e sua respiração se intensificar. Enquanto o espero, penso em como as coisas parecem de fato fora dos eixos. Essa não é a conversa que gostaria de estar tendo com ele, esse não é o clima que eu esperava achar.
— Eu contei para os meus pais sobre eu ter sido acompanhante de aluguel. — Solta depois de um tempo e sinto meus olhos se arregalarem pela nova informação. — Meu castigo foi trabalhar com eles na panificadora o verão inteiro, mas não foi bem um castigo, porque eu acabei recebendo por isso.
— Você contou aos seus pais?
Minha voz vem sem eu ao menos perceber, ainda estou absorta por toda a sua coragem. Um tanto surpresa e, completamente, embasbacada. Como também ainda me sinto perdida com o ritmo da conversa em si. Jungkook parece frenético, à mil por hora, enquanto eu sou uma formiga minúscula dando passos pequeninos.
— É! Foi meio doido, a reação deles não foi muito boa, mas foi bem melhor do que eu pensava. — Ri, como se a situação em si tivesse alguma graça. — Pelo menos minha mãe não quis me tirar da universidade.
Minha respiração parece trancar na garganta. É esquisito perceber que nos últimos meses eu e Jungkook passávamos quase pela mesma coisa. Libertação de mentiras e um novo relacionamento com os pais. A única diferença aqui é que ele parece ter tirado proveito financeiro disso, enquanto eu estou tendo que me virar com o que restou da última mesada de dois meses atrás.
— Depois de todo esse tempo, eu decidi vender o notebook, juntar com o que eu ganhei na panificadora e devolver o dinheiro de todo mundo. — Jungkook conclui, mas então retoma: — Quer dizer, não de todo mundo. Eu não quis devolver o dinheiro do Taehyung, porque ele me contratou pra jogar vídeo game com ele e ele é muito ruim mesmo... Isso me irritava um pouco, fiquei com o dinheiro pela paciência que gastei.
Solto um riso nervoso, me lembrando de como eu fui introduzida na vida de Jungkook pela primeira vez. É bom perceber que agora ele mesmo a apresenta, mas é ruim perceber agora também que não soube sobre ela por quase dois meses inteiros.
— E é isso... — Diz, parecendo ficar sem graça quando meu riso desaparece. — Eu comprei um notebook mais em conta. Não é tão bom quanto aquele, mas tem tudo o que eu preciso. Eu comprei um celular também...
— Eu vi. — Apresso em dizer, ainda sou agito, não tenho controle algum sobre o que o nervosismo causa em meu corpo. — Mudou de número, não é?
— Mudei. — Algo do seu lado da ligação cai no chão e o ouço xingar baixo. — Eu perdi o meu a caminho de Busan, no início das férias.
Início das férias.
Foi o último dia em que nos vimos, não foi? Era início das férias...
Sinto uma necessidade esquisita de querer falar sobre nós, de tentar entender o que aconteceu e o que pode acontecer. De tentar entender o que está acontecendo. Esse seria o momento certo, não seria? O momento certo para tirar esse sufoco repentino da garganta, esse incômodo ruim do peito.
— Eu te liguei por isso! — Revela de repente e não o entendo. Tenho dificuldade em lhe acompanhar. — Eu queria te entregar a sua parte amanhã, na festa do Taehyung.
Sinto minha testa vincar e meus neurônios trabalharem em dobro. Uma dúvida antiga e secreta surgindo dentre tanto nervosismo. Será que nós podemos ser alguma coisa ainda? Será que Jungkook quer que sejamos?
— Claro! Claro. — Quase gaguejo. — Certo… Eu vou, então.
Eu fiquei tanto tempo tentando arranjar um jeito de conversar com ele, fiquei tanto tempo tentando organizar meus sentimentos e pensamentos, que acabei esquecendo que existia uma chance grande de nosso tempo ter passado. Apesar de cogitar isso, apesar de saber que essa era uma possibilidade, eu ainda nutria uma certa esperança de que nós ainda pudéssemos existir e que existiríamos então de forma real e sincera.
— Eu não vou negar, to precisando da grana. — Digo, tentando fugir do que posso sentir com o rumo que nós dois pegamos. — Vai ser de grande ajuda.
Mas em meio ao meu riso falso, há o silêncio de Jungkook.
Eu só quero desligar a ligação.
— Ajuda? — Sua voz vem depois de um tempo, mais baixa que o normal, como se soubesse que o terreno a se pisar é delicado demais. — Por quê?
— É, bem... — Começo, meus planos não eram trazer a conversa até aqui, na verdade, a conversa em si seria completamente diferente do que estamos tendo agora. Mas a vontade é válida e real, ela veio de súbito e não quero me frear. Até porque eu ainda sinto uma necessidade bizarra de querer contar as coisas para Jungkook. — Meus pais ficaram sabendo das mentiras por Haneul, foi um completo caos e, no fim, um dos meus castigos foi o corte da mesada.
— Isso… Porra. Espera. — Jungkook não sabe o que dizer e não o culpo por isso. Nas últimas semanas, nem eu sequer consegui entender a situação como um todo. — Um dos?
— Eu fiquei sem celular por um tempo, mas em dois dias eles me devolveram. — Ajeito-me na cadeira, meus olhos fixos sobre o tampo vermelho da mesa. — Acho que o castigo maior foi o clima que ficou na casa dos meus avós.
Suspiro.
Eu sinto saudade do cheiro de verão dele.
— Seus avós não falaram nada?
— Nada. — Dou de ombros, desanimada. — Minha família é muito boa em fingir que nada aconteceu, é tipo como um dom que vem com o gene.
Não é engraçado e por isso nenhum riso vem. Mas mesmo assim sinto vontade de rir, uma risada exagerada e sem cabimento algum, porque ainda estou pensando em como a vida pode ser cretina com a gente.
O nosso tempo realmente passou?
— Pelo menos, você não vai mais precisar gastar grana com um acompanhante de aluguel.
Sua voz vem séria, ainda baixa. É como um pensamento intenso, mas engraçado. Ele não se atreve a rir, mas eu me atrevo a achar graça. Ainda. Acho graça até certo ponto, porque essa é mais uma oportunidade de falar sobre nós dois, não é? Mas a cada minuto que passa, o assunto parece cada vez mais ultrapassado.
— Eu vi seu novo anúncio! — Exclamo, uma animação falsa na voz. — Designer gráfico, gostei. Os anúncios estão cada vez melhores, de post-it verde pra papel couchê com laminação fosca? Wow, uma evolução!
O tempo que Jungkook leva para responder me faz pensar. Talvez ele esteja questionando minha tagarelice incomum ou só esteja tentando entender aonde o assunto nos levou. Ele sente que todo esse papo abrupto também parece esquisito demais? Ao fim, sua voz surge com certo humor:
— Acho que meu anúncio de designer não teria lá muita credibilidade se fosse feito em um post-it com uma letra feia...
— Agora você admite que era ruim?
Essa é mais uma oportunidade de falar sobre nós dois. E sinto fundo no peito.
Ouço a risada controlada de Jungkook ecoar junto a alguns objetos caindo no chão de madeira. Tento acompanhar seu ritmo, mas acabo me prendendo em toda uma amargura nova que se instala em mim.
Isso não parece certo.
Uma aflição estranha, um vazio imenso. Talvez as coisas com Jungkook não façam mais sentido... Sinto angústia e preocupação. Uma angústia por não ter falado tudo o que queria ter falado e uma preocupação por perceber que talvez não haja mais espaço para isso.
Eu e Jungkook acontecemos, mas agora não mais. Tudo o que nós tínhamos pra ser vivido, foi e pronto.
— Eu preciso desligar. — Ele reaparece, a voz calma e regulada. É um tom sincero. — Tenho que terminar de arrumar meu quarto.
— Tudo bem. — Digo, automaticamente olhando para meu relógio de pulso. — Eu também preciso, logo eu tenho um reunião do curso e...
Não termino, porque não vejo necessidade alguma. Empoleiro minhas pernas no banco da loja de conveniência e pressiono meu corpo contra a mesa. O clima é esquisito, tanto lá fora quanto aqui.
— Você vai amanhã, certo?
Pondero por um instante.
Sim…
Não...
— Sim, vou.
— Até amanhã, então. — Fala apressado e logo ouço vozes do seu lado da linha. — Preciso ir agora. Tchau.
Minha despedida é um muxoxo esquisito e sem nexo; o som da ligação muda é um tormento extravagante no meio de toda a minha aflição.
Nesse meio tempo em que levo para bloquear a tela do celular, eu me perco na nuvem fantasiosa que toda essa conversa emergiu. Como também me perco nos fantasmas de todas as palavras que morreram em minha garganta. Todas as palavras que ensaiei e organizei para lhe dizer, todas as palavras não ditas.
A recente conversa parece vaga, esquisita. Não parece verdadeira, não parece se encaixar em todas as outras que já tivemos. É como se existisse algo que sufoca, que me sufoca. Não sei explicar se a pendência que sinto é de todos os assuntos não resolvidos ou do recente questionamento sobre nós dois.
Deito minha cabeça sobre a mesa, pressionando minha testa contra a madeira enquanto tento buscar respostas, explicações. Talvez não haja nenhuma, ao fim de tudo. Talvez as coisas sejam só isso, sem teorias ou roteiros mirabolantes. Luto também com a ideia de que talvez essa não seja a hora, que talvez eu precise de mais um tempo para entender; a situação, eu. Talvez eu precise de mais tempo para me decidir, de mais tempo para que eu entenda o que eu realmente quero.
Há uma infinidade de possibilidades ou até mesmo de incertezas.
Talvez. Talvez. Talvez.
Talvez essa seja a nossa história.
Talvez esse seja nosso fim, sem términos ou inícios.
[...]
Estou absorta em um mundo paralelo, enquanto a voz de Sorn é como uma trilha sonora abafada igual a um filme de suspense. Não consigo prestar atenção no que fala, mas acredito que o assunto tratado seja o novo menu do refeitório. Não sei bem. Ela comenta sobre lasanhas, mas também sobre cadeiras e persianas.
A grande verdade é que não prestei atenção em nada do que fiz até aqui e agora. Desde o fim da ligação com Jungkook, me sinto assim: aérea, esquisita, ultrapassada. Para ser sincera, não me concentrei na reunião do meu curso de verão de ontem à tarde. Como também não prestei atenção quando organizei minha primeira semana de aulas no bullet journal, nem quando caminhava pelo campus com Sorn para visitarmos os animais resgatados hoje pela manhã. E muito menos quando derrubava boa parte do lámen sobre a mesa do refeitório e minha mochila.
Franzo o cenho, incomodada com toda a situação. Minha colega de quarto está estirada sobre a cama, enquanto eu estou apoiada no parapeito da janela, olhando como a luz do fim do dia toca as árvores do bosque e percebendo como ainda não consegui encontrar um meio de lidar com o que sinto dentro de mim.
Desde ontem, tentei ocupar minha mente com jogos no computador, filmes adolescentes, Bukowski e Sherlock Holmes. Também tentei a ocupar com uma nova organização para minha estante de livros, mas nada. A única coisa que tenho em mente é o rumo da conversa com Jungkook e do que um dia pareceu ter existido entre nós dois.
Tentei arranjar uma explicação, um sentido, um motivo. Não sei exatamente pelo quê; se pela situação em si ou se para o que sinto. Não achei nada, mesmo que eu tenha desistido assim que pensei em procurar. Estou parada no meio do caminho e sinto que essa sensação não é nova. As palavras não ditas ainda estão presas na garganta, a sensação de assuntos pendentes ainda me agarra os braços. Sinto-me aflita, chateada.
Demorei a dormir na noite passada e, quando consegui, acordei por vários momentos do meu sono leve e superficial. Acabei me colocando em dúvida sobre dezenas de coisas que antes eu parecia ter certeza. Resgatei o questionamento sobre o meu tempo. Será que esse seria o momento certo para nós dois acontecermos? Talvez seja um aviso do universo, não é? Talvez seja ele dizendo que as coisas devam se encerrar dessa forma antes mesmo que elas sequer comecem.
— Que horas você vai?
A voz de Sorn parece receber uma injeção de energia, minha atenção sendo pega de prontidão quando o assunto envolve ele. E é um tanto vergonhoso perceber que ela não precisa explicar sobre o que se refere, porque eu simplesmente sei. Abandono a paisagem, cambaleando pelo quarto e sentando na beirada de minha cama.
— Acho que lá pelas oito. Não sei. — Dou de ombros, indecisa. — Ele não falou o horário.
— Você vai mesmo só buscar o dinheiro?
Ela gira sobre a cama, o livro que lia antes de iniciar seu quase monólogo sobre o refeitório está fechado sobre a barriga. Olho para o relógio por um instante, assim como venho fazendo nas últimas duas horas. É 19h17. Quando percebo faltar pouco para o horário estipulado, remexo-me no lugar, agitada.
— Não sei bem, talvez eu fique mais um pouco… Beba algo.
Mas sei que é mentira, falo apenas por dizer — minha ansiedade parecendo aflorar brutalmente em mim —, porque não pretendo ficar mais do que o necessário, não pretendo passar da porta de entrada. Quero pegar o que Jungkook tem a me dar, gravar todos os seus detalhes como reza e desaparecer, enfiar-me em algum restaurante barato no caminho e gastar o pouco do dinheiro que ainda me resta. Talvez dessa forma eu consiga entender toda a bagunça que ele causou dentro de mim.
Ainda parece complicado me entender, mesmo depois de dois meses lutando e aprendendo. Sei que as coisas mudam gradativamente, aos poucos, mas eu gostaria que fosse mais fácil. Pelo menos, dentro da minha cabeça. Eu sou caos de sentimentos, incertezas e memórias vívidas de um passado que não quero relembrar. Mas parece que sempre retorno, parece que sempre estou lutando para não cometer os mesmos erros outra vez. É um conflito longo e duradouro. Um passo errado e estou confundindo meus sentimentos e os de outrem. Certas vezes não consigo distinguir, certas vezes sou só um emaranhado de soluções inacabadas, conclusões pela metade. Certas vezes não chego a lugar algum. Como agora.
E, pensando bem, talvez o meu karma seja me enfiar nessa luta incessante, porque só desse jeito eu consigo me achar em meio a tantas segundas intenções, pensamentos paralelos e desejos que não são meus.
— É só que... — Começo, meu peito inflando pelo ar sugado com violência. É como se estivesse segurando o fôlego para mergulhar em um oceano imenso e sem terras ao redor. — É tão confuso, tão confuso. Você entende? Não sei se Jungkook tá na mesma página que eu, não sei se devo insistir, não sei se essa é a coisa certa a se fazer. É tudo tão... Urgh.
Sinto-me sugada emocionalmente. Ainda é esquisito falar sobre meus sentimentos por ele em voz alta depois de tanto tempo os guardando para mim. Mas caso eu não fale para Sorn, sinto que a qualquer instante posso explodi-los para todos os lados sem escrúpulo algum e para qualquer um.
— Você já... Sabe? — Seus olhos atentos estão sobre mim, seus ombros erguendo-se antes de completar: — Perguntou pra ele?
Fico em silêncio. Meus sentimentos são tão caóticos que sinceramente não consigo entender aonde ela quer chegar. Parece simples e prático, mas em minha cabeça é um código binário longo e complexo.
— Perguntou se ele quer tentar. — Sorn se ajeita na cama, explicando como se eu fosse uma criança. Ela agora tem o livro sobre a manta bagunçada e seu corpo sentado sobre a beirada do colchão, como eu. — Você disse que não sabe se ele tá na mesma página que você. Bem, você já perguntou isso pra ele?
Abro minha boca para responder, mas a fecho logo em seguida. Porque parece fácil, objetivo. E talvez realmente seja, não é? Então porque eu continuo achando que o assunto nós dois parece ultrapassado demais para ser relembrado? Foram quase dois meses, afinal.
Muita coisa muda em dois meses.
— Não, não perguntei, mas é que... Argh. — Caio de costas na cama, tampando o rosto com os braços. — Não sei se to pronta. Quer dizer, eu nem sequer consigo definir as coisas dentro de mim. Acho que pode ser medo? Ou só ansiedade? Não sei, não consigo definir.
Por algum tempo, não ouço nenhum barulho vindo da outra cama. Só consigo ouvir ao fundo vozes nos corredores e portas batendo. Pareço incompleta, é como se nada do que eu diga faz jus ao que eu realmente sinto.
— Quando eu me sinto irritada com a faculdade e me pergunto se o curso foi a decisão certa... — A voz de Sorn vem de repente, como se ela estivesse pensando no que dizer por todo esse tempo. — Eu fecho os olhos e me faço a pergunta: aonde você gostaria de estar exatamente agora, Sorn?
Tiro meus braços de cima do meu rosto e a olho, um pedido silencioso para que continue.
— A maioria das vezes eu me vejo em alguma praia paradisíaca. — Ri e a acompanho, mesmo não entendendo exatamente seu raciocínio. Sorn me olha, o riso sumindo quando continua: — Mas então eu me concentro na parte profissional... Logo eu desejo estar nos bastidores de um filme ou em um café escrevendo roteiros. São nesses instantes que eu percebo que o curso foi a decisão certa. — Dá de ombros, um tanto tímida por revelar algo tão pessoal. — Você deveria tentar.
Viro-me sobre a cama, apoiando meu corpo nos cotovelos. Penso seriamente no que me disse e, então, penso mais uma vez. Existe um pensamento rondando minha cabeça há um bom tempo, um pensamento que tento sufocar, porque me angustia de certa forma.
Se estou com tanta dúvida assim, então quer dizer que ir até Jungkook não é a coisa certa a se fazer.
Esse pensamento me amedronta, porque não quero que seja verdade. Ele é linkado aos tantos filmes que já assisti na vida, sobre amor próprio e relacionamentos abusivos. Acabo sempre me lembrando dos finais sem casais e pessoas solteiras felizes. É isso que se espera, não é? É dessa forma que deveria ser?
Mas ele também se linka a todo um universo novo, aonde eu tomo minhas decisões. Ele passa a não fazer sentido quando penso sobre tudo o que já vivi até agora. Talvez seja mais um conflito interno, não é? Talvez ele seja o limite que separa o ponto aonde me permito viver e o ponto que me impeço de seguir em frente por vontades e crenças que não são minhas.
— Foi esquisito conversar com ele depois de tanto tempo. — Digo, sabendo da mudança brusca de assunto. Fico na esperança de Sorn acompanhar minha lógica quebrada, mas caso não acompanhe, não vai ser tão ruim assim. — Eu queria dizer tanta coisa e queria ouvir tanta coisa... Mas nada aconteceu. Eu tenho a impressão de que a gente tá em cima de um muro que separa nós dois de sermos conhecidos ou íntimos.
Minha voz sai alta e clara, mas não busco explicar nada para minha colega de quarto, eu busco me entender. Eu preciso falar sobre a situação em si, preciso falar sobre Jungkook também.
Preciso falar.
Porque eu parecia estar indo tão bem, não parecia? Por todo esse tempo me encontrando e me organizando sentimentalmente... Foi só uma conversa esquisita de telefone acontecer que me baguncei por inteira.
Preciso falar, porque parece que somente dessa forma eu vou conseguir organizar meus medos dentro de mim de novo. Minhas inseguranças. E, então assim, resolvê-las.
— A minha vontade é de sentar com ele, frente a frente, entende? E dizer tudo, contar tudo, falar tudo o que tenho pra dizer. Quero tirar esse incômodo de mim! — Acabo soando irritada. — Mesmo que eu seja muito ruim nisso e que fale mil coisas antes de chegar ao ponto.
Meus olhos correm até o rosto de Sorn, ela me olha atentamente, mas não parece que dirá algo tão cedo. Talvez ela realmente não tenha acompanhado minha lógica falha, meu raciocínio de linkar seu conselho com meus medos profundos.
Quer dizer, existe lógica no que falo?
— Eu acho que a gente merece mais uma chance, — volto a falar, sem nem sequer pensar direito. É como se eu tentasse justificar a próxima ação que pretendo tomar. — Porque nós dois somos ruins demais nisso. Somos ruins demais!
É uma luta incessante de fato. Uma luta agora entre meu passado cheio de inseguranças, futuros que não sonhei e argumentos para me impedir de viver da forma que quero viver contra meu presente comandado por mim, ainda com inseguranças, mas com a certeza de que são somente minhas e de mais ninguém.
A linha tênue entre o medo e a ânsia pela liberdade.
Vou viver me enfiando nela, nessa guerra de erros do passado e acertos do presente, mas é importante que eu a lute.
— E, sabe? — Aumento a voz. — Sendo duas pessoas ruins demais em lidar com esse tipo de situação, o que eu esperava que a nossa conversa no telefone fosse ser? Por Deus! Eu não posso me dar por vencida.
Aonde eu gostaria de estar exatamente agora?
Com Jungkook.
Eu gostaria de estar com Jungkook lhe dizendo tudo o que planejei dizer por todo esse tempo. Perguntando se sua página é a mesma que a minha, me arriscando e vendo aonde tudo isso pode me levar.
Porque, inferno, é o tempo certo. É o tempo certo porque eu quero que seja.
Sei disso, sei disso há boas semanas agora. Sei disso porque finalmente sinto que posso construir algo verdadeiro, algo sincero. Profissionalmente, pessoalmente e romanticamente. Posso construir algo com sentimentos, com vontades reais. Porque eu finalmente me encontrei e estou me libertando.
Ergo-me da cama sorrateiramente. Tenho ciência dos olhos de Sorn sobre cada movimento meu, mas não me importo muito com isso. Como também tenho completo conhecimento agora de que terei que lidar melhor com esses momentos em que o medo toma a minha frente.
É um processo gradual, não é?
Mas não posso me deixar vencer.
Enfio no bolso de minha calça a carteira e o novo anúncio de Jungkook por motivo algum, colocando os sapatos antes de seguir pelo corredor vazio. O prédio dos dormitórios femininos não está deserto, mas não prendo a atenção em ninguém. Existe um nervosismo instalado na boca de meu estômago, exatamente como da primeira vez que fui atrás dele. Ainda me lembro do barulho dos sapatos no piso frio, como ainda me lembro da sua figura abrindo a porta de repente.
Será que gostar de alguém de forma sincera é assim mesmo? Esse caos de sentimentos à flor da pele, essa ��nsia, esse desejo? Penso quando entro no elevador e espero pacientemente até que ele chegue ao primeiro andar. Os números no painel eletrônico parecem se arrastar, mas eu não me encolho no canto da caixa de metal. Todos os contras e prós que levantei durante o dia ainda existem, mas me permito ouvir a minha única certeza.
Mesmo que Jungkook não esteja na mesma página que eu, quero que ele saiba tudo o que guardo dentro de mim.
Desço do elevador sentindo as pernas andarem depressa, urgente, meu corpo todo parece reagir para que eu siga em frente. E, assim que passo pelas catracas do dormitório feminino, eu sinto toda a minha adrenalina balançar cada canto meu. É uma sensação nova, libertina e avassaladora. Porque enquanto caminho em direção à saída do prédio entendo que por mais que tenha vindo no horário estipulado desde o início, vim agora com um objetivo traçado, vim com uma intenção explícita e clara.
Sinto-me diferente.
O vento atinge minha face com astúcia, quando passo pelas portas de vidro. Meus passos ainda são rápidos e longos, apressados. O crepúsculo que pinta o céu cobre agora o campus inteiro em um laranja-rosado nostálgico. Mas antes mesmo que eu consiga alcançar as escadas, vejo-me parada sobre o caminho de cimento e plantas novas; não porque eu simplesmente desisti do plano, mas sim pelo simples fato de encontrar Jungkook logo ali também.
Sua imagem como uma miragem oblíqua, extravagante.
E ele ainda é caos; um caos de cheiros, gostos, sensações e sentimentos.
Me desperta e me chacoalha.
Sou sensível em cada centímetro de pele, sou incandescente.
Quando nossos olhares se encontram por debaixo das luzes naturais do céu e das artificiais vindas dos postes, é como dois planetas se colidindo no espaço. É gigantesco, mas silencioso. Meu corpo todo é torpor e no meu peito tenho somente uma batida dissimulada. Parece irreal vê-lo ali depois de tanto tempo, como um sonho confuso, como um devaneio esperançoso.
Sua presença logo ali me faz pensar em milhões de hipóteses, em milhões de incertezas. Todas elas se mesclando em fios de cores similares e não me deixando chegar à conclusão alguma.
E eu logo entendo que, muito provavelmente, gostar de alguém com sinceridade seja realmente isso. Coração a mil, sentimentos vasculhados no peito e reações patéticas.
Jungkook está parado no último degrau da escada de concreto, seu cabelo ganhou um novo corte e em suas orelhas há argolas mais grossas. Sua boca está entreaberta para recuperar o fôlego, enquanto o topo de suas bochechas recebe um tom leve de rosa. A imensidão escura de seus olhos caem sobre mim em surpresa e confusão. E logo sou rendida pela óbvia constatação repentina de que senti sua falta.
— Jungkook. — Sou eu quem chamo, a voz falha pelo tanto que sinto, pelo tanto de sentimentos que saltam dentro de mim. — Oi.
Não ouso sair do lugar, não ouso sequer me mover. Tenho medo que o momento me escape, que o sentimento voe para longe e eu volte a me enfiar em um buraco de angústia e incertezas, que eu volte a ter que lutar contra meu passado. Mesmo que eu ainda me sinta angustiada, mesmo que eu ainda seja dúvida.
Jungkook nem sequer me responde, e me faz pensar por um instante se não estou o imaginando ali de fato. Ao contrário do que espero, sua reação é franzir o cenho consideravelmente enquanto ainda me olha. Ele parece lutar contra seus pensamentos, da mesma forma que luto contra os meus. Tento entender o que acontece ou o que pode acontecer, mas quando ele decide por diminuir a distância entre nós dois, percebo que não faço ideia do que ele pode estar pensando.
Ainda estou desnorteada pela sua presença quando ele para em minha frente.
Somos agora separados por poucos passos de distância. Meus olhos fincados em seu rosto, decorando cada detalhe como prometi que faria. A boca, os olhos, as sobrancelhas, as pintinhas como estrelas no céu. A brisa do fim de tarde se aninhando ao meu capricho e me entregando seu perfume tropical em cócegas na ponta de meu nariz.
Eu precisei ficar pensando em ti, Jungkook, te lembrando e te traçando a todo instante. E não pude me descuidar um segundo sequer. Porque tive medo de esquecer teu rosto, teu gosto, teu cheiro. Tive medo de perder tudo o que ainda tinha e tudo o que ainda restava de ti.
— Erm... Eu... — Sua voz vem depois de certo tempo. Ela é como um megafone em meio ao silêncio que nos cerca. Seu corpo se remexe de um lado a outro e, num instante, Jungkook me estica um envelope que nem sequer reparei que segurava. — Eu quero te entregar isso. É o dinheiro que te devo.
Meus olhos passam de sua mão esticada até seu rosto consternado, ainda me tenho perdida em vê-lo depois de tanto tempo. Ainda me tenho perdida pelo encontro antecipado, pelo tanto que preciso dizer.
Ajeito a mecha que teima em voar com o vento, prendendo-a atrás da orelha antes de pegar o que Jungkook me estende.
— Obrigada, — ergo os ombros, um riso sem graça escapando pelo canto da boca — mas você não me deve nada.
Seus olhos desviam dos meus com rapidez, o cenho sempre franzido em aflição. Parece ainda lutar com o que pensa, parece ainda lutar com o que quer dizer. E acabo pensando se Jungkook precisa também lutar guerras internas com o seu passado e com o seu presente, como eu.
— Eu to indo pros dormitórios, — ele se afasta um passo, as mãos agora se afundando nos bolsos dianteiros da calça jeans escura. A camiseta amarela balança com o vento, uma dança em conjunto com a minha blusa. — Decidi te entregar isso logo... Já q-que eu to indo pros dormitórios.
Seus olhos acabam procurando meu rosto abruptamente quando percebe que tudo o que sente transparece em falas repetidas e nem nexo. Eles ficam por pouco tempo em mim, no entanto, logo procurando outro lugar para prestarem atenção.
— Eu tentei te ligar! — Ele fala de repente. — Várias vezes. Tentei te ligar.
Hesito em responder, buscando na memória alguma notificação de chamada não atendida, mas nada.
— Desculpa, — peço duvidosa. — Meu celular ficou em modo avião nesses dois últimos dias, talve-
— Não. — Ele me interrompe abruptamente, percebendo em seguida sua explosão repentina. Jungkook completa então em um quase sussurro: — Foi antes, nas... Nas férias, mas eu não tinha seu número e só fiquei digitando números aleatórios pensando que poderia me lembrar.
Há um silêncio por aqui, enquanto Jungkook se remexe de um lado a outro, desconcertado pelo assunto recente. Penso em lhe dizer algo, mas não sei o que dizer. Ele joga os cabelos para trás, mira os coturnos escuros e depois as plantas ao lado do caminho de cimento.
— Onde você estava indo?
Ele vem outra vez, parecendo tentar trazer coesão a tudo o que sente, a tudo o que acontece aqui. Sua mão sobe até sua nuca, os dedos bagunçando os cabelos da região em um sinal claro de desconforto.
Abro a boca algumas vezes para lhe responder, mas sou confusão intensa e nova. Quero tentar entender o que acontece com Jungkook, mas nem sequer sei por onde começar. Nem sequer sei me entender.
Somos dois caos ambulantes em colisão.
— Eu... Eu tava indo para... — Começo, pensando em arranjar alguma desculpa, pensando em dizer qualquer coisa que não a verdade. Mas isso não faria o menor sentido; com o que sinto, com o que vim fazer e com o que quero. — Eu estava indo atrás de você... Na festa do seu amigo.
A expressão de Jungkook parece noticiar sua completa negligência à festa de despedida de Taehyung e, por um instante, me pergunto se existe alguma festa para ir. Ele assente, entendido, apesar de seu rosto não demonstrar nenhum entendimento.
— Você tava indo pegar o dinheiro?
Encolho-me entre os ombros, respondendo:
— E talvez beber alguma coisa...
Ele assente de novo, embora não exista nada a se concordar por aqui. Jungkook se afasta mais uma vez, girando os ombros para trás e respirando fundo. Enquanto permaneço parada, o envelope em uma das mãos e seu novo anúncio no bolso dianteiro da calça, penso que somos mesmo ruins em lidar com isso.
Jungkook vai agora de um lado para outro, lentamente, conflituoso. Faz com que eu me pergunte se devo esperar ele decidir o que fazer ou falar. Ou se devo segurar-lhe pelos ombros e tentar entender o que se passa. Sua figura não é agitada, mas eu sou. Ao fim, seus olhos tão escuros e bonitos se voltam para mim com mais atenção. Ele mira cada canto da minha face com cuidado, como se procurasse alguma resposta, algum sinal.
— Junkook, — começo, subitamente lembrando-me de algo — por que você tava indo para os dormitórios se você agora mora na república?
E dessa forma todo o seu rosto se transforma em incredulidade. Seus olhos miram os meus por poucos segundos antes da sua postura se ajeitar e mais uma vez seu perfume dançar por entre nós. Ele aparenta estar desconcertado de certa forma, mas não vira as costas ou se afasta, parece apenas ter dificuldades em explicar.
— É porque eu... Eu... Porra. — Jungkook ergue os braços para cima, contrariado. E enquanto suas mãos cobrem seu rosto em frustração, ele completa com a voz abafada no que parece um lampejo repentino de coragem: — Eu menti, eu tava vindo atrás de você.
Franzo o cenho, sem entender.
— Mas por quê?
Vejo-o afastar seus dedos até que eu consiga enxergar seus olhos, parece agora analisar minha pergunta através da minha expressão facial. O que eu não entendo até ele surgir com um questionamento esquisito:
— Por que eu menti ou por que eu tava indo atrás de você?
Minha cabeça titubeia e dou de ombros.
— Faz diferença?
Jungkook infla o peito, ofendido com o que acabei de dizer. As mãos já não cobrem mais seu rosto e ele agora me olha de forma crua, sem desvios ou cenhos franzidos.
— Bem... Não sei.
Meus ombros caem por não entender sua resposta ambígua.
— Não sabe o porquê mentiu ou não sabe o porquê de ter ido atrás de mim?
Sua cabeça também titubeia e sei que esse assunto já não faz mais sentido algum. Ele ergue os ombros também, mas logo sucumbe. Endireita a postura e suspira, rendido.
— Eu menti porque não quis soar patético, mas agora me sinto por ter dito isso em voz alta. — Gira os olhos, impaciente. — E eu vim atrás de você porque... Porque...
Será que agora mesmo Jungkook esteja se questionando da mesma forma que me questionei mais cedo? Talvez ele esteja pensando se vale a pena contar a verdade ou insistir em mais uma mentira. E aqui, olhando-o ir e vir emocionalmente, só peço para que ele escolha a resposta com o maior nível de sinceridade, a resposta que condiz com o que sente.
Porque talvez Jungkook funcione como uma sequência de drinks alcoólicos na minha corrente sanguínea. Sou entorpecida pela sua presença, pelo seu cheiro e pelas lembranças. Mas não quero ser entorpecida por palavras que não gostaria de me dizer.
— Era pra eu ter dito tudo isso na ligação de ontem, mas eu simplesmente não consegui. Ela foi tão esquisita. Você não achou? — Revela em uma pergunta retórica, a voz mais séria e baixa. A menção sobre a ligação me faz alerta. Então ele sentiu o que eu senti também. — Sinto que posso ficar maluco. Eu sou muito ruim com sentimentos e em falar deles em voz alta e eu… Eu fiz uma lista.
Demoro um tempo para associar a nova informação passada, porque ainda estou perdida em Jungkook e nos sentimentos compartilhados, nas palavras não ditas e na urgência em livrar a garganta de frases mortas. Fico entretida por certo tempo na sensação de não estar sozinha, fico entretida em seu semblante ao me olhar, fico entretida então com a novidade recém dita.
— Uma lista?
Ele balança a cabeça positivamente, como se não tivesse mais o que esconder.
— É, meu amigo cursa psicologia e ele disse que pra gente não esquecer o que quer falar, podemos fazer listas. — Explica, um tanto envergonhado pela confissão. — E então eu fiz uma. Eu sempre pensei que tivesse sendo claro, mas eu sou tão reservado que qualquer demonstração mínima já me parece extravagância demais. Eu esqueço que pras outras pessoas um gesto grande pra mim pode ser só um gesto simples e nada mais.
Vejo-o observar com cautela a palma da mão esquerda, sua lista contendo três itens com números ao lado e palavras chaves. De repente, toda a sua agitação incomum, sua tagarelice pelo telefone e sua pressa fazem todo o sentido.
Jungkook está nervoso, tanto quanto eu.
Deixo que tome seu tempo, então, sem perguntas ou movimentos bruscos. Porque sei o quanto isso é importante, sei o quanto quero ouvir tudo o que ele tem para me dizer. Enquanto ainda tento processar a nova descoberta e lidar com tudo o que acontece dentro de mim, deixo que gire os ombros mais uma vez para trás para então assim dizer:
— To feliz que voltou. — Ele ergue a mão para cima, indicando o número um. Dessa vez ele parece agitado. — Esse é o primeiro tópico da lista.
Assinto como se quisesse lhe dizer que a mensagem foi recebida, que a entendi por completo, mas meus pensamentos ainda estão sobre a notícia de como suas demonstrações de afeto são cautelosas e quase secretas. De como está nervoso por precisar me contar coisas. De como está nervoso por minha causa.
Seu cenho se franze ainda mais do que antes e ele não parece contente com a resposta que dou.
— Eu to feliz de verdade, entende? — Repete e me concentro em prestar atenção no que me diz agora, porque começo a perceber que a mensagem também é mais uma demonstração de afeto. Uma confissão pequena para mim, mas grande para Jungkook. — Eu fiquei essas últimas semanas tentando entender se eu queria que você voltasse porque eu me senti culpado por te deixar pra trás ou se… — Pausa por um momento, a língua passeando pelo lábio em apreensão. — Ou se eu só não queria que você… Não queria que você desaparecesse da minha vida.
Sinto meu coração vacilar traiçoeiramente, sem aviso ou preparo. Penso em pedir para que ele repita da mesma forma que me disse, com as pausas, com os medos, com os gestos. Porque é desse jeito que percebo que das duas opções listadas por ele, a última era a certa.
Agora percebo que não me movo não porque não quero, mas porque não consigo. Jungkook está aqui em minha frente agora com uma lista de coisas para me dizer, dizendo que não quer que eu desapareça de sua vida.
E, pela primeira vez, eu finalmente reparo em novos detalhes de Jungkook. Eles são detalhes minuciosos e sutis, mas que carregam uma importância maior do que qualquer outro. A sutileza de demonstrar se importar, de demonstrar sentimento. Em cada ato e palavra. Na forma como fala, na forma como se porta. Na forma como tentou se organizar para me dizer o que gostaria de me dizer, na forma como digitou números aleatórios atrás do meu e na forma como me abraçou no banheiro daquela última festa.
Detalhes pegos no ar, detalhes preciosos que merecem tanto destaque quanto o nariz enrugado quando sorri, quanto a pintinha debaixo da boca.
E tudo parece fazer sentido agora.
Jungkook me olha e entende que eu entendo.
Quando seus olhos baixam para que ele leia o segundo tópico, sinto meus dedos formigarem de vontade de lhe puxar a camiseta e buscar conforto no seu abraço mais uma vez.
— A segunda coisa que quero falar é sobre o que aconteceu na última vez que a gente se viu. Eu queria me desculpar. — Ele não tira os olhos da palma da mão. Todas as informações que recebo agora ganham uma nova tonalidade de detalhes. Agora mesmo percebo que o assunto atual é crítico tanto para mim, quanto para ele. Jungkook se demora ali, como se demora a encontrar palavras para continuar. — Eu não deveria ter ido embora, eu deveria ter ficado e te ajudado. Na época eu fiquei com raiva, mas depois eu entendi que acabei sendo egoísta. Eu poderia ter te dado ideias, poderia ter te dado mais opções.
Seus olhos ainda se concentram na única palavra escrita no tópico dois, e penso se eu deveria lhe responder agora, mesmo que a ideia seja com que eu o responda ao fim de todos os assuntos listados.
Quero lhe dizer coisas e preciso lhe dizer coisas.
Mas respeito seu tempo, seu momento.
Os seus cabelos escuros agora chacoalham com a leve brisa da noite recém-chegada, o crepúsculo é como uma memória antiga e quase inexistente. Por um instante, Jungkook é uma galáxia inteira. As pintinhas e seus olhos. Todos os seus detalhes logo ali, a poucos passos de mim. Seus detalhes antigos e novos. O conjunto lhe transformando em uma canção, um filme completo. Por debaixo da luz dos postes, Jungkook é a minha lembrança favorita de uma noite de verão.
Seus dedos se fecham contra a palma da mão depois de um tempo, os instantes em silêncio, enquanto mirava o que havia escrito, parecendo terem sido usados para repassar tudo o que precisava dizer.
Não preciso me forçar a prestar atenção nele, porque não a desviei a partir do momento que o encontrei no topo da escadaria.
— Na verdade, eu... Para o tópico três, eu... — Ele então suspira, as mãos em punhos ao lado do corpo. — Eu vendi o notebook porque não acho certo você ter perdido tanto. Você gastou dinheiro demais com ele. Você me contratou, mas você sabe que foi por causa dele e... — Nega avidamente. — Não quero mais que você conviva com isso, também não quero mais ser conectado a isso.
Meu cérebro tenta trabalhar da forma mais rápida que consegue, coletando informações e tentando as organizar em meio ao caos que acontece bem em meu peito. Tento associar cada palavra dita, cada frase lançada ao ar, cada sentimento exposto. É demais. Penso em lhe responder dessa vez, começar em ordem crescente ou decrescente. Mas Jungkook ainda tem coisas a dizer, porque talvez o que tenha dito não tenha feito jus ao que realmente sente.
— Não quero correr o risco de a lembrança que deixei em você se mesclar com a dele de alguma forma. — Ele umedece os lábios com a ponta da língua, seu olhar é determinado. É quase como se eu pudesse ver sua garganta se livrar de todos os fantasmas de palavras não ditas. — Não quero te trazer angústia, não quero remeter a isso nem mesmo por lembrança. Você perdeu muita coisa até aqui, espero que você perceba que não precisa mais perder nada por causa dele ou de ninguém.
Fico em silêncio por um tempo. Sentindo meu coração bater contra o peito de forma desgovernada. Penso por um instante que todos os sentimentos por Jungkook estão sendo maximizados. Estão sendo intensos demais e não existe outra causa que não ele.
E eu finalmente posso sentir tudo. De forma verdadeira, genuína, sincera. Posso me doar sem medo, sem mentiras, sem namoros falsos. Posso escolher ir, posso escolher ficar. Posso escolher entre viver e não viver. É a minha escolha. O sentimento que tenho dentro de mim agora é grande, intenso e interminável. Ele toma conta de cada canto meu, cada pensamento solto, cada lembrança vivida; ele é a própria liberdade de poder sentir o que quero sentir sem culpa, sem ressentimento, sem cobrança.
Acabo umedecendo os lábios também, enquanto Jungkook tem sua expectativa em cima de mim. Seus ombros não estão tão tensos como antes, mas seus olhos agora parecem cansados de toda a descarga emocional.
Sinto-me entorpecida, de fato. Tento selecionar palavras, tendo buscá-las na organização mental de todas as coisas que gostaria de lhe dizer quando tivesse a chance de lhe dizer.
— Eu deveria ter feito uma lista também. — Rio, sem graça, encolhida entre os ombros. — Eu tentei organizar o que te dizer durante as férias inteiras, teria sido mais fácil se eu tivesse separado em tópicos.
O silêncio que nos ronda é de expectativa também. Em meio as árvores do caminho de concreto, estamos eu e Jungkook, frente a frente. Caos ambulante. Entre nós dois há uma infinidade de sentimentos expostos e momentos que quero lembrar. Momentos futuros que quero ter nas memórias.
— Você pode responder em tópicos também. — Jungkook sugere, apreensivo, a voz mansa e cuidadosa. — Só, por favor, não me deixa sem resposta.
Seu pedido faz com que eu perceba. Eu também achava que fosse explícita com tudo o que sentia por ele. Sempre pensando ser extravagante nas demonstrações, nos olhares, nos sorrisos. Pelo visto, somos ruins nisso juntos também.
Involuntariamente, dou um passo em sua direção. Seu cheiro ficando ainda mais acentuado pela aproximação e tudo ao meu redor sendo coberto pela bolha tropical que emana de Jungkook.
— No dia das catracas, eu te responsabilizei por algo que não era a sua responsabilidade. — Digo sinceramente, meus olhos fixados no logo de sua camiseta. Concentrados no ponto como se ele pudesse me trazer respostas que não entendo o porquê procuro. — Desculpa por fazer você acreditar que aquele problema era seu, quando ele sempre foi só meu.
Mordo as laterais de minhas bochechas, pensativa. Dando mais um passo à frente, a ponta dos meus tênis encontrando a de suas botas. É um momento reservado para que Jungkook entenda o que disse e para que eu entenda o que acabei de dizer.
— Acho que estamos quites nessa. — Dou de ombros, olhando para seu rosto por um instante, somente para que o veja com os olhos cravados em mim. Quando volto a atenção para o logo de sua camiseta, continuo: — Eu precisei que as coisas acontecessem daquele jeito pra conseguir me livrar do que tanto me prendia. Não tenho mais nada que me prenda ou me impeça de viver da forma como quero viver. Eu posso fazer as coisas do meu jeito agora, no meu tempo, independente dos meus pais, de namoros falsos e Haneul. Se foi ruim ter que passar por tudo aquilo? Foi, mas eu não mudaria nada.
E, embora eu já soubesse sobre toda essa realização de atos e sentimentos, sinto que ouvir minha voz dizer em alto e bom tom me faz feliz.
Suspiro alto, atrevendo-me a erguer a mão e tocar o logo da camisa em seu peito. Sinto seu corpo tencionar com meu toque, mas não me afasto. Contorno o desenho com paciência, buscando tempo para organizar o que pretendo dizer a seguir. Mas, principalmente, tomando tempo para saciar um pouco da vontade que tenho de tocar em Jungkook.
— Eu não me arrependo de ter contratado você e eu não... — Minha voz é como um sussurro, porque não é preciso que eu fale mais alto do que já falo. Somos separados por centímetros de distância e um fiapo de vento que transborda seu perfume tropical. — Você não me remete a nada de ruim, Jungkook. A verdade é que você foi a única coisa boa de toda essa bagunça.
Meus dedos agora tilintam sobre o tecido de algodão de sua camiseta, minhas duas mãos agarrando-lhe a gola para que eu me aproxime mais dele. Meu corpo erguendo-se gradativamente a medida que meus calcanhares deixam o chão. Passo meu nariz por sua bochecha, sentindo seus braços agora me tomarem a cintura. Não sei de onde arranjo coragem, como também não sei para onde foi toda a minha insegurança. Mas penso que talvez seja pela recente descoberta de que somos confusão juntos.
Demoro-me um tempo, sentindo seu cheiro e seu peito contra o meu. É talvez o toque mais íntimo que já tivemos, mesmo que nossas mãos já tenham explorado cada parte do corpo um do outro. Inspiro com vontade seu perfume como se pudesse gravá-lo em mim, como se a qualquer instante, longe dele, eu pudesse senti-lo pela memória.
Deixo um beijo demorado em sua têmpora, soltando um suspiro suave antes de dizer o que esperei todo esse tempo para falar:
— Eu gosto de você e eu finalmente consigo dizer isso de forma verdadeira e sincera, sem mentiras ou namoros falsos. — Minha voz é baixa, um segredo contato no pé de seu ouvido. A reação imediata que recebo é seus braços me apertando contra seu corpo, seu rosto aproximando-se mais do meu. — Eu gosto de você e, se você quiser, a gente pode tentar tudo de novo.
Tudo o que sinto dentro de mim é uma sensação que não consigo muito bem explicar. Sempre pensei que ela fosse ser como a de se livrar das mentiras contadas aos meus pais, sempre acreditei que me sentiria leve, porque, em um pensamento prematuro, as palavras que tenho para dizer a ele me pesavam. Mas agora percebo que não sinto que fui abandonada por elas, sinto que elas ainda divagam dentro de mim. Porque meus sentimentos por ele nunca foram peso sobre meus ombros, nunca foram culpa ou arrependimento. Eles sempre me transbordaram para todos os lados.
Meus lábios tocam mais uma vez sua pele em um beijo, a brisa no início da noite nos acolhendo com zelo.
— Dessa vez no nosso tempo, do nosso jeito. Sem almoço em famílias, notebooks quebrados, ex-namorados histéricos ou cobranças matrimoniais. — Continuo suave, sentindo que de fato transbordo pelo que sinto, pelo seu toque, pelo seu coração batendo acelerado junto ao meu. — Só nós dois. A gente pode ir devagar, entende?
Consigo sentir sua respiração densa, enquanto seu peito sobe e desce lentamente.
É um mundo só nosso.
Seus dedos agora dançam pelo final de minha coluna, moldados em um carinho terno e delicado na pele exposta de minhas costas.
— Eu sou bom em ir devagar. — Ele finalmente vem, o tom de voz baixo assim como o meu. E eu percebo que não senti medo algum à espera de sua resposta. Somos segredos compartilhados, sentimentos que transbordam. — E eu também gosto de você, se isso ainda não ficou claro o suficiente.
Seu nariz acaricia meu rosto, um toque sutil que logo faz com que eu me afaste de forma lenta para finalmente olhar em seus olhos. Daqui, com poucos milímetros nos separando, consigo enxergar tudo o que preciso enxergar. A cicatriz na bochecha, a pintinha debaixo do lábio e os olhos tão negros como o céu sem estrelas. Também enxergo sua sinceridade e todos os sentimentos bons que nos cercam.
Todos os seus detalhes.
E quando nossos lábios se encontram em um beijo só saudade e sentimentos recíprocos, percebo que agora é no nosso tempo; temos a chance de vivermos tudo isso da forma como deve ser. Da nossa forma. Não precisamos nos forçar a ideais que não são nossos. Não precisamos mais de contratos e mentiras, podemos ser nós mesmos, no nosso tempo com os nossos sentimentos.
A vida não é perfeita e, provavelmente, nunca vai ser. Não entendo qual é o seu real sentido ou se existe um. Também sei que descobrir sobre isso é mais uma coisa que não vai acontecer. Mas o que me resta, ao fim de tudo, é compreender que apesar das coisas não estarem nos lugares que deveriam estar, eu ainda posso me sentir bem. Ainda posso acreditar que ela vale a pena, porque vale.
O mundo é muito vasto, cheio de possibilidades e vidas distintas.
Sei que ainda vou enfrentar batalhas internas, dúvidas severas e retornos cruéis ao passado. Mas tenho liberdade agora. Para tudo. Tenho liberdade para acelerar e para frear; tenho meu próprio tempo. Minha vida não precisa caminhar na mesma intensidade que a de outro alguém, porque ela não é de outra pessoa, ela é minha.
Não busco felicidade duradoura, não busco felicidade que viva em mim a todo instante. O que eu busco é só aquele sentimento de querer estar na minha própria pele, de querer estar onde eu estou, aqui e agora. Busco não me sentir mais ansiando por outras vidas que não a minha. Busco tomar minhas próprias decisões, assumir as rédeas de toda a minha existência.
Não sei se vou querer continuar no mesmo lugar que estou agora, como também não sei o que vai acontecer no futuro. Não tenho planos concretos, reais. Não tenho planos para casamentos, vida a dois ou qualquer coisa antes programada pelos meus pais.
Só sei que aqui, beijando alguém que gosto e que escolhi por inteiro, é exatamente aonde eu gostaria de estar.
E, por agora, isso é o suficiente para mim.
#acompanhante de alguel#ada#puerlistae!au#bts#bts brasil#bangtan#bangtan brasil#bts fanfic#fanfic#bts imagine#jeon jungkook#jungkook#jeongguk#meu deus to chorando#é sério#to chorando de verdade#é o último capítulo de AdA#PELOAMOR DE DEUSSSSS#quem compraria um livro de AdA???
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Acompanhante de Aluguel (Longifc 15/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 11.576 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
É meados de julho e o verão vive seus dias mais quentes e brilhantes. O sol cobre cada superfície de Seoul; ele é forte, potente e nada piedoso. Ele também cai sobre as escadarias de pedras e os bancos de madeira do campus, assim como por todo o restante do caminho que nos leva até o prédio dos dormitórios. O cimento que cobre o percurso parece expulsar todo o calor direto para as nossas pernas e o único vento que balança nossas vestes é um bafo quente e pedante.
É como o inferno, mas é muito melhor do que o lugar em que estive nas últimas semanas.
Desvio de universitários destrambelhados e caminho vagarosamente ao encalço de Sorn, meus ombros ardem e meus olhos são dois fiapos de vista insossos. Penso em parar no meio do caminho, entre uma escadaria e outra, como também penso em sentar aqui mesmo, nos degraus de passagem. Mas o pensamento vem e vai embora, se pararmos agora, talvez não consigamos reunir coragem e força o suficiente para continuarmos depois.
— Tem certeza que não quer trocar? — Tento pelo que deva ser a quarta vez. Sorn insistiu em me ajudar com as malas assim que me viu descer do táxi, mas acho que não esperava que a escolhida fosse tão pesada assim. — Você pode ficar com a mochila.
— Não! — Ela brada, as bochechas repuxadas em um sorriso alegre e determinado, mas terrivelmente exausto. Seu ritmo é muito mais lento do que o inicial. — Já estamos quase lá, só mais um pouquinho.
— Se mudar de ideia, fale.
— Não vou. Estou ótima! — Ela se vira por um instante, só para que eu veja seus cabelos curtos bagunçarem com o movimento. — Hoje o dia está bonito, você finalmente voltou, nossos cursos de verão estão prestes a começar... Eu me sinto revitalizada. Sério, me sinto imbatível!
Acabo rindo, mesmo que o riso saia arrastado, quase sem energia. O discurso otimista e perseverante de Sorn tem a ver com todos os cursos de desenvolvimento pessoal que fez nas férias. Parece que esse foi o único jeito que ela encontrou de despistar a maioria dos convites de reuniões familiares.
— Mudou tanta coisa no campus, você precisa ver. — Diz entre lufadas depois de um tempo, enquanto suas pernas quase trançam com os passos bambos. Sua chegada foi há dois dias, antes da maioria dos estudantes. — Reformaram o refeitório, pintaram as paredes dos dormitórios, abriram um novo café e agora tem uma máquina de biscoitos na biblioteca.
Não consigo lhe responder, estou cansada, mesmo que o que diga seja realmente impressionante. Quer dizer, é como se uma vida inteira tivesse se passado até eu chegar aqui outra vez.
— Também fizeram um espaço reservado para animais de rua, sabia? — Seu rosto está virado para frente e, por conta disso, sua voz é um tanto abafada agora, ouça-a longe. — Quem cuida é o pessoal de Medicina Veterinária.
Assinto, mesmo que ela não veja. Começo a sentir meus joelhos vacilarem e tento então prestar atenção nos passos que dou, um de cada vez. É como se a qualquer instante eu possa tropeçar de graça. Sorn engata em mais uma enumeração de mudanças pela universidade; há novas plantas nos corredores e um anfiteatro especial para as apresentações dos estudantes de Teatro. Existe também alguma coisa sobre a entrada principal do campus e distribuição de brindes aos alunos, mas não consegui absorver muito bem a informação.
— Eu fui lá ontem e é tipo um kit com canetas gel e cadernetas de anotações. Eu estava esperando alguma camiseta, sabe? Eu adoro essas camisetas grátis, porque sempre são grandes e ótimas para usar de pijama.
O caminho não é mais tão longo, mas o sol continua a nos castigar. E enquanto caminhamos em meio às explicações robustas de Sorn e sua voz alegre e distante, caio em devaneio; um devaneio um tanto torto e de um sentimentalismo fora de hora.
Acabo pensando que a vida em si — pensamentos, conflitos e certezas — poderia mudar com tamanha facilidade também, não poderia? Mudar assim como a tinta nas paredes, os móveis no refeitório e as plantas nos corredores; poderia mudar com graciosidade e subitamente. Inseguranças poderiam ser lavadas para longe como as sujeiras nas calçadas, assim como pensamentos que reprimem poderiam ser repaginados como móveis antigos.
Puxo o ar com força, o vento quente quase me fazendo sufocar. Sei que é um pensamento imaturo e irreal, mas não deixo de me frustrar um tanto. Também sei que se aplicado em situações diferentes, talvez o resultado não fosse tão positivo como o que eu espero em casos como o meu. Quase sufoco também com a constatação óbvia, com a certeza que sempre tive: a vida não é tão simples assim, minha querida; ela precisa de tempo para mudar e a gente também.
— Finalmente! — A voz de Sorn é ouvida depois que caminhamos exaustas para fora do elevador e paramos em frente à porta do nosso dormitório. — Achava que a gente nunca ia chegar.
Ela reserva certo tempo para encontrar sua carteirinha de estudante, como também se atrapalha ao derrubá-la duas vezes seguidas. Ao fim, Sorn finalmente se organiza e a porta se abre em um ranger típico e saudoso.
Inflo os pulmões quase que de imediato, porque tento capturar qualquer cheiro característico; o desodorante de Sorn, o incenso rotineiro na janela ou o creme de baunilha que passo nas pernas depois do banho. Nenhum deles chega até mim. No entanto, mesmo depois de todo esse tempo, ainda me sinto em casa, ainda me sinto no lugar certo.
Dentre tantas mudanças listadas por Sorn, ainda existem coisas intocadas pela novidade.
As boas e as ruins.
As cortinas abertas permitem que o sol do início da tarde entre no cômodo sem serventia alguma, mas não traz o calor que nos banhou pelo caminho inteiro. Em cima da escrivaninha de Sorn há livros e sua tão habitual mochila surrada. Em cima da minha há seu bilhete de boas-vindas e dois pacotes de balas Haribo.
— Sabe? — Ela diz, se desfazendo dos sapatos e largando minha mala perto das camas. — Estou feliz que voltou.
Levo um tempo para assimilar suas palavras, o sol quente de antes me fez ficar mole e lenta. Quando entendo, sorrio sincera.
— Eu também.
Olho-a por alguns instantes, Sorn ergue os ombros enquanto sorri também. Foram dois meses longe daqui, quase todo o período de férias; é fácil perceber do que senti falta e é mais fácil ainda perceber que o que defendi por todo esse tempo valeu a pena.
Quando minha colega de quarto se joga sobre seu colchão já coberto por roupas desdobradas, respiro fundo. Parada ainda perto da porta, aproveito para mirar o dormitório que abandonei às presas. Aproveito para buscar cada detalhe daqui. As fotos coladas com durex nas paredes, o tapete que Sorn comprou em um brechó e o cabideiro rosa atrás da porta do banheiro. Durante todo esse tempo extenso e conflituoso, senti medo de esquecê-los e senti mais medo ainda por pensar o que seria caso eu tivesse voltado atrás.
Agora que estou em frente a uma nova oportunidade que tive e que eu mesma criei, passo os olhos com mais cautela por todos os adornos esquecidos, pelo tom da madeira do piso e pelo lustre que nunca havia me prendido a atenção até então.
— Ainda bem que você decidiu chegar antes, sabe? — Sorn vem outra vez e eu a olho imediatamente. Ela tem agora seu corpo apoiado nos cotovelos. — A gente ainda vai ter um tempo pra beber, conversar e descansar antes que os cursos comecem.
Concordo de forma lenta e aérea, ouvindo o farfalhar dos seus lençóis quando decido me desfazer dos meus tênis e largar minha mochila sobre a cadeira da escrivaninha.
A grande verdade é que eu gostaria de ter vindo antes, muito antes, mas o preço das passagens de trem só baixou na semana passada. E com toda a ajuda financeira tendo sido cortada pelos meus pais, qualquer economia parece de extrema importância.
Guardo meu bullet journal em uma das gavetas e aproveito para abrir um dos pacotes de bala. Sinto minhas pernas coçarem pela caminhada extensa e uma gota de suor escorrer por minhas costas até morrer no cós da calça. Depois de ingerir três cerejas artificiais, suspiro.
Agora que pensei sobre, talvez eu devesse ser um tantinho mais gentil com a vida — por mais que ela não tenha sido gentil comigo por várias e várias vezes. Até porque as coisas podem não ter mudado drasticamente como eu queria, mas elas de fato estão mudando, aos poucos, gradativamente. Não depender do dinheiro dos meus pais — mesmo que a decisão inicial tenha sido tomada por eles — me fez perceber uma liberdade que eu nunca tinha tido antes. A liberdade de escolher.
Um trem para Seoul às 10h30. Eu comprei, eu escolhi.
Foi uma mudança, não foi? Uma das boas.
— Preciso montar um currículo. — Falo de repente, lembrando do plano que lhe contei na semana passada. De repente, tenho vontade de sorrir; é por ele e pelo que acabei de descobrir. — Não acho que eu consigo um estágio na área, mas talvez em algum café aqui por perto, não sei.
Enquanto ouço Sorn se remexer atrás de uma posição confortável, penso o quão mais fácil a vida parece pela minha melhor amiga agora saber de tudo. Mesmo que a vida também tenha se tornado mais fácil por outras dezenas de fatores, esse ponto parece crucial agora.
— Não fala assim, é óbvio que consegue. — Sua voz é um tanto sonolenta. — Eu ajudo você. Tenho alguns modelos salvos no computador, to precisando montar um também.
Sorn se ajeita na cama, sentando-se agora na beirada do colchão. Nós somos envolvidas por preguiça. Vejo-a se erguer por completo e buscar sua toalha presa ao armário. Mando ver mais um punhado de balas de gelatina, desistindo temporariamente de organizar meus pertences por agora.
— Eu tenho uma reunião com a turma do curso de verão daqui a pouco, — Sorn rouba algumas balas que me deu. — Parece que esse ano o projeto vai ser diferente. Eu cheguei a falar?
— Não, não falou.
Ela dá de ombros, terminando de mastigar as cerejas.
— Também não sei direito, na verdade. — Revela, afastando-se para se esgueirar pela porta do banheiro. A cabeça um instante para fora ao completar: — Vou tomar banho rapidinho, já volto.
O barulho do chuveiro logo aparece e, então, estou sozinha.
Suspiro de forma longa e arrastada, o plano de tirar um cochilo se esvaiu da mesma forma que surgiu. As cortinas balançam minimamente e o dia parece ser infinito. Sinto-me inquieta apesar do cansaço. Acho que é o sentimento do retorno; o retorno que esperei depois de tanto tempo longe.
Dois meses, afinal.
Não foi fácil.
Sendo honesta, as férias na presença dos meus pais foi um show de horrores, uma montanha russa invertida repleta de loopings e túneis. Os primeiros dias foram esquisitos e desconexos, eles foram regados de retornos e medos. A adrenalina que eu sentia se dissipou aos poucos e por vários instantes, no silêncio do meu quarto, sugada por toda a realidade familiar que me cercava ali, pensei que aquela era a única vida que poderia ter, que foi ousadia demais pensar que pudesse ser diferente.
Foi turbulento tentar me encontrar no meio de tudo isso, mas os episódios que antecederam as férias me deram coragem para lutar até o fim. Eu sabia que seria difícil, sabia que seria testada a todo o instante — ainda mais com tantos sermões repetidos de minha mãe —, sabia disso desde o início. Mas eu também sabia que precisava acreditar no que carrego dentro de mim, na minha verdade; sabia que eu só precisava dar o primeiro passo.
E eu dei.
Ainda estou tentando me achar em fragmentos soltos pelo caminho, porque não quero retroceder, não quero voltar a viver o que eu vivia antes. Não vou. Quero me sentir livre, porque eu sou livre. Ainda estou tentando entender o que eu realmente quero, ainda estou tentando fazer as coisas no tempo certo. No meu tempo. Ainda estou tentando me ouvir e me respeitar. Minhas vontades e meus sonhos; eles ainda se mesclam com o desejo dos outros, ainda se chocam e se balançam sobre a linha tênue do que quero sentir e de como quero ser vista.
O processo é lento, quase arrastado, mas eu acho que a vida é isso, afinal. Ela realmente não muda como a cor de uma parede.
Tudo ao meu redor continua igual. Meu pai continua sem querer se envolver, minha mãe continua horrorizada com todas as mentiras e juntos eles ainda insistem em casamentos. Os dois meses nem sequer fizeram cócegas em suas atitudes. Mas não me sinto mais sufocada como antes, não me sinto mais encurralada. Não sinto mais o desespero de ser descoberta, não sinto mais a necessidade de tentar fazer com que eles pensem que sou do jeito que querem que eu seja. Eu vivi uma catarse. E, com isso, acabo pensando que tudo ao meu redor continua igual, é. Talvez o que realmente tenha mudado, afinal, tenham sido as coisas dentro de mim.
A porta do banheiro se abre depois de um tempo, revelando uma Sorn com cabelos úmidos e o corpo envolvido em uma toalha. Olha-a por pouco tempo, até cair de costas sobre a cama.
— Acho que não vou demorar muito na reunião... — Minha colega de quarto fala em meio ao quase silêncio. Quase, porque agora se ouve alguns pássaros cantando nas árvores próximas à janela. — A gente podia pedir cerveja e frango frito mais tarde, o que você acha?
Em meio a uma súbita preocupação sobre possíveis reuniões do meu curso de verão que não fui atrás de saber, eu aceito os planos com um aceno de cabeça.
Sorn então passa a perambular pelo quarto, penteando os cabelos e se enfiando em roupas limpas. Fico a observando sem dizer nada, a cabeça quase pendendo da cama.
— Eu sinto como se estivesse acordando de um pesadelo ruim.
Antes mesmo de pensar sobre, ouço minha voz dizer em um quase sussurro. Os olhos de Sorn me alcançam com tanta rapidez que não tenho dúvidas que me ouviu.
— Sabe? — Começo, tentando me explicar melhor. — Eu sai daqui tão desesperada, o sentimento era tão diferente do que eu sinto agora.
— Como você se sente agora?
Sua voz é cuidadosa e seus olhos atenciosos, consigo perceber mesmo de longe. Por mais que nosso contato nas férias tenha sido regular, eu nunca soube lhe explicar a forma como eu me sentia e, portanto, nunca nem sequer tentei. Pergunto-me agora se ela esperou que eu tocasse no assunto; esperou mesmo que estivesse com vontade dela mesma tocá-lo.
— Eu sinto que esqueci alguma coisa.
Ela se vira para mim, confusa. Vejo-a caminhar para a escrivaninha com uma bolsa em mãos.
— Esqueceu alguma coisa?
— É, acho que vivi por tanto tempo com uma angústia em cima de mim que acabei me acostumando. — Percebo logo que continuo sem saber como lhe explicar. — É como se fosse um pertence meu.
— Não é um pertence seu.
Sorn rebate certeira.
— Eu sei. — Dou de ombros. — Não é um sentimento ruim, ele é bom. Só é esquisito porque faz muito tempo que não me sinto assim.
Livre.
Ela me olha por um tempo, talvez tentando me entender.
— Acho que é normal. — Diz por fim, sincera. — Você ficou muito tempo com seus pais, foi difícil. Não sei como você conseguiu, inclusive. Eu teria surtado!
Rio e ela me acompanha, mas me acompanha apenas por alguns instantes. Em seguida, continua:
— A sua vida aqui é completamente diferente. Logo você vai lembrar que ela é muito mais do que eles fizeram você acreditar.
Não a respondo, pensando agora que é bom estar de volta. Em meio ao meu silêncio, Sorn continua a se organizar. Ela separa alguns livros e guarda seu tablet no case.
A vida é muito mais. Ela é muito mais.
O que tem dentro de mim, o que eu sinto e desejo é real, afinal.
É a minha verdade.
Em uma das tantas noites na casa dos meus avós, acabei me perguntando aonde exatamente eu havia me perdido no caminho, qual foi o ponto crucial para que eu parasse aonde parei. Não falo sobre o anúncio furreca ou as tantas mentiras prolongadas, falo sobre quando eu deixei de me priorizar, me ouvir. Quando foi que me perdi no caminho de ser e sentir o que eu quero.
Acabei percebendo que, na verdade, eu nunca nem sequer havia me encontrado.
E bem... Deitada aqui e agora, olhando para o teto branco e sentindo tudo o que sinto, penso também que foi um longo caminho até aqui, muito mais mental do que físico.
Não quero voltar.
E não vou.
Sento-me na cama, esticando minhas pernas ao olhar agora para a mala que Sorn carregou pelo caminho inteiro. Penso em todo o trabalho que tive para montá-la e penso agora também em todo o trabalho que terei para desfazê-la. Enquanto minha colega de quarto vai de um lado a outro, pegando o que precisa pegar e enfiando mochila adentro, penso que talvez aquele cochilo adiado não seja uma má ideia.
— Meu Deus.
A voz de Sorn vem surpresa e de repente, o som quase estridente em meio a minha sonolência e meus devaneios. Ela se vira para mim de súbito, os olhos arregalados e um sorriso surpreso. Quando penso em perguntar algo, ela volta sua atenção para a mochila novamente.
— Quase esqueci! — Ela diz depois de um tempo, virando-se agora com um panfleto em mãos. — Ontem eu vi Jungkook no hall dos dormitórios, ele estava fixando isso no edital.
Sinto meus olhos se arregalarem e meu coração trepidar no peito. Olho de seu rosto ao folheto que me estica agora. O nome saindo com tanta naturalidade de sua boca que me sinto vacilar. O que mais me assusta, no entanto, é a vontade que sinto de pronunciá-lo também.
Jungkook. Jungkook. Jungkook.
— Ele perguntou de você. — Diz, chacoalhando o papel couchê para que eu o pegue. — Pediu seu número de novo, parece que trocou de aparelho, não sei bem.
O mundo inteiro parece parar.
Sinto todas as minhas palavras trancarem na garganta, um sentimento me chacoalhando por dentro e explodindo nas bochechas. Não sinto mais sono, nem sequer me lembro do cochilo ou das malas para organizar.
Sorn me olha de cima, parece achar graça. Ao fim, coloca o flyer sobre minhas pernas.
— Perguntou de mim?
Minha voz é grogue e patética. Eu tento focalizar no papel que me entregou, mas não consigo prestar atenção em nada.
— É. — Dá de ombros, voltando a organizar sua mochila. — Queria saber quando você ia voltar. Tudo bem eu ter falado?
Tento raciocinar, tento buscar sentido nas palavras, no que penso. Seu nome veio tão de repente que ainda estou tentando processar a saudade que sinto e que se espalha como ramas dentro do meu peito. Também me sinto aérea, quase em um sonho.
Parece uma outra vida aqui.
— Caramba, — Sorn ri e estou tão absorta que nem sequer me sinto incomodada. — Você não acha engraçado?
Franzo o cenho em sua direção, não entendendo. Eu só consigo me lembrar da última vez que nos vimos no hall dos dormitórios. A dor no meu peito, o seu sorriso desaparecendo e sua partida. As lembranças que tenho dele são em várias camadas. Lembro-me das boas, das indiretas e das ruins. Ainda é complicado de explicar, de entender, e eu poderia fazer o que sempre costumo fazer.
Fugir, despistar.
Mas não quero.
— Sabe? — Ela vem quando percebe que não acompanho seu raciocínio. Sorn acaba colocando a mochila nas costas antes de continuar: — Há uns meses eu trouxe um anúncio de acompanhante de aluguel de Jungkook. Aquele anúncio horroroso, lembra? E agora eu te trago outro. Ele melhorou nisso, inclusive.
Ouça-a com atenção, mas continuo sem entender. Lembro do dia em que o mundo parecia grande demais e eu pequena demais; lembro de não ter mais esperanças e lembro também de toda a angustia que eu sentia com a pressão do aniversário de Eubin se aproximando. E, por fim, me lembro de Sorn deslizando um post-it verde limão com um anúncio completamente duvidoso e furreca.
De fato, as coisas mudaram dentro de mim, mas a única que parece continuar no mesmo lugar, intocável, é ele.
Jeon Jungkook.
Eu ainda tenho a conversa com minha mãe rodopiando minha cabeça, a tenho detrás para frente. Decorada. Tenho sua pergunta sobre o que senti por ele pairando nos meus pensamentos desde então. Como também tenho o não na ponta da língua.
Não era minha intenção mentir mais uma vez, mas naquele instante fez sentido. E ainda faz sentido. Por todo o histórico de cobranças sobre uniões matrimoniais e de uma vida que não quero ter, eu sabia que aquela pergunta não era só uma pergunta. Eu sabia aonde ela me levaria, aonde ela nos levaria. E não quero isso. Não quero para mim e não quero para nós dois.
Mesmo que eu já nem sequer saiba se ainda posso me referir a mim e a Jungkook como nós, não quero seguir o ritmo de outrem que não o tempo que queremos seguir. Não quero cobranças, não quero pressa. Não quero mais que as pessoas sintam por mim, decidam por mim. Não quero nada disso e não quero, principalmente, com ele.
Mesmo que nós não tenhamos nada, mesmo que nunca mais nos vejamos, eu quero que isso parta de nós. Eu quero que seja natural e vindo da gente. Vindo de mim. Quero ter a opção de escolher o que quero fazer, o que quero sentir. Quero fazer as coisas do meu jeito.
Não quero que Jungkook seja considerado um substituto de Haneul pelos meus pais, porque é incoerente, sujo e injusto. São opostos dentro de mim.
Haneul ainda é piche. Jungkook ainda é flores.
— O telefone dele tá aí. — Sorn me chacoalha com sua voz, sorrindo. Quando me dou conta, ela já está parada perto da porta. Tenho certeza que as coisas não acontecem rápido demais, mas é exatamente isso que sinto agora: — Por que não liga?
Ligar? Ligar para Jungkook?
Não tenho tempo de tentar debater isso com minha colega de quarto, porque no instante seguinte ela me deixa só. De novo. O eco da porta se fechando ainda parece reverberar pelo corredor dos dormitórios, os pássaros ainda cantam e as cortinas ainda balançam. Mas eu sou uma imensidão de nada e mãos suadas.
Acabo me perdendo em pensamentos que não me levam a lugar algum, à conclusão alguma quanto a questão levantada. Penso agora, na verdade, em como as coisas seriam se a resposta dada à minha mãe tivesse sido sim. Seria a verdade, afinal, não é? Mas tudo voltaria a se repetir; os sonhos da minha mãe, as cobranças dos meus pais, um desejo que não é meu. Voltaríamos à estaca zero, aos planejamentos e ao matrimônio. Ao controle quase absoluto da minha vida. E mesmo com as melhores intenções dentro de mim, eu arrastaria Jungkook a tudo aquilo que quero afastá-lo. Ainda o arrastaria para aquilo que nunca mais quero conectá-lo.
Não seria meu tempo. Não seria nosso tempo. De novo.
Ainda absorta em hipóteses que não existem, ainda absorta por sentimentos que me chacoalham a alma, meus olhos caem sobre o folheto bonito e sofisticado sobre minhas pernas.
DESIGNER GRÁFICO
Desenvolvimentos de sites, lojas virtuais e trabalhos gráficos. Ilustração e animação. Modelagem 3D. Diagramação e tipografia. HTML, CSS e JavaScript.
Photoshop, Illustrator e InDesign
Valor sob consulta.
Interessados: [51] 5391-7116 (Jeon Jungkook)
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 14/15)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 11.576 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Eu fiquei pelo caminho; sentada no pequeno degrau que separa a porta de saída e o restante do quarto. Também fiquei por outro caminho, dessa vez estacionada entre a atitude e a consequência, parada em cima do choque.
Eu fiquei pelo caminho. Literalmente e não literalmente.
Não tenho noção do tempo, talvez eu esteja aqui há dois minutos ou há duas horas. Não sei. Minhas pernas estão encolhidas contra meu peito e meus olhos fixados no pequeno tapete de boas-vindas. Ouço meus pensamentos se mesclando com o som da movimentação pelos corredores dos dormitórios. Pessoas riem, portas batem e o silêncio fica por um instante, até tudo começar outra vez. Segue o ritmo das minhas lembranças que se desencadeiam e desaparecem por uma infinidade de segundos, para logo assim retornar. É um vai e vem incessante. Sou calmaria e, num instante depois, sou furacão.
As coisas continuam acontecendo rápido demais e eu continuo perdida entre um ponto e outro. Sinto-me perturbada com toda a cena recente com Haneul, com todas as minhas palavras e com todas as consequências futuras.
De todas as opções que eu tinha, eu nunca pensei que acabaria com essa.
Se antes as possibilidades óbvias para lidar com o problema pareciam se esconder, depois de um possível nariz quebrado do meu ex-namorado elas parecem agora nunca terem existido.
A descrença e pânico me invadem volta e meia; indo ao ponto em que Haneul partiu para cima de mim e voltando ao ponto em que lhe neguei todos os acordos. Sinto-me perdida no que concluir, porque a sensação é diferente de todas as que já senti antes.
Ainda sou pega pelo desespero, ainda me questiono sobre a forma como agi. É possível consertar algo assim? É possível contornar uma situação dessas? Vou e volto de novo e de novo. Incansável. Eu passo pelo mesmo percurso de dois segundos atrás, assim como o mesmo percurso de antes, bem antes; quando a cor rubra pintava o rosto de Haneul. Meus pensamentos são como discos arranhados, se repetem o tempo todo e nunca são concluídos. É um redemoinho de indecisão, nota arranhada e interrupção no refrão.
Acabo por cair de costas no chão, meus olhos fincando no teto do dormitório de forma automática e comum. Por aqui ainda me sinto à flor da pele, ainda me sinto fora de contexto. Sou dividida em me arrepender amargamente pela impulsividade e em me deixar entender toda a falta de peso que tenho nos ombros. A sensação é diferente, já sei disso. Ela é nova, inédita. E acabo pensando que talvez aquele tenha sido o momento perfeito. O momento perfeito pra me libertar de vez de tudo aquilo que queria me libertar e que não tinha coragem.
Respiro fundo, as cenas repassando em frente aos meus olhos como um filme. Meu coração batendo tão forte no meu peito agora que acredito realmente que possa ser o início de uma taquicardia. Talvez nos meus sonhos — tão secretos e inconscientes — eu estivesse mais segura, mais empoderada no confronto com Haneul. Talvez eu tivesse mais certeza e menos medo... Mas acho que tudo bem, não é? Ainda foi um passo dado.
Eu ainda me tenho no meio do caminho — literal e não literalmente — quando a porta do dormitório se abre. Meus olhos encontram os de Sorn ao mesmo tempo em que estou estacionada no limite do arrependimento e da certeza. Porque ainda sou conflito, bagunça e um emaranhado confuso tentando se resolver.
Sei das consequências óbvias, como também sei das que nem sequer imagino. Não posso dizer que não sinto medo do futuro, porque sinto. Mas não ter ignorado minha vontade de me livrar de tudo me fez perceber que talvez essa era a voz que eu procurava ouvir. A minha voz.
— Sorn! — Levanto em um supetão, de repente agitada. Minha colega de quarto larga sua mochila de viagem ao chão, fechando a porta sem ao menos desviar seus olhos dos meus. Ela parece saber que algo acontece. Talvez seja óbvio. — Você chegou.
— Tá tudo bem?
Olho-a por um tempo.
Tenho dois lados para tomar, duas respostas para lhe entregar.
Sim ou não.
Minha respiração se acelera e entendo que a partir do momento que eu verbalizar todos os acontecimentos recentes, eles vão se tornar muito mais reais do que já são. Sei que fiz a coisa certa, da mesma forma que soube quando desisti de arrastar Jungkook até um encontro de famílias em Busan. Eu simplesmente sabia, como sei agora também. A diferença nesse instante é que todo o cenário mudou, está prestes a mudar. Não sei como as coisas vão ser a partir de agora. Não sei como a notícia vai chegar até meus pais; e talvez esse seja o medo que ainda me faz correr até o arrependimento. Que me faz tão confusa e tão resistente a finalmente aceitar que fiz o que deveria ter sido feito...
Respiro fundo, o ar trancando na garganta e quase me fazendo engasgar. Não sei mais se existe movimento no corredor, como também já não sei mais se as portas batem. Só sei que acabo de perceber que preciso dizer muito mais do que me lembro.
Engulo a seco, os olhos da minha colega de quarto não desviando do meu rosto um segundo sequer.
—Sorn... — Começo, indecisa. — Eu quero te contar algo.
Não existe forma de se apagar uma cotovelada no nariz. Como também não existe jeito de voltar no tempo e reconstruir uma cena. A constatação é óbvia e não deixa dúvidas. Mas, quando se trata de Haneul, é sempre bom lembrar o quanto a ciência pode estar errada somente para se encaixar no ponto de vista desejado.
O nariz quebrado — sim, quebrado — se transformou em amor reprimido e o meu não tão audível e difícil de dizer passou a significar uma forma de demonstrar o quanto eu estava arrependida, que não me sentia merecedora de uma chance.
As mais de vinte mensagens de texto, as quinze ligações não atendidas e os textos imensos enviados nas minhas redes sociais um dia após todo o caos feito na entrada do campus estavam ali para provar.
Não acreditei nas palavras de Haneul quando me prometeu não fazer acordo algum após seu nariz quebrado, mesmo que minha esperança tenha sido afagada pela ideia utópica. Mas não pensei que ele fosse dar o braço a torcer de maneira tão rápida e avassaladora. Após vomitar tudo o que eu sentia para Sorn até de madrugada, as mensagens começaram a aparecer na tela de meu celular incessantemente. Elas vinham de diferentes formas: chantagens, xingamentos, pedidos de desculpas, pontos de vista insanos e declarações de amor doentias. Pensei que pudesse ser o efeito da possível anestesia, mas eu logo me lembrei que esse era somente Haneul sendo Haneul.
[21:34] número desconhecido: vc vai se arrepender amargamente do que tá fazendo
[21:41] número desconhecido: vc é uma vaca escrota que vai morrer sozinha pq ninguém quer vc
[21:43] número desconhecido: eu to te dando mais uma chance pq tenho pena de vc
[23:12] número desconhecido: vc mais do que ninguém sabe que fez tudo isso pq ainda gosta de mim... essa não é a hora pra vc se fazer de difícil, já deu. chega!
[22:17] número desconhecido: eu sou o único cara que consegue gostar de vc, ninguém mais consegue. é assim desde sempre, só eu vou conseguir te amar
Por um instante, enquanto eu continuava a receber em forma de mensagens um turbilhão de chances para eu voltar atrás, eu pensei em mudar o rumo das coisas de novo. Levar tudo ao mesmo caminho de antes, quando só existia eu e Haneul. Porque as coisas ainda eram difíceis de lidar, o medo ainda era grande. Com o celular entre meus dedos e o dormitório mergulhado em escuridão, eu fui e voltei tantas outras vezes. Lutei com a vontade de me diminuir, de me sentir insuficiente. Ouvi as palavras de Jungkook, ouvi as palavras de Sorn.
“Você finalmente se libertou do seu maior medo.”
E enquanto eu sentia meus olhos pesarem e meu celular vibrar em mais outra tantas mensagens, entendi que talvez eu nunca mais tivesse coragem de me livrar disso outra vez. Que se eu voltasse atrás agora, talvez eu nunca mais conseguisse me libertar novamente. Entendi que segundas chances existem e aquela era a minha para eu fazer tudo de novo: do não ao nariz quebrado. Porque só existia um significado para eles e eu sabia muito bem qual era.
— Você perdeu completamente o juízo! Qual é a dificuldade de ser como as outras garotas? Qual?
Remexo-me na cama, a frustração querendo pesar no peito. Da mesma forma que não acreditei na promessa falha de Haneul sobre acordos, eu acreditei quando ele me prometeu contar para meus pais. E sei que todo o meu silêncio em frente a todas as suas tentativas de me fazer voltar atrás me trouxeram até aqui, até meu antigo quarto na casa de meus avós em Naju. Mas mesmo que eu soubesse, algo dentro de mim ainda me fazia crer que as coisas podiam ser diferentes; uma mudança brusca do destino, uma piada irônica da vida.
— Não só pagou por um garoto de programa, como quebrou o nariz do Haneul! — Minha mãe vem mais uma vez, mesmo que eu já tenha a corrigido sobre o garoto de programa. Mesmo que ela saiba sobre o garoto de programa. — Você se desvirtuou totalmente, totalmente!
Apesar de sua fúria notória, não foi um completo desastre como eu pensei que seria. Quer dizer, ainda é ruim. Ainda é pesado e eu ainda gostaria que não estivesse acontecendo. Mas quando meus pais apareceram para me buscar no hall dos dormitórios — dois dias depois do ocorrido —, eu achei que a cena toda fosse ser mais complicada, que as consequências imediatas fossem ser mais extremas. Pensei que seria arrastada escada abaixo, que sairia dali direto para um convento ou, quiçá, um casamento feito em cima da hora. Pensei também sobre intercâmbio, internato e passagem só de ida para a Lua... Mas talvez a notícia dos acontecimentos recentes tenha sido um baque e tanto para eles também, não somente para mim. Talvez tudo tenha os deixado atordoados o suficiente para só me privarem do meu aparelho telefônico e do meu direito de passar as férias em Seoul.
Não sei bem o que isso possa significar. Não sei bem o que isso possa desencadear...
— A gente só quer que você seja feliz, em um casamento feliz. Eu e seu pai sabemos o que é melhor pra você, pelo amor de Deus! — Joga suas mãos para cima, exasperada. — Você nos faz parecer uns monstros!
Barro a vontade de respirar fundo, resgatando palavras já ditas e palavras recém ouvidas. É um looping infinito de lições de moral repetidas.
Nós estamos aqui há aproximadamente quarenta minutos; eu sentada sobre a minha cama e ela em pé em cima do meu tapete felpudo. Ela vai e vem de um lado a outro, passa pela cômoda e se aproxima da janela. Vai e vem, vai e vem. Incontáveis vezes. Meu pai, por outro lado, nem sequer se deu ao trabalho de se envolver, ele deu alguns sermões durante o caminho, mas tratou de voltar para Seoul assim que nos largou por aqui.
A porta do meu antigo quarto está fechada, mas sei que meus avós ouvem de alguma forma lá da sala. Ou pelo menos sentem toda a tensão que emana daqui...
Não sei como a notícia chegou até meus pais; quais palavras foram usadas ou por qual meio. Mas sei que meu ponto de vista não foi elucidado, nem sequer citado. Porque mesmo que tudo pareça óbvio demais desse lado de cá da história, eles ainda parecem se negar a me entender.
Durante todo esse tempo, desde o momento em que os vi no hall dos dormitórios até agora, eu lutei com a vontade de lhes entregar desculpas. Lutei com a vontade de tentar reverter a situação, de me enfiar em sacrifícios para o conforto deles. Como também lutei com a vontade de revidar cada desaforo de minha mãe. Porque acabo percebendo que talvez ela nunca me entenda, talvez ela nunca queira me entender.
— Você não acha que tá velha demais pra ter fases rebeldes? — Seu tom de voz é debochado, mas ainda beira exagero e irritação. — Eu tenho certeza que foi a faculdade que te fez mudar tanto assim. Você enlouqueceu! O que acha que vai acontecer agora?
Quem sabe seja muito complicado de aceitar que todos os seus planos para meu casamento não serão mais usados, que não quero mais os usar; que todos os planos que traçou para minha vida não serão seguidos. Quando eu disse que só contratei um acompanhante de aluguel para me ver livre de todas as suas cobranças — quando ainda tentei lhe dar alguma explicação —, ela também reverteu a situação.
Monstros.
Eu os faço parecer uns monstros.
Significados substituídos, pontos de vista invertidos.
Exatamente igual a Haneul.
Por todos esses dias, semanas, meses eu tive medo do agora, do que poderia vir. Tive medo das reações e das consequências. Ainda tenho medo das consequências, de fato. Mas a maneira como eles estão lidando com isso não me parece mais tão assustadora como eu pensava que seria.
E isso me faz entender que talvez o que precisasse mudar era eu, a forma como encarava e encaro tudo isso.
Talvez seja os efeitos de ter percebido tudo recentemente, a adrenalina ainda ser fresca em mim; nos meus atos, nos meus pensamentos e nas minhas palavras. Talvez seja pela coragem incomum, pelo desejo anormal que me toma de seguir com isso, mesmo ainda vestida pela insegurança e medo. Talvez seja passageiro, uma força que não existe em mim de verdade... Mas não quero voltar atrás, não quero desistir. Essa coragem me faz também simplesmente sucumbir a todos os sermões que recebo, porque talvez não valha a pena eu tentar mudar algo na cabeça de minha mãe.
— Chega de mesada, mais nada pra você! — Diz pela primeira vez. Meus olhos estão cravados em cada gesto que faz e ela parece usar isso a seu favor, remexendo-se com agressividade e carregando nas expressões faciais. — A gente não é palhaço pra te dar dinheiro pra você mentir desse jeito pra gente depois. Chega disso, chega dessa pouca vergonha! Se quer dinheiro, vai ter que andar na linha!
Ela para por um instante, parecendo prolongar o efeito do aviso com seu silêncio repentino. Mas quando parece entender que não existe reação alguma vindo de mim, remexe-se no lugar, jogando os cabelos para trás e respirando fundo. Eu quase consigo ouvir sua cabeça maquinar todas as palavras que quer dizer, reforçar.
— Eu quero tanto te tirar dessa universidade. — Vira-se para mim outra vez. Sua voz é raivosa, estridente. — Arrancar da tua cabeça essa ideia imbecil de independência!
Engulo a seco, meus olhos ainda cravados nela desde o início. Não é a primeira vez que ouço isso, mas é algo que me atinge em cheio. Eu vi esse momento vindo. Pensei sobre ele dezenas de vezes, incessantemente. A pior consequência que imaginei, a pior consequência que pode acontecer. E mesmo que eu tenha pensado em diferentes formas e jeitos de eu continuar na universidade, eu ainda me pego fragilizada pela ameaça. Porque acabo entendendo que ter iniciado o curso que quero, ter me mantido firme ali, me fez encontrar um lado meu que nunca havia achado antes.
É significativo, é importante, e não quero nunca abrir mão disso.
— Eu só não te tiro dessa droga porque não quero ter que explicar ao diretor Song o porquê da desistência da bolsa que eles te deram. — Aponta o dedo para mim. — É vergonhoso demais!
Eu também já ouvi isso. Não é novo. Suas palavras se repetem o tempo todo... Mas não ouso me sentir grata por isso. Porque não deveria caber a ela essa decisão, deveria caber à mim e somente à mim, não é?
Nesse momento eu não me sinto pequena e insignificante, não me sinto errada e suja. Não me sinto pegando um caminho tortuoso e ilegal. É a mesma sensação diferente que venho sentindo desde que disse não a Haneul. Estou conectando pontos, estou me ouvindo e tentando entender. Não parece ter espaço algum para mãos trêmulas, falas quebradas e tentativas humilhantes de tentar me moldar ao que meus pais desejam. Porque já entendi que não posso mais usar isso como desculpa, já entendi que não posso mais tentar me convencer de que faço isso para tentar viver em paz.
Não sinto mais necessidade de me fazer entendida, porque eu já me entendo e isso parece o suficiente por agora.
— Você tem sorte de Haneul não ter te denunciado à polícia. — Fala depois de um tempo, as mãos cravadas na cintura. — Depois de tudo o que você fez ele passar, toda essa humilhação, ele ainda foi bondoso com você.
Olho-a por alguns instantes, chocada. Penso que o mundo que vivemos é muito diferente um do outro. O meu, o dela. Acabo passando por pensamentos que me levam à carência de apoio materno, contorno o momento em que a decepcionei e estaciono aqui. Queria que ela me entendesse, queria que ela quisesse me entender. Não sei se as coisas seriam fáceis, mas talvez o caminho percorrido até aqui tivesse sido menos doloroso do que foi.
— Você pelo menos tá me ouvindo? — Minha mãe explode outra vez. — Fala alguma coisa, garota!
— Bondoso?
Minha voz resurge pela primeira vez depois de muito tempo sem aparecer.
— É, — responde atordoada — bondoso.
Ficamos um tempo em silêncio. Sua respiração acelerada e a minha tão regulada que se torna inaudível. Por entre as cortinas de voal rosa o sol ilumina o ambiente como iluminava há cinco anos, quando minhas férias de verão eram sempre passadas por aqui; quando meu maior sonho era me casar com um vestido rodado e cheio.
As coisas faziam sentido. O vestido, o casamento. Elas faziam sentido.
Mas ela não precisam mais fazer. E se eu consegui entender isso, minha mãe também deveria. Porque tudo bem eu ter desejado tudo o que desejei; e tudo bem se eu tivesse mantido esse desejo. Mas esse não foi o caso... E tudo bem também ter mudado.
— Não quebrei o nariz dele de propósito. Ele veio para cima de mim. — Digo, lembrando do quão absurdo a situação foi. Explico mais para mim do que para ela. Porque eu ainda preciso entender o que aconteceu e, não menos importante, preciso me lembrar sempre do que me livrei. — Se alguém tivesse que denunciar alguém, esse alguém seria eu.
Há um silêncio e um momento. Um momento novo e que não consigo acompanhar. Ele se estende por todo o silêncio longo entre nós duas. Não sei dizer sobre a conclusão que minha mãe toma, nem sequer sei dizer se ela entendeu o que eu disse. Mas suas mãos na cintura não parecem mais tão firmes como antes.
— Ele foi pra cima de você?
Não consigo a responder, também não sei dizer se quero. Ficamos então por mais um tempo ali, nos encarando em meu antigo quarto em Naju. Sendo observadas por pelúcias, quadros de paisagens que nunca vi pessoalmente e fantasmas de momentos vividos.
Consigo enxergar dezenas de reações passarem por seus olhos que tanto me medem. A primeira que encontro é duvida, e ela se estende tempo o bastante para eu crer que ela será a única. Mas a segunda é descrença e a terceira é pavor; duas novidades no meio de tanta reação que já veio contra mim.
Penso que ela falará algo e gostaria que falasse... Gostaria de entender um pouco da sua cabeça, mesmo que ela não faça questão alguma de entender a minha. Mas no instante seguinte ela joga seus cabelos para trás outra vez, quebrando nosso contato visual e parecendo sair de toda a órbita que nos cerca. Cria uma cena inteira apenas para me dar as costas e me deixar sozinha pela primeira vez desde que chegamos.
É um vazio esquisito e bem-vindo.
As cortinas chacoalham pelo vento e o sol entra sem convite. O mundo lá fora não está nem aí para o que acontece aqui dentro.
E enquanto ainda tenho a lembrança recente do som da porta se fechando, penso que isso é só o início. Que há muito ainda por vir. Ainda vão existir momentos em que minha mãe gritará e repetirá tudo o que já me disse. Usará palavras ainda mais baixas e ameaças ainda mais sujas. Sei disso. E, para ser sincera, já me sinto sugada emocionalmente; com o agora e com o que está por vir.
Mas não posso deixar de me sentir em paz pela primeira vez em meses também.
Tudo ainda parece um sonho distante e esquisito. Não falo somente da mudança brusca de cenário; não falo sobre como pela manhã eu estava em Seoul e ao fim da tarde já estava em Naju. Falo de toda a irrealidade que paira pela situação inteira. Nunca pensei que chegaria aqui, nunca pensei que um dia teria coragem o suficiente para encarar tudo isso da forma como ousei encarar.
É verdade que acabei passando a responsabilidade de contar aos meus pais à Haneul e que isso fez as coisas mais simples do que elas eram antes. Mas acho que pelo histórico isso era o mínimo que ele poderia fazer por mim. Mesmo que indiretamente e com uma intenção muito diferente da minha.
Tomo um susto ao que a porta se abre em um solavanco mais uma vez. O corpo de minha mãe aparece pela fresta ampla e o barulho do rádio de meu avô na sala vira uma trilha sonora desconexa.
— Quero saber uma única coisa e espero que dessa vez você fale a verdade. — Ela não me olha, tem os olhos cravados no chão como se fosse difícil demais manter contato. — No meio de toda essa palhaçada que você fez, em algum momento... Em algum momento você gostou de Jungkook?
Sua pergunta me pega desprevenida e não a entendo de imediato. Meus olhos a medem enquanto vou e volto por vários caminhos sem saída. O tempo parece parar e no meio de todo um labirinto confuso, acabo encontrando a única resposta que poderia lhe entregar:
— Não.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 13/15)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 11.576 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Tropeço nos últimos degraus. Meu corpo se perdendo no meio do caminho e indo de encontro à parede; o corrimão me acerta o quadril e minha bochecha se esmaga contra a superfície gelada. E por um instante, no meio tempo em que tranço meus pés e sofro as consequências, eu tenho um pensamento súbito e organizado. Ele é diferente de qualquer outro que tive até agora, até chegar aqui, porque ele é único no meio de uma imensidão bagunçada e angustiante demais.
Aonde é que eu vim parar?
Eu estaria mentindo se dissesse que nunca imaginei que as coisas chegariam a esse ponto. Porque pensei que fosse ser descoberta diversas vezes em diversos momentos. No aniversário de Eubin, no almoço com meus pais, no jogo de basquete, no jantar de negócios... Em várias situações eu consegui enxergar a verdade vindo à tona de um jeito sujo e imoral.
Mas eu não estaria mentindo se dissesse que nunca imaginei como. Nem que as coisas chegariam tão longe como chegaram. Tentando analisar a situação como um todo, mesmo que seja difícil agora, o caminho percorrido até aqui foi extenso demais para uma mentira curta demais.
Tudo o que eu nunca imaginei posto bem diante dos meus olhos.
Afasto-me da parede. Meu quadril doendo pelo impacto e minha bochecha ainda gelada pela superfície. O pensamento bem alinhado e de uma realidade cruel já não mais existe, ele se juntou aos outros tantos complicados, como fumaça branca em meio às nuvens. Em menos de dois segundos, volto a descer um novo lance de escada do dormitório feminino.
À medida que o caminho diminui, as luzes se acendem por sensores. A cada grupo de degraus que elimino, uma luz se acende pelo corredor. Não evito pensar em como isso é uma ironia esquisita, porque não me sinto iluminada; não me sinto clara, com pensamentos claros. O ambiente é frio e acendido, mas me sinto quente e no escuro.
É discordância pura.
Tento pensar outra vez de maneira coerente e objetiva, enquanto vejo meus pés se movimentarem em desespero e aflição. Tento também enxergar uma solução, uma saída. Mas nada, sou cheia de curvas. Minha lucidez veio e foi embora. Meu coração é uma bomba relógio no peito e meus ouvidos zonem de pavor, o maldito anúncio no fórum da faculdade é como um outdoor chamativo em frente a todos os pensamentos equilibrados que tento ter por agora. O post é de fevereiro e ainda constam os dizeres originais... O fundo azul claro, as letras garrafais em preto, duas curtidas e nenhum comentário. O nome de Jeon Jungkook encabeçando a postagem como o autor de toda aquela pequena imensidão.
Não deixa dúvida alguma sobre nada.
Inferno!
Sinto meu estômago se apertar consternado quando meus pés encontram o piso do térreo e meu cérebro encontra uma consequência extrema. Se eu não conseguir reverter essa situação, meus pais seriam capazes de me fazer voltar para casa? Meus dedos seguram com força meu celular contra o peito quando o pensamento me invade. Permaneço aqui, na divisa de cômodos, no fim da escada e no início do corredor principal. Sinto-me enjoada e fora da sequência. É como se o mundo estivesse perdido. Talvez ele esteja, não é?
Não sei exatamente o que fazer. Eu sou uma vastidão confusa, sou vulnerável, não sei o que é certo sentir. Sinto-me absurda, porque me tenho em meio a sentimentos demais. Não consigo enxergar o óbvio, não consigo enxergar de maneira unitária. Tudo vem como um emaranhado de angústia e frustração. E sei que me machuco de graça. Que vou e volto, me arranho duas vezes. Eu sei que existe uma solução bem pensada, uma solução prática e certa, mas não sou capaz de vê-la, pelo menos não agora. Eu sou tomada pelo desespero e pela urgência. Não tenho tempo, não posso esperar. Acabo caindo na questão... Poderia existir jeito certo de lidar com isso, afinal?
Como um choque, aperto o passo e contorno um grupo de garotas pelo corredor. Não entendo se corro ou ando rápido. Eu perdi completamente a noção dos meus movimentos, percebo isso quando meu corpo sofre um solavanco e meu quadril outra vez recebe um impacto não planejado; ele vai de encontro agora à catraca não liberada. Olho por um instante o metal em contato com o tecido do vestido e demoro um tempo para entender o que preciso fazer. No meio tempo em que pego minha carteirinha e a libero, meus joelhos enfraquecem e a única sensação que carrego comigo é de puro pânico.
Há um incomum tumulto no hall dos dormitórios que me deixa confusa por um tempo, mas que não me forço a tentar compreender agora. Caminho por ali, passos incertos, imprecisos. As solas dos meus tênis dificultando todo o processo por, volta e meia, trancar no piso frio e me fazer tropicar em meio ao caos. Desvio de estudantes e funcionários, ouço sobre o fim do semestre e sobre o início das férias. Penso em me prender em um pensamento fútil e singular, em um pensamento aleatório que me tire do que sinto só por um instante. Tento resgatar então o motivo do movimento, lutando para alcançar a obviedade na ponta da minha língua. Foi me dado todos os dados, mas não consigo interligá-los. Desvio de mais um grupo. De pessoas e de pensamentos extremos tentando me desvirtuar do entretenimento que tento ter. Vou e volto.
Paro.
No meio de todo o alvoroço — interno e externo —, eu enxergo Jungkook; de costas, próximo à saída.
Por uma fração pequenina de segundo, eu sou nada e, no instante seguinte, eu sou tudo.
Desisto facilmente de tentar qualquer coisa que tenha pensado em tentar. Porque sou pega desprevenida por não entender o que sinto de repente; vejo-me à flor da pele. Ainda mais do que antes. Meu peito trepida e eu sou soluços de coragem. Vou e volto. De novo. Abrupto. Sou ultrapassada pelo acontecimento, sentimentos e palavras. Caminho em círculos e mais círculos dentro da minha cabeça, não vejo alternativas óbvias. Sinto-me exposta mesmo que ninguém me veja, sou indefesa, magoável, derrotável. Não entendo o que acontece de verdade e mesmo que eu tente ir de pouco a pouco, tentando perceber aonde vim parar, eu me perco no meio do caminho.
E por todas as vezes que fui caos, sou caos de novo.
Há tantas coisas em risco agora mesmo... Há centenas delas.
Não ouço mais nada além de vozes desconexas e as batidas no meu próprio coração. Estou parada em meio ao hall e não mais desvio; agora desviam de mim. O cenário de poucos instantes atrás não existe mais. Eu e Jungkook somos separados por meros minutos cretinos, uma descoberta filha da puta e a distância física no salão estudantil.
Penso em retomar o movimento das minhas pernas, um passo de cada vez. Reverter a situação e voltar a ser quem desvia e não quem é desviada. Mas continuo parada aqui. Sendo ultrapassada física e emocionalmente. E antes mesmo que outro pensamento prepotente me encontre em uma falsa coragem repentina, Jungkook se vira diretamente para mim.
Seus olhos são como dois céus estrelados em meio ao sol do início da tarde. Contraste puro e excepcional. Eles me encontram com tanta facilidade que por um instante sou convencida de que Jungkook sabe. Do início ao fim. Tudo acontece cedo demais, antes da hora. Mas sinto que minha preparação nunca foi uma prioridade da vida. Temo que ele entenda tudo o que se passa dentro de mim, mesmo que de longe. Temo ser transparente a esse nível, mas também anseio para que eu seja. Verbalizar parece tornar tudo isso ainda mais real do que já é. E não quero.
Não consigo respirar fundo como desejo fazer. Seus cabelos estão caídos sobre a testa vincada e sua boca abre um sorriso confuso. Penso em dar um passo, mas não o faço. Eu sou desordem e rancor. Um rancor crescente, doloroso e feio. A lembrança das mensagens de Haneul me tomam os pensamentos em dor em meio ao riso bonito de Jungkook; e não consigo repelir a raiva que sinto ao perceber que a situação escapa pelos meus dedos. É como grãos de areia, é como sentir. Num instante tenho tudo, no outro já não tenho nada.
Vejo Jungkook vir até mim, desviando de pessoas e me medindo com ainda mais curiosidade. Não consigo retribuir nenhuma versão do seu sorriso, porque a cada passo que ele dá em minha direção é como se a realidade fosse ainda mais clara. Isso me enfurece; enfurece porque ainda estou aqui, ainda estou enfiada nisso até o pescoço.
— Não quis me responder por mensagem?
Eu me perco no tempo, não pego mais detalhes ou sinais. Sua voz vem desconexa no ar e eu levo um tempo para entender que ele está parado em minha frente, finalmente. Por um instante, esqueço-me que antes conversávamos por mensagens de texto. Nego com um remexer de cabeça raso, quase imperceptível. Talvez eu devesse me considerar sortuda por ainda encontrá-lo aqui, mas não sou atrevida a esse ponto.
— Você... — Jungkook umedece os lábios com a ponta da língua, seus olhos estão atentos sobre mim. — Vai querer fazer algo depois?
Abro a boca por um instante, mas a fecho frustrada. Meu coração bate tão forte no peito que penso que posso morrer. O fato de ele nem sequer suspeitar de toda a bagunça dentro de mim agora me atordoa. É verdade que estamos em situações diferentes, mas sinto inveja por ele não sentir o que sinto. Puxo o ar com força, enfim; seu perfume tropical não me alcança, mesmo que essa vontade de senti-lo tenha sido percebida só agora.
— Tá tudo bem?
Com isso fico mais um tempo o olhando, enquanto suas palavras dançam sobre nós dois. Sua pele parece mais radiante, assim como seu sorriso aberto. Ele está lindo como sempre, mas não consigo me concentrar nele mais do que isso. Não consigo focar em suas particularidades ou seu cheiro que não vem. Passo meus olhos por suas roupas, mas não me prendo nelas.
Fecho os olhos por um instante, de maneira forte e irritada. Eu me sinto avulsa, fora de cenário. É uma sensação ruim e incomum, porque tento e tento entender em que ponto cheguei e em que ponto estou; da situação e do que sinto. Mas tudo é um emaranhado de fios da mesma cor, é praticamente impossível ver as coisas de maneira clara.
Abro os olhos depois de um tempo, há um zunido chato em meu ouvido e uma irritação mais forte do que antes. Aperto as mãos em punhos e travo meu maxilar por instinto.
— Jungkook, — Começo, impaciente. Tudo está errado! Não consigo me dosar, eu sou extremo, à flor da pele. — Você fez um post no fórum da faculdade?
Agora o que dança sobre nós dois é o silêncio; seus olhos me medem por certo tempo, parecendo perdidos na mudança de assunto. Ele se remexe no lugar, ajeitando a mochila em um dos ombros quando solta um riso esquisito antes de falar:
— Quê? Não fiz. Por quê? — Suas argolas balançam em suas orelhas e seus olhos se espremem em mais um sorriso. Ele espera um tempo e, quando percebe que não direi nada, volta a falar: — Hoje saiu as notas e os resultados do curso de verão. A gente achou que seria só na quarta, mas deu que liberou antes. O campus tá uma bagunça hoje porque todo mundo tá se preparando pro início das fé-
— Não to falando de hoje. — Interrompo-o sem rodeios, resgatando o que vim falar. Não me importa mais o tumulto pelos dormitórios ou o que quer que seja. Eu quero me livrar desse incômodo dentro de mim. — Eu to falando...
Paro, ficando ainda mais alvoroçada ao perceber que é inútil tentar explicar ou protelar. Desbloqueio a tela de meu celular e encontro a página logo ali. Eu a verifiquei dezenas e dezenas de vezes, li e reli como um karma. Analisei cada detalhe na esperança de encontrar uma falha que me dissesse que não era verdade. Mas infelizmente era. Ainda é. Solto um suspiro, erguendo o aparelho em sua frente.
— To falando disso.
Jungkook tem seu olhar fixo em meu rosto por um instante, o sorriso se esvaindo gradativamente. Talvez ele entenda agora que algo está errado por aqui. Talvez pelo meu tom de voz, pela minha postura, pela minha falta de sorrisos ou rubores nas bochechas. Talvez ele finalmente tenha entendido que nossos climas não são compatíveis. Não agora. Ele me olha por mais algum tempo, como se tentasse arrancar uma explicação no modo como o olho, mas logo desiste. Quando sua atenção é finalmente voltada para o que lhe apresento, sinto algo esquisito no peito. Penso em recuar e abaixar o celular, mas não o faço. Seus olhos parecendo correr por cada informação exposta na tela do meu aparelho, enquanto eu tento lidar com tudo o que tenho dentro de mim.
Quando parece entender, Jungkook se afasta um passo.
— Como você achou isso? — Parece incrédulo, mas envergonhado. — Já faz um tempo, eu nem lembrava mais.
Franzo o cenho consideravelmente, abaixando o telefone de imediato. Então ele ainda não entendeu? O questionamento vem como raio nos meus pensamentos. A informação pega pela metade me faz pensar que preciso verbalizar. E isso é o fim. O fim. A forma como ele não parece ligar os pontos me deixa desestabilizada. É tão difícil assim? Fico presa no desconforto e raiva por Jungkook não entender onde é que quero chegar; por não entender todo o peso que carrego agora mesmo.
Penso em mostrar as mensagens, mas eu as deletei num impulso de atordoamento e medo.
— O Haneul viu! — Solto, brava. — Ele viu seu post no fórum e me mandou. Ele sabe que você é acompanhante de aluguel!
Minha voz sai mais alta do que planejava sair, mas não me importo realmente com isso. Eu finalmente começo a sentir meu corpo inteiro reagir a toda essa situação. Sinto-me tremer da cabeça aos pés. Tudo parece sair ainda mais do meu controle, é algo que não consigo dirigir ou prever. Estou sendo ultrapassada o tempo todo, me perco no que é certo e no que é errado.
De novo.Existe o certo?
Não consigo organizar, sou posta zonza em meio a uma guerra. Não queria me comportar dessa forma, mas eu simplesmente soo, me movo, penso desse jeito. É como se eu estivesse escapando junto à situação inteira.
— Ele... — Jungkook começa, parece ainda enfrentar dificuldades para entender. — Ele o quê?
— Foi isso que você ouviu! — Rebato. O sol vindo da porta de vidro incomoda meus olhos por um instante e isso entra para a lista dos desconfortos do dia. — Haneul me mandou uma mensagem agora pouco com o link desse post.
Jungkook tem os olhos arregalados, atônitos. Ele me mede como se não conseguisse compreender. Como se eu estivesse falando algo completamente aleatório e ilógico. E talvez seja, não é? Talvez seja absurdo demais nós ainda precisarmos enfrentar toda essa porcaria depois de todo esse tempo. Depois de todas as coisas que já precisamos enfrentar.
— Ele mandou isso pra você?
Toda a sua aura leve vai embora como num passe de mágica.
— Mandou! — Respondo esganiçado. Vendo-o agora se remexer no lugar involuntariamente. — Mandou por um número novo, porque eu tinha... — Pauso, me perdendo no que quero falar outra vez. —Isso não vem ao caso agora!
Ficamos mais uma vez em silêncio, meus olhos fincados em seu rosto.
Eu preciso de uma solução, algo palpável que eu possa me segurar.
Jungkook parece se esforçar para ligar todos os pontos jogados tão de repente entre nós. Penso em tentar lhe explicar, mas não há muito que se falar. Está aqui, óbvio e certeiro. Também não é como se eu conseguisse dizer algo que faça sentido. Portanto fico aqui, observando Jeon ir e voltar. Literal e não literal. Seu corpo se remexendo de um lado a outro. Vejo-o pensar e repensar.
No fim, ele se volta para mim, a mandíbula marcada pela tensão e os olhos fincados e espremidos.
— Você acha que ele pode fazer algo? — Sua voz vem potente, furiosa. Por um momento, me prendo nisso, na sua reação. Mas só por um momento. — Acha que ele pode falar pros seus pais? Acha que ele pode... Falar para os meus?
Eu já havia pensado nisso antes. Para ser sincera, foi a primeira coisa que consegui concluir. Mas perceber que essa atitude é realmente uma possibilidade, que ela não é algo somente arquitetado pela minha cabeça insegura, me faz vacilar para valer. Nada é dito para suas perguntas, até porque não consigo verbalizar uma palavra sequer sobre isso. O choque por saber que essa também é uma dúvida de Jungkook me pega sem cautela. Mas basta nossos olhares se sustentarem por pouco mais de cinco segundos para ele entender minha resposta.
É sim para todas elas.
Ele se afasta alguns passos, vai e volta outra vez. Eu permaneço parada em meio ao hall dos dormitórios, vendo-o caminhar de um lado para o outro em minha frente. Não entendo o que acontece. Comigo, com ele, com a situação.
Jungkook passa as mãos pelos cabelos, mira o relógio, a porta escancarada e a mim. Ele faz isso por mais duas vezes seguidas. Respiro fundo o mesmo tanto de vezes, as mãos suadas e meu aparelho telefônico sendo pressionado contra a minha perna. Não sei o que fazer agora. Não sei o que fazer desde o início. Tudo parece turvo e sem sentido. Não entendo o porquê corri até aqui, não entendo o porquê de continuar aqui.
— Não... Não, a gente vai conseguir resolver isso. — A voz de Jungkook me desperta do transe. Ele está novamente em minha frente. Sua feição atordoada não passa confiança alguma, mas ele parece determinado. — É só a gente se acalmar e buscar uma solução, é fácil.
Levo um tempo para entender o que me fala. E levo mais outro para ligar com as informações que já tenho. Assinto sem perceber, revelando em seguida a única jogada que tenho na manga:
— Haneul aceitou conversar comigo, to esperando ele agora. — Minha voz é urgente, inquieta. — Posso tentar convencer ele a não contar.
Quando meus olhos se erguem até seu rosto, vejo que Jungkook fica um tempo ali, parado. E não entendo de início. Não entendo sua perplexidade de repente. Talvez ele esteja percebendo a gravidade só agora? É isso? Sinto-me incomodada por não conseguir acompanhá-lo, por não conseguir o alertar de toda a urgência que essa situação precisa ser tratada. Jungkook precisa entender que isso é muito mais do que-
— O quê? — Ele vem horrorizado em meio aos meus pensamentos irritadiços, fazendo-me com que eu me perca na linha de raciocínio. — Você vai se encontrar com ele?
Seus olhos me medem em pavor e, por mais que eu me sinta exposta por sua atitude, chacoalho-me inteira por dentro.
— Sim, — respondo atravessada. — Foi a melhor maneira que encontrei pra resolver esse problema.
Ele vem em uma risada nasalada irônica e debochada. Seus cabelos se movendo pela testa quando ele nega veementemente. O que não faz sentido. Não faz. O que ele espera que eu faça? Que eu espere o circo pegar fogo? Que eu seja mandada de volta para casa? Que eu bote tudo a perder?
É verdade que eu, mais do que ninguém, gostaria de me libertar de toda essa parafernalha de namoro falso, porque isso me esgota de todas as maneiras possíveis. Mas não existe a menor possibilidade disso ser feito agora, muito menos nessas condições. Se antes eu já me via apavorada de contar a verdade, imagine agora no meio de tudo isso? Imagine tudo sendo contato pela boca sujo de Haneul? Jungkook deveria entender, não deveria? Eu não me sinto preparada, não me sinto pronta para dar esse passo.
— Ele infernizou a sua vida e agora você vai se colocar nessa posição? — Ele vem sem cuidado algum. — Você vai pedir um favor pra esse cara? Pra Haneul?
Sem perceber, estou hiperventilando. Meu peito sobe e desce de raiva e frustração. Porque entendo onde ele quer chegar e entendo ainda mais o quão certo ele está. Mas não me dou por vencida, não posso.
Eu não consigo enxergar outra solução que não seja tentar convencer Haneul a não contar. Então seria de bom grado se Jungkook simplesmente falasse outra opção que não envolvesse contar a verdade, porque as minhas são escassas e desesperadas.
— Então tenta resolver você! — Jogo contra ele. — Hackeia o celular dele, não sei. Você mexe com isso!
— Eu faço design gráfico, não sei hackear computador!
Ele gira os olhos irritado e eu aperto minhas mãos em uma resposta silenciosa e secreta.
— Então o que você quer que eu faça? — Pergunto, fula. — Se você tivesse excluído esse post, nada disso ia tá acontecendo!
Jungkook é ofensa pura.
— Você tá dizendo que agora a culpa é minha?
— E a culpa é de quem? — Vocifero. — Fui eu que me esqueci de excluir aquele anúncio? Fui eu que postei ele?
Sua risada vem mais uma vez e eu sinto meu corpo todo tremer de raiva. Sua zombaria morre pouco tempo depois num silêncio ridículo e frio, no entanto. Eu tenho muito a dizer, mas não sei por onde começar. Sinto que eu deveria ser sincera com o que sinto, mas é muito mais complicado do que penso.
Gostaria de explicar que estou perdida, por mais que seja óbvio. Que me sinto sufocada e sem saída, que preciso de sua ajuda para entender o que acontece.
Jungkook ajeita a mochila nos ombros, mira o relógio, a porta e a mim. De novo. Meu peito está inflado, cheio de ar, mas sinto-o apertado, pequeno. Num relance involuntário, acabo olhando em volta. E não entendo quando exatamente aconteceu ou como aconteceu, mas todas as pessoas que antes aqui estavam, desapareceram. Pego-me na vontade de sumir também, do nada.
Só existe duas pessoas no hall dos dormitórios, nós, mas quando me viro para Jungkook novamente, percebo que logo restará apenas uma.
— Aonde você vai?
Minha voz vem em choque ao vê-lo caminhando em direção à porta. Penso que talvez ele tenha anunciado sua atitude, mas logo me convenço de que é muito provável que não.
Ele para então, virando-se para mim ainda distante.
— Eu preciso resolver uma coisa.
Pisco uma, duas, talvez três vezes. Atônita. Sinto-me vibrar internamente, talvez seja meu nervosismo ultrapassando meu estado físico e atingindo de vez meu estado mental., porque sinto-me brava fervorosamente.
— E vai me deixar sozinha aqui?
Jungkook solta a respiração de forma impaciente. E nesse instante, quando o vejo remexer os cabelos e dar mais um passo para trás, questiono-me se esse problema é dele também. Se toda essa situação só é grave para mim e somente para mim.
— A Minju tá me esperando. — Fala por fim, a voz não é mais tão afiada quanto antes. Mas não é isso que detém minha atenção. — É o último encontro que ela pagou, preciso-
— O quê? — Exalto, meus pés tomando vida e dando passos largos em sua direção, mas me freio involuntariamente antes de alcançá-lo. — Você vai encontrar a Minju? Aquela Minju?
Mas Jungkook não responde de prontidão. Talvez eu precise desenhar, montar um Power Point ou até mesmo a porcaria de um seminário para Jungkook entender o que se passa por aqui.
Ou quem sabe a situação seja grave somente para mim, de fato.
— Você vai se encontrar com ela? — Venho de novo. Minha voz é fina de descrença. — Vai se encontrar com a Minju e vai me deixar aqui?
— Qual o problema? — Jungkook volta até minha frente, o cenho franzido de ultraje. — Ao contrário de você, eu não to muito afim de olhar pra cara do Haneul.
— O que você quer que eu faça? — Solto outra vez, sou exaspero puro. — Eu não tava muito afim de ver a porra do seu anúncio no fórum da faculdade, mas a gente não pode ter tudo o que a gente quer, não é?
Eu venho em um humor ácido, venho rasgando todos os limites que nós estabelecemos em um contrato silencioso. Sei disso. Mas não consigo voltar atrás, sinto-me no limite, a ponto de ultrapassar meu próprio ser e explodir para todos os lados.
É o fim.
E não entendo, não consigo entender. Sei que nunca precisei me preocupar com Minju, sei que desde o início nunca houve um problema de verdade. Mas parece demais ter que aturar tudo isso agora, exatamente agora. É tão importante assim esse encontro?
Quero gritar de frustração, minha cabeça é um emaranhado imbecil e cheio de armadilhas. Não consigo me entender, não consigo entender o que sinto. É tudo ao mesmo tempo, mas também é nada. São dois extremos de uma mesma superfície. É ridículo. Ridículo.
Jungkook esfrega seu rosto com ambas as mãos, como se também não estivesse obtendo sucesso para se autoentender. Solta a respiração em uma lufada forte e, por fim, me olha. Sua boca se abre por um instante, logo se fechando; é como se buscasse palavras para dizer o que precisa dizer.
Penso em ignorá-lo, em desviar de seu corpo e marchar em direção à porta; resolver esse problema sozinha e mandá-lo para o raio que o parta, mas não consigo me mover.
— Nós dois estamos aqui agora, — Começa depois de um tempo. — Você tendo que contratar um acompanhante de aluguel e eu sendo um acompanhante de aluguel. Tudo, absolutamente tudo por causa dessa merda e você ainda vai tentar explicar pra ele? Vai tentar mudar a cabeça dele? — Há um resquício de um sorriso nada humorado no canto de sua boca, enquanto dentro de mim há um farelo de liberdade se remexendo de pavor. — Ele nos fodeu de formas diferentes e você ainda vai jogar conforme as regras dele? Você não percebe? Tudo isso aqui não estaria acontecendo se ele não fosse o maior babaca do mundo, se ele soubesse perder.
Jungkook pausa por um instante e, nesse meio tempo, meu celular vibra silencioso em minha mão. Penso em olhar para a tela, penso em sanar uma curiosidade que nem sequer existe, mas não consigo tirar meus olhos do rosto do cara em minha frente. Porque ontem nós éramos tudo — assim como eu, assim como os grãos de areia — e hoje nós parecemos uma imensidão de entulhos de desespero e problemas não resolvidos.
— Eu não vou ficar aqui pra ter que passar por isso de novo. — Ele retoma. Seu tom de voz é uma mistura de muitas coisas e quero acreditar que uma delas seja desculpa. — Eu não to indo embora por causa da Minju, eu to indo embora por causa de mim.
Abro a boca para retrucar, abro a boca para mal criações e discórdia. Mas abro e a fecho. Na minha garganta, enquanto o vejo virar as costas e andar para longe, está entalado coisas que ainda não consigo entender. Eu sinto raiva, mas também me sinto frustrada e triste. Queria gritar para Jungkook ir se foder. Queria gritar que se ele não se importa, eu também não me importarei. Mas eu nem sequer sei explicar sobre o quê.
No fim, só resta uma pessoa no hall dos dormitórios.
[...]
O sol brilha por todos os lados; alcança o topo das árvores, os pedregulhos do chão, os bancos de madeira. É forte e potente, um lembrete claro e objetivo de que as férias de verão estão logo aí. No entanto, eu não me sinto mais quente como antes; sinto-me fria, gelada igualmente as paredes do dormitório feminino. Sou peso sobre meus próprios ombros, sou arrependimento imediato.
Eu me sinto mal, pior do que antes. Pesada e errada. Porque continuo me lembrando do sorriso aberto de Jungkook, de seus olhos intergalácticos e de seu cabelo negro sobre a testa. Continuo me lembrando de nosso contraste grotesco e de como eu nos arrastei para o limbo rápido demais; de como seu sorriso diminuiu e seus olhos se tornaram opacos. Eu me sinto mal, porque, por mais que no fundo — mesmo que de forma involuntária e não proposital — a culpa tenha sido dele, o rumo que as coisas tomaram passaram longe do caminho que eu havia traçado mentalmente.
Só agora consigo encontrar as palavras certas para dizer, só agora consigo imaginar um contexto e uma explicação melhor antes de lhe erguer o celular; antes de despejar todo meu desespero e urgência de maneira tão crua e imatura. Não é como se eu já conseguisse me policiar, nem mesmo como se eu entendesse o que venho sentindo ou o que vem acontecendo. Eu ainda sou bagunça, um amontoado tenebroso de problemas jogados uns sobre os outros. Ainda sou desordem. Mas pelo menos sei o que eu não deveria ter feito.
Não quero mais gritar atrocidades para Jungkook. Não quero mais mandá-lo ir se foder. Não quando suas últimas palavras continuam me assolando a alma, continuam a gritar comigo no meio de todo o meu silêncio. Ouvi-las não me fez encontrar uma direção ou esclarecimentos, me fez erguer mais questionamentos do que antes.
Jungkook abriu mão de tudo, afinal?
Aperto meus braços em volta de meu corpo, enquanto meus olhos são fixos no portão de entrada da faculdade. A mensagem de mais cedo era de Haneul avisando que estava a caminho. Pressiono os lábios e solto um suspiro longo. Meu corpo já não mais treme, mas minha cabeça continua viajando por hipóteses e pensamentos na velocidade da luz.
Seria possível eu abrir mão de tudo também?
Eu caminho vagamente pelos pensamentos, volta e meia escalando as letras de todas as palavras ditas mais cedo. Minhas, de Jungkook. Queria poder ter controlado minhas emoções, mas continuo escapando de mim assim como a situação inteira. Sinto-me deturpada e agora assombrada pelo que foi entregue a mim.
A figura de meu ex-namorado surge como um fantasma agourento e macabro do outro lado da rua. Consigo enxergá-los entre as pessoas e carros, como também consigo me lembrar das palavras que Jungkook me disse. Não as de hoje, mas daquela festa de república; sobre minhas verdades e sobre como é importante eu acreditar nelas.
Qual é a minha verdade agora? Nesse exato momento?
Eu queria poder discordar de cada palavra que Jungkook me disse mais cedo, hoje. Gostaria de poder dizer de maneira rápida e óbvia de que ele está errado, de que não é assim que as coisas funcionam. Mas a cada passo que Haneul dá em minha direção, mais eu percebo o quão tudo é verdadeiramente real.
Talvez eu sempre soubesse disso... Nos meus pensamentos secundários, nos meus sentimentos secundários. Porque sempre foi mais complicado ter que viver em função de driblar problemas que envolvam meu ex-namorado do que entender para onde tudo isso estava me levando. Eu sempre entendi o caos que estava me enfiando, sempre entendi a teia horrorosa de mentiras que fiz e que eu própria me embolei. Mas nunca mergulhei a fundo sobre as consequências, sobre as amarras e sobre como eu ainda estava — estou — terrivelmente interligada a tudo aquilo que eu queria evitar.
— Quanto você pagou por aquele merda? — Haneul vem raivoso assim que para em minha frente. — Hã?
Olho-o por um instante, sem a intenção de respondê-lo. Minha vontade é de apenas ouvi-lo falar e falar, apesar de ter muito que dizer. Meus pensamentos ainda são idas e vindas; e agora, pensando sobre as consequências que nunca tirei conclusão alguma, entendo que talvez tenha sido só meu subconsciente tentando me proteger de algo difícil demais de lidar.
— Deve ter sido uma mixaria... Ha, eu sempre soube que eu tava certo. — Ele passa a língua pelos lábios e sorri. Um sorriso vitorioso e arrogante. — Você contratou um cara só pra me fazer ciúmes, incrível!
Engulo a seco, lembrando-me agora também da última vez que estivemos frente a frente. Foi naquele corredor, com suas palavras imbecis e eu me sentindo tão pequena e insuficiente. Tem sido assim há um bom tempo agora, não é? Haneul impondo sua verdade, seus pensamentos, seus ideais. Impondo uma vida e uma visão, enquanto eu só sigo as regras do jogo.
Vai continuar sendo dessa forma por mais quantas primaveras?
— Não vai dizer nada? Eu acabei de pegar você no pulo, descobri que você enganou todo mundo. — Vem cheio de segundas intenções, a boca proferindo palavras ridículas e meu peito crescendo em descrença. — Você não tem vergonha?
— Você não tem vergonha? — Tento, eu sou tremedeira por inteira. Minha voz é incerta e vacila. — Eu contratei um cara pra tentar me ver livre de você e a única coisa que você consegue pensar é no seu umbigo egocêntrico e inútil.
As palavras saem sem qualquer agressividade, num tom de voz de pouca credibilidade. E me sinto mal, injustiçada pela vida e por tudo o que venho enfrentando. Tudo é mais fácil atrás de uma tela de celular. Foi mais fácil quando o bloqueei a primeira vez, foi mais fácil hoje. Mesmo que a última tenha sido regada em desesperação.
— Eu já tava em outra, pelo amor de Deus! Eu tava namorando e você contratou um cara pra me fazer ciúmes, só admita! — Haneul nem sequer titubeia em dizer, ele vem decidido. — Você tá querendo virar o jogo, sério? Nessas condições? Não pense que vai dar certo, porque eu tenho tudo na palma da minha mão.
Puxo o ar com força, horrorizada. Porque sei que existem falhas em seu discurso, sei que suas palavras podem ser revertidas facilmente e postas contra ele. Sei que tenho brechas pra contra-argumentar, pra me pôr em primeiro nessa discussão. Mas meu raciocínio lógico e certeiro é uma carta fora do baralho, não segue a frequência de todo o meu ser. O restante de mim, meu corpo, não me permite agir.
— Você é maluco! — É o que consigo dizer. Meu peito é um rebuliço de ódio e frustração. É um inferno. — Um petulante de merda!
— Você não tá ajudando muito na sua situação... — Haneul gira os olhos, debochado. — Sabia disso, né? Eu posso agora mesmo ligar pros seus pais, contar tudo o que eu sei.
— Vai contar também que se enfiou em um time de basquete só pra me observar?
Reacendo um questionamento interno e antigo, mas não sei o que fazer por agora. Com seu rosto me olhado incrédulo por um tempo e a oportunidade que tenho de dizer tudo o que preciso dizer. Porque ainda sou presa em mim, nele e nessa situação de merda.
Ele tem tudo na palma da mão, de fato.
— Caramba, — começa, atordoado. — Você foi atrás dele exatamente porque nós jogávamos juntos? Foi tipo uma vingança em dose dupla? Você é muito baixa!
Meus ombros murcham. Sinto-me apavorada. Haneul pegou o caminho que mais lhe valoriza, que mais lhe beneficia. Mesmo que não seja a verdade, mesmo que não seja o que eu quis ter dito; mesmo que passe longe de qualquer palavra que tenha saído de minha boca. O ego inflado de meu ex-namorado é um inimigo poderoso e inabalável.
— Vocês são inacreditáveis. — Ele ainda parece desacreditado, enquanto eu continuo aqui, parada em sua frente tentando engolir aonde tudo isso chegou. — Até diria que se merecem, mas sei que você não tá no seu melhor estado de espírito.
Estado de espírito.
Seu melhor estado de espírito.
— Não foi isso. — Falo, meio esquisita. A acusação é sem cabimento, mas por uma fração de segundos me pergunto se não foi isso mesmo que aconteceu. — Foi uma coincidência.
— E você quer mesmo que eu acredite?
Minhas têmporas se apertam em pavor e eu quero gritar. Isso é ridículo. Eu odeio estar aqui, odeio mais do que qualquer outra situação que já precisei enfrentar. Eu sei de como tudo aconteceu, eu sei como cheguei até Jungkook. Isso não faz sentido!
— O que seus pais vão dizer quando eu contar tudo isso pra eles? — Seu tom de voz é maldoso quando chega em mim com palavras afiadas e chantagistas. — Torça pra eles acreditarem que foi tudo uma coincidência.
Vejo-o se afastar um passo. É quase como a cena em que vi Jungkook ir para longe mais cedo, mas me freio de tentar comparar. Um desespero novo e imediato me toma o peito e, de novo, me vejo perdida, sendo ultrapassada por sentimentos e fatos. Deixo tudo escapar fácil demais. Sou derrotada pela miserável falha de não conseguir ligar os pontos, de não conseguir agir, dizer.
Acabo indo pelo costume, pelo que sempre acabo fazendo.
— Não, espera! — É o que digo, vendo-o parar de prontidão quando dá seu segundo passo para trás. — Vamos fazer um acordo, por favor.
— Um acordo?
— É, um acordo. — Falo sem pensar. — Foi pra isso que você veio, não foi?
Seus olhos se estreitam em minha direção, como se analisasse meu pedido. Isso só faz com que eu me sinta ainda mais inútil e minúscula. Não me sinto satisfeita em dizer, em embarcar mais nessa, mas estou de mãos atadas, não estou? O que mais eu poderia fazer? Qual outra alternativa eu tenho? Não são muitas. Pelo menos, não no caminho que quero pegar.
Depender de Haneul nunca foi tão doloroso quanto agora...
Ele respira fundo e olha para os lados apenas por olhar, talvez queira que eu sofra com a espera, mesmo sabendo da sua resposta. Há pessoas indo e vindo, mas nenhuma parece prestar atenção em nós dois.
— Eu não conto nada pros seus pais. — Fala por fim. — Mas você vai ter que pedir transferência de universidade.
Levo um tempo para associar o que me diz e, quando faço, meu queixo quase cai.
— Pedir transferência?
— É. — Concorda sem rodeios. — E se sinta grata que minha condição não é você desistir do curso.
Pisco algumas vezes, sem acreditar.
— Não... Entendi.
Haneul solta um suspiro impaciente e fico o encarando por algum tempo. Seu cabelo está jogado para trás e as sobrancelhas grossas quase se encontram em meio a sua testa.
— Eu vou finalmente voltar com você, vou te dar outra chance. — Explica como se fosse algo óbvio, escancarado. — Eu só tenho essa condição. Você seguindo essa condição, nós podemos voltar.
A situação se reverte mais uma vez. Minhas atitudes não são compreendidas ou são ignoradas por completo. Não sei ao certo qual de fato é o correto se afirmar. Desconfio que Haneul de fato saiba sobre toda a verdade das minhas atitudes que sempre julguei serem claras. Desconfio que ele saiba, mas que não queira admitir. Ou, quem sabe, perder...
Vai ser assim pra sempre, não vai?
Minhas atitudes distorcidas e sua verdade sempre imposta. Esse ciclo infinito de me querer ver livre, mas continuar presa. De achar que vivo, mas perceber que ainda sou interligada a ele. Porque de fato sou. Continuo fazendo as coisas pensando em Haneul, por causa de Haneul. Mesmo que superficialmente não pareça, no fundo eu sei que é. Nos meus pensamentos secundários, nos meus sentimentos secundários.
Vai existir o momento perfeito para eu me libertar disso?
Eu sempre preferi me boicotar ao invés de rebater a ideia matrimonial dele e de meus pais. Acabei me envolvendo em um contrato com um acompanhante de aluguel só para que eles não soubessem da verdade... E, por mais que isso seja a única coisa feita que me rendeu algo bom, ainda é desconexo. Não deveria ser dessa forma, eu não deveria me desdobrar para caber dentro de crenças que não são minhas. Eu criei dezenas de desculpas esfarrapadas na minha cabeça, porque no fundo eu sabia que era mais complicado, que o buraco era mais embaixo; que era um impasse mental meu. Que me faltava coragem para encarar tudo o que eu era contra, tudo o que eu não concordava. Talvez nesse meio tempo, eu acabei caindo na tentação inútil de pensar que a errada era eu, porque era mais fácil dessa forma. Preferi me afundar, me enrolar em mentiras — internas e externas — e acabar parando aqui.
Não posso mais usar Haneul como justificativa, não posso mais usá-lo para guiar minhas decisões e minhas preocupações. Nem ele e nem minha família.
Quero me desconectar da minha eu do passado, não quero mais me sentir como antes. Nunca mais. Não quero me sentir pequena e insuficiente. Entendo agora, entendo perfeitamente que essa não é minha verdade e nunca foi. Não quero retroceder, quero ir além.
Não quero mais me sufocar num pesadelo real.
Eu sou livre. Eu sou! Essa é a minha verdade, afinal. E quero me sentir assim.
Contra meus dedos, sinto meu celular vibrar e cantar com uma nova mensagem. E percebo que a sensação é realmente verdade quando Haneul volta sua atenção para o aparelho em minhas mãos. De maneira involuntária e sem pensar, meus olhos se voltam para a tela acesa, para a pré-visualização da recente sms.
Minha mente ainda é vaga e desconexa, ainda é um turbilhão de coragem e medo. Vou e volto pelo que deva ser a milésima vez nos últimos minutos. Ainda interligo pontos e me atordoo fácil pela constatação óbvia. Sou bagunça, mas não deixo de percorrer cada letra escrita ali.
— E então? — Haneul me tira do transe temporário, sua voz é mais alta do que antes. Parece urgente. — Vai pedir transferência ou não?
Respiro fundo, mirando seu rosto agora de uma forma diferente como media há dois minutos. Perceber o que vim fazendo nos últimos meses me fez enxergá-lo com outros olhos, numa outra perspectiva. Consigo entender agora. Ele foi um inferno por tanto tempo... E por tanto tempo lhe dei importância demais.
— Não.
Minha voz sai clara e espontânea. Ainda me sinto incerta sobre o futuro, mas pelo menos agora sei aonde não quero chegar.
— Não? — Ele vem em choque depois de um tempo. — Não vai pedir transferência?
— Também.
Seus olhos se apertam para mim, ele parece ultrajado e confuso. Meu coração bate forte contra meu peito e a sensação que tenho é que posso explodir outra vez. Mas o sentimento é diferente agora, é como explorar o novo.
— O que você quer dizer com também?
Meneio a cabeça, puxando todo o ar que consigo para meus pulmões, só para assim soltá-lo com as palavras que consigo dizer:
— Não vou voltar com você e nem pedir transferência.
Haneul parece não ter ouvido no primeiro instante. Seus olhos são fincados em meu rosto como se tivéssemos parado no tempo e seu entendimento tenha sido interrompido. Como um pause em uma cena que só funcionou para ele.
— O quê? — Ele finalmente fala. — Você tá se ouvindo? Você entendeu o que falei? Se você não pedir transferência, eu vou contar pros seus pais.
Luto comigo mesma, com o sentimento de me sentir pequena e estúpida mais uma vez. Não posso deixar isso acontecer, não posso. Remexo-me no lugar, uma rajada de vento nos atingindo e arrastando meus cabelos para trás. Ela também parece varrer, por um pequeno instante, meu medo.
— Eu entendi o que me disse. E a resposta é não.
A resposta imediata que recebo é um riso desacreditado, a primeira sílaba vindo ímpia e alta. Haneul vai de um lado para outro. Retorna. Quase consigo ouvir as engrenagens de seu cérebro trabalhando para entender o que digo.
— Eu to tentando te ajudar! — Ele agarra os fios de cabelo de sua nuca, parece transtornado com o rumo que as coisas tomaram. — Qual é o problema?
Não quero ter tempo para pensar. Não quero ter tempo para desistir e voltar atrás. Quero seguir com isso, porque, de repente, talvez essa seja minha única oportunidade de enfrentá-lo de verdade.
— Ok, ok. Caramba... — Haneul parece viver um confronto interno. — Não precisa pedir transferência, então. A gente vai vendo isso com o tempo, tudo bem?
— Haneul, — começo, quase em choque por ele ainda não ter entendido ou continuar fingindo que não entendeu. — Eu não vou voltar com você.
Finco meus pés no chão, inflando o peito. Quero e vou me manter aqui, determinada.
Haneul passa seus olhos mais uma vez pelo meu rosto, analisando cada mínimo detalhe. Quem sabe tentando captar alguma mensagem que não passei ou alguma brecha para reverter o que acabei de dizer. Ele gira os ombros para trás, seu semblante agora mudando para desconfiança e desafio. E acabo me perguntando como sua mente trabalha, se em algum momento ele acaba caindo nas suas próprias armadilhas.
— Quem te enviou a mensagem? — Ele vem cheio de suspeita suja. — Foi Jungkook?
A mudança repentina de assunto me pega desprevenida. Sinto algo ruim no fundo do peito, não o respondo. Aperto o aparelho entre os dedos e o pressiono contra mim. De repente, sinto-me amedrontada.
— Foi ele? — Seu tom é acusatório. — Vocês tão tendo um caso?
— O quê? — Quase engasgo. Isso é novo e não combina em nada com seu discurso. — Você mesmo disse que nos unimos por vingan-
— Eu quero ver seu telefone. — Diz, interrompendo-me. Olho para sua mão estendida em minha frente. É fora da realidade. — Anda, quero ver!
Demoro um tempo para entender o que se passa, para entender que tudo de fato está acontecendo.
— Não! — Falo finalmente, espantada pelo pedido. — Não vai ver!
Mas antes que qualquer outra palavra seja dita, Haneul parte para cima de mim. Sinto meu corpo todo se eriçar de pavor e me encolho o que posso. Suas mãos tentam alcançar o aparelho telefônico preso entre as minhas e recuo um passo. Ele se aproxima dois. É tudo fora da realidade, absurdo. Sinto-me encurralada, no limite de uma situação que foi longe demais. Viro sobre meu próprio eixo, dando-lhe as costas. Penso em empurrá-lo e correr para longe, mas seu corpo todo está sobre o meu.
Meu coração se espreme dentro de mim e sinto-me sufocada de pavor, remexo-me para tentar me ver livre dele, mas não consigo. Ele continua me puxando pelos braços, agarrando minha pele.
Num instante de pavor, sinto seus dedos finalmente alcançarem os meus. Meu celular logo ali. Ele nos chacoalha para os lados na intenção de me fazer soltar. Seu peso sobre o meu e minha mente à mil. Vejo-me sem saída, vencida de vez. Começo a me debater, nos engatando em uma luta corporal esquisita e imatura. Meus braços se movimentando em desordem e desespero, de um lado para outro. De um lado para outro.
No meio do caminho, acerto algo.
— Não acredito!
Como num passe de mágica, os braços se Haneul desaparecem da minha volta. Sua voz reverberando alta e horrorizada. Viro-me assustada, ainda sem entender o que aconteceu por aqui. Quando o faço, no entanto, encontro o nariz de Haneul escorrendo sangue.
— Você me acertou! — Acusa. Fazendo-me com que eu tente entender como. — Você enlouqueceu de vez! Você é completamente pirada!
Sua voz é abafada pela mão que cobre seu nariz, mas consigo ouvi-lo claramente quando fala outra vez:
— Pode esquecer qualquer acordo entre a gente!
E, num instante absorto e delirante, sinto vontade de rir; é surreal demais para acreditar.
Vejo meu ex-namorado marchar em direção à saída do campus, levando meus problemas e todas as minhas consequências. Eu deveria fazer algo agora, não deveria? Não sei ao certo o que, mas acredito que sim. O problema é que ainda há muito coisa para se absorver por aqui...
O caminho tomado é completamente diferente do que eu havia traçado mais cedo.
E enquanto Haneul desaparece entre as pessoas do outro lado da rua, abaixo meus olhos novamente para a mensagem que recebi.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 12/15)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 11.576 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
— Dumb, dumb, dumb, dumb, dumb, dumb.
Salto na cama de maneira súbita, meu corpo tencionando pelo susto e meus olhos varrendo o dormitório por puro instinto. Tento achar sentido nos meus pensamentos e atos; levo dez segundos para me encontrar. Outros cinco para entender que o que toca estridente é meu celular. A luz do sol entra pelas frestas da cortina sem cerimônia alguma e — numa conclusão esquisita e extremamente grogue — percebo que me deitei ao contrário na cama noite passada.
Tento esticar minhas pernas, mas desisto ao sentir meus músculos das coxas doerem pelo movimento mínimo. Meus olhos ainda pesados de sono lutam para se manterem abertos e, com minha lucidez frágil e torta, cogito ignorar quem quer que esteja me ligando. Arrancada de um sonho esquisito envolvendo borboletas, eu ainda me sinto perdida no momento. Meu corpo voltando a se acomodar entre as cobertas de forma genuína, o farfalhar do lençol soando calmo no meio de todo o caos que Red Velvet traz ao ambiente. Sentindo meu rosto se encostar ao colchão outra vez, meu coração se desacelera aos poucos e todo meu ritmo começa involuntariamente a seguir meu plano recém-criado.
Talvez não seja tão importante assim, não é?
O celular para de tocar e eu fecho os olhos com facilidade, quase os ouvindo me agradecer pela bondade. Sinto meu travesseiro em meus pés e a parede gelada acalentar minha bochecha quando mudo de posição. Meu corpo se acalmando do sobressalto recente lentamente, como uma cantiga de ninar.
É um momento de paz.
Mas que se encerra tão rápido quanto começou.
—Dumb, dumb, dumb, dumb, dumb, dumb.
Meu celular volta a tocar irritante e, outra vez, meu corpo reage ao susto. Quando me sento de supetão no colchão, eu estou atordoada e frouxa. Ainda. O quarto girando lentamente ao meu redor. Num segundo de sentido turvo, questiono-me se essa tontura toda é o efeito prolongado da bebida ou se já é o início da ressaca. Em uma busca conturbada feita somente com os olhos, encontro o aparelho repousando sobre a cama arrumada de Sorn, percebendo só agora que estou completamente sozinha por aqui.
Aos tropeços, alcanço o celular que ainda toca. Minhas pernas doendo pelo esforço e meus ombros ganhando um peso a mais quando encontro o nome na tela. Não é como se eu pensasse que poderia ser outra pessoa, mas encontrar o nome de minha mãe ali e ter certeza faz com que eu bote em duvida todas as escolhas que eu já tomei na vida. Inclusive nascer. Sento-me no chão mesmo, as costas apoiadas à cama de Sorn e minhas pernas esticadas pelo carpete do quarto. Vagando por um instante na ideia de que eu poderia simplesmente ter silenciado o aparelho pelo restante do ano.
— Hmm, bom dia.
— Bom dia? — A voz estridente de minha mãe me faz dar outro pulo. — Já passou da uma da tarde!
Quero rosnar, mas me limito em ronronar em resposta. Minha cabeça doendo nas têmporas e um arrependimento crescendo no peito. Eu não deveria ter bebido tanto assim ontem. E, de fato, ter atendido a ligação também.
— Quero saber quando vem para casa. — Parece agitada e um tanto irritada também. Talvez seja comigo. Os sons secundários de sua ligação me fazem pensar que ela procura por algo nas gavetas da sala. É um abre e fecha maldito. — Hoje ou amanhã?
Sinto meu estômago reagir em ânsia. A pergunta parece complexa demais para o ninho de informações que rondam meu cérebro. E sinto que nem as palavras mais básicas conseguiriam fazer sentido de maneira rápida. Respiro fundo, fechando os olhos com a intenção de descansar uns segundos. Mas os abrindo logo em seguida quando percebo a tontura tomando conta de mim. De repente, todo o plano de voltar a dormir depois disso vai por água abaixo.
— Ainda não sei. — Falo, aérea. — Acho que semana que vem.
Um fechar de gaveta explode do outro lado da ligação, é raivoso e irritante.
— Semana que vem? Como? Não podemos chegar em Busan separados, precisamos chegar juntos!
Busan.
Fim de semana.
Encontro de famílias.
Puta que pariu.
E é então que todas as minhas decisões da noite anterior me atingem como um cometa. A lembrança súbita do encontro de famílias faz meu estômago rodar dentro de mim de novo. Dessa vez de uma forma mais agitada e violenta. Completamente emocional. E quero vomitar. Quero e preciso. Sinto meu maxilar travar, um choque perto das têmporas e um amargor na ponta da língua. Penso mesmo em correr até o banheiro, mas meu corpo não comanda. Minhas pernas continuam a doer e minha tontura agora funciona como uma espécie de karma imbecil. Tudo ainda gira, tudo ainda é amargor no paladar. E aos poucos vou sentindo meu corpo derreter sobre o chão, se esparramando como ramas de batata.
Eu sei que peguei o caminho certo ontem à noite, como sei também que toda a responsabilidade que botei na minha eu do futuro, na minha eu de agora, é pesada e intricada. É uma dualidade de sentimentos que faz com que eu me sinta assombrada. Talvez eu me sinta tentada a encontrar outra opção, talvez eu me sinta tentada a desejar que eu tivesse tomado coragem de decidir isso mais cedo, me dando assim tempo o suficiente para buscar alternativas. Mas não me sinto tentada a voltar no tempo e pedir esse favor a Jungkook. Porque não me arrependo; não me arrependo da decisão de deixá-lo fora disso.
Respiro fundo, sentindo minhas costas se apertarem contra o chão.
Entretanto, por mais que eu esteja certa do que decidi, eu ainda preciso lidar com as consequências. Eu ainda preciso lidar com tudo isso aqui. E essa é, de longe, a pior parte. A que me chateia e me faz tontear.
A eu que precisa lidar com isso não é mais a do futuro, é a do presente.
— Já falou com Jungkook? — Minha mãe parece adivinhar; vindo cheia de malícia e pedras na mão. E não respondo. — _____, já é quinta-feira! Nós vamos de qualquer forma, então você trate de-
— Ele tá ocupado com o curso de verão, — falo me sentindo subitamente pesada, interrompendo-a. — Não consegui falar com ele ainda. Mas vou conversar. Vou conversar hoje, ok?
Por um curto momento — tão curto quanto o tempo em que se leva para um raio começar e terminar no céu —, eu me vejo em duvida. Uma duvida intensa e genuína. Eu me boto em cima do muro.
Eu conto a verdade ou eu permaneço nessa teia de mentiras?
A angústia me alcançando a garganta com maestria e me fazendo recuar abruptamente. Não existe a menor possibilidade de uma verdade sair pela minha boca. Não agora. E talvez não nos próximos dez anos.
— Como não conseguiu falar com ele ainda? — Solta raivosa, logo repetindo: — Hoje já é quinta-feira!
— Eu sei, eu sei... — Fecho os olhos com força, sentindo minha cabeça latejar de dor. — Vou conversar hoje.
Há um silêncio. Um silêncio absoluto.
— Vou ligar mais tarde de novo. — Avisa. E sinto pelo seu tom de voz que é uma ameaça. Pura e simples. — Mas quero que você venha pra cá amanhã antes do almoço.
Sinto um amargor na língua outra vez, meu maxilar travando e eu me sentindo zonza de novo. Não sei o que fazer agora. Física e psicologicamente. Eu me sinto em um universo paralelo esquisito e sem cabimento. E isso me deixa um tanto frustrada também. Eu já me senti assim tantas vezes nessa situação de merda... Eu deveria estar acostumada, não deveria? Mas as coisas parecem diferentes. Iguais, mas diferentes. O problema é o mesmo, sempre é, mas eu me sinto agora no meio do fogo cruzado. Em uma rua bifurcada, na beira do precipício sendo perseguida por lobos. Pulo ou fico? Eu sinto que agora as coisas se tornaram mais extremas e urgentes, enquanto eu sou só uma mistura imbecil de indecisão e covardia.
As gavetas do outro lado da linha voltam a serem exploradas, nesse meio tempo, ouço o barulho da porta se abrindo desse lado aqui. De canto dos olhos, vejo Sorn me olhar curiosa quando entra no dormitório. Torno-me, então, subitamente consciente dos meus cabelos desgrenhados, maquiagem borrada, roupa da noite anterior e meu corpo cobrindo metade do tapete entre as camas. Penso em sair do lugar outra vez, mas nem sequer me forço a fazer isso.
Solto um suspiro rendido.
— Tudo bem. — A frase saindo solta no ar, desconexa. — Preciso ir agora.
— Hm. — Chia em resposta. — Trate de falar com ele.
No instante seguinte, a ligação se encerra. E sinto-me ainda mais vazia. A certeza de que esse tormento só acabará quando eu contar a verdade me toma de novo e em cheio. Mas a ideia é tão utópica... Não consigo ver um futuro em que eu consiga ganhar coragem e contar. Não parece existir a possibilidade de isso acontecer. É algo tão irreal que parece um sonho ou um devaneio fantasioso. Eu queria que fosse possível, queria que as coisas pudessem ser diferentes dentro de mim. Menos insegurança, mais coragem. Mas quanto mais eu insisto em pensar nessa pedra gigantesca em cima dos meus ombros, mais certeza eu tenho de que nem em outra vida eu conseguiria cumprir a tarefa de confessar.
— Tá tudo bem?
Minha visão do teto é bloqueada por Sorn. Seus pés moldurando minha cabeça no chão e suas pernas parecendo mais longas que o normal vendo desse ângulo. Seu cabelo curto cai sobre a testa vincada em confusão e ela tem uma aura quase celestial com o sol batendo ao corpo.
Penso sobre a pergunta. As palavras ainda parecem desconexas por conta da tontura e da possível ressaca. Ou ainda é o efeito da bebida?
Eu realmente não sei.
— Acho que sim. — Minha voz é rouca. — Por quê?
Ela abre um sorriso como se soubesse de algo.
— Você chegou ontem derrubando metade do quarto, — começa e meu rosto se enruga em uma careta constrangida. — Grunhiu todas as respostas das perguntas que eu te fiz e agora tá jogada no chão.
Olho para ela com mais atenção, me sentindo de repente assustada. Percebo que poderia lhe contar todas as coisas, das menores até as grandes, até agora. Me pergunto se essa seria a hora certa. Como me pergunto também se existe momento para isso. Contar para ela parece fácil demais, as palavras rolando pela minha língua e sendo soltas no ar. É fácil e prático, é objetivo. Sorn já sabe sobre boa parte do que me aconteceu, não é? Seria complementar, aumentar um pouquinho a história.
Mas não consigo. De novo.
Eu ligo esse momento ao fato anterior, a ideia de contar toda a verdade aos meus pais, e me sinto empacar. É um tormento sem fim, um vendaval que me joga de um lado para o outro. E isso me pega em cheio, porque Sorn é minha melhor amiga e queria ter coragem para me abrir com ela.
— To com dor no corpo. — Falo qualquer coisa quando ela me ajuda a levantar.
— Tem remédio no banheiro, — aponta para trás. — Quer que eu pegue?
Nego de súbito, passando por ela e indo até lá. Meu corpo se arrastando até o pequeno espaço gelado enquanto ouço o barulho das cortinas sendo abertas. O reflexo no espelho do banheiro mostrando um dormitório claro e pacato assim que paro em frente à porta.
Não sei o que viria depois, não sei o que aconteceria se eu contasse sobre o contrato ou sobre um possível término de namoro com Jungkook aos meus pais. Mas sei que as coisas mudariam, não entre eu e eles, mas em mim. Mudariam aqui dentro. E eu queria poder um dia fazer isso, me libertar de verdade.
Antes que eu possa abrir o armário do banheiro e me embaralhar em cremes, remédios e fios-dentais, meu celular apita indicando novas mensagens. Cambaleio no lugar e caio sentada sobre a privada, Sorn derrubando algo no chão e reclamando ao fundo. Quando meus olhos param sobre meu celular em meio as minhas mãos então, meu coração se acelera em resposta imediata.
Caramba, é como se ele soubesse...
[13:37] jungkook: ei
[13:37] jungkook: já almoçou?
Pisco algumas vezes enquanto olho para a tela, sentindo-me nervosa. De repente, ridiculamente nervosa. A noite passada foi regada de sentimentos pesados e decisões tomadas sem planejamento prévio, um completo desastre emocional, não existe a menor possibilidade de negar essa lembrança. Mas ainda existiu nós dois. Por mais que tenha me rendido angustia e aflição, ainda existiu eu e Jungkook.
E ele continua sendo a única coisa boa de toda essa baderna.
[13:38] eu: é quase duas
[13:38] jungkook: e?
[13:38] eu: ainda não
[13:38] eu: e você?
[13:38] jungkook: também não
Não consigo não me sentir surpresa por vê-lo ali, não só por vir mais cedo do que pensava que viria, mas por vir justamente agora. É como se ele soubesse sobre a ligação de minha mãe, como se ele soubesse que preciso me lembrar de que a decisão que tomei ontem foi a melhor que fiz.
Meus pés se enroscam no tapete sem que eu perceba e suspiro arrastado em seguida. A sensação de um calor subindo pelo meu peito e esticando minhas bochechas em um sorriso me alcança, me sinto uma verdadeira adolescente. Olho para Sorn de relance num impulso sóbrio, mas ela nem sequer parece prestar atenção no que faço.
[13:39] jungkook: tá afim de comer?
[13:39] eu: agora?
[13:39] jungkook: daqui uns 40 min
[13:39] eu: onde?
[13:40] jungkook: naquele lugar que a gente comeu aquela vez
[13:40] eu: pode ser
[13:39] jungkook: vou pagar um almoço digno pra gente
[13:40] eu: hahaha
[13:40] eu: digno?
[13:40] jungkook: lámen
Olho para a tela em silêncio, ainda sorrindo. E isso é um caos completo, sei disso. Porque entendo que minha situação não é a mais confortável do mundo; que ela, na verdade, é a pior em que já estive, mas não consigo me sentir medíocre como antes. Pelo menos, não agora. Pego-me, na realidade, genuinamente aliviada por ter tomado o caminho que tomei. Sinto que esse foi meu único e grande acerto. Porque mesmo que a situação não seja perfeita, mesmo que para meus pais eu e Jungkook já somos de fato um casal, a minha decisão de deixá-lo de fora disso nos deu a oportunidade de sermos só nós dois. Aos poucos, no nosso tempo. Porque não quero que as coisas sejam forçadas entre nós, eu quero algo de verdade, sem interrupções ou opiniões alheias.
Eu quero eu e Jungkook, sós.
Não há muito o quê pensar agora. Quer dizer, não é como se eu conseguisse pensar em algo bem elaborado e complexo. Também não consigo me prender em detalhes minuciosos. Quiçá em detalhes num geral. Sei que o dia está ensolarado com uma brisa mínima que nos refresca, como sei também que estou usando um vestido. Mas não consigo lembrar se vi alguém pelo caminho até aqui, não consigo me lembrar se o sino tocou ou não quando entrei nessa loja de conveniência; como acabei escolhendo essa roupa, muito menos. Só me lembro do agora, dos meus dedos entrelaçados sobre a mesa e eu me sentir tão ansiosa a ponto de acreditar que posso cair dura no chão a qualquer instante.
Sobre o som dos meus pés batendo contra o ferro do banco, meu coração dança no peito. É a primeira vez que estou vendo Jungkook de maneira sincera e aberta. É a primeira vez que não estou escondendo algo. É a primeira vez que estou livre para me concentrar em nós dois, sem medo e um pedido impertinente para atrapalhar as sensações de um sentimento novo e inusitado.
E isso me deixa a beira de um ataque de nervos.
Tento pensar sobre a inscrição que fiz mais cedo para Psicologia da Justiça Criminal. Como também tento me focar no fato de ter me inscrito não só porque o curso de verão estava na minha lista de coisas a se fazer antes de sair da faculdade, mas porque isso me daria a última semana de férias livre dos meus pais; livre de ter de encarar meu antigo quarto, olhando pras pelúcias que Haneul me deu e tendo que responder perguntas sobre meu estado civil.
Mas não consigo pensar nisso de maneira mais intensa, nem sequer por muito tempo. Porque enquanto meus olhos rodeiam a vitrine da loja de conveniência em nervosismo, eu o vejo. Os cabelos escuros caídos sobre a testa, brincos mais espessos e maiores nas orelhas e um sorriso contido quando me nota.
Jungkook parece refrescante e suave quando passa pela porta. O sino de fato toca, mas eu não consigo nem mais me lembrar do som feito. Seu perfume tropical já me alcançando o nariz, dançando livre e fresco. É como se o aroma fosse feito exclusivamente para o dia de hoje, para agora. E realmente não consigo pensar em nada além dele e de todos os seus detalhes...
Vejo seu corpo deslizar entre prateleiras até me alcançar e, num movimento desengonçado e súbito, meu corpo resvala pelo banco de forma vergonhosa.
— Pensava que não tinha aula.
Falo sem pensar, endireitando-me no lugar e apontando para a mochila caída em um de seus ombros.
— E não tive, fui revisar um projeto.
Abro a boca para perguntar mais detalhes por puro impulso, mas a fecho logo em seguida. Porque estou nervosa e não é como se eu conseguisse disfarçar. O que vem agora exatamente? Nós somos péssimos em lidar com isso quando sóbrios e pioramos quando estamos à luz do dia. O cumprimento da noite passada me vem à cabeça, então. Dois beijos desengonçados no rosto. Deveria ser igual agora? Mesmo depois de falarmos tudo o que falamos?
Dentro de mim acontece um rebuliço esquisito e minha cabeça é uma imensidão de nada e tudo. Resgato a ideia de perguntá-lo sobre o projeto, mas é tão supérflua que mais parece uma fumaça desaparecendo com o vento. Jungkook dá um passo à frente e eu o respondo com outro num impulso, sentindo-me elétrica de repente. Nós nos olhamos por um tempo, esquisitos. De maneira desconexa me questiono se ele consegue ver o chupão que deixou no meu pescoço ontem à noite. Sem pensar, recuo alguns centímetros no mesmo momento em que ele se inclina para mim. Tento consertar depressa, meu coração batendo nos ouvidos e me deixando surda por uns instantes; inclinando-me em sua direção também. Péssimo. Ele já se endireitou de novo.
Argh. Isso é horrível.
— Vamos comer!
Sua voz vem alta, exasperada, e não demoro nem meio segundo para concordar. Vejo-o largar suas coisas embaixo da mesa antes de pararmos em frente à prateleira de lámens. E enquanto focalizo em uma embalagem aleatória, sem prestar atenção de fato, concluo que somos uma bagunça completa. Uma confusão só, um vai e vem sem cabimento. Somos como dois tolos em meio a espertos. Somos fora de órbita num ambiente terrestre demais. De novo.
— Viu que o sistema da universidade tá fora do ar?
Fala de maneira aleatória, fazendo com que eu me vire para ele de prontidão.
— Não vi...
Ele pega um dos lámens de queijo.
— Eles deixaram um aviso no edital, — explica, analisando os ingredientes na parte detrás da embalagem. — As notas, assim como os trabalhos finais pra entregar e pegar, ficaram todos pra semana que vem.
— Então nada vai sair essa semana?
Jungkook nega, me olhando outra vez. Bem, talvez eu possa usar isso como desculpa para não ir para casa esse fim de semana, mesmo que eu possa conferir minhas notas online...
— Até o resultado do curso de verão não conseguiram soltar, o trabalho que eu ia entregar hoje também não deu certo.
Voltamos a ficar em silêncio.
— Não vai para a casa esse fim de semana então? — Pergunto depois de um tempo, escolhendo um sabor sem pensar demais. — Sabe, por conta do trabalho...
— Eu vou, — responde, enquanto o sigo até a máquina de água quente. — Mas vou voltar na segunda. Já ia fazer isso antes pra resolver as coisas do dormitório, então meus planos não mudaram muito.
Balanço a cabeça em afirmativa.
Depois de despejarmos água nos copos plásticos, voltamos para nossa mesa ao fundo. Sentados um de frente pro outro, nossos joelhos se encostando volta e meia pelo pouco espaço e nossas mãos lado a lado. A primeira vez que viemos aqui Jungkook decidia que trinta e cinco encontros era um número bom para cobrir o valor do seu novo notebook; e a lembrança me faz querer rir em nervosismo, porque o antes e depois é discrepância pura.
— Já conversou com a sua mãe?
Olho-o por alguns instantes, perdida na pergunta inusitada solta no meio dos meus devaneios. Sou pega desprevenida e o riso que antes eu pensava em dar morre na garganta. Meu corpo sucumbe no assento e me sinto esquisita. Eu tinha esquecido sobre isso. Apesar de ser uma preocupação séria e urgente, ela parecia simplesmente não existir por agora.
— Ela ligou mais cedo... — Falo, vendo-o misturar os temperos ao seu macarrão. — Falei que não tinha conversado com você ainda, ela falou que vai me ligar mais tarde.
Jungkook me olha por um tempo e logo assente, parecendo entender algo que não foi verbalizado.
— Um dos meus projetos desse semestre recebeu destaque na turma e vai servir como modelo na disciplina. — Solta de repente, seus olhos fixos na mistura que faço em meu lámen agora. — Precisava fazer umas correções que o professor pediu, fui hoje de manhã fazer.
A mudança brusca de assunto me faz pensar. Talvez ele ache que eu não queira falar sobre meu mais novo e velho problema. E não sei como me sentir sobre. Porque sei que o problema existe, mesmo sendo ignorado por ser angústia e confusão, sei que ele ocupa uma boa parte da minha vida.
Fico o olhando por mais tempo, dialogando nos pensamentos sobre o que falar agora exatamente. Parabenizá-lo ou não. Mudar de assunto ou resgatar. Uma luta de palavras e sentimentos controversos.
— Jungkook, — começo de forma abrupta, fazendo-o me olhar de imediato. — Eu acho que eu vou ter que matar alguém da sua família.
Sua expressão é nada, nossos olhos cravados um no outro.
— Ok... Isso é novo. — Sua voz vem confusa. — E um tanto extremo e macabro também.
Ergo os braços em desespero quando percebo a colocação da frase, tentando arrumar o que falei logo em seguida:
— Não literalmente!
— Que bom que especificou...
Solto um suspiro longo, percebendo que não tem como fugir por muito tempo desse assunto. Quer dizer, isso também o envolve, não é? Uma frase solta, um pedido inconsequente e ele estaria afundado até os ouvidos. Não é também como se eu conseguisse não contar, acontece algo que me espreme até que eu conte tudo para ele. Remexo-me no lugar, procurando uma posição mais confortável; pensando agora que a ideia que tive enquanto esperava as aspirinas fazerem efeito talvez não tenha sido a mais genial do mundo.
— Eu preciso de algo trágico pra impedir essa maluquice dos meus pais, entende? — Explico, amuada. — Só consegui pensar nisso. Pensei em você quebrar uma perna, mas não saberia como explicar caso eles vissem você caminhando normal um dia.
Jungkook inclina sua cabeça para o lado e sei que ele quer rir, porque vejo sua boca se espremer enquanto me olha.
— Eu posso me curar tipo o Jacob de Crepúsculo.
— Infelizmente minha mãe não acreditaria nisso. — Apoio meu rosto entre as mãos. Essa situação é ridícula. — E talvez ela ainda veria uma saída, sei lá, um jantar no hospital...
— Pode rolar um jantar no cemitério ainda.
E ele finalmente ri, uma risada alta e bem dada. Mas não consigo o acompanhar, não consigo me permitir rir disso.
— Isso é horrível!
— Não me olha assim, — ele estala a língua, sua risada diminuindo aos poucos. — Foi você que veio com esse papo de querer matar alguém da minha família.
Encolho-me entre os ombros, vendo-o colocar uma quantia significativa de macarrão na boca finalmente. Faço o mesmo então, tentando pensar em algo mais elaborado do que a típica desculpa para trabalhos não feitos no ensino fundamental. Uma típica desculpa horrorosa e de mal gosto, por sinal. Reconheço isso.
— Não pode ser uma alternativa feliz? — Tenta depois de um tempo. — Sei lá... O nascimento de um bebê?
— Não, — balanço a cabeça, o respondendo enquanto assopro outro amontoado de massa. — Minha mãe só se retrai com tragédia.
Ele assente, a boca já vermelha pela pimenta.
— Você não precisa necessariamente matar alguém que existe, sabe? — Sugere, apoiando os cotovelos na mesa, concentrado no assunto. — Você pode inventar alguém. Eu me sentiria melhor, inclusive.
— Inventar um parente seu?
Pergunto, cogitando a possibilidade. Eu também me sentiria melhor.
— É, tipo um tio em Ilsan. Não tenho tio nenhum em Ilsan, é menos agourento.
— Tio em Ilsan... Tá bem...
Jungkook me vê comer por mais um tempo, parecendo pensar em algo a mais. E de fato pensa, já que em seguida sua voz vem como um estouro:
— Meu tio Hyunsik!
— Tipo o ator?
Há um silêncio. Nós dois nos olhando por um momento até que ele volta a falar:
— Vou precisar mudar o nome, to me sentindo mal por ele agora.
— Não conheço nenhum Hyunsuk.
Ele olha por um tempo para as prateleiras ao nosso lado, os olhos indo e vindo pelos produtos, parecendo tentar se lembrar de algo, buscar na memória alguma informação importante.
— Eu também não. — Fala finalmente. — Hyunsuk é perfeito.
Seu sorriso grande faz seus olhos encolherem e seu nariz enrugar, como também me faz amolecer sobre o banco nada confortável. Ver Jungkook desse jeito quase faz eu me esquecer do que realmente me atormenta. Quase. Quase me faz esquecer que o problema foi resolvido só por agora. Quase, quase, quase. Porque no instante seguinte tenho a certeza de que meus pais não vão esquecer ou sequer desistir desse encontro entre famílias, que toda essa situação só foi adiada e que ela só tende a agravar. Quanto mais as coisas se desenrolam, quanto mais elas acontecem, pior fica. Em algum momento, eu não vou mais poder usar mentiras como desculpas. E isso é o que mais me preocupa.
— Vai ligar quando pra ela?
Jungkook vem depois de um tempo, enquanto abocanho um punhado de macarrão.
— Não vou, — falo terminando de engolir. Sentindo-me triste pelos pensamentos recentes. — Vou esperar ela me ligar.
— Você não pode esperar ela ligar, tem que ser o contrário. — Rebate cheio de obviedade. — Assim parece que você tá esperando pra mentir.
— Bom... — Ergo as sobrancelhas em um deboche miserável. — Eu to, então...
— Não. — Insiste, colocando os jeotgarak na mesa para dar ênfase ao que fala. — Liga agora ou manda uma mensagem de texto.
— Não vou falar sobre alguém que morreu por mensagem de texto com a minha mãe.
Mas não o olho por muito tempo, porque sei que ele está certo e não quero admitir isso. Nem sequer olhar pro seu rosto bonito e ter que admitir isso.
— Mensagem de texto foi criada pra isso.
— Mas ela é quase tão ruim quanto você com mensagens de texto.
Não pensei quando falei. Obviamente. E o silêncio súbito entre nós me faz ter certeza que seus olhos me medem com mais intensidade do que antes, porque os sinto queimando por onde passam. E não consigo não me questionar se isso inclui também o chupão que ele deixou em meu pescoço noite passada.
— Isso foi tipo uma indireta pra mim?
Dou de ombros, não sabendo ao certo o porquê quero rir.
( ) Desespero;
( ) Graça;
( ) Os dois juntos.
— É bom você não basear nosso relacionamento num chat do Kakao.
Meu riso morre de novo ao ouvi-lo e dessa vez não consigo não o olhar, porque veio sem malícia ou segunda intenção, veio natural demais para que eu conseguisse ignorar. Nossos olhos se fincam um no outro por um longo tempo, estamos chocados e sem graça pelo assunto ter chegado aonde chegou, porque nunca citamos a palavra relacionamento antes. Nunca. A vergonha é palpável no ar e nas bochechas de Jungkook ganhando uma nova coloração, o tom rosado as atingindo no topo. Somos mesmo uma confusão de tudo e nada, não é?
Abro a boca algumas vezes, mas desisto todas elas. E Jungkook faz o mesmo.
Vamos e voltamos. Voltamos, paramos e ficamos.
E somos esse impasse por não sei quanto tempo exatamente, voltando a comer de forma mais concentrada e silenciosa do que antes. Engato um pensamento sobre a possibilidade das coisas se tornarem sérias, oficiais. Engato e logo desengato, porque antes mesmo que as coisas vinguem em meu cérebro, meu celular explode em Red Velvet pela segunda vez no dia.
— Finge que tá desesperada!
Jungkook solta, elétrico, assim que nos inclinamos sobre a mesa para lermos o nome no display. Mãe. E quero genuinamente sumir. Vomitar e sumir. Ou sumir e vomitar. Tanto faz.
— Mas eu to desesperada!
Pego o aparelho em minhas mãos, a forma como ele vibra parece muito mais intensa do que costuma ser. E sei que preciso atendê-lo. Todo o clima de antes é arruinado, cortando pela metade, jogado ao fogo; todas as minhas inseguranças me atingindo como um trem desgovernado. E, num ato de coragem súbito, eu atendo a ligação sobre os olhos arregalados e urgentes de Jungkook. Não preciso fingir uma voz esganiçada ou um choro entalado na garganta, porque eu já estou assim.
— Mãe, aconteceu uma coisa horrível!
Remexo-me na cadeira, o tecido do meu vestido dançando com o movimento enquanto me espreguiço de forma lenta e displicente. As cortinas estão inteiramente abertas e dão uma visão ampla das árvores ao fundo do prédio dos dormitórios. O vento que passa por entre elas é o suficiente para refrescar o ambiente das altas temperaturas do quase início do verão.
Sorn ainda não voltou da viagem que fez no fim de semana e eu permaneci por aqui. Até porque, de alguma maneira mágica e surreal, as coisas deram certo. Minha mãe pareceu engolir a trágica história sobre o tio Hyunsuk de Ilsan e eu não precisei ir para casa. Não houve perguntas sobre detalhes e nem ligações posteriores; meu desespero parecendo ter sido o suficiente para convencê-la. E, apesar de saber que meu problema está longe de ser aniquilado, eu me senti melhor. Talvez não da maneira como eu queria me sentir realmente, mas, mesmo assim, me senti.
Puxo meu celular para perto do rosto quando o ouço vibrar sobre a escrivaninha. Desde que Jungkook voltou de Busan estamos conversando por mensagens de texto. Assuntos supérfluos e sem fundamento, só com a intenção se conversar. E gosto disso. Gosto de verdade disso.
[15:03] jungkook: to saindo agora pra resolver um negócio
[15:03] jungkook: quer fazer alguma coisa mais tarde?
Tenho a lembrança vívida de nossos dedos mínimos se enlaçando na volta para os dormitórios na quinta. Como tenho também a recordação de seus lábios alcançando o canto dos meus em um beijo de despedida. É novo e inédito. E somos só nós dois da forma como deveria ser.
Eu e Jungkook. De novo. Sós.
E acabo sorrindo.
Penso por um instante sobre algum lugar que poderíamos ir aqui por perto. Uma loja de conveniência nova, a praça atrás dos dormitórios ou as escadarias do campus. Mas antes que eu possa digitar sobre as minhas ideias, uma nova mensagem aparece em meu visor.
E ela, com toda a certeza, não é de Jungkook.
[15:05] número desconhecido: não acredito que vc me bloqueou
Meu coração alcança os ouvidos de forma rápida e intensa. E tudo muda num segundo. Sinto vindo, sinto vindo a angústia, o arrependimento e o amargor na ponta da língua. E não preciso resgatar lembranças ou vasculhar na memória, porque eu simplesmente sei quem é do outro lado da tela.
Ergo-me da cadeira por puro instinto, minhas pernas parecendo pesadas de repente e o quarto mais abafado que o usual.
[15:05] número desconhecido: precisei comprar a porra de um outro chip por sua causa
Respiro fundo, fechando os olhos com força. Haneul é mesmo como uma sanguessuga cretina e incansável. Não é como se haja um momento adequado para que sua presença ressurja na minha vida, mas ele sempre parece escolher o pior.
Abro os olhos quando sinto o aparelho sinalizar mais mensagens.
[15:06] número desconhecido: eu sei que vc tá lendo
[15:06] número desconhecido: e antes que você me bloqueie de novo
[15:06] número desconhecido: eu quero saber que porra é essa aqui
Franzo o cenho quando a próxima mensagem é um link extenso do fórum de um dos grupos universidade. E não entendo. Por um minuto inteiro me vejo completamente perdida. Passo a mão na testa e mudo o peso do meu corpo de uma perna para outra. Talvez eu devesse só bloqueá-lo outra vez e esquecer isso, não é?
Talvez eu devesse simplesmente excluí-lo de novo.
Do celular, da caixa de mensagens, da minha vida.
Mas é então que meu celular apita outra vez. E é como um pesadelo desconexo que acontece mais rápido do que eu consiga entender.
[15:08] número desconhecido: acompanhante de aluguel? sério?
Antes que eu consiga raciocinar de forma clara, meus dedos deslizam sobre a tela, abrindo o link em uma nova janela. E lá está. Não somente a página de um dos fóruns da universidade como soube que era, nem somente meu coração batendo tão forte no peito que espero explodir. Mas também um anúncio de fevereiro. Um anúncio tão conhecido por mim.
O anúncio de acompanhante de aluguel.
Um anúncio de Jeon Jungkook.
Porra.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 11/15)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 11.576 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
A iluminação proveniente da tela do celular faz parte de um grupo pequeno de luzes que nos guiam pelo caminho; junto de postes espalhados esporadicamente e casas com luzes acesas. Não há lua no céu ou carros por aqui. A noite é quente, nublada e úmida. E enquanto tento administrar todas as sensações e sentimentos que me rondam, tenho Jungkook bem em minha frente. Seu aroma tropical invadindo a noite e sua imagem invadindo meu cérebro, se mesclando com a tentativa de arranjar respostas aos tantos porquês.
Depois do meu fracasso explícito na biblioteca ontem, minha noite foi assombrada por pesadelos e devaneios ruins. O cansaço me pegando os ombros agora como um lembrete da angústia vivida. Que ainda vivo. Desde então retomei minha busca desenfreada por um caminho alternativo. Um caminho seguro e bem planejado. Uma solução que me faça mudar o rumo dessa noite. Mesmo que eu já tenha analisado todas as minhas opções ontem, mesmo que eu já tenha ido e vindo por todas as alternativas existentes. Eu preciso continuar tentando. Porque não quero colocar o que quer que tenhamos aqui em risco. Não quero ser vencida pela ideia estapafúrdia de mamãe.
Não quero.
Até porque ainda é a família de Jungkook. Pai, mãe e a irmã mais velha. A família toda. É como invadir uma morada sem permissão, invadir mais uma parte da sua vida. E não é como se eu não quisesse saber de cada pedaço dela, eu quero. Mas da forma justa e não por conta de um anúncio de acompanhante de aluguel furreca.
Pensei em uma viagem da família Jeon para o Chile. Alaska. Madagascar. Júpiter. Para qualquer lugar longe o bastante para dar fim a esse encontro desastroso no fim de semana. Um lugar longe o suficiente para meus pais não solucionarem a questão com passagens compradas em cima da hora, sem planejamento algum.
Mas quanto mais eu pensava sobre, mais certeza eu tinha que a ideia era tão ruim quanto contar toda a verdade para eles.
Tentei então enumerar minhas preocupações, tentei enumerar meus problemas, organizá-los em uma lista para que, pelo menos, meu caos estivesse em ordem. E consegui por uns pares de horas cretinas. Só uns pares de horas. Porque pouco depois tudo desandou quando vi Jungkook atravessando as catracas da ala masculina. 20 minutos atrasado. A calça jeans clara e a camisa xadrez o acompanhando em um caminhar apressado. Toda a listagem feita se embaralhou tragicamente e ele a encabeçou sem esforço algum.
Porque aqui, agora, enquanto entendo que nenhum caminho alternativo de fato existe nesse cenário coberto de teias mentirosas, percebo que não é só Haneul que me ronda a vida inteira. Jungkook também é o início, o meio e o fim. Ele vem como contraste no piche grotesco que é meu ex-namorado, que é meu karma e inconsequência. Ele se esparrama como ramos e flores rastejantes, minha solução. Os dois em volta de mim, interligados de uma forma imunda e injusta.
E o “e se” passando a ser agora a maior das minhas lamentações.
E se eu tivesse encontrado Jungkook muito antes de ter encontrado Haneul?
— Vire à direita em 100 metros.
A voz feminina que salta entre nós é a de seu celular. E é a única que vem sendo ouvida há dez minutos, quando saímos da estação de metrô. Não que antes nossas vozes estivessem vindo com facilidade numa conversa despretensiosa. Porque nunca fomos assim e não seríamos agora. Principalmente agora. Tirando meu transtorno interno e secreto, nós ainda estamos afogados no que podemos e o que não podemos fazer. O fantasma de um beijo que não aconteceu ainda pairando sobre nós. Um cumprimentar esquisito de dois beijos seguidos no rosto e olhares que não conseguem se sustentar. E tudo se parece incerto. E até que seria engraçada essa situação toda se eu não estivesse a ponto de acabar com tudo isso.
Apresso o passo ao atravessarmos mais uma rua esquisita e sem movimentação, o aplicativo de mapas em seu celular vibra volta e meia com uma nova instrução e nós seguimos. Seus olhos ainda plantados na tela e seu aroma tropical ainda invadindo a noite inteira. E não deixo de pensar que as coisas poderiam ser fáceis só por hoje.
Mesmo sabendo que não existe escapatória, tento vasculhar cada canto do meu cérebro a procura de um desvio; de uma resposta milagrosa que salve o que o destino reserva para essa noite. Mas o nervosismo borbulha tanto em mim, que não consigo sequer pensar direito. E a única coisa que arranjo é um emaranhado de problemas e soluções pela metade.
Sinto-me melancólica e derrotada; sinto-me um disco arranhado que repete sempre o mesmo trecho da música.
A rua de paralelepípedos é coberta por pontos de luz aleatórios. Um aqui e outro ali. Postes que funcionam e que não funcionam distribuídos pela calçada de maneira descuidada. Casas de um piso só com muros baixos. Na esquina um terreno baldio repleto de árvores e arbustos sem forma alguma. E, por um milésimo de segundo, me permito pensar sobre como o cenário é muito diferente dos que me acostumei. De uma rua paralela a da universidade para uma outra perdida na zona leste da cidade. Conexões de metrô que nunca me aventurei em pegar antes. É uma festa em um lugar esquisito.
— Falta muito?
Minha voz vem em eco numa rua estreita, fazendo-me perceber agora a vontade desesperada de fugir de mim, dos meus pensamentos. Cada canto do meu corpo vibra e eu me sinto nausear.
— Aqui diz que vamos chegar em uns dois minutos. — Fala sem me olhar. A voz saindo aérea enquanto ele faz uma menção rápida ao sacudir o celular. — Precisamos andar mais uma quadra e então virar a esquerda.
Faço uma careta de desgosto, mesmo sabendo que ele não me olha. Meu estômago se embrulha mais uma vez. Não há comida ou certeza nele. Só há uma imensidão de nada misturada com o cair da realidade me pegando aos poucos.
Jungkook para de caminhar por um tempo e depois retoma, os olhos mirando a rua e depois retornando à tela do celular. Caminhamos e caminhamos. Limpo o suor da palma de minhas mãos no tecido da saia e estralo os dedos logo em seguida.
E talvez minha inquietude repentina seja pela certeza de que assim que chegarmos à festa, eu não vou ter mais desculpa alguma. Também não vou mais ter tempo algum. Porque nada mais vai me impedir de puxar Jungkook para um canto e pedir para que ele faça seu papel de acompanhante de aluguel mais uma vez.
Um fim de semana em família em Busan.
E então, qualquer coisa que tenhamos aqui, vai desaparecer como a merda de um passe de mágica.
— Jungkook!
Eu saio estridente, mais irritada do que gostaria de soar. Sinto que posso explodir a qualquer instante por pensar em absurdos, estar prestes a fazer um absurdo e por eu me sentir um absurdo. Sinto-me a mil por hora de repente. Um desespero errado, desconexo. É quase uma realidade paralela.
Tenho vontade de dar pontapés e socos no ar. Porque merda. Merda. Merda. Merda. Essa situação é ridícula. Minha família com a família dele. Uma ideia imbecil que coloca as coisas em risco. Isso é... Argh!
E quando penso em engatar mais alguma frase em tom malcriado e sem sentido, Jungkook para, me fazendo parar abruptamente também. Um passo de distância entre nós e um universo inteiro de distância no que pensamos. Sei disso. Seus olhos se erguem depois de certo tempo, talvez segundos, minutos. Tudo parece intenso demais no universo explosivo que criei dentro de mim. Dois segundos para seus olhos se adaptarem e um girar de pulso para me iluminar com a luz artificial. Perco seu rosto no breu. Mas sinto que só agora percebeu que estou aqui também. E, apesar de me sentir exposta e envergonhada por dezenas de razões explícitas e secretas, me sinto um pouquinho melhor.
— O que foi? — Ele pergunta confuso. — Aconteceu alguma coisa?
— Esse lugar não é longe demais?
— Não, é virando essa esquina agora.
Meus olhos estão fixados nele, esperando que ele entenda que a pergunta não foi essa. Mas a verdade é que eu nem sei onde quero chegar com isso. Eu só preciso falar, falar e falar. Mesmo que não faça sentido algum. Quero fugir de tudo como uma boa covarde que sou. De mim, dele. Do que vim fazer.
— O que aconteceu pra ser tão longe? — Tento de novo. Minhas mãos apertando o tecido da saia em nervosismo. Um pedido silencioso de isenção de responsabilidade. — Não quiseram fazer na república da última vez?
Meu coração bate forte no peito por todos os finais ruins que imaginei para hoje. Em um devaneio positivo e minúsculo, ele aceitava toda essa ideia. Mas o pensamento foi tão rápido quanto veio. Porque sei que mesmo que ele aceite, as coisas nunca mais vão voltar a ser como antes. Como agora. E percebo que ainda que eu inicie uma briga raivosa com Jungkook nesse dado momento, nada vai conseguir tirar isso de mim.
Ele abaixa o celular, seus pés agora sendo iluminados pela luz artificial. Levo um tempo para lhe encontrar na escuridão da noite, uma varanda e um poste acesos me ajudando a encontrar suas feições. E fico presa ali por um tempo, nas pintinhas, nos segredos e nos seus etcéteras.
— _____, tá tudo bem?
Sofro um baque esquisito. Minha raiva ainda me toma o peito, mas não escapa pela boca. Pisco uma, duas, três vezes. Demoro um tempo para entender a pergunta.
— Por que tá me perguntando isso?
— Você tá estranha desde ontem. — Dá de ombros, mas não parece indiferente. — Tem alguma coisa que você quer me contar?
E então eu travo. Pernas, braços, mente e fala. Já não conseguia sair daqui, agora que não saio mesmo. Mental e fisicamente. Existe alguma possibilidade dele já saber? Existe alguma possibilidade de estar escancarado e só eu não perceber isso?
Tento engolir a saliva, mas ela tranca na garganta. Penso em cuspir ou vomitar. Nenhuma de fato é uma boa ideia. E continuo então só olhando Jungkook me encarar. A feição se tornando cada vez mais curiosa à medida que demoro a responder.
— Por que você... — Minha voz sai esganiçada. E ela sai antes mesmo que eu perceba. — Acha isso?
— Você parece nervosa. — Fala, e por um instante me parece chateado. — É o lugar? Juro que não é perigoso.
Contorço meu rosto em uma careta dolorosa. Não era pra ser assim.
— Não é isso.
Seu suspiro vem e junto ele sai em um sussurro:
— Então é diarreia?
— O quê?
Minha voz é alta em ofensa. Repito a pergunta em pensamentos para ter certeza do que ouvi. E não posso mesmo acreditar. Vejo Jungkook erguer os braços em defesa.
— Você tá toda encolhida!
E, de repente, me torno ciente de cada parte minha. Apesar de me sentir a ponto de explodir, meus braços estão enrolados ao peito, tão presos que quase me impedem de respirar. Meus olhos esbugalhados e minha boca em uma linha fina de apreensão. Eu pareço mais uma criança medrosa do que um personagem do GTA.
— Não é diarreia, Jungkook! — Quase grito frustrada, soltando meus braços. Por que ele é desse jeito? — Não é... Isso. Que saco!
Engatamos em silêncio outra vez. Mas ainda assim não me movo. Apesar da história da disenteria ter mesmo me pegado de guarda baixa, ela não consegue fazer com que eu me sinta menos miserável que antes. Ainda me sinto covarde e arrependida. Mesmo que nenhum pedido tenha sido feito até agora. Nervosa, mas não mais irritada.
— Você quer voltar?
— Voltar?
Não entendo.
— Você quer voltar para os dormitórios? Tá arrependida de ter vindo? Eu vou entender.
Quero sufocar um gemido doloroso de entendimento. Porque estou finalmente percebendo. Ele interpretou minha reação esquisita do jeito mais torto e cruel possível. É claro que sim. Até porque é Jungkook e ele nunca realmente escolhe a interpretação mais coerente. E me sinto mal. Porque quero estar aqui com ele. Apesar de toda a imundice que me ronda, Jungkook ainda é Jungkook.
— Não, — falo depressa. — Não é isso.
Penso num instante curto que preciso ser sincera, que precisa ser agora. Sinto uma necessidade extrema de cortar pela raiz todas as interpretações errôneas que ele está prestes a ter essa noite. Num impulso esdrúxulo e desleal, as palavras dançam na ponta de minha língua. Meu cérebro correndo pelos prós inexistentes e contras tão vastos. Mas assim como a coragem me veio, ela vai embora. Como aquele devaneio positivo. Quase não existiu.
— Tem a ver com Haneul?
Sua voz me vem certeira e meu cérebro se toma incolor. Não penso em nada e não sinto nada. Um, dois, três minutos. Quatro horas. Cinco dias. Sou vazio por uma eternidade de tempo enfiada em dez segundos de silêncio. Não existe mais resquício de ódio inconsequente, sem sentido, dentro de mim. Acredito agora que todo meu ser é de fácil acesso. Meu queixo caído e meus olhos arregalados. E com isso não consigo balbuciar nada além da verdade:
— É.
Não sei se respiro ou se todo o ar está trancado dentro dos pulmões. O cenário todo ao nosso redor é desconexo, como toda a noite que se seguiu até agora. Não tenho a mesma passageira coragem que tive há poucos segundos. Ela se esvaiu por completo. Um fervor começa arder em meu peito quando Jungkook dá um passo a frente. Ele suspira, sua feição moldada por sombras.
— Eu já sei que quem comprou o notebook foi Haneul, não você. — Revela. — Ele me contou.
O quê?
Pego-me submergindo na quebra do roteiro que criei. Sou interrompida na metade. Minha linha de raciocínio se perdendo e voltando sem saber ao certo o caminho que fez. Ainda é um vai e vem esquisito de sentimentos e sensações. Mas não existe mais ardor no peito ou mãos suando. Existe só a mescla ínfima de confusão e vergonha.
Levo um instante para recapitular, voltar no tempo e tentar pensar de forma coerente. Mesmo que essa tarefa esteja sendo difícil desde ontem. Apesar de me sentir aliviada pela mudança repentina de cenário, não deixo de me encolher em embaraço pelo que acabei de ouvir. Porque Jungkook realmente acha que esse é o motivo certo.
Eu não planejava manter segredo ou muito menos contar para ele sobre a origem do notebook de última geração. Porque, na verdade, nunca me pareceu um tópico problemático, nunca me pareceu um tópico necessário para se trazer à tona. Mas por todas as coisas que vem acontecendo, pela totalidade dos fatos e angústias reunidas, parece que a descoberta é muito mais importante e delicada agora.
— Quando você ficou sabendo disso?
Vejo-o cruzar os braços, a cabeça se movendo para olhar para os lados por alguns instantes. Ele parece desconcertado. E quando a explicação vem, eu entendo o porquê.
— Ele me contou assim que você foi ajudar Sorn.
E logo percebo que Jungkook se sente tão desconfortável quanto eu ao se lembrar daquele fatídico momento cretino. E, por um momento, eu me sinto grata pela empatia.
— Desculpa por você ficar sabendo desse jeito.
Ainda me tenho perdida com a pedra no meio do caminho. Ainda me tenho perdida no problema impensável que me caiu como um pedregulho preso no sapato. Mas não quero não me preocupar com o que tenho bem aqui. Não quero fazer pouco caso de algo que Jungkook pensa ser grande. Tento administrar então esse pequeno problema com o enorme que ainda pesa nos meus ombros.
E quanto mais o tempo passa, mais eu tenho certeza que preciso beber para encarar tudo o que é e tudo o que vem pela frente. Depois desse alarme falso, foi comprovado que não consigo passar por isso sem estar completamente alcoolizada.
— Eu não me importo. — Fala alheio a tudo o que se passa dentro de mim. — Até porque foi ele quem quebrou e era ele quem deveria pagar. Nada mais justo.
— É, mas... — Falo incerta, ainda me sentindo incoerente. — Eu deveria ter te contado. Você não ficou chateado?
— Não. É por isso que você tá assim? — Mas não respondo e ele entende do jeito que quer entender. Da forma errada. De novo. — Bem, eu já disse que não me importo.
Seu tom de voz vem firme, cheio de certeza. E há um silêncio. Um silêncio comprido em que ninguém se mexe. Eu aqui e ele lá. Três a cinco metros. Nossas vozes como megafones no meio da escuridão. E, nesse meio tempo, sinto que ele quer dizer algo a mais, mas que não diz. E penso por um instante no que mais pareço transparecer. É sobre isso o que ele pensa em dizer?
Penso de novo também que agora seria uma boa hora para lhe contar a verdade. E como seria uma ótima hora para se ter coragem. Mas é só um pensamento solto outra vez. Sem intenção alguma de se tornar um plano abrupto. Puxo o ar com força para dentro de mim, a luz do celular de Jungkook ainda ligada, iluminando agora parte de seu braço. Remexo-me no lugar, de repente, me sentindo presa não só emocionalmente, mas fisicamente também.
— Acho que tá na hora da gente entrar. — Fala sem graça, apontando para uma casa com luzes acesas que se pode ver aqui da esquina. — É ali.
A morada é de um piso só e não há muito que se ver daqui além de janelas com luzes intensas e o portão de ferro branco aberto.
— A-ah... — Volto meu olhar para ele. E entendo que não sou a única desconfortável. — É. Aqui é muito escuro.
Ele acinte, a luz do celular sendo desligada e o aparelho guardado no bolso traseiro da calça.
— O bairro é residencial e a maioria é da terceira idade, eles dormem cedo. — Fala vagamente. — É por isso.
A informação vem desconexa no ar, assim como nosso pequeno silêncio. A mudança de clima já era óbvia, mas agora se parece extremamente palpável. Meu suspiro vem acompanhado de seu pigarreio.
— Acho que é mesmo hora da gente entrar.
[...]
Duas.
Não.
Três doses e meia de licor de lichia.
É. Foi isso. E uma cerveja. Duas. Não. Foi uma só.
Aperto os olhos e enterro meu rosto em minhas mãos. Estou sentada em um dos bancos na divisa da cozinha americana com a sala; um cômodo aberto com visão ampla para o jardim do fundo. E não sei se tenho dor de cabeça ou é só a fumaça excessiva que irrita meu nariz. Como também não sei se o enjoo repentino é da bebida ou da imbecil constatação de que, mesmo com o nível altíssimo de álcool rodando minha corrente sanguínea, o nervosismo não me abandonou. Pelo contrário, ele só se embebedou junto comigo. O que o deixa um pouco dramático demais. E um tanto quanto desesperado demais também.
Sinto uma necessidade de rosnar de raiva. Porque é frustrante. Eu não me sinto nada preparada, mesmo afundada em drinks e intoxicada com gelo seco de tutti-frutti. Não me sinto pronta para chegar em Jungkook e despejar meu drama familiar em forma de um pedido absurdo para estender esse lance de acompanhante de aluguel. Não que eu acreditasse realmente que em algum momento eu fosse me sentir preparada para isso. Mas eu tinha uma pontinha de esperança de que, pelo menos, agora a ideia de contar não fosse tão aterrorizante assim.
Solto um suspiro sofrido, a música alta buzinando nos meus ouvidos e eu tentando me manter equilibrada nesse banquinho de madeira. A cozinha é clara, com móveis populares e uma atrocidade de bebidas sortidas amontoadas no balcão que imita mármore. E enquanto tenho Jungkook na minha visão periférica, eu fito insistentemente a divisa de ambientes.
Toda a minha esperança depositada em destilados foi por água abaixo.
E eu não tenho um plano B.
A não ser que fugir seja considerado um plano. Se sim, então eu tenho um.
Meu cérebro é como uma máquina quebrada, eu tenho ciência disso. Mas não consigo não pensar. Não consigo não buscar um motivo para desaparecer daqui. Qualquer coisa que me tire do agora, que me tire do que eu vim fazer e que não fiz. Entretanto, quanto mais tento achar a saída, mais me perco. Eu poderia simplesmente sair correndo agora, não é? Mas o que eu diria para Jungkook amanhã?
É um labirinto cretino que me leva ainda mais ao centro do problema.
Não sei há quanto tempo chegamos, como também não sei exatamente como paramos aqui. Assim que passamos pela porta da república, eu só me lembro de nós dois agarrarmos copos de Soju e mandar ver em três segundos. Talvez por motivos distintos, talvez pelos mesmos motivos. Quem sabe a conversa de mais cedo tenha deixado Jungkook desconfortável a ponto de se embebedar nos quinze primeiros minutos. Quem sabe ele só tenha feito isso para sobreviver a essa noite. Como um pressentimento ruim.
E eu não o culpo em acreditar em um pressentimento, a propósito. Até porque ele não estaria errado, estaria?
Passo as palmas das mãos contra o tecido de minha saia, elas continuam suando de maneira vergonhosa e infantil. Na ponta da minha língua não existe nada além do gosto da mistura horrenda entre licor de lichia e cerveja. Não existem palavras, muito menos coragem. Não existe inclusive algo que me torne consciente das minhas ações.
Resvalo pelo banco e caio em pé, minha saia se demorando pelo assento até encontrar minhas coxas outra vez. Apoio-me no balcão ao meu lado, as frutas de plástico ali remexendo pela minha atrapalhação. Não sei o que pretendo fazer, só faço. Como num reflexo longo e duradouro.
Há uma música ao fundo, a mesma de antes ainda forte e alta. A batida não me é esquisita, talvez eu a conheça. Não sei bem. Talvez seja só meu cérebro me enganando pela repetição do refrão. Eu o ouvi há poucos segundos, não foi? Respiro fundo com a intenção de inspirar um ar sem que tenha aroma de tutti-frutti. Não tenho sucesso. Tateio o balcão por mais um tempo e, num vislumbre, ainda na divisa dos cômodos, caço Jungkook com o olhar.
E não demoro a encontrá-lo.
Lá está ele, ao fundo da cozinha. Suas costas em display e sua calça marcando bem a bunda quando ele se empina para alcançar sabe-se lá o que no armário aberto em sua frente. Um pedacinho de pele exposta da cintura e um suspiro escapando pela minha boca. Um misto de sensações e o desvio do meu objetivo. Ele é campeão de fazer isso.
Para piorar ainda mais meu nervosismo. Ou melhorar? A óbvia constatação de mais cedo foi que Jungkook está irresistível. Ridiculamente irresistível. Cabelos, piercings e a boca rosada pela bebida. Ele me tem na palma da mão, sabe-se lá desde quando.
Sinto uma fisgada do lado direito da minha cabeça; tento equilibrar os sentimentos. Dois tipos de nervosismo. E eu estou e sou fodida. E não faço ideia de como sair dessa situação toda. Até porque Jungkook nunca foi mestre em me ajudar nessas horas. Ele parece só dificultar a minha vida. Eu deveria saber disso. Já não bastasse eu ter que lidar com todo o meu caos interno, eu ainda preciso lidar com ele. Jeon poderia ser um cara não incrível, um cara sem coxas bonitas ou sem um nariz que enruga quando ri. Poderia, principalmente, ser alguém que não usa camisa xadrez de flanela e calça clara justa. E essa não é uma tarefa difícil, você sabe. Só agora consigo pensar em pelo menos três combinações de roupas incríveis e diferentes:
1) Um sobretudo até os calcanhares;
2) Três casacos grossos;
3) Um cobertor de microfibra.
Dane-se a chegada do verão. Quem se importa com isso quando minha sanidade está salva?
Dou meu primeiro passo em sua direção e sinto meu estômago rodopiar dentro de mim. Sou tomada por dezenas de sentimentos; não sei ao certo o que faz minhas pernas quererem travar no caminho. É o pedido ainda não feito, a minha bebedeira extravagante e a realização tardia de como Jungkook está bonito essa noite. É a certeza da ressaca moral sendo muito mais forte e presente do que a ressaca física. Mas não sei decidir. Porque não me parece mais óbvio qual delas me faz querer desaparecer e qual delas me faz dar mais um passo.
A música ainda toca. Talvez a mesma, talvez uma nova. Cambaleio na direção de Jungkook, desviando de algumas pessoas pelo caminho estreito e o alcançando em poucos passos bambos. Meu cérebro temporariamente danificado achando uma boa ideia parar por aqui.
— Preciso falar com você!
É um quase grito. Meu corpo correndo pelo armário e meus olhos focando em sua figura. Recebo então seu olhar de canto, surpreso. Os cabelos negros são uma bagunça completa e o topo das bochechas tem uma coloração avermelhada. E me pergunto se é pelo tanto de Soju ingerido ou se pelo calor terrível aqui dentro.
— Eu tava procurando por copos. — Fala, os braços ainda levantados no alto. — Não achei. Se importa?
Ele tira então duas xícaras brancas e pequenas do armário. Xícaras de chá. E levo uns segundos para lembrar de que ele está aqui para pegar bebidas. Nego avidamente, não focando muito na consequência. Na verdade, nem sequer pensando de fato sobre a pergunta. Eu estou esperando ele ter alguma reação sobre o que acabei de falar, porque só me sinto a beira de uma gastrite nervosa.
Jungkook despeja um vinho frisante em uma das xícaras. Parecendo não ligar muito para minha urgência; na minha voz ou em meus olhos o fitando.
— Então amanhã você não tem aula? — Ouço-o perguntar e então me perco. Ele não me ouviu? Fingiu não ouvir? Lembro-me vagamente que esse era o assunto antes dele vir para cá, mas não quero continuá-lo. Assinto aérea, confusa. — Só vai ter o fechamento na sexta?
— Mais ou menos. — Minha voz sai bamba e não sei se vejo essa desconversa proposital ou não como um sinal divino para interromper meu propósito. — Não é bem um fechamento, as notas vão sair no mural...
Eu sou fora de órbita em um cômodo terrestre demais. E não sei se prossigo com qualquer plano que tenha se formado no meu inconsciente. Eu conseguiria prosseguir agora?
— Odeio quando as notas saem no mural, todo mundo vê a de todo mundo.
Não falo nada por uns instantes. Não que eu pudesse afirmar que minha coragem surgiria do nada e me fizesse falar de vez o quê vim falar. Mas eu tive uma pontinha dela para iniciar tudo isso, uma minúscula que agora se foi por completo. Talvez eu... Quem sabe, eu possa tentar daqui um tempo, não é? Não precisa ser agora. Precisa?
— E você?
De novo minha voz vem em inconstância.
— Vou amanhã só pra ver se passei para a seletiva do curso de verão.
Remexo-me desconfortável no lugar. Porque da última vez que esse assunto surgiu, ele veio juntamente ao de sua ida para Busan no fim de semana. E me sinto a beira do início de uma crise horrorosa. De novo. Em sequência! Porque meu problema ainda está aqui e não foi solucionado.
O maldito encontro em família.
Eu queria que fosse fácil, que Jungkook de repente lesse mentes. Que soubesse genuinamente o que quero falar. Mas não sei mais o que de fato é pior. O verbalizar ou sua reação a tudo isso. Pigarreio e contorno seu corpo, minhas pernas batendo no armário quando paro do seu outro lado.
— O resultado saiu rápido, não é? — Solto uma risada nervosa, agarrando sem pensar uma das garrafas pequenas em sua frente. — Pensava que fosse demorar.
Ele não me responde e limito-me então a focar toda a minha atenção na bebida que agora seguro. Abro e a cheiro, não guardando característica alguma do licor em si. Meus olhos passeiam pelo rótulo como numa espécie de leitura dinâmica, quando resolvo tatear o balcão a procura da xícara vazia que vi logo ali de relance. Tateio e tateio numa busca cega, meu corpo se inclinando sobre o balcão para um maior alcance e meu cérebro captando palavras soltas das informações no verso.
Volume. Porcentagem. Licor.
— _____?
— Hm?
Meus dedos ainda tateiam a superfície gelada em busca do recipiente, mas não o encontro de jeito algum. Olho então para o que faço, a xícara que antes estava logo ali, está longe. Bem longe. Debaixo de uma das mãos de Jungkook. Arrisco um olhar em sua direção e logo encontro seus olhos me medindo curiosos. Não entendo. Inclino-me mais um pouco, meus dedos alcançando a borda da porcelana, mas ele a afastando com facilidade. Percebo então que ele vem fazendo isso desde o início.
— O que foi? — Solto aflita, de repente me dando conta de nossos corpos colados, sua cabeça acima na minha e nossas cinturas encaixadas. — Jungkook...
Ele meneia a cabeça, contrariado. E me pergunto se só agora ele se deu conta da minha urgência de antes. Eu espero, por tudo o que é mais sagrado, que não.
— Vai beber isso?
Pisco algumas vezes antes de correr meus olhos até a garrafa que seguro.
— Vou.
Tento de novo alcançar a xícara e dessa vez Jungkook nem se move. O objeto está bem longe do meu alcance.
— Argh, Jungkook... O que foi?
Sinto-me irritada, aflita. Eu só quero beber, sem essa de censura sobre a quantidade de álcool que ingeri. Não foi tanta, foi? Só quero beber e esquecer sobre o que vim fazer.
— Não é uma boa ideia.
Meu corpo se remexe e eu me ajeito no lugar. Minha pele esfriando assim que me afasto de seu corpo. Não existe a possibilidade de não ser uma boa ideia. É uma excelente ideia. Beber para tentar esquecer o quão doloroso é ser manipulada indiretamente pela minha própria mãe.
Viu? Uma excelente ideia!
— Por quê?
Jungkook suspira e tira a garrafa de minhas mãos com praticidade, virando o rótulo para mim sem rodeio. Seu dedo indicador sugerindo algo que eu deveria ler, mas que não faço questão.
— É licor de ameixa.
Dou de ombros.
— E qual o problema nisso?
Ele estala a língua, impaciente. E eu quase me sinto ofendida por isso.
— Ameixa solta o intestino, com álcool piora. Vai piorar sua diarreia.
Um, dois, três. Quatro segundos. E logo então entendo.
— De novo! — Quase grito, o empurrando pelo ombro. — Eu não to com diarreia!
Mas é tarde demais e sua risada já vem toda cheia de energia. Me trazendo a chance de presenciar seu nariz enrugando e seus olhos se fechando em divertimento. E percebo que mesmo que a quantidade de álcool que ingeri tenha sido mesmo alta demais, a dele não deve estar muito atrás da minha. E, no fim, acabo sorrindo também. Dando-me ao luxo de ter esse momento com ele só por agora.
— Pelo menos eu fiz você dar uma relaxada. — Ergue os ombros, cheio de si. O cabelo se movendo minimamente na testa e um sorrisinho de escárnio crescendo no canto da boca. — Me agradeça mais tarde.
Encolho-me ao seu lado, vendo-o tomar um gole gordo de sua xícara cheia e logo trazendo para perto a minha. E por mais que eu goste de vê-lo preparar drinks para mim, eu só consigo enxergar sua boca brilhosa pelo frisante recém ingerido. Porque sinto, verdadeiramente, que seu beijo poderia tirar tudo de ruim que tenho em mim.
— Aqui, bebe esse.
Ele arrasta a porcelana em minha direção e me olha. A bebida que me fez é rosa clara e doce na ponta da língua. E eu até tentaria identificar o cheiro senão tivesse acabado de perceber que o perfume tropical de Jungkook destoa dentre todos daqui. Inclusive do maldito gelo seco de tutti-frutti. E quero que fique assim. Essa bolha invisível feita pelo seu aroma.
Sucumbo entre os ombros em conforto, meus pensamentos me levando para a primeira vez que paramos no meio de uma cozinha entre músicas e bebidas. Vivemos um flashback tortuoso e injusto, porque escondo coisas e minto. E me perco, enquanto sua atenção agora é voltada para uma garrafa bonita marrom. Termino minha bebida em silêncio, vendo pessoas indo e vindo. Ouvindo músicas começando e terminando. Sinto-me esquisita e pesada e não sei como me livrar disso. De novo. Respiro fundo, largando cautelosamente a xícara vazia no balcão antes de olhar para Jungkook.
— Sua família... — Começo, vendo-o se virar para mim de repente. — Sua família sabe sobre esse lance de acompanhante de aluguel?
Ele me olha por um instante, parecendo não entender aonde quero chegar. E, para ser sincera, eu também não. A pergunta surgiu assim que abri a boca e agora não sei bem se foi uma boa ideia. Jungkook parece ponderar por um segundo. Demora-se em dobrar as mangas da camisa até os cotovelos, depois em terminar com a bebida que acaba de se servir. E me pergunto se o que está por vir tem mais a ver comigo ou com ele mesmo.
— Não. — Responde encostando-se de costas ao balcão. — Eles provavelmente não aceitariam muito bem.
Sinto um incomodo no peito.
— Por que você acha isso?
— Quem aceitaria bem o filho ser acompanhante de aluguel? — Ele dá uma risada sem humor e um rebuliço esquisito acontece no meu estômago. — E minha família não é ruim financeiramente falando, a gente tem uma vida confortável. Mas eles já arcam com todas as minhas despesas aqui, não queria que eles tivessem um gasto extra com o notebook.
Sou inserida em uma partezinha da sua vida. Não mais de maneira intrusa. Mas isso não me deixa mais confortável aqui. A realização de que enfiaria Jungkook em uma saia justa com seus pais me pega de jeito. Não cogitei a hipótese de ele contar a verdade para eles, mas, dessa forma, ele teria que mentir igual a mim, não é? E só eu sei que mentiras sempre se enrolam em mais mentiras. A sensação desse lado da história não é nada boa. Eu bem sei.
— Não tem explicação pra eu fazer isso, entende? — Umedece os lábios e me encara. — Eu poderia simplesmente pedir e pronto. Acho que isso é o que pioraria a situação.
— O que você acha... — Não consigo controlar minha voz. Não consigo fazê-la parar ou sair de maneira clara e direta. Ela continua em falhas e parecendo agir por impulso. — O que aconteceria se eles descobrissem?
Jungkook parece pensar por um segundo mais uma vez. E me pergunto se ele mesmo já se fez essa pergunta em outra ocasião. Como também me questiono se esse é um daqueles assuntos em que não se deve tocar. Será que o deixa tão desconfortável quanto o assunto Haneul me deixa?
— Eles me fariam voltar pra Busan na hora. — Responde, mas não me olha mais. O seu cenho é franzido e não sei se ele se incomoda por falar sobre ou por perceber o campo minado que estamos caminhando aqui. — Eu provavelmente não conseguiria nem ter tempo de fazer a transferência para alguma universidade de lá. Eu teria que começar tudo do zero.
Quero vomitar. Talvez pela bebida, talvez por perceber que mais coisas estão ameaçadas além da minha própria mentira deslavada. E me tenho em cima do muro, entre pedir e não pedir. Porque agora a decisão não me parece óbvia. E por mais que tenha sido comprovado por mim mesma que não existam alternativas, eu me sinto tentada a pensar que não escolher caminho nenhum seja uma opção também.
— Eles não são compreensíveis?
— Não é isso. Eles são. Eles me apoiam em todas as decisões que eu tomo, mas... Acho que isso foge. — Seu peito infla e ele se vira para o balcão. — Minha mãe passou por muita coisa ruim quando menor, ela não quer que eu ou minha irmã passemos por dificuldades também. Eles trabalharam demais pra nos dar tudo. Isso seria visto como um fracasso, entende?
Balanço a cabeça em afirmação, mas não sei o que isso quer dizer. Meu estômago ainda é bagunça em forma de nervosismo.
— Se eles são compreensíveis, você acha que se você expli-
— Não, sem chance.
Jungkook me interrompe sem rodeios. E quem sabe esse seja mesmo um assunto que o deixa desconfortável. Vejo-o completar sua xícara mais uma vez e, antes que eu perceba, estou falando de novo:
— Sua intenção é boa, talvez eles entendam.
— Sua intenção também é boa, por que não tenta com seus pais?
A rasteira vem certeira e eu caio de cabeça em cima do muro imaginário que criei. E enquanto o vejo beber mais um pouco, entendo que não fico chateada com o que me disse. Ou, quem sabe, irritada. Até porque concretizo que o encontro de famílias coloca em risco não só as mentiras em que me meti, mas também bota em risco coisas que eu não deveria ter o poder de controlar. E, num instante, o que me preocupa não é mais contar para Jungkook ou fazer o pedido. O que me preocupa é o que vem depois. O que me preocupa é o que vai vir depois que ele aceitar. Porque eu deveria ser a única a correr riscos. Eu gerei o problema e eu deveria ser a única a arcar com as consequências dele. A imagem que tenho dele é ligada à minha solução e não é justo.
— Desculpa. — Sua voz me tira do transe e corro meus olhos para ele. Sua respiração é pesada antes de continuar. — Eu fui um babaca, desculpa. Não deveria ter falado assim, nossas situações são diferentes.
— Tudo bem. — Dou de ombros, pegando a xícara de suas mãos e dando um gole ali. — Não deveria ter insistido.
— Não é isso. — Estala a língua em contradição, virando-se para mim outra vez. — É um assunto que...
Ficamos em silêncio. Porque não é preciso que Jungkook se explique, porque entendo. Nossos olhares se sustentam por alguns segundos e me permito nos enxergar.
Não sei exatamente quando me apaixonei por Jungkook. Só sei que sinto. Sensações e sentimentos. Talvez tenha sido naquela resposta à pergunta de minha mãe. Quem sabe tenha sido quando me preparou o primeiro drink. Quiçá sobre o diálogo sobre a minha verdade. Não sei bem. E, para ser sincera, isso não é lá muito importante. Porque Jungkook ainda é a melhor parte de toda essa baderna que eu me enfiei. E eu não tenho a menor duvida disso. E como em um romance de época coberto por drama, aqui e agora, olhando-o sob luzes brancas claras demais, eu sinto que a qualquer momento posso deixá-lo ir. E não quero.
— Eu vou me mudar no próximo mês.
Ele diz por fim, um sorriso crescendo no canto da boca e ele alcançando a xícara vazia carregando meu olhar confuso.
— Se mudar? Pra onde?
— Pra república. — Responde e a pergunta seguinte parece estar estampada em meu rosto. — É, aquela república.
Lembro-me então das festas em que fomos lá. Os cômodos quase sem móveis e os poucos parecendo terem sido escolhidos aleatoriamente para ocuparem os lugares. Sem cortinas nas janelas ou tapetes no chão.
— Achava que não tinha mais espaço.
— Não tem, mas vai abrir uma vaga. — Ele preenche tanto a porcelana sobre o balcão, quanto a que seguro. — Taehyung vai pra um intercâmbio no meio de julho, vai ficar um ano fora e quando ele voltar, mais uma vaga já vai ter sido aberta também.
Assinto aérea, o cara de óculos azul e sua bebida horrorosa me tomando os pensamentos por uns instantes em uma lembrança vaga.
— Qual o problema dos dormitórios?
— São meio caros, a república vai sair mais em conta. — Explica. — Fico me sentindo mal de ficar nos dormitórios sabendo que fora deles o preço é melhor. Meus pais não reclamam, mas não que-.
Ele mesmo se interrompe e eu entendo o porquê. É o assunto de novo, de uma forma indireta. Jungkook não gosta de depender tanto assim dos pais e logo paramos, outra vez, no assunto de acompanhante de aluguel. E sinto-me pesada e culpada novamente. Porque ainda não sei o que fazer. Eu tenho um pedido, um encontro entre famílias e uma mentira. Posso fazer tudo o que eu quiser com elas, inclusive ignorá-las. Eu vivo em dualidade. Por dentro e por fora. Sei o que fazer. Não sei o que fazer. Sigo e não sigo.
Vejo Jungkook respirar fundo e olhar para os lados. Penso em tentar dizer outra vez, mas agora é diferente. Porque sei mais do que sabia no início. E soa egoísta e injusto demais trazer a tona esse assunto outra vez justamente agora.
Beberico o vinho frisante na minha xícara e olho em volta também. A angústia sendo companheira de todo o meu nervosismo. Vejo pessoas ao nosso redor indo e vindo, rostos novos, diferentes. E acabo me perdendo nisso, me permito pensar sobre algo que não envolva toda a lama que me rodeia. E me foco. E me concentro.
Reparo, então, que diferente das festas de república da Chung-Ang que fui, essa é um tanto diferente. Desde a existência de cortinas nas janelas aos tapetes no chão. Os móveis podem ser populares, mas são bonitos. Ainda existe a presença de gelo seco, irritante e meio fedorento, mas ainda assim. Ninguém mais se amontoa nos sofás da sala ou interdita a entrada da cozinha, as pessoas aqui têm seu próprio espaço. Porque existe espaço.
Alguém acaba de quebrar um copo na divisa de cômodos, perto do banco onde antes eu estava sentada. E há uma movimentação, tanto dos outros quanto nossa. Sinto uma mão espalmar em minhas costas e quando me movimento, percebo que é Jungkook quem me conduz para longe dali. Atravessamos a sala, a música alta bombeando nos ouvidos. Há pessoas por todos os lados e nenhuma me parece conhecida. Ou rostos que já vi de relance pelo campus da universidade. E me foco nisso. De novo. Talvez para não surtar de vez, talvez para não agir por impulso, talvez para tentar me convencer de que a opção de não falar seja mesmo a melhor alternativa.
— Jungkook?
Chamo-o assim que paramos em um corredor. O trânsito por aqui parecendo ainda mais tranquilo do que o que vem sendo o restante da festa. Há algumas portas por aqui e o aviso de banheiro em uma delas. Não existe mais cheiro de tutti-frutti, porque penso que a saída para o jardim do fundo seja logo ali depois da porta branca de vidro aberta.
Ele se vira para mim, o corpo encostando-se a parede e a boca brilhando outra vez pela bebida recém ingerida. Aqui a luz é amarela e logo percebo que ele consegue ficar ainda mais bonito por debaixo dela.
— O que foi?
Estou pé em sua frente, porque não consigo me sentir relaxada para me encostar a paredes e fingir que dentro de mim não é um carvanal de emoções cretinas e não cretinas. Eu já desisti de tentar separá-las, numerá-las, botá-las em ordem em uma lista. Porque elas se enlaçam e eu me torno caos. Como sempre é.
— Cadê o Jimin?
Minha pergunta sai como um pedido silencioso de escape. Não me sinto realmente interessada na resposta ou no porquê a festa parece diferente das demais. Ela só veio como uma tentativa de me distrair por uns instantes.
Jungkook, no entanto, não me responde de imediato. Ele me olha do alto por um tempo, tomando um, talvez dois goles da xícara que segura. Ao fim, tem as sobrancelhas arqueadas e uma atitude prepotente que não entendo, mas que gosto de olhar.
— Por quê? — Seu tom é debochado. — Você era meio que afim dele no início, não era?
Sou lavada em choque, pega desprevenida pelo extremismo. Quase engasgo.
— O quê? — Fico perdida na acusação e um tanto envergonhada também. Porque, bem, é verdade, mas nunca vou dizer. — Nunca fui. De onde tirou isso?
Ri e me tenho 100% presa no que vem a seguir.
— Você perguntou se ele era solteiro.
— Você falou que ele era comprometido. — Bebo o que seguro um tanto ofendida pelo que ouço. Sinto-me traída o tempo todo por sentimentos extremos e drásticos. — Não perguntei nada.
Seu corpo desliza de maneira natural para frente, seu quadril na altura da minha cintura. Dois centímetros de distância. E não sei se é apenas coincidência ou se tudo isso foi proposital. Mas já começo a me sentir quente. Balanço os joelhos por puro instinto. Deve ser o álcool. Ou essa bolha tropical.
— O Jimin é um babaca. — Solta prático, voltando ao lugar. — Eu sou também, mas ele é mais. Um dia você vai entender.
Seu olhar é ainda de prepotência e fico o encarando por alguns instantes outra vez. A boca úmida, os olhos negros e sua aura intimista. É aquele lance dos detalhes. Sempre é. E me deixo perder entre eles por um momento.
Pisco uma ou cinco vezes, não sei mais contar direito.
— Você não respondeu minha pergunta. — Falo, percebendo enfim. E, talvez, as não semelhanças dessa festa não sejam só invenções da minha cabeça para eu ter algo ao que me prender, afinal. — Cadê o Jimin?
Jungkook parece pensar, depois termina o que tem em sua xícara em um gole certeiro.
— Não veio.
Ele esfrega a boca com as costas de uma das mãos e me olha. Seu olhar vem em fresta, como se me intimasse para uma briga. E Jungkook me contraria inteira, como sempre faz.
— Como assim não veio?
— Não veio.
E há um silêncio para que eu tente entender; tanto o que acontece aqui, quanto o que ocasionou toda essa postura desconfiada repentina de Jeon.
— Tá, mas e o resto?
— Que resto?
Mais silêncio. Porque de fato me pego perdida em sua pergunta. Que resto eu esperava ver? Seus amigos ou os amigos de Haneul? E enquanto o vejo pegar a xícara das minhas mãos e tomar mais um gole de bebida, olho em volta. Pessoas diferentes, lugares diferentes. Música diferente. Tudo de fato é diferente. E algo me toma os pensamentos de repente.
— Jungkook... — Começo, recebendo seu olhar por cima da xícara. — Existe alguém nessa festa que você conheça?
E é aí que ele quase engasga. A porcelana escapando por um instante e ele a alcançando ligeiro antes que seja tarde demais. A bebida escorrendo por seu queixo e um caos instalado. E sei que existe algo de errado aqui. Jeon parece ponderar, pensar em algo a dizer, mas não diz. Fita o fundo da xícara por um tempo, limpa a bebida pelo rosto e depois respira profundo. Quando penso que algo vai sair de sua boca, nada sai.
— Jungkook?
— Não. — Responde abruptamente. — Não existe.
Meus olhos crescem de pavor, mas não consigo acompanhar o sentimento ou o que essa notícia realmente quer dizer.
— Jungkook!
Sua cabeça meneia e ele estala a língua em contradição, depois se remexe no lugar. Parece alvoroçado e, por conta disso, fico também.
— O que foi?
— Como assim o que foi? — Dou um passo em sua direção, minha voz saindo mais baixa em seguida. — O que a gente tá fazendo aqui?
Ele me olha. Seus olhos correndo meu rosto inteiro.
— É uma festa.
— Eu sei que é uma festa, mas... — Olho para os lados, ninguém parece prestar atenção em nós. — Como você ficou sabendo dela?
— O Jimin descobriu e me falou.
Afasto-me desconfiada.
— Então o Jimin conhece essas pessoas?
Ele não responde e isso é o bastante para eu entender que não, Jimin também não conhece ninguém.
— Jungkook! Por que vo-
— Era a única festa antes das férias começarem! — Me interrompe. Seus olhos estão em mim e ele parece um tanto impaciente por eu não ter entendido. — Foi a única oportunidade que achei pra gente ficar sozinhos de novo, só nós dois, porque da última vez você foi acompanhada e é... A próxima festa da república vai ser só mês que vem.
Jeon puxa o ar forte pros pulmões, me lança um olhar esquisito e logo se concentra em beber mais do vinho frisante. E quero rir, uma risada alta e sincera, mas não consigo. Meu coração parece ter crescido tanto no peito que posso jurar que a qualquer instante pode explodir. E agora tenho certeza. Absoluta certeza. Não quero colocar em risco qualquer coisa que tenhamos aqui ou qualquer coisa que seja importante pra ele. Mais do que nunca sei que não quero pedir o que vim pedir e que não vou. Porque me importo e sou ridiculamente apaixonada por Jungkook.
— Tipo um encontro?
Minha voz vem mansa dessa vez e ele ergue os ombros, agora um tanto sem graça.
— É meio longe? Sim, com certeza. A galera é estranha? Também. Mas tá aí.
E fico o olhando por um tempo. O ar faltando quando tento suspirar. Sua camisa xadrez um tanto aberta, sua pele exposta, seu cheiro, seu cabelo, sua boca e todos os seus etcéteras. Uma combinação de detalhes, uma coletânea do que mais gosto nele. Tudo isso pensando em uma oportunidade para ficarmos a sós mais uma vez. De novo. Como ele me contou naquele corredor a última vez.
O pensamento de que seu beijo pode me tirar as coisas mais ruins que carrego me encontra de novo. E num passo dado em sua direção e num puxar de gola, eu faço nossos lábios se encontrarem sem cerimônia alguma.
Sua boca é gelada e traz o sabor doce de vinho presa entre a minha. Meu corpo se alinha ao seu e minhas mãos sobem até seu rosto. É um beijo surpresa e singelo, que logo termina quando me afasto minimamente para olhar Jungkook de perto. Seus olhos se demoram a abrir e, assim que encontro a imensidão negra deles, tenho certeza que peguei o caminho certo.
— Eu gosto quando você toma a atitude.
Ele sussurra só pra mim, um sorriso no canto da boca rosada e um suspiro solto. Não parece mais envergonhado ou agitado como antes. Somos agora, juntos, fora de órbita em um ambiente terrestre demais.
E antes que mais alguém fale algo, Jungkook pressiona sua boca na minha mais uma vez. A sensação me invade de imediato e meu peito aperta de uma saudade que não percebi sentir tanto quanto agora. Sua língua deslizando pela minha como da primeira vez que se encontraram, seus braços me apertando contra seu corpo e um sufoco de desejo me tomando a garganta. Enrolo-me em seu pescoço e nos tornamos um emaranhado de beijos, apertos e mordidas.
Tudo parece insuficiente, no entanto; porque quero mais perto, mais envolvimento, mais tudo.
Mais Jungkook.
Suas pernas batem contra as minhas e, em passos incertos e destrambelhados, atravessamos uma porta antes entreaberta. Nossos corpos se afastando um instante para Jungkook se desfazer das xícaras num cesto de roupas e eu perceber que nos enfiamos em um banheiro minúsculo com luz amarela. E quando o vejo se virar para mim outra vez, eu me sinto ferver por inteira. Porque aqui e agora, com a luz encostando sua pele exposta e sua boca vermelha por minha causa, eu sinto que nunca vi algo tão bonito quanto ele.
Vejo a porta se fechar com seu toque sutil e o baque é o incentivo que faltava para Jungkook voltar para mim. Em forma de dedos se embrenhando pelos meus cabelos, beijos em meu pescoço e carícias pelas minhas coxas. Ele é suave e lento, uma melodia lasciva que me envolve por inteira. Cada centímetro do seu corpo encosta-se a cada centímetro do meu, mas ainda parece não ser o suficiente, porque o quero mais, mais, mais perto de mim. Passeio minhas mãos por seu peito, procurando a abertura da camisa xadrez, puxando-o e puxando-o. Desço eles pelos botões e alcanço o cós da calça. Eu sinto sua pele quente nas articulações dos meus dedos e não sei o que fazer com tudo isso.
Porque Jungkook ainda é caos de cheiros, gostos, sensações e sentimentos.
Como numa dança lenta e íntima, nossos corpos se balançam, suas mãos alcançando meus quadris e me fazendo girar sobre meus próprios pés. Seu corpo agora me alcançando por trás, me segurando contra o balcão da pia. Nosso reflexo no espelho quase me deixa envergonhada, seus olhos nos meus e sua boca distribuindo beijos molhados pela minha orelha, pescoço e nuca. Espalmo minhas mãos no mármore e sinto Jungkook se inclinar sobre mim. Seu quadril pressionando minha bunda e suas mãos subindo minha saia.
Fecho os olhos por um momento, me concentrando na sua língua e em toda a sua presença imperial sobre mim. É uma sensação maluca, num ambiente maluco. Entretanto, quando volto a abrir meus olhos, algo me chama a atenção no canto do balcão da pia. Uma embalagem branca de enxaguante bucal, a mesma marca que minha mãe compra religiosamente todo o mês. E, como num passe de mágica, toda a angustia que antes pensei ter dispersado em decisões antes tomadas, reaparece como fogo em mata.
Os dedos de Jungkook tamborilam pela minha pele com graça e sutileza, mas não consigo mais me focar direito. Ainda quero me sentir imensa, infinita. Mas a droga do aperto no peito começa a reaparecer, a culpa começa a se tornar tão pesada quanto antes. E mesmo que eu queira que não exista nada mais na minha cabeça que não seja Jungkook nesse pequeno instante, eu só consigo pensar no meu objetivo quando botei meus pés nessa festa. E sou pesada de arrependimento.
Quando sinto sua mão puxando minimamente a barra de minha calcinha para baixo e a outra subindo em direção ao meu seio esquerdo, num vislumbre cretino de lucidez então, eu entendo que não consigo. Que não consigo levar adiante sem finalmente falar o que vim dizer. Mesmo já tendo estabelecido minha decisão de dar fim a esse lance de acompanhante de aluguel. Mesmo que eu já esteja decidida a arcar com minhas próprias consequências. Eu não consigo levar adiante sem contar para ele. E isso é ridículo, sei que é.
E, antes que suas mãos invistam em mais uma puxada ou em um toque certeiro e eu perca todos os sentidos, eu o empurro para trás de maneira súbita e seca. Minha saia flutuando por milésimos de segundo entre nós e suas mãos agarrando o nada. Seu rosto no reflexo é retorcido em alarde e confusão e seu perfume tropical faz tudo ficar um pouco mais difícil do que tecnicamente já é.
— Jungkook... Não dá. — Falo, minha respiração pesada. Minhas pernas trepidando ainda por todos os seus toques em mim. — Eu não to relaxada.
Tenho seus olhos cravados nos meus, ainda perdido no que deveria ter sido e que não foi. Meu seio esquerdo formiga pela falta de seu possível toque e me remexo no lugar, desconcertada pelo que acabou de acontecer. Viro-me finalmente para ele, respirando fundo e o encontrando ali. Seu peito subindo e descendo e sua boca ainda mais vermelha pelos beijos. A camisa completamente torta no seu corpo e o cabelo apontando para todos os lados.
É difícil de tentar construir uma linha de raciocínio clara e complexa. Eu só consigo pensar em palavras chaves que logo se mesclam a boca, beijos e Jungkook. E tudo se torna bagunça de novo.
— Ok... — Sua voz é uma lufada de ar e não precisa de muito para entender o quão perdido ele ainda está. — Você quer ir pra... Outro lugar? Ou... Eu fiz alguma coisa que você não gostou?
— Não. — Falo abruptamente, percebendo que é agora ou nunca. — Não é o lugar ou... Não é isso. Eu preciso te falar uma coisa antes da gente continuar.
Jungkook parece levar um tempo para entender o que lhe digo. Seu rosto se molda em atormento, enquanto ele dá um giro no próprio corpo e depois me olha de novo.
— Tudo bem, — sua voz é cautelosa. — O que é?
Umedeço os lábios e fecho os olhos com força. Mas logo depois os abro. Meu corpo é quente e não posso me descuidar por um segundo sequer. Porque a sensação da língua de Jungkook deslizando pela minha nuca ainda é muito clara e quase a sinto em mim.
— Tá. — Descolo-me do armário por puro impulso. Vou de um lado a outro, minhas mãos tentando ajeitar meu cabelo inutilmente. — Você pode... Você pode se sentar, por favor?
Puxo o ar com força e percebo que Jeon nem sequer se moveu. A forma como seu cenho se vinca me deixa nervosa, meu coração apertando no peito quando paro abruptamente de me mover.
— Espera. — Pede, as mãos no ar. Ele parece tentar se situar. — Isso tem a ver com Haneul de novo?
E meus olhos se perdem. Caço o lustre em formato antigo, o vaso sanitário bege e o cesto artesanal com mais de quatro rolos de papel higiênico dentro. Tento buscar algo que me diga que não voltei ao passado, para o início da festa aonde ele me fazia a mesma pergunta. Volto a olhá-lo, as argolas prateadas se movendo nas orelhas quando sua cabeça meneia.
— Como assim?
— Porque eu também tenho uma coisa pra falar.
Encaro-o por um tempo, o que acabou de dizer não faz sentido. A informação não se liga a nenhuma lembrança que esteja circulando e que já circulou o meu cérebro. Ela é completamente inédita como um filme recém lançado nos cinemas. E fico perdida no momento, olhando Jungkook passar a língua pelos lábios e respirar fundo.
— Que coisa?
— Eu deveria ter dito algo aquela noite. — Sua voz agora vem quebrada e percebo todo o esforço que Jungkook faz para falar sobre isso. — Deveria ter dito algo pra impedir que ele falasse aquelas coisas pra você.
Demoro um tempo, pensando e resgatando memórias. Não preciso perguntar para ele sobre que noite ele fala, porque agora tudo parece claro como água cristalina. A noite em que conversamos no corredor, a noite em que Sorn passou mal, a noite em que voltei a ser conectada a Haneul de uma maneira que me amedronta e que me faz recuar. Lembro-me de tê-lo visto me olhar o tempo inteiro, como me lembro também de ter pensado que ele esperava por uma reação minha. Mas talvez Jungkook só não soubesse o que falar, assim como eu. Penso que deveria me sentir pesada agora, me sentir ultrapassada e humilhada pela lembrança, mas a verdade é que a única coisa que tenho em mim é a certeza de que preciso resolver esse problema.
— Não deveria. — Digo, apoiando-me no balcão e o vendo, finalmente, se sentar na privada em minha frente. — Quem deveria ter dito algo era eu. Esse problema é meu e não seu.
Há um clima no ar, mas que não pego. Não é algo pesado ou esquisito. É só um clima diferente de todos os outros. Logo lembro, então, de nós dois conversando no meio da rua, antes de entrarmos na festa. Talvez tenha sido isso que ficou trancado na garganta de Jungkook e que ele não conseguiu falar.
— Era sobre isso que você queria conversar?
Sua pergunta vem, enquanto eu me tenho tentando organizar o que falar em seguida. Mas eu sou só bagunça e não faço ideia por onde começar. Jungkook me olha debaixo, as mãos espalmadas nos joelhos sobre a calça jeans clara e a camisa xadrez ainda torta em seu corpo. Conto até três mentalmente e balanço a cabeça em negação.
— Então o que é?
Eu sinto meu corpo todo ser tremedeira. E por mais que eu saiba que meu objetivo já mudou, continuo aflita por sua reação. Eu sou tomada por nervosismo e posso jurar que a qualquer momento vou explodir. E não aguento mais viver essa tensão pela noite inteira. Não aguento mais guardar para mim.
Puxo o ar com força e o solto aos poucos. Tudo isso sob o olhar cauteloso de Jungkook. Quando abro a boca, todas as palavras parecem sumir.
— Busan! — Quase grito, fechando os olhos com força mais uma vez e reunindo as mãos em frente ao meu rosto. — Tem a ver com Busan! Eu tentei não ir, mas não faz sentido eu não ir e...
Silêncio.
— _____? — Ele solta um riso, encostando minimamente em minha perna para que eu o olhe. E eu o olho. — Do que você tá falando?
Engulo a seco, de repente achando uma péssima ideia contar isso para ele. Porque, por mais que eu tenha desistido de todo esse encontro de famílias, eu cogitei seguir em frente, não foi? Ele ainda pode se chatear, não pode?
Jungkook está me olhando e parece ter toda a paciência do mundo. Respiro fundo, não sabendo se existe um jeito de voltar no tempo ou se existe alguma maneira de desconversar algo que eu mesma iniciei.
— Minha mãe me ligou na segunda. — Falo incerta. — Ela quer que nossas famílias se encontrem em Busan esse final de semana. Disse que não existe desculpa alguma, que eles vão com ou sem mim.
Arrisco um olhar em sua direção, Jungkook parece absorto demais. Não existe mais resquício da risada que soltou há pouco tempo, nem sequer um resquício de um toque em minha perna. Ele é contradição pura.
— Você tá me dizen-
— Mas eu já desisti! — Apresso em dizer, lembrando subitamente que não falei o ponto mais importante. — Eu desisti! Ok? Eu já desisti de pedir a sua ajuda. Eu ia te pedir na biblioteca, mas não tive coragem. Pensei em pedir hoje, mas...
— Mas...?
— Eu não quero, não quero mesmo, porque eu me importo. — Minhas mãos estão fechadas em punhos e nenhuma das palavras que eu falo parecem fazer sentido. — Eu me importo com você e não quero, não... Não quero que arrisque a faculdade por um problema que não é seu. É um problema meu e não é justo eu pedir pra você fazer isso. Não quero mais você como acompanhante de aluguel ou... Eu desisti.
Sinto-me sem ar, como se tivesse acabado de correr uma maratona inteira até chegar aqui. Tento repassar o que acabei de dizer, mas nem sequer lembro mais. Existe algo em mim, algo certo e grande, que me diz que não estou me fazendo entender. E isso me aflige e me deixa angustiada.
— Se você desistiu, — começa, as palavras vindo aos poucos e pausadamente como se estivesse resolvendo uma questão lógica em uma aula de marketing. — Se você desistiu, então por que tá me contando isso agora?
Por um momento me preocupo com o que dizer, com qual explicação dar. Porque talvez eu tenha mentido por tanto tempo, sobre tantas coisas, que eu já não saiba mais ser sincera de maneira natural.
— Porque eu não sei o que acontece que eu sinto essa necessidade ridícula de te falar as coisas. — Falo verdadeira, meu coração bombeando nos ouvidos. Não existe música por detrás da porta ou pessoas no mundo. Só existe nós dois e esse banheiro pequeno em algum lugar no leste da cidade. — Mas eu não quero te assustar, tudo bem? Com nada. Com o que eu sinto ou com o pedido que não quero mais fazer. Eu já desisti. Entenda que eu já desisti e só to te contando porque não consigo guardar isso pra mim.
Sinto uma necessidade extrema de repetir por mais um milhão de vezes que desisti. Que essa ideia foi imbecil e que eu nunca deveria ter sequer cogitado pedir isso a ele. Sinto uma necessidade imensa de frisar, desenhar, explicar de maneira didática de que não, eu não o quero mais como meu acompanhante de aluguel. Nunca mais como acompanhante de aluguel. Eu o quero como Jungkook e somente Jungkook. Mas minha voz tranca e não consigo mais dizer nada. Vejo-o fixar seus olhos no piso gelado por um tempo e penso em contar os segundos, minutos ou horas que se passam. Mas só consigo repassar seus detalhes como reza nos pensamentos.
A cicatriz na bochecha, a pintinha debaixo do lábio e os olhos tão negros como o céu sem estrelas.
— Sabe? — Sua voz vem depois de um tempo, lúcida. — Eu sinto que deveria tá muito bravo com você agora. Eu tinha era que levantar e sair daqui, porque não é a primeira vez que você faz isso comigo.
Minha respiração para e minha garganta se aperta. Porque vacilei com ele. Mesmo com todas as minhas intenções e inseguranças, eu continuei errando com ele. Tento engolir a seco, mas meu maxilar está travado. E anseio pelo que está por vir. E anseio pelo mas, porque precisa ser algo bom. Precisa ser algo que me garanta que tomei a decisão certa ao contar sobre isso para Jungkook.
— Normalmente eu ficaria realmente bravo, mas não me sinto assim agora. — Fala e o ar volta aos meus pulmões. Ele respira fundo e ergue seu olhar até o meu. — Você sempre faz eu me sentir esquisito por não agir do jeito que eu deveria agir. É assim o tempo todo, porque também não consigo te tirar da cabeça tem semanas e isso não é normal pra mim... Acho que é um problema, não sei. Mas eu me sinto aliviado de saber que você desistiu, porque eu também me importo com você.
Demoro um tempo para raciocinar, tentando desvencilhar as palavras das frases e logo então as repetindo de forma pausada pelo meu cérebro. E quando entendo, não sei o que dizer por primeiro, nem sei se preciso dizer algo. Sinto meu rosto completamente imóvel por uns instantes.
— Eu... Desculpa.
Minha voz é um fiapo imbecil, mas sinto a urgência de fazer o pedido, pelo menos. Vejo um riso no canto de sua boca e ele dando de ombros em seguida.
— Por eu me importar com você? — Vem debochado. — É, eu me peço desculpas o tempo todo por isso também.
— Não foi po-
Jungkook ri.
— É, eu sei.
Passo as mãos pelo meu rosto, desconcertada. Isso é horrível. Quer dizer, a sensação que tenho agora, a sensação de perceber em todas as enrascadas que o enfiei e em todos os problemas que ocasionei na sua vida. Essa sensação é ruim e ultrapassada, porque me faz perceber que eu deveria ter entendido muito antes. Que eu deveria ter entendido que aquele post-it furreca não traria solução alguma para ninguém. Pelo menos, não a que eu procurava encontrar.
— Isso não vai mais acontecer.
Falo, tirando minhas mãos do rosto para encontrá-lo me olhando outra vez.
— Era por isso que você tava estranha na biblioteca e no caminho até aqui? — Assinto. — O que você vai fazer, então? Agora que não me quer mais como acompanhante de aluguel.
— Eu não faço a menor ideia.
Jungkook se remexe na privada, ele estrala os dedos e depois os passa pelos cabelos. Os fios se alinham para trás por uns instantes, mas logo caem em mechas por sua testa.
— Eu poderia dar um jeito, falar pros meus pais que eu tenho uma namorada e... — Ergue os ombros. — Não sei, convencer eles de que esse encontro de famílias não é bizarro, mas... Eu preferiria não fazer isso.
— Não vai precisar fazer, é sério. — Digo rápido, porque é verdade. — Não vai. Eu... Vou arranjar um jeito! Não sei como, mas vou. Eu não deveria nem ter cogitado te pedir isso, porque não quero, não quero mesmo te chatear de novo.
Ele assente entendido, um sorriso bonito e seu nariz se enrugando. E sinto meu coração bater descompassado no peito, mas ele não alcança mais meus ouvidos em desespero ou nervosismo, ele só dança conforme a música. Conforme nós dois. E me sinto bem agora, me sinto bem por ainda ter Jungkook aqui.
— Você se sente melhor agora que me contou?
— Sim.
Ele alcança uma das minhas mãos e enrosca seus dedos aos meus. Meu corpo, de maneira involuntária, se move até o dele sentado, só parando quando minhas pernas batem às suas.
— Senta aqui.
Jungkook pede, seus dedos agora dedilhando minhas coxas e suas mãos se espalmando por detrás delas para me puxar em direção ao seu colo. Nossos quadris se encaixam e eu enrolo meus braços em seu pescoço. E seu cheiro é tão natural que, por um instante, esqueço que esse de fato não é o perfume que sempre senti na vida.
— O que você quer com isso?
— Te consolar.
Rio e nossos olhares correm diretamente para nossos quadris encaixados.
— Era pra ser um abraço.
— Um abraço erótico?
Seus braços envolvem minha cintura e ele sorri.
— Não, nada de erótico.
Aperto-me contra ele, então, em um abraço. Aproveitando para afundar meu rosto contra seu pescoço, sentindo seu cheiro e seu calor. E me sinto bem aqui, por mais que eu saiba que amanhã as coisas não serão nada fáceis.
— Não é pra dormir.
Ouço-o falar e, sem me mover, pergunto:
— Por que eu dormiria?
— Porque na primeira festa você dormiu na poltrona enquanto eu jogava videogame.
Ergo minha cabeça abruptamente, só para que eu consiga encará-lo direito.
— Eu fiz o quê?
— Dormiu. Depois da cozinha a gente foi pra sala e em dez minutos você dormiu por sei lá quanto tempo. Você não lembra?
A lembrança vaga me toma a cabeça, ela é distorcida, esquisita. E toda a lembrança que eu tinha de beijos e amassos por seis horas seguidas em Jungkook é substituída pelo toque do tecido áspero da poltrona e suas tentativas de me fazer acordar. E fico um pouco perdida por ter acreditado durante tanto tempo em algo sem fundamento.
— Mais ou menos.
Mio e o vejo rir. Decidindo, por agora, deixar para lidar com essa nova lembrança amanhã ao acordar. Ou hoje ao acordar, não sei bem. Enfio meu rosto em seu pescoço outra vez e sabe-se lá por quanto tempo ficamos ali. Se por seis minutos ou por seis horas.
E o “e se” passando a ser agora um desejo utópico.
E se eu tivesse encontrado Jungkook muito antes de ter encontrado Haneul?
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 9/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 9.003 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
[19:26] jungkook: festa na república rolando hoje
[19:26] jungkook: haneul vai
Esfrego meus olhos com os dedos de uma das mãos e olho para a tela de meu celular mais uma vez, conferindo letra por letra o nome daquele que as me enviou. Por um instante, penso que possa ser só um sonho, um universo paralelo, o caralho a quatro, quiçá uma invenção do meu psicológico afetado pela bebida. Mas por mais que tudo pareça surreal, absurdo e impossível, algo em mim diz que as notificações ali, logo ali, são mesmo verdadeiras.
Dou um passo para trás involuntariamente, meus calcanhares alcançando o pé de um dos bancos e me fazendo cair sentada sobre ele. A constatação à base de um achometro embriagado é o bastante para me transformar em caos completo. Aperto o celular com força, meu olhar caindo turvo para o outro lado da rua, enquanto ouço todo o caos em minha volta. Sinto meus ombros chacoalharem em um nervosismo claro, difícil de controlar, e tento inutilmente pensar numa resposta.
Mas todas as palavras sumiram. De novo. Desapareceram. Mesmo que pareça óbvio o que dizer.
É sim ou não.
Mas talvez seja porque quero dizer muito.
Ou talvez seja porque não tenho muito a dizer.
Puxo o ar com força e deixo cair meu celular no colo, o tecido de minha saia pesando com o objeto e impedindo que a peça se mova com o vento fraco da noite. Aérea, tateio o banco à procura da minha terceira lata de cerveja nos últimos trinta minutos, tomando um gole gordo quando a encontro.
Eu não tenho notícias de Jungkook há três semanas.
E se antes eu pensei que sua existência era uma mentira, por todo esse tempo eu quase tive a absoluta certeza que ele foi apenas uma criação bizarra da minha cabeça. Um sonho maluco. Até porque eu não o vi em nenhum lugar, nem ouvi falar sobre ele.
Biblioteca, quadra de basquete, refeitório.
Nada.
Jungkook desapareceu.
Não atendeu minhas ligações nas semanas de provas e continuou sem as atender na semana seguinte, nessa semana. Parecia que tudo antes da festa beneficente no início do mês passado aconteceu em outra vida, em um livro que li durante a infância e que acabou se mesclando às lembranças reais.
A única coisa que me impediu de acreditar nisso foram as ligações constantes de mamãe perguntando sobre ele, perguntando sobre nós. Ela e sua insistente ideia de que não somos fortes o suficiente, que não somos o bastante para um casamento no fim da faculdade.
Era sempre o mesmo discurso.
Haneul, Haneul, Haneul.
Enquanto eu só pensava em Jungkook, Jungkook, Jungkook.
Precisei dar dezenas de desculpas esfarrapadas para todos os encontros que minha mãe nos arranjou em meio de semana. Foram estudos, viagem relâmpago e até um problema na matrícula essa terça que passou. Invenções atrás de invenções. Não é a toa que por um instante pensei que ele fosse uma também.
Mas agora tenho seu nome na tela bloqueada de meu celular, em duas notificações verdadeiras, provando que ele de fato existe e que tudo o que vivi foi verdade. E não deixo de pensar do porque agora. Sua intenção ficou clara ao me ignorar por todo esse tempo. Ele queria que meu prazo acabasse antes mesmo deu conseguir fazer proveito dele.
Então... Por que agora?
Pego o celular do colo e meu coração pula no peito quando vejo mais uma notificação ali, a mensagem brilhando no breu de uma praça perdida em Hongdae.
[19:35] jungkook: você vem ou não?
Minha respiração bate contra a tela e eu me vejo engolir a seco, o gosto amargo de cerveja na boca me trazendo a lembrança de uma festa passada. O fato é que preciso ir. Haneul vai estar lá e isso é o suficiente para minha ida se tornar uma necessidade.
Mas o sentimento que contorce meu interior e que faz meu coração bater em meus ouvidos me certifica que quero muito mais do que preciso. Porque quero ver Jungkook muito mais do que preciso que saibam que somos reais. Quero olhar para ele e numerar todos os seus detalhes. Por mais maluco que isso pareça ser. Porque tenho saudades, mesmo que nossa última memória seja a porra de uma conversa filha da puta em um salão chique demais pra nós dois.
Porque aqui, agora, vendo Sorn sair da loja de conveniência do outro lado da rua e me procurar ao redor, eu percebo que estou apaixonada por Jungkook.
Completamente apaixonada.
E não sei quando exatamente isso aconteceu. Se foi agora, durante as semanas que se passaram ou se antes. Muito antes. Só sei que sinto e que é real. E suspiro. A respiração saindo entrecortada enquanto uma vontade repentina de chorar copiosamente me toma. É a embriaguez se mesclando com a certeza de que não é recíproco e se juntando a toda uma culpa que carrego pelos seus sentimentos feridos.
Sei que preciso dizer tantas coisas, tantas coisas preciso esclarecer que não consigo nem entender por onde começar. E me entristeço ao saber que mesmo que entendesse, não sei se conseguiria... Talvez eu mereça passar por isso, afinal. Talvez seja a vida me fazendo gostar de alguém que não gosta de mim só como um castigo irônico. Um castigo por ter me apaixonado no momento em que eu não queria me apaixonar. E que não podia.
Olho então para a tela desbloqueada, a janela de sua conversa aberta esperando por uma resposta minha. E a digito de forma vaga, surreal. Como se ainda fosse um sonho distante e confuso.
[19:59] eu: eu vou
E antes que eu consiga reler minha mensagem enviada, a conversa sobe.
[19:59] jungkook: ok
Sua mensagem rápida me faz pular em uma ansiedade súbita, me pegando surpresa pelo ato e pela mudança brusca nos sentimentos. Meus nervos afloram e eu escorrego para a ponta do banco de forma automática. É um pico de sentimentos estranho. E percebo que Jungkook está na mesma janela que eu. Corro meus dedos pelo teclado como se isso o impedisse de sair dali, mesmo que seja só uma janela de um aplicativo de mensagens, uma conversa boba sobre festas em repúblicas...
[20:00] eu: teve jogo?
[20:00] jungkook: sim
Meu coração se agita mais uma vez.
[20:00] eu: por que não me chamou?
[20:00] jungkook: não fui
E miro por um instante a mensagem. Porque não sei o que vem agora. E também não sei se devo ultrapassar o limite que deveria existir entre nós dois e fazer uma pergunta possivelmente íntima demais. Mesmo que esse mesmo limite tenha sido ignorado há três semanas entre os armários daquela cozinha.
[20:01] jungkook: vou te esperar na entrada do prédio
[20:01] eu: aconteceu alguma coisa?
Nossas mensagens chegam ao mesmo tempo, nosso limite cruzado e seu pedido. Por um momento penso se ele a leu ou se simplesmente enviou sua mensagem e desistiu dali; mas então o sinal que indica que Jungkook digita uma resposta me toma a visão. Meu peito se apertando de ansiedade à medida que aparece e desaparece. Aparece e desaparece. Aparece mais uma vez. E desaparece mais uma vez.
E espero. Espero pacientemente, a tela tão próxima ao meu rosto que sinto meus olhos arderem em agonia e um pequeno inseto pousar em meu nariz. O sinal surgindo outra vez e desaparecendo. A espera e a aflição me pegando por um minuto inteiro até o balão de sua mensagem finalmente aparecer.
[20:00] jungkook: ok
O quê?
Jogo-me para trás em exaspero.
Sério isso?
Sério que ele simplesmente me ignorou?
Meus ombros caem e meu corpo todo murcha em frustração. Talvez eu não devesse ter criado expectativas, não é? Jungkook ainda é Jungkook, apesar de tudo. E eu cruzei mais um limite que não deveria cruzar... Talvez ter perguntado aquilo tenha sido a gota d’água?
— Você está completamente bêbada!
A resposta indireta para minha pergunta surge na voz de Sorn, sua figura parada em minha frente enquanto seus cabelos curtos estão chacoalhando com a brisa quente da noite. Talvez eu realmente esteja bêbada demais para isso. Para pensar nos contras e prós e qualquer coisa. Nas consequências e nas inconsequências.
— Eu acho que a gente saiu cedo demais para beber, você não acha? — Ela ri. O vestido rodado colando nas suas pernas, enquanto ela se desfaz da jaqueta jeans. — Eu tinha esquecido que as festas começavam tarde. Pode uma coisa dessas?
Eu vou me arrepender, tenho plena consciência disso. Mas não há alternativa. Na verdade... Provavelmente exista outra opção, mas não consigo pensar em nenhuma agora que seja mais fácil de lidar.
— Sorn, fiquei sabendo de uma festa.
— Festa?
Ela me olha curiosa, as bochechas rosadas denunciam que ela está bêbada também. Até porque Sorn foi até a loja de conveniências três vezes na última hora somente para usar o banheiro.
— É. Festa de república.
E me sinto mal por um instante por nem sequer me sentir culpada por persuadi-la a isso. Porque sei que deveria me preocupar em introduzir ela a esse mundo desse jeito, assim como deveria me preocupar com a presença de Haneul nessa festa. E também com todo meu plano dando errado com mamãe... Mas não consigo ficar, porque a minha única preocupação nesse instante é encontrar Jungkook. Mesmo que eu não saiba o que fazer quando vê-lo, mesmo que eu saiba o quão tortas as coisas ficarão entre nós.
Eu só quero vê-lo.
Minha eu completamente embriagada só quer vê-lo.
E sinto que minha eu sóbria gostaria disso também. Por mais que ela tenha se enganado por três semanas inteiras tentando pensar o contrário.
[...]
Ouço a sola de meus tênis contra o asfalto molhado, assim como ouço os passos de Sorn logo atrás de mim. Não sei em que momento choveu ou o porquê de estarmos correndo, como também não sei de onde surgiu essa energia doida para fazer isso por três largas quadras. Mas estamos aqui e estamos fazendo isso sob um piso úmido e recebendo pingos grossos na cabeça da chuva que se prendeu nas folhas das árvores.
Não sei ao certo o que explicar para Sorn além do que já expliquei. Uma festa de república igual à última que fui. Eu deveria explicar a situação? Eu conseguiria fazer isso? Sei que uma hora ou outra ela vai descobrir sobre todas as coisas que não contei. Sobre como eu consegui me afundar ainda mais nesse lance de acompanhante de aluguel e sobre como eu me afundei também em um sentimento não recíproco.
Mas talvez agora não seja a hora certa. Talvez ela só precise saber que devemos ir para lá, sem nenhum motivo aparente, só com a motivação de comemorar o fim de seus trabalhos acadêmicos e as semanas que terá livre de todo o estresse. Sorn merece um descanso. Dos trabalhos e dos meus envolvimentos irresponsáveis também.
— Ok, chega! — Sua voz vem em um grito e paro abruptamente quando não ouço mais seus passos atrás de mim. Viro-me e a encontro agachada, tentando regular a respiração. — A chuva já passou, podemos caminhar.
E a olho por um instante, percebendo que para ela existia um real motivo para estarmos correndo, enquanto para mim...
— É virando a quadra. — Aviso, apontando para trás. Minha respiração também é pesada. — Marquei de encontrar Jungkook ali.
Ela ri e não entendo.
— O bonitão? — Assinto, sentindo minhas bochechas corarem de embaraço. — Vai na frente, eu já vou.
Franzo o cenho, uma ansiedade crescente no peito ao perceber que agora falta pouco para encontrá-lo. Mas mesmo que minha vontade seja de virar as costas e ir, minha noção me faz perguntar:
— Tem certeza?
— Tenho. — Ela ergue uma mão e faz um sinal para eu me apressar. — Vai logo, eu já vou.
Sacudo a cabeça em afirmação, sentindo meu redor chacoalhar um pouquinho com o ato. E assim que giro nos calcanhares e encontro a rua da república bem em minha frente, eu me vejo acompanhada por um nervosismo crescente na boca do estômago. Penso por um momento que tudo isso pode ser a bebida, que posso culpá-la por dezenas de coisas hoje à noite, as que aconteceram e as que vão acontecer. Mas penso também que todo meu rebuliço interior é por uma razão. E que não posso ignorar o verdadeiro motivo por detrás disso.
Cada passo dado é como se eu fosse explodir em euforia. Meus dedos se contorcendo contra o tecido de minha saia e, de novo, não posso rejeitar a razão correta por eu me ter desse jeito. Não posso ignorar, porque é impossível quando ela está bem ali parada em frente ao prédio do outro lado da quadra quando viro a esquina. Vestindo uma camiseta branca e calça jeans clara, seus olhos fixos em mim como se soubesse que eu chegaria agora.
Sinto minhas bochechas doerem por prender um sorriso largo de felicidade apenas por vê-lo, como sinto também meu peito borbulhar em algo tão intenso que dói.
Consigo ver as argolas de Jungkook daqui, refletindo a luz dos postes à medida que ele dá um meio passo em minha direção. A camiseta branca é como uma luz neon em meio à quase escuridão completa da rua. Ele é fogos de artifício, vagalumes, holofotes. E não sei se é o efeito da bebida, mas Jungkook me parece muito mais bonito do que me lembrava.
— Aconteceu alguma coisa?
Sua voz vem mais cedo do que eu espero, cortando a música baixa que vem do alto do prédio. E antes que eu perceba, meu corpo sofre um solavanco de pavor. Franzo o cenho em ultraje claro. Ele está repetindo a minha pergunta das mensagens? É isso mesmo?
Que horror!
Por que ele está fazendo isso comigo?
— _____? — Jungkook acaba com os pequenos passos que nos separam e eu percebo que nem sequer reparei que andei toda a quadra o admirando. — Aconteceu alguma coisa?
— Por que você tá me perguntando isso? — Minha voz sai exaltada, ofendida. — Não sei o que você quer que eu fale. Quer que eu me explique?
Eu estou na defensiva, meu corpo todo está. Tenho um pé atrás e as mãos próximas ao peito em punhos, como se eu estivesse prestes a entrar numa briga de rua. Enquanto tenho Jungkook com a testa tão vincada que as sobrancelhas quase se encostam ao meio em uma confusão genuína. E nesse meio tempo em que tenho seu corpo em frente ao meu, nada pronto para entrar em uma briga de rua, que percebo a maldita jaqueta de couro em sua mão. A mesma jaqueta de couro do almoço com meus pais.
Filho da mãe.
Eu não acredito que ele simplesmente tirou a noite para me avacalhar.
E estamos juntos há menos de cinco minutos!
— Do que você tá falando? Explicar o quê? — Pergunta, sua cabeça inclinando para o lado em um conflito interno claro. — Eu estou perguntando se aconteceu alguma coisa, porque parece que você veio correndo.
Hã?
Meu queixo cai em entendimento. E me sinto idiota. E ok. Talvez a bebida também tenha uma parcela de culpa pelo que está acontecendo comigo. O que é bom, não é? Quer dizer, pelo menos dá para culpá-la no domingo de manhã...
Abaixo os punhos e emparelho meus pés, vendo Jungkook ainda me olhar confuso.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele volta a repetir. — Você correu até aqui mesmo?
— Corri. — Minha voz é um fiapo envergonhado.
Vejo então ele se esticar, os olhos varrendo o caminho que vim por cima de minha cabeça e encolho-me minimamente por isso.
— Você chegou faz muito tempo? — Minha voz salta dos meus lábios sem eu nem sequer pensar. — Parece que chegou...
— Cheguei há uns vinte minutos.
Há um curto silêncio entre nós dois. Jungkook ainda se esticando em minha frente e eu tentando entender o que ele está fazendo exatamen-
— Alguém te seguiu? — Sua voz é direcionada para mim, mas ele não me olha mais. — É por isso que veio correndo? Por que não me ligou? Eu teria ido te buscar.
— O quê? Não... Ninguém me seguiu.
E então seus olhos caem sobre mim novamente, seus calcanhares abaixando-se de forma lenta. O ato ergue seu perfume tropical em suas roupas e alcança meu nariz com graciosidade.
— Não? — Pergunta e eu nego. — Então por que correu?
Encaro-o por cinco segundos completos. Contados. Porque não sei o que ele quer que eu fale agora, como também não entendo como Jungkook consegue me deixar envergonhada sem nem ao menos tentar fazer isso.
E acabo entendendo só agora...
Eu corri porque queria te ver logo, seu tapado.
— Eu... Estava chovendo.
Ele olha para cima por um instante e depois para os lados, parecendo notar só nesse instante as poças perto do meio fio e o asfalto molhado. E é como se ele levasse um choque, como se entendesse o que acabou de fazer. Jungkook se afasta de mim em um passo largo para trás, seu cenho se franzindo em contradição e nós dois percebendo tarde demais sua preocupação rara em forma de pergunta.
E tento administrar o que me vem a seguir e tento entender. E não é justo. Foram três semanas sem notícias dele, três longas semanas sendo ignorada por completo e descobrindo um sentimento não recíproco. Não é justo ele surgir todo esse tempo depois e me trazer um filete de esperança imatura em forma de preocupação. Porque não significa nada, não é? Não significa...
— Por que você sumiu?
Minha voz é como bomba entre nós dois, eu sinto isso. E sei que Jungkook não me deve nenhum tipo de explicação pessoal, por mais que eu queira uma agora. Mas ele talvez me deva uma profissional, não é? Nós ainda temos um acordo.
— Andei ocupado.
— Ocupado? — Olho para ele, brava. Sua desculpa é a mais esfarrapada do mundo e ele sabe disso; seus olhos passando pelos meus de forma rápida só para desviar em seguida o entregam. — Mesmo depois das provas?
— Por que ainda não subimos?
Penso se devo ignorar esse assunto da forma como ele quer que eu ignore, mas não quero. Não posso ignorar isso. E me sinto tão agitada que nem sequer consigo me parar de dizer o que quero dizer.
— Foi pelo que aconteceu na última festa? Foi por eu ter te trata-
— O que aconteceu na última festa?
Meu coração sofre um solavanco, uma batida bruta fora do contexto. Minha boca ainda está aberta por ter sido interrompida no meio da sentença e me sinto desarmada. É uma rejeição explícita, uma negação a tudo o que aconteceu com a gente. E por mais que eu soubesse que isso de fato aconteceria e que, talvez, eu merecesse isso pelo que fiz na segunda-feira ao encontrá-lo no refeitório, não consigo não me sentir frustrada. Não consigo não me sentir triste.
Sua pergunta vem como um tapa em meu rosto, ardido e humilhante. Jungkook olha para mim de cima, os olhos negros em desafio. E sei que ele fez de propósito, porque consigo sentir seu amargor daqui, seu rancor forte sobre mim que se junta ao seu perfume de flores de laranjeira. Abro minha boca uma, duas, três vezes. Mas nada. Tento encontrar um desfecho para isso ou uma continuação para que eu saiba o que quero saber. Mas parece que caí no caminho e não sei mais o sentido certo. Tenho-me perdida então em vários sentimentos estranhos e não sei qual deles sentir por primeiro.
Inflo os pulmões de ar, uma frase sem sentido dançando na ponta de minha língua, prestes a sair, prestes a enfeitar meu rosto ainda paralisado pela desagradável surpresa. Mas a voz de Sorn corta qualquer possibilidade de continuação. Seus passos desesperados batendo contra o asfalto molhado e denunciando o quão próxima ela está de nós dois.
— _____! _____!
Jungkook vira-se para ela antes de mim e, assim que faço, vejo-a correr destrambelhada, as presilhas do cabelo segurando só alguns fios que chacoalhando com o movimento apressado. Seu rosto é só alarde.
— O que aconteceu?
Minha voz sai confusa quando ela me segura pelos ombros, ignorando completamente a presença de Jungkook e me virando para ela.
— Acabei de ver Haneul! — Ela solta esbaforida. — Está subindo a rua, acho que ele está vindo para cá!
Levo cerca de dez segundos para lembrar que Sorn sabe de absolutamente nada e tento raciocinar com o que tenho. Com as informações que lembro, com as que passei para ela e com a sacudida sentimental que acabei de levar. Mas tudo é uma massa cinza e carregada que só se torna mais densa à medida que o nervosismo de minha amiga cresce. Já arrependida, meus olhos buscam o rosto de Jungkook ao meu lado como uma espécie de pedido de ajuda silencioso.
E assim que seus olhos se franzem em minha direção, eu percebo que a coisa toda tem dezenas de possibilidades de interpretação. E que, obviamente, Jungkook escolheu a mais incoerente de todas para acreditar.
— Ele tá vindo para cá. — Responde, seco, fazendo Sorn pular no lugar e olhá-lo como se só percebesse agora a presença de Jungkook aqui. — E é por isso que eu chamei a _____, porque eu sou um acompanhante de aluguel e acompanhantes de aluguéis fazem isso.
Ah, porra. Porra!
Ele está se chamando de acompanhante de aluguel de novo, está trazendo aquele dia no refeitório à tona outra vez.
Merda. Merda.
Merda!
Não precisa nem sequer ser um gênio para descobrir que todas essas palavras foram direcionadas a mim, nenhuma delas foi para Sorn. Nenhuma. Eu consigo sentir o amargor se intensificar no ar como um incenso fedido.
— Você contratou ele de novo? — Ela me olha confusa, a voz levemente alterada. — Você disse que tinha contratado ele só uma vez!
— É, foi mais... Ou menos isso... Eu... E...
A risada nasalada de Jungkook me atinge em cheio, carregada de sarcasmo. E está tudo errado, tudo errado! Porque eu tenho certeza que sua interpretação é a mais errônea possível. Tenho certeza que ele pegou um caminho tortuoso e está entendendo tudo de forma nebulosa e errada. E quero dizer o contrário e quero conseguir dizer, mas quando minha boca abre para impedi-lo de se afastar de nós, Sorn me chacoalha mais uma vez. E antes que eu perceba, Jungkook está subindo as escadas do prédio sem ao menos olhar para trás.
E isso é o caos!
— _____, — ela me chama de novo, me fazendo olhá-la agora. — O que está acontecendo? Primeiro você diz que nunca mais encontrou o acompanhante, depois viraram amigos e agora isso?
Minha boca se abre em exasperação. De repente, todo o álcool do meu corpo se foi e não tenho mais o que culpar pelas minhas escolhas equivocadas.
É o caos.
[...]
Remexo-me minimamente no sofá, sentindo o linho sintético pinicar minhas pernas assim como faz com meus braços. Penso então em mudar de lugar, como pensei há dez minutos. E desisto, como desisti há dez minutos. Tenho uma lata de cerveja nas mãos e a visão de Sorn sentada na poltrona do outro lado da mesa de centro, enquanto uma festa barulhenta acontece ao nosso redor.
E sei que ela está chateada. Talvez não comigo precisamente, mas com a situação toda. Pela preocupação que eu não deveria ter e por sua negligência a isso. Para Sorn, as coisas agora estão como realmente são e não como deveriam ser; o acompanhante de aluguel que contratei conhece por uma ironia do destino meu ex-namorado e precisei estender nosso acordo em outras dezenas de datas por conta disso. Existe um notebook novo agora e a presença de Jisoo na Chung-Ang também, mas não existe quebra de regra alguma. Não existem beijos por seis horas em Jungkook, não existe um sentimento não correspondido e não existe uma mudança brusca em nosso contrato invisível.
Não foi só a rejeição explícita de mais cedo que me impediu de contar. Não foi só a vergonha que sinto ao pensar em verbalizar o sentimento não correspondido por Jungkook. Foi porque não consegui dizer mais, foi porque me senti exausta mentalmente, sugada sentimentalmente por toda a situação. E apesar de saber que toda a verdade apareceria um dia, eu não esperava que fosse hoje. Eu não queria que fosse hoje.
Mas foi. E tudo parece terrivelmente fora do lugar agora.
Finalizo a cerveja em um gole longo, largando a latinha vazia em cima da mesa de centro e correndo meus olhos rapidamente pela sala a procura de Jungkook. Ele estava na entrada do corredor, conversando com Jimin e Yoongi, mas desapareceu. E não sei como exatamente isso aconteceu, já que o apartamento não é lá a maior morada do mundo e boa parte dos convidados precisa se amontoar na varanda. Remexo-me no sofá de novo, dessa vez inquieta. Desde que cheguei à festa, ele nem sequer falou comigo e muito menos me olhou. Passou reto por mim na entrada da cozinha, fingiu não me ouvir quando o chamei perto do banheiro e ignorou minha mensagem de texto corajosa de trinta minutos atrás.
Já em compensação Haneul...
Ele está apoiado no aparador ao lado de Sorn, e se inclina volta e meia para despistar dos corpos que surgem em sua frente, faz isso só para manter seu olhar em cima de mim. É desconfortável e invasivo, e soa como se estivéssemos em uma conversa constrangedora, mas sem nenhuma palavra proferida. E penso em ir embora, desaparecer daqui antes que ela se torne algo real e acabe virando meu pior pesadelo da noite. Mas penso também que não posso simplesmente ir e deixar as coisas como elas estão, não parece certo. E é bem provável que não seja.
Não sei de onde me surgiu coragem. Talvez das oito, nove latas de cerveja que tomei. Ou de toda a tortura de ter que revelar a verdade para Sorn. Quem sabe a junção de tudo isso. Não sei bem. Só sei que preciso tentar organizar as coisas, talvez bagunçá-las mais. Preciso aproveitar a coragem repentina que tenho e todos os meus sentimentos já massacrados.
A noite é esquisita, tortuosa, não me sinto mais em mim.
Todos os pontapés e tapas que a vida possa me dar de agora em diante, eu não vou sentir. Eu me sinto anestesiada demais pelos acontecimentos recentes e essa é uma oportunidade única.
Ainda me sentindo vigiada por Haneul, olho em volta por um instante outra vez. Não estou mais tão preocupada em manter as aparências de um namoro verdadeiro, pelo menos não é minha prioridade agora. É por isso que ignoro todos os pensamentos desencorajadores que gritam horrorizados e ergo-me do sofá em um pulo. Ignoro também a voz de Haneul e sua mão tentando agarrar meu pulso. Deixo para trás ele, Sorn e minha vergonha.
É agora ou nunca.
Sinto meu corpo pesado por causa da bebida, o efeito embriagado se intensificando agora que estou em pé. Contorno as pessoas com certa dificuldade, a música alta me deixando um pouco zonza e me fazendo bater a coxa na mesa de jantar. Cambaleio para o lado com o baque e me apoio em um alguém aleatório. Eu me sinto o próprio caos, uma desordem que não tem início e nem fim. É física e psicologicamente. Dos pés a cabeça, inteiramente.
— Oi! — Quase grito quando me escoro desajeitada na entrada do corredor, meus olhos encontrando apenas Yoongi, Jimin e uma porção de pessoas desconhecidas. — Onde ele foi?
— Jungkook?
Mas não sei quem exatamente está falando comigo, porque nem sequer olho para eles. Estou ocupada medindo cada face ao nosso redor a procura de uma específica. Mas não encontro. Lembro-me de ter o visto antes de me erguer, mas agora não tenho mais certeza.
Não pode ter sido uma visão embriagada, pode?
— Ele está ali. — Yoongi aponta para frente, depois do aglomerado de universitários, ao fundo no corredor.
Meu coração pula no peito e me apoio à parede, me esticando por inteira até avistá-lo sozinho, encostado em uma das portas fechadas enquanto mexe no celular. Talvez esteja vendo a mensagem que lhe enviei e que não me respondeu.
Sem nem ao menos agradecer, enfio-me entre as pessoas, a música alta ainda me deixando zonza e o calor humano me perturbando um pouco. Há algo em mim que tenta me parar, que insiste para que eu pare, dê meia volta e leve Sorn embora. Mas não posso desistir agora. Porque existe algo que me coloca para frente também, que me faz contornar as pessoas e acabar do outro lado do corredor, depois do tumulto em frente à porta da cozinha.
E então tenho Jungkook em minha frente.
Somente Jungkook.
O corpo apoiado à batente da porta, o tecido leve da camiseta branca modelando sua cintura e caindo de forma graciosa pelo cós da calça clara. É quase uma imagem cinematográfica, e por poucos segundos acredito fielmente que seja.
Sinto meu corpo todo reagir a ele, meu estômago dançando no ritmo da música e uma ânsia subindo a garganta. E queria estar me sentindo assim por causa da bebida, única e exclusivamente por causa de todo o álcool exorbitante que ingeri hoje. Mas tomar isso como verdade seria patético demais, até mesmo para mim.
Porque é Jungkook e tudo o que o cerca.
Cheiros, gostos, sensações e sentimentos.
Talvez Jungkook funcione como uma sequência de drinks alcoólicos na minha corrente sanguínea...
Observo então seus dedos bloquearem a tela do aparelho telefônico e o esconder em seu bolso traseiro, só para assim, seus olhos me descobrirem centímetro por centímetro. Pés, joelhos, coxas, cintura, busto e rosto. Sinto seu olhar me percorrer como fogo em mato, como holofote em palco. E temos cinco segundos de completo silêncio entre nós, os olhares se sustentando numa eternidade minúscula.
Não temos para onde ir, não temos como fugir. Somos nós dois e dezenas de assuntos inacabados. E sei que Jungkook também sabe. Seus ombros sucumbem em rendição, enquanto meus dedos se entrelaçam em alvoroço.
Não existe mais escapatória.
É mesmo agora ou nunca.
Mesmo que tudo pareça absurdo demais nesse instante.
— Não é isso que você está pensando! — Solto de repente, começando pelo meio do discurso que raciocinei. A coragem me trouxe até aqui, mas ela não é lá muito organizada... Sacudo a cabeça para os lados, apertando os olhos rapidamente antes de completar: — O que aconteceu mais cedo! Não é... Isso... Tudo bem?
Miro-o por alguns instantes, torcendo para que Jungkook entenda toda a mensagem que quero passar e acabe essa tortura. Mesmo que ela tenha acabado de começar.
Mas seu rosto é impassível e seu corpo nem sequer se move.
— E o que eu estou pensando?
Seguro um grito de horror. Ele quer que eu explique?
Engulo a seco, apreensiva.
— Ah, você... Que sinto... Vergonha de... — Paro e pigarreio. Eu me sinto infantil e toda errada, e é ele quem me deixa assim. — Não posso dizer isso em voz alta.
E realmente não posso. Não é só pela tensão que se instala em meus ombros, é pela totalidade da situação também. Estamos em uma festa com Haneul e Jisoo. Não é minha prioridade reafirmar nosso namoro falso, mas não posso simplesmente ignorar isso e correr o risco de alguém nos ouvir.
Jungkook respira fundo e, sem aviso algum, se inclina drasticamente em minha direção. Seu rosto parando próximo ao meu, nossas bochechas quase se encostando e meu nariz a milímetros de distância de uma de suas argolas prateadas. Seu perfume tropical é tão forte aqui que quase engasgo de pavor e pensamentos impróprios.
— Então sussurra.
Sua respiração bate contra meu pescoço e eu trinco meus dentes. Sinto meu corpo todo se eriçar. E isso é ridículo. Não sei em que momento achei que seria uma boa ideia vir até aqui bêbada e completamente apaixonada por Jungkook.
E o pior é que sei que minha situação só tende a piorar.
— Não sinto vergonha de ter te contratado como acompanhante de aluguel. — Minha voz é um carro desgovernado, ela vem rápida e desengonçada. — Sorn estava cheia de problemas pra resolver, não queria encher ela com os meus também.
Afasto-me um passo generoso para trás, sentindo-me orgulhosa pelo feito.
— Entendeu?
Jungkook gira os olhos, visivelmente impaciente. E possivelmente bêbado também a julgar por suas pálpebras baixas e sua boca brilhosa de uísque. Ele cruza seus braços e se apoia a parede ao nosso lado, seu olhar me vigiando de cima como a merda de um desafio.
— Tá, eu entendi, mas eu não pensei nisso.
Pisco meus olhos algumas vezes até absorver o que me disse. Tudo se torna complicado demais de lidar quando todas as memórias da última festa começam a vir como um filme sacana nos meus pensamentos.
— Como assim não... Pensou?
Ele dá de ombros, seu cabelo leve como pluma se mexendo com a movimentação. E quase os sinto deslizarem pelos meus dedos.
— Não pensei. Mas fico muito feliz de saber que sou um problema pra você.
— Você não é um problema pra mim! — Solto exasperada, seu sarcasmo ainda pairando no ar. — Nunca disse isso.
— Você acabou de dizer. — Ele se remexe no lugar. Jungkook tem aquele ar arrogante que detesto gostar. — Disse que não queria encher Sorn com mais problemas e que por isso não contou sobre as outras contratações.
Paro um tempo. Meu cérebro trabalhando com dificuldade por causa da bebida. Por um instante, tudo não passa de um emaranhado de justificativas parecidas demais que só se diferem por detalhes minúsculos.
— Não! — Protesto quando encontro meu ponto. — Não quis dizer isso. Você... Você faz parte do problema, mas não é o problema.
— Eu faço parte, mas não sou. — Repete cheio de intenções. — Como que funciona isso?
Seu corpo desliza mais um pouco pela parede e penso em me afastar, mas estou tão perturbada que não consigo.
— Jungkook... — Fecho forte os olhos, tentando ignorar a lembrança de suas pernas trançando nas minhas. — Para de dificultar a minha vida, eu bebi cerveja hoje e eu fico um lixo com cerveja. Você não é um problema pra mim!
Assim que abro os olhos, vejo os seus me fitando sérios, como se um conflito interno estivesse o perturbando também.
— Você é um problema pra mim.
E quase engasgo. De novo. Sua voz vem convicta e certeira, me pegando desprevenida. E não sei o que isso significa.
— Olha, eu não te entendo. — Solto sentimental. — Se você não estava bravo por causa disso, então é pelo quê? Você me chamou aqui, mas me evitou o tempo todo. O que eu fiz hoje?
A última parte sai muito mais chateada do que eu queria que saísse.
Jungkook solta o ar com força e fecha os olhos, a cabeça tombando até se encostar a parede. E quero gritar de frustração, porque só consigo interligar todas as pintinhas do seu rosto à medida que meus olhos captam cada uma delas. Captam todas até pararem bem na debaixo de sua boca. E isso é mesmo ridículo. Quero discutir, quero ter raiva dele, mesmo que a culpada nessa história seja eu. Mas não consigo, porque só consigo pensar em todos os seus detalhes, no seu sabor de licor de rosas e no seu cheiro impregnando minhas roupas no dia seguinte.
E isso é frustrante. Porque tenho tudo isso em minha frente, mas não posso fazer nada.
— Não é algo recente, na verdade.
Sua voz vem rouca, seus olhos mirando minha face em uma linha pequena pelo ângulo que sua cabeça está encostada à parede. E, por alguns segundos, só consigo pensar em colar minha boca na pele exposta de seu pescoço e deixar mais uma marca ali.
— Você ficou bravo pelo modo que te tratei depois... Da festa?
Arrisco num lampejo de coragem. E assim que as palavras saem de minha boca, percebo que acertei em cheio. Seu corpo se remexe no lugar, assim com o meu. E por um momento, percebo que esse é o assunto em que eu deveria ter chegado há três semanas.
— Eu sei que... — Começo, não sabendo ao certo o fim. — Sei que vacilei em te tratar daquele jeito, mas eu juro que na minha cabeça fazia sentido.
Dou um último olhar em seu rosto e sei que ele espera por mais. E é o mínimo que posso dar a ele depois de tudo. Foco meu olhar então em seus braços cruzados. Porque não sei se vou ser capaz de prosseguir com o plano se nossos olhares estiverem se sustentando por todo o ato de coragem embriagado. Foram oito cervejas, mas nem isso me salva dos efeitos de Jungkook.
Respiro fundo antes de retomar.
—Pensei que você tivesse se arrependido do que aconteceu com a gente e eu só queria dizer que estava tudo bem, que eu tinha entendido o recado e que eu voltaria a te tratar como um profissional, como eu fazia antes. — Dou de ombros, o cenho se franzindo e eu me sentindo exposta ao todo. — Eu não queria te chatear, porque na minha cabeça era isso o que você queria. Desculpa.
Tomo um minuto para mim. Um minuto de preparo até erguer meus olhos aos de Jungkook novamente. Eu me sinto escancarada, todos os meus sentimentos jogados ao nosso meio como uma bomba numa guerra não declarada. É uma exibição muito mais intensa do que senti mais cedo com Sorn.
Seu rosto, no entanto, é lavado em perturbação e por um instante não entendo. Mas só por um instante. Toda a rejeição de mais cedo me toma os pensamentos como chuva e talvez ele queira que eu me humilhe a esse ponto. Talvez eu deva isso a ele como um pedido de desculpas, afinal. Mesmo que tenha sido só uma forma de me atacar, uma forma de retrucar tudo o que fiz para ele.
— Na festa nós bebemos muito e... — Digo, incerta. — Nós acabamos nos beijan-
Mas antes que eu consigo terminar, Jungkook me interrompe ao soltar um grunhido exasperado. As mãos correndo para seu rosto, envergonhado, enquanto ele solta três suspiros seguidos. E não entendo. Não entendo. E continuo parada aqui em sua frente, pensando o quão complicado esse garoto consegue ser. Que nós conseguimos ser.
— Eu me lembro da porra da festa, _____.
Franzo o cenho outra vez.
— Você disse que não lembrava!
— É óbvio que eu lembro! — Ele ergue os braços para cima, consternado. — Você tá sendo meu problema desde aquele dia!
E de novo. Você é um problema pra mim. E continuo não sabendo o que isso significa.
Fico em silêncio por um tempo, enquanto o vejo ir de um lado para o outro do corredor, só para assim parar em minha frente de novo. Puxo o ar com força antes de continuar:
— Olha, eu... Eu já pedi desculpas, eu não queria ter te tratado daquele jeito, eu... Não queria ser um estorvo ou qual-
— Não é esse tipo de problema... — Jungkook me interrompe outra vez, os olhos fechados por um momento, como se fosse um tormento precisar falar sobre isso. — É, eu fiquei puto com você no dia do refeitório, porque menos de dois dias atrás eu tava te falando que não gostava de ser tratado assim e você chega me tratando assim. Mas não, não é esse tipo de problema.
Olho-o por alguns segundos, tentando entender se ele quis dizer o que eles quis dizer. Sinto meus neurônios trabalharem de forma lenta e tudo se transforma em algo muito mais turvo do que antes. É difícil demais distinguir qualquer coisa por agora.
— Foi por eu ter quebrado as regras? — Tento, apreensiva. — Não era... Desculpa por isso também.
Seus olhos caçam os meus e eu congelo. A imensidão deles é como um buraco negro de palavras e pensamentos.
— Você não desobedeceu elas sozinha, por que tá assumindo a culpa por isso?
E fico quieta, não só porque não sei o que dizer, mas porque é a verdade. Por muito tempo eu me acostumei a assumir a culpa por erros que não eram inteiramente meus. E mesmo que com Jungkook tudo tenha sido diferente, não consegui mudar esse ponto.
— Você se arrependeu do que aconteceu?
Sua voz vem clara, a surpresa por sua pergunta me pegando em cheio e me fazendo cambalear até a parede. Não era esse o tópico da conversa. Isso é claro. Por mais que eu já tenha me perdido no assunto principal há um bom tempo.
— Por que você...
— Argh. — Ele me interrompe outra vez, transtornado. — Esquece. Esquece que eu perguntei isso!
Mas não consigo esquecer. Porque todo o meu corpo parece ligado, meu coração bate rápido enquanto minha respiração é vergonhosamente descompassada. Não preciso me lembrar dos acontecimentos na festa passada, porque todos estão vivos em meus pensamentos. Nossos toques, beijos, apertos, frases soltas ao pé do ouvido.
— O que você quer, Jungkook?
Ele solta um suspiro longo e sofrido, os olhos apertados em agonia.
— Eu não sei! — Diz, a voz vindo manhosa e incerta. — Eu não faço ideia o que eu quero. Eu to tentando me entender e não consigo.
Penso em perguntar alguma coisa, mas tudo parece acumulado em minha garganta em apreensão. Tudo se resume a nós dois, a ele e sua boca proferindo palavras enquanto seu corpo vai de um lado a outra do corredor outra vez.
— Desde aquela porra daquela festa, eu não paro de pensar em você. — Seus dedos deslizam por seu cabelo castanho, indo de encontro à parede no instante seguinte para se apoiar em minha frente. — Eu fiquei três semanas longe pra ver se eu conseguia parar com isso, mas não consegui! Eu simplesmente não consigo parar de pensar e isso é um inferno.
Um calor me toma o peito como explosão, subindo pelas minhas bochechas e se alastrando por todo o meu ser. As palavras de Jungkook se repetindo pelo meu cérebro como uma charada a ser resolvida, um Sudoku com poucos números, palavras cruzadas com quase nenhuma pista. Eu tenho tudo isso, tudo isso aqui e em minha frente, mas não sei o que fazer.
Penso em dizer algo, quero dizer algo. Quero pedir para que ele repita, que fale só mais uma vez. Ou outras mil até que eu entenda perfeitamente o significado de cada coisa dita. Mas eu só consigo o olhar. E não consigo pensar em mais nada que não seja a constatação óbvia de que Jungkook é bonito demais e que não consegue parar de pensar em mim.
E ainda não sei se consigo assimilar. Não sei se consigo entender. Talvez tudo tenha sido uma invenção cretina, não é?
Mas então seu corpo escorrega para frente do meu, lento e coberto de segundas intenções. E eu tenho certeza que não conseguiria inventar algo tão bom quanto seu cheiro, seu calor e sua presença. Nem tão bom quanto sua mão pairando a centímetros da minha cintura e a sensação de nossos corpos não se encostando por um fiapo de vento imbecil.
— Mesmo no meio de um projeto na faculdade, eu me prestei a vir pra essa festa só por causa de você. — Ri baixo sem humor, seu rosto há centímetros do meu e meus olhos cravados em sua boca. Sua voz é um sussurro e isso é puro transtorno. — Eu me sinto muito idiota, porque tentei ficar bravo durante essas três semanas, mas no final eu só conseguia pensar numa maneira da gente se beijar de novo. Então surgiu essa festa e eu pensei que pudesse ser agora, mas então você veio acompa-
Eu me sinto tão envolvida e perdida em toda a nuvem paradisíaca e surreal que Jungkook me envolveu, que levo certo tempo para perceber que uma voz atrás de mim o interrompeu. E levo mais tempo ainda para me virar para o responsável.
Haneul.
Seu corpo bloqueando o corredor, os cabelos pretos caídos sobre os olhos e o casaco torto nos ombros. E meu cérebro demora um tempo para entender a situação e sua presença ali. Por um momento parecendo um absurdo ter os dois juntos em um só lugar. Parece uma outra vida, uma outra história. São realidades opostas mesmo que estejam entrelaçadas pela ocasional infelicidade do destino.
E me sinto fria agora, com meu corpo longe do de Jungkook e próximo ao de Haneul. Como também me sinto perdida na mudança brusca de atmosfera, humor, clima.
— O casal do século! — A risada dele é curta e sarcástica. Ele segura uma garrafa de Soju e toda uma mágoa óbvia. — Estavam brigando? Eu atrapalhei?
Sua preocupação forjada me remete a um passado ruim de lembrar, que quase me dói fisicamente. Mas antes que eu responda, a voz de Jungkook se sobressai:
— O que você quer?
Haneul abre um sorriso satisfeito.
— Então vocês estavam brigando. — Constata orgulhoso. — Eu sabia que isso um dia iria acontecer...
E espero. Mas não sei exatamente pelo que. Nós deveríamos apenas ignorá-lo, não é? Contornar seu corpo e voltar para sala. Deixar ele e meu passado para trás. Mas eu permaneço aqui e faço com que Jungkook permaneça também.
É aquela droga de sentimento impotente. Como se eu ainda fosse ligada a ele e a tudo o que vivemos juntos. E mesmo que eu queira, não consigo me desligar, não consigo fugir disso.
— Ninguém aguenta a _____ por muito tempo. — Haneul retoma, cheio de si. E me sinto sufocada. — Jungkook, você vai descobrir que ela é egoísta e que vai te deixar de lado na primeira oportunidade. Você vai se cansar rapidinho, porque ninguém aguenta, só eu.
Sinto os olhos de Jungkook me medirem, queimarem meu rosto como brasa. E sei que ele espera uma reação, um rebate inteligente e certeiro. Mas eu não tenho, porque ainda me sinto sugada, me sinto inútil. E me sinto frustrada por isso. Porque não acredito que Haneul ainda consegue arruinar meu humor em tão pouco tempo.
Sinto todos os meus sentimentos sendo expostos novamente, mas dessa vez de uma maneira suja, imunda. Expostos sem que eu queira que eles estejam ali. É a mesma sensação de antes que retoma meu corpo e meu peito. É agonia pura. É como se eu fosse a mesma _____ de anos atrás, atendendo a pedidos e me esquecendo de mim. Aceitando todas as ofensas e nunca percebendo o quanto aquilo me faz mal. Mas sei que sou uma pessoa diferente, porque hoje consigo enxergar tudo. E talvez seja por isso que as coisas se tornam piores de aceitar. Porque sei a verdade e sei que machuca.
— Ela não é lá muito bonita, nem muito interessante... — Ele fala desdenhoso, rindo antes de completar: — Vem cá, seja sincero, é por causa da grana que você ainda atura?
Meus olhos crescem em pavor, meu peito se inflando de remorso e impotência. Eu queria voltar só dois minutos, enquanto a única coisa que me tomava era Jungkook e seu perfume tropical. Mas me sinto vazia agora, porque nem sequer ele e suas palavras conseguiram aniquilar todo esse efeito de Haneul em mim.
É humilhante. Eu me sinto minúscula e julgada.
E inútil.
Ainda mais.
Mas antes que qualquer outra palavra seja dita, por Haneul, Jungkook ou quem quer que seja, a figura de Jimin ultrapassa o aglomerado de pessoas em frente à cozinha e para em minha frente, interrompendo toda a conversa cretina que se tornou real. E por um instante tudo ainda parece estranho demais, desfocado, suas palavras direcionadas a mim fazendo sentido somente um tempo depois.
— Eu acho que a sua amiga tá passando mal.
Quando entendo, sinto meu corpo responder de maneira rápida, involuntária. E antes que eu perceba, estou enfiada entre as pessoas. Sinto-me desesperada para fugir dali, para chegar até Sorn. Tenho vários desesperos dentro de mim que se mesclam com o alívio de me ter livre de uma lembrança vívida de um passado cretino.
Meus braços e pernas estão amortecidos e não sei mais se a bebida ainda me acompanha em toda a jornada surreal dessa festa errada demais. É sábado à noite e as coisas estão mais tortas do que pensei que estariam.
Encontro Jisoo no meio do caminho, os olhos indo de lá para cá e penso que talvez esteja procurando por Haneul. Mas não quero os ter por muito tempo nos pensamentos. Porque me lembro de Jungkook e seu olhar a procura do meu em meio a tantas palavras horrendas proferidas. E me sinto esquisita e exposta de novo, porque ele teve acesso a uma parte do meu passado que nem eu mesma queria ter. Não deixo de pensar então que tudo o que me disse pode ter mudado, pode ter sido repensado naqueles três minutos ridículos de exibição não autorizada.
E me sinto extremamente vazia.
Contorno os móveis da sala, a festa parece mais cheia do que antes e tento controlar um pânico crescente por não encontrar Sorn de primeira. Mas assim que meus olhos varrem o ambiente e focam na porta principal aberta, vejo-a apoiada na grade da varanda. Sinto-me agitada, culpada. Minhas pernas me guiando até lá, enquanto meu coração bate forte no peito. Todo um arrependimento inútil me pegando em cheio quando a agarro pelos ombros.
Eu não deveria ter trazido ela para cá. Nós deveríamos ter seguido com o plano. Beber em Hongdae e depois nos enfiar em boates até achar uma que estivesse tocando Girls’ Generation. Era para ter sido assim e não esse fiasco bizarro e desconexo.
— Amiga, — chamo-a. — Como você tá se sentindo?
Ela solta um choramingo, os olhos fechados e o cabelo bagunçado.
— Quero ir pra casa.
E me sinto aliviada. De novo. Dessa vez por perceber que é só bebida demais, nada muito mais grave como as dezenas de possibilidades que imaginei para encerrar essa noite tenebrosa. Jogo um de seus braços sobre meus ombros, virando-nos e me deparando com a imensa escadaria até o térreo.
Eu só preciso passar por elas para me ver livre de uma festa que aconteceu demais.
— Você precisa me ajudar. — Digo à Sorn, um dos meus pés já no primeiro degrau. — Só preciso que se apoie no corri-
— Eu ajudo.
Meu coração sofre um baque esquisito quando vejo Jungkook envolver seu pescoço com o outro braço de Sorn. Meus olhos ficam fixos por mais tempo que o aceitável, mirando sua feição livre de qualquer julgamento que pensei que encontraria ali. E não deixo de me perguntar se isso deveria significar alguma coisa.
— Não precisa.
— Eu vou junto. — Diz convicto. — Não quero mais ficar aqui.
— Obrigada.
Minha voz é um sopro e vejo um lampejo de sorriso passar pelos lábios de Jungkook. Sorn mia alguma coisa em protesto, mas para de reclamar quando começamos a descer as escadas. E seguimos assim, o trajeto inteiro em um silêncio completo. Ainda há poças da chuva pelo asfalto e entre o meio-fio quando caminhamos pelas ruas desertas e com pouca iluminação. No alto a lua nos acompanha calma, o céu agora limpo e coberto de estrelas.
Meus pensamentos estão submersos em dezenas de hipóteses, indo e vindo daquele incidente com Haneul instantes atrás. São hipóteses infelizes que deslizam volta e meia para finais confortáveis. Mas não me permito ficar neles por muito tempo. A ideia de a noite terminar bem é utópica demais e fere meu ego ser tão fantasiosa assim.
O hall dos dormitórios é silencioso e claro pelas lâmpadas fluorescentes quando chegamos, o piso é mais limpo do que jamais vi e me lembro de que a maioria dos estudantes foi para casa no fim de semana. O vento da noite entra pela porta de vidro e chacoalha de leve nossas vestimentas, enquanto ajudamos Sorn a passar pelas catracas da ala feminina.
Com certa dificuldade, tropeços e resmungos por parte dela, consigo passar também e lhe dar um suporte capenga com um de meus ombros.
— Eu não percebi que ela tinha bebido tanto assim... — Falo de repente, tentando ignorar meu passado rondando meus pensamentos e possivelmente os de Jungkook também. — Eu deveria ter prestado mais atenção, eu sou uma péssima amiga.
— Essas coisas acontecem, — dá de ombros. — É só uma bebedeira, todo mundo passa por isso. Não é o fim do mundo.
— Mas mesmo assim.
Concentro-me exclusivamente em manter eu e Sorn equilibradas. Sentindo-me estranha agora, com nossas vozes preenchendo o ambiente e minha mente mais lúcida do que antes.
— Não se culpe por erros que não são seus.
Vejo sua cabeça tombar para o lado como se quisesse ter uma visão completa de meu rosto. E sei que deveria deixar para lá, chutar para o canto e me esquecer desse assunto também. Mas não consigo. E preciso aproveitar o desastre que essa noite está sendo para talvez piorá-la ainda mais.
— Eu vou entender se você estiver arrependido do que me falou mais cedo. — Solto, meus olhos buscando os seus para lhe passar certeza do que digo. Mesmo que eu não faça a menor ideia realmente. — De verdade, eu... Vou entender. Depois do que você ouviu de Hane-
— Você precisa parar de deduzir meus pensamentos, _____. — Ele me interrompe. Seu rosto é tão bonito embaixo das luzes do hall que me sinto envergonhada. — Você é horrível nisso.
Franzo o cenho, confusa e desconcertada. Percebendo só agora a jaqueta de couro em sua mão, quando ele vasculha um dos bolsos a procura do seu cartão de acesso.
— Sabe? — Começa, erguendo seus olhos para mim quando encontra o que procura. — Meu único pensando que liga você a Haneul é o fato deu ficar realmente feliz por você ter se livrado daquele imbecil.
Abro a boca para lhe responder, mas não consigo dizer nada. Porque ainda estou tentando entender, ligar os pontos com meus pensamentos agora tão desconexos.
Jungkook ri, se afastando aos poucos.
— Não, _____, eu não me arrependi. — Fala, dando mais três passos para trás. — Você se arrepende de algo?
E rio sem saber pelo que. Talvez por me sentir estranhamente bem, mesmo com todos os acontecimentos e mesmo não entendendo o que exatamente está acontecendo.
— Não, — falo, a cabeça de Sorn deitando sobre a minha. — Não me arrependo.
— Ótimo. — Diz, parando quando seu quadril encontra uma das catracas da ala masculina. — Boa noite.
E enquanto o vejo virar de costas e ir em direção aos elevadores, eu percebo que, de uma forma genuína e bizarra, a vida resolveu agir ao meu favor...
E isso ainda é o caos. Mas dessa vez é um caos de cheiros, gostos, sensações e sentimentos.
É Jungkook.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 8/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 8.025 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
— Tem uma mesa vaga ali. — Sorn indica em um movimento de cabeça um espaço em meio ao salão. — Vou sentar lá, tudo bem?
Ela não espera reação alguma minha, partindo em direção a mesa assim que volto a colocar arroz em minha bandeja. É segunda-feira e o refeitório da faculdade está ridiculamente lotado. Fica assim todo fim de mês e eu sempre opto por não o frequentar nesses dias, mas Sorn insistiu tanto que acabei cedendo. É o único tempo livre que teremos juntas nas próximas semanas. Não que nas últimas nós tivemos algum, mas agora parece mesmo ser definitivo. Além de ela precisar finalizar a reescrita de seu roteiro e alguns outros trabalhos, a temporada de provas está chegando para nós duas. Isso significa menos vida social e mais estresse acadêmico.
Saio da zona de buffet e solto um suspiro teatral ao ver tantas cabeças em minha frente. Eu devia ter insistido mais para que nós descêssemos até um restaurante fora do campus ou escolhêssemos, pelo menos, vir mais tarde. Mas Sorn parecia invencível e eu estava exausta demais para rebater seus argumentos sobre distância.
Caminho por entre as mesas com certa dificuldade até o lugar reservado para mim, o fantasma da ressaca ainda me pegando as têmporas em uma dor de cabeça chata. A bebedeira de sábado teve muitas consequências das quais eu nunca imaginei ter que lidar, uma delas foi a exaustão que senti durante as aulas hoje cedo. Quer dizer, eu bebi no sábado, enfrentei a ressaca no domingo, hoje eu não deveria estar melhor? Argh, eu nem sabia que ressacas poderiam durar mais de um dia.
Ou talvez eu nunca tenha enfrentado uma de verdade até agora.
Isso é possível?
— Vai comer só isso? — Sorn pergunta assim que coloco minha bandeja ao seu lado. Seus olhos mirando horrorizados o resquício idiota de arroz, um punhado de frango frito e três rodelas de nabo. — Vai ficar com fome!
— Eu estou um pouco enjoada. — Mio sentando ao seu lado. Essa é a outra consequência da quantidade exorbitante de álcool ingerido. Parece até piada. Jovens adultos não eram pra ser quase imunes a isso? — Não me sinto muito bem.
De repente, uma das mãos de Sorn se encosta a minha testa, seu rosto vincando em concentração enquanto ela tenta medir minha temperatura por intuição. E eu nem sequer me movo. Eu só consigo ficar parada, pensando em como queria pular todo o planejamento de estudos de hoje à tarde e me enfiar debaixo das cobertas até que todos esses sintomas desapareçam de mim.
— Sua temperatura parece normal. — Ela se afasta. — Dormiu bem durante a noite?
Afirmo de qualquer jeito e me obrigo a começar a comer. A grande verdade é que Sorn não faz ideia que fiquei até sete da manhã em uma festa de república, ela foi para casa no fim de semana e só chegou ao dormitório domingo à noite quando eu já estava dormindo. E, para ser bem sincera, eu nem sei se quero que ela saiba. Não só porque suas preocupações já são o bastante para ela, mas porque, além da ressaca física, eu ando encarando uma enorme ressaca moral também.
E isso é um pouco humilhante.
Ou completamente humilhante.
Vejo-a se remexer ao meu lado, parecendo aceitar minha resposta meia boca, voltando a atenção agora para o chá de pêssego e sua embalagem. Talvez ela também esteja cansada demais para insistir. Eu só espero que sua exaustão seja consequência de algo melhor do que uma bebedeira não planejada.
— _____? — Ouço sua voz me chamar duvidosa depois de um tempo, o canudo batendo em seu queixo enquanto ela mira um ponto a sua frente. — Você conhece aquele garoto de cabelo laranja que está olhando pra cá? Ele não para de sorrir.
Levo um tempo para associar as palavras, mas, quando faço, sou lavada de pânico e descrença. Meu pescoço gira de maneira abrupta, enquanto ignoro por completo a dor de cabeça e qualquer cansaço que me toma. Meus olhos correm pelo refeitório desesperados até pararem no único garoto de cabelos cobre que sorriria para mim em toda a universidade. E, por mais que eu já soubesse de quem se tratava antes mesmo de o olhar, um grito apavorado não evita de crescer na garganta.
Puta que pariu.
Jimin está em pé há algumas mesas daqui, segurando a bandeja nas mãos e lutando para que a mochila não caia de seu ombro esquerdo. Ele tem um sorriso enorme no rosto e um objetivo claro demais quando começa a vir em nossa direção.
Engulo o pedaço de frango frito que tenho na boca, nem pensando sequer em mastigá-lo direito. O alimento passa rasgando minha garganta e quase engasgo, e não deixo de pensar que poderia mesmo engasgar. Rolaria uma comoção humilhante enorme, mas pelo menos eu seria levada para enfermaria e sumiria daqui.
Ele tem o caminhar leve como sempre e a feição cativante que te faz se sentir acolhida por um leito de plumas. Mas hoje, em específico, eu só sinto que fui acolhida por uma manada de elefantes em fúria que me chacoalham de um lado para o outro. Meu coração bate tão acelerado no peito que sinto que a qualquer instante posso explodir.
E eu queria muito que o nervosismo que me cobre por inteira tivesse como motivo a figura carismática e fofa de Jimin. Única e exclusivamente. Mas só Deus sabe como está longe de ser isso.
— Oi, _____! Desculpa incomodar. — Sorri assim que para do outro lado da mesa. Sua forma em meio ao refeitório me traz a ideia absurda de um universo paralelo. Isso não por ser a realidade, não pode. — Tudo bem a gente sentar aqui com vocês? É muito difícil achar lugar no refeitório nessa época do mês.
É tudo tão absurdo e fora do lugar que a única coisa que sou capaz de lhe devolver é um chacoalhar de cabeça torto e apavorado. Ouço Jimin agradecer nós duas, colocando a bandeja sobre a mesa e largando a mochila no chão ao lado da cadeira. Sorn segura em meu braço discretamente e cochicha alguma pergunta, mas meus pensamentos estão focados no novo integrante da mesa. Jimin não se senta, ao contrário disso, permanece em pé olhando para os lados atentamente.
E eu sei o que ele procura. Eu sei.
Puta que pariu, eu sei muito bem o que ele procura.
Mas de alguma forma não consigo caçar isso com os olhos, algo me bloqueia e me faz pensar que não é a melhor coisa a se fazer. Porque não quero acreditar que isso esteja acontecendo, não quero acreditar que isso seja mesmo verdade. É ridículo demais pra ser real. E se eu não bater meus olhos nele, pode ser que tudo suma como fumaça no ar, não é?
Eu quero que suma.
Tudo bem a gente sentar aqui com vocês?
A gente sentar aqui com vocês?
A gente.
A gente.
A. Gente.
Não há mais tempo algum. Não consigo sequer pensar em um plano ou tomar uma atitude impensada que me comprometeria por longos meses. Quando vejo, os braços de Jimin estão no alto, balançando sem parar em direção a saída do buffet. O grito que vem a seguir é a trilha sonora da ressaca moral mais humilhante do mundo:
— Jungkook-ah, aqui! Achei uma mesa!
Eu quero morrer. Simples e fácil. Morrer.
Meu subconsciente viu essa merda vindo, eu sei que sim. Ele me avisou logo cedo quando acordei e tropecei no tapete. Como também não foi a toa que o nervosismo aflorou por todo meu corpo quando botei meus olhos em Jimin. Ou quando me vi estressada assim que enfiei os pés nesse maldito refeitório. A situação foi toda premeditada; eu sabia que algo terrível aconteceria mesmo sem saber realmente.
A personificação da certeza de que eu estava certa me olha agora da saída do buffet, os olhos passando pelos meus no que parece ser o reflexo do que sinto. Pavor e constrangimento. Seu corpo vacila por um segundo antes de ajeitar a mochila nos ombros e finalmente começar a contornar o restante das mesas que nos separam. E, nesse meio tempo, não evito pensar que de todos esses meses, de todos esses incontáveis meses frequentando as áreas comuns da universidade, eu nunca o encontrei. Nunca. Nem por um minuto. Nem por um segundo sequer. Nas catracas ou aqui. Mas eu deveria saber nessa altura do campeonato que a vida é mesmo uma piada, não deveria? E que a lei de Murphy existe mesmo, ainda mais em horas tão inconvenientes como essa.
É óbvio, não é? A última e fatal consequência da bebedeira sábado tem nome e sobrenome. E eu nem sequer preciso citá-lo, preciso? Talvez precise, talvez eu deva. Talvez seja minha obrigação passar pelo castigo de repetir seu nome de novo e de novo e de novo na minha cabeça até cansar — e depois de cansar também. Tudo como um lembrete do que me fez chegar até aqui, nesse pânico que me ronda a boca do estômago em uma ânsia cretina. Jeon Jungkook. O próprio. O mesmo cara que acaba de largar a bandeja em minha frente, lançar um cumprimento rápido e se sentar.
Eu sei que uma hora ou outra eu teria de encará-lo. Mas pensei na terça, quarta ou até mesmo na quinta. E se não existisse o maldito jantar beneficente dos meus pais na sexta, quiçá só depois da semana de provas. Mas não pensava, definitivamente, em encontrá-lo na segunda.
Jungkook tem os ombros rígidos e os olhos fixados em sua comida. E eu já começo a delirar em milhares de hipóteses medíocres. É desconforto? Ou ele sempre foi desse jeito? Porque, de repente, não consigo mais me lembrar do antes. E não tenho o depois. Só tenho o agora e todo um nervosismo grosseiro que me pega o cérebro e chacoalha em confusão.
E assim minha vontade de sumir do mundo só cresce e cresce. Enquanto na minha cabeça só ecoa e ecoa.
Jeon Jungkook. Jeon Jungkook. Jeon Jungkook.
Ainda existia em mim uma esperança ridícula e inútil de que a noite de sábado não tivesse passado de um sonho promíscuo. Ou que Jungkook pudesse não se lembrar de nada do que aconteceu. Mas, além de todo seu comportamento, o chupão abaixo de sua orelha esquerda e a tentativa falha de escondê-lo com o capuz do moletom a aniquilam completamente.
— Oi.
A voz de Sorn me tira do meu transe cheio de pavor e embaraço. A lembrança clara deu escorregando minha língua pelo pescoço de Jungkook chega vívida nos pensamentos. Tão vívida que consigo sentir a textura de sua pele na minha boca e seu aperto na minha cintura.
Tudo parece acontecer em uma câmera lenta esquisita, como em um mundo paralelo de verdade. Não que eu já tenha estado em um, mas eu acredito que mundos paralelos sejam assim. Jimin está sorrindo para mim, tenho Sorn me olhando à procura de uma explicação e Jungkook com seus olhos em um ponto distante em cima de minha cabeça.
Parece um episódio de As Visões da Raven. Eu sou a própria Raven.
Mas pensando nas coisas do passado e não nas do futuro.
Faz sentido?
Argh.Tanto faz.
Mesmo sóbria, minhas comparações ainda são ridículas.
— Essa é a Sorn. — Ouço-me dizer, a voz saindo meio quebrada, meio automática. Minha mão está no ar, apontando para minha companheira de quarto que sorri na direção dos dois em nosso frente. É um momento tão aleatório que parece não existir. — Esses são Jimin e Jungkook.
Há um cumprimento rápido, um riso aqui e outro lá. As conversas paralelas do refeitório invadindo nossa mesa naturalmente, de forma gradual como o volume da televisão. E isso só faz com que o gosto amargo na ponta da minha língua embrulhe meu estômago em agonia.
Ok. Aconteceu. Aconteceu, ok? Mas eu juro que na hora fez sentido. Fez o maior sentido do mundo acabar com o espaço que me separava de Jungkook e colar nossas bocas, morder seus lábios como bala de goma por horas a fio e prensar nossos corpos em um vão ridículo de armários. Nós estávamos ali, bêbados, ele em um de seus raros momentos como um cara incrível, sua boca rosada e sua risada de escárnio maldita. Pensei “por que não?” e fui.
E fez sentido, eu juro que fez. Ainda mais com todos os drinks ingeridos àquela noite.
Eu só não contava que no dia seguinte a situação seria bem diferente.
Não pensei que ficaria tão envergonhada a ponto de não conseguir encarar isso, nem sequer pensar sobre isso. Como também não achei que as imagens viriam como gotas de chuva no asfalto, uma seguida da outra em um turbilhão de acusações malditas. De repente, me lembro dos beijos, dos sussurros, das risadas e de como sua boca inchada tinha gosto doce de licor de rosas. Lembro o lugar das pintinhas que acabei descobrindo aquela noite. Nós estávamos tão perto que enxerguei todas, a da pontinha de seu nariz e a em sua testa que sempre se esconde atrás de seu cabelo.
Não pensei que seria assim, nem sequer cogitei a possibilidade de ser lembrada o tempo todo por imagens. Não pensei que ao encontrá-lo fora daquele mundo novo fizesse eu me sentir a ponto de cavar um buraco profundo e me enterrar para sempre. Como também não pensei que me incomodaria o fato de que, de agora em diante, eu só terei lembranças.
— Vocês fazem direito também? — Sorn pergunta, os dedos sujos de gordura enquanto segura um pedaço de frango frito no canto da boca. — Estão na mesma sala?
Não consigo pensar em responder, meu pensamento ainda lento por tudo o que acontece e aconteceu.
— Ah, não. — Jimin é quem responde. — Eu faço arquitetura e ele design gráfico.
Vejo Jungkook se remexer no banco, desconfortável. E só aí eu percebo que até hoje ele não sabia o meu curso. E é esquisito, porque ele sabe tantas coisas... Sabe o que me atormenta, o que me angustia, meu problema mais intenso e sincero. Parece saber tudo, menos as coisas mais básicas.
Mas não deixo de pensar que seu desconforto agora não tenha nada a ver com a notícia recém-dada. Não deixo de pensar que seu remexer de corpo e a forma como inclina a cabeça para o lado tenha ligação direta a todas as suas regras quebradas no sábado à noite; em como tudo aquilo foi terrivelmente errado e em como tudo aquilo está o atormentando.
Ainda parece um sonho estranho para mim, um acontecimento dentro de uma bolha que sumiu quando estourou.
— Ué, — Sorn solta, confusa, seus olhos correndo de mim para eles de forma questionadora. — De onde vocês se conhecem, então?
Há um momento. Eu sinto que há. É aquele em que um filme sobre todas as escolhas que já tomei na vida passa diante dos meus olhos. E o fato deu ter comentado apenas sobre o primeiro encontro com Jungkook para Sorn, parece ter sido a mais errônea delas.
Os olhos de Jimin passam pelos meus em uma pergunta explícita, enquanto os de Jungkook me alcançam em curiosidade. Não sei o que realmente responder, porque não consigo pensar em nada que não seja a verdade.
Eu deveria mentir?
Deveria?
Merda.
— Jungkook é o acompanhante de aluguel, lembra? Jimin é amigo dele. — Digo, a voz saindo um tanto fraca de tensão, vendo o rosto de Sorn se ascender em entendimento. Viro-me para eles mais uma vez. — Foi ela que me mostrou o post-it.
— Foi? — A voz de Jungkook vem elétrica e meu corpo sofre um tremelique de susto. O tom é muito acima do usado na conversa e eu me vejo um pouco perdida em seu interesse. — Onde exatamente?
Mas não consigo ouvir a resposta de Sorn. E algo me diz que ela realmente não importa agora. Porque, no instante seguinte, os olhos de Jungkook disparam sobre os meus um tiro de arrogância crua. E eu me perco nos sentidos. De novo. Não sei se mais alguém percebe, como também não sei se deveriam perceber algo. Eu só sei que não consigo sustentar nossos olhares por muito mais tempo, é como se a qualquer instante eu fosse ser descoberta por olhá-lo por um segundo a mais do que deveria.
Meus olhos caem sobre as rodelas de nabo intocadas em meu prato, meus pensamentos a procura de uma resposta que faça sentido. Mas tudo parece turvo e errado.
Argh. Eu só quero desaparecer.
Sinto-me bagunçada desde sábado à noite, parece que minha vida inteira entrou por um caminho tortuoso, estranho. Eu não deveria ter beijado Jungkook. Tenho certeza disso. Por mais que quisesse, por mais que ainda queira. Porque sei que isso vai dificultar minha vida em 100%. Sei que agora as coisas vão ser difíceis demais de lidar. E não deixo de pensar que fui muito burra por não ter aproveitado todas as oportunidades para superá-lo.
E ele não está mais ajudando. Só consegue piorar tudo. O que não é surpresa, porque quando exatamente Jungkook ajudou no momento certo? Nunca. O timing de Jungkook é horrível. E parece que o meu também.
A mesa mergulha em uma conversa superficial de Sorn e Jimin sobre trabalhos acadêmicos e o período de provas que está por vir. Deixando com que eu me enterre em um embaraço ainda mais intenso, enquanto Jungkook se concentra em comer o mais rápido que pode.
É a situação mais constrangedora do mundo. E não sei o que fazer. Nunca passei por isso. Nunca precisei passar por isso. Talvez eu ainda tenha um pouco de álcool no meu sangue ou as bebidas ingeridas tenham afetado meu cérebro, porque não consigo assimilar nada direito.
— Você foi à última festa que teve?
Meus ouvidos se alertam para o assunto de repente, Sorn inclinando-se sobre a mesa de forma interessada.
— Que festa?
— Na república perto do portão dois. — Jimin responde simples. — A _____ não te avisou?
— Ela estava viajando. — Interrompo, olhando para Sorn como um pedido de desculpas silencioso. — Eu me esqueci de avisar que sai sábado.
Meu cérebro é um nó completo. E, de novo, eu percebo quantas escolhas erradas eu tomei nos últimos tempos. Até porque para Sorn eu contratei Jungkook para um encontro e somente um encontro. Ela é completamente alheia aos outros trinta e cinco. Mas talvez tudo já esteja perdido. Afinal, qual o sentido de se ir a uma festa de república com o acompanhante de aluguel que contratei umas semanas atrás?
Imagine só se ela soubesse o que realmente aconteceu por lá...
— Você foi a uma festa sábado? — Sorn se vira para mim consternada. — Você nunca sai. É por isso que não está se sentindo bem!
Quero me enterrar entre os grãos de arroz ou me afogar no molho de soja de sua bandeja. Qualquer uma das duas opções seria válida. Eu sinto os olhos de Jungkook me queimarem as bochechas do rosto, enquanto preciso lidar com todas as lembranças vindo em um turbilhão.
Ouço a risada de Jimin interromper a mesa, logo em seguida sendo acompanhada por Sorn. Não sei o que realmente é engraçado, mas solto um riso desconcertado junto. Minha melhor amiga não faz ideia de absolutamente nada mesmo. E é bem provável que Jimin também não. Ele foi embora mais cedo no sábado e nem sequer nos viu quando fomos parar na cozinha.
O que deixa as coisas um pouquinho mais suportáveis. Mas só um pouquinho.
Antes que qualquer outro comentário se faça, o som das vozes no refeitório ganha um novo acompanhante: o toque estridente do celular de Jungkook pousado entre nossas bandejas. Os quatro pares de olhos correm pela tela em um silêncio grupal estranho, o nome que brilha ao som de Sober do BigBang é o de Minju.
Engulo a seco, hesitando por um instante. Há uma pergunta presa em minha garganta, que coça a ponta de minha língua. Jungkook também parece hesitar. Nossos olhares se encontram por um momento e sei que estamos pensando a mesma coisa. E quero perguntar e quero mostrar que sei ignorar e que não ligo. Eu consigo fingir que nada aconteceu, consigo passar por cima de tudo e reconstruir todo meu orgulho de novo.
Talvez a decisão mais sensata a se fazer seja a mais óbvia também. Fingir que aquilo nunca aconteceu. Parece uma boa escolha, não é? Até porque nossa relação deveria ser estritamente profissional. Sem um contrato de fato, mas, mesmo assim, profissional.
— Você quer que eu atenda?
A pergunta finalmente paira no ar, sua feição sem se alterar um milímetro sequer enquanto a proposta de sábado é jogada sobre a mesa.
— Ah, essa é uma boa ideia! — Jimin exclama, largando os jeotgarak para assim se esticar sobre sua bandeja e me empurrar o celular de forma desastrada. — Atenda e fale que ele está ocupado.
Há um silêncio desconfortável. E quando pego o aparelho em mãos, os dedos de Jungkook o puxam de forma rápida.
— Não! — Diz subitamente, a testa tão franzida que suas sobrancelhas quase se encostam. Sua voz vem logo em seguida em um tom quase ameno: — Isso vai deixar Minju magoada.
Minhas mãos ainda pairam no ar, moldando um celular invisível. Não consigo não olhar para outro lugar que não seja Jungkook. E enquanto o vejo rejeitar a chamada e colocar o objeto no bolso, tento administrar toda uma rejeição estranha que me pega o peito.
Não sei exatamente como surgiu e o porquê surgiu, mas me sinto rejeitada e envergonhada por isso. Não é algo a ver com Minju, não tenho ciúmes. É algo pessoal e que me deixa estranha.
— Jungkook, por que você fez isso? — Jimin resmunga. — Ia ser ótimo, você teria se livrado de um proble-
— Minju não é um problema. — Ele interrompe, os olhos focados no amigo e somente no amigo. O tom de voz é baixo como se não quisesse que ninguém mais além de Jimin soubesse. — Ela é minha amiga. Ela não tem culpa por eu não conseguir dizer que não gosto dela como ela gosta de mim.
E porra. Porra. Qual o problema dele? E qual o meu problema? Meu peito agora se aquece em estranheza e eu me sinto envolvida de novo por mais um momento aonde Jungkook é um cara incrível. E isso é ridículo, porque não sei se esse é realmente um desses momentos. E é ridículo, porque ele insiste em não me ajudar a superá-lo.
Espera... Ou... Ou será que isso é uma indireta? Será que ele quer dizer que não tem coragem de falar as coisas para mim? Será que ele acha que eu gosto dele também?
Isso é patético. Eu não gosto dele. Não gosto de Jungkook.
Gosto?
— Eu preciso ir. — Ele diz, se erguendo rápido da mesa e recolhendo suas coisas. — Nos falamos depois, Jimin.
— Já terminou de comer?
— Já. Preciso resolver umas coisas antes da aula começar. — Fala, parando um segundo apenas para olhar para mim e Sorn. — Obrigado pela mesa.
Não tenho tempo de dizer nada, Jungkook já deu as costas e se enfiou no entrevero de mesas e bancos do refeitório. E enquanto eu tento ainda absorver todas as novas sensações que foram impostas a mim hoje, Sorn e Jimin reatam uma conversa sem grandes complicações.
E isso parece mesmo a porra de um universo paralelo.
A sensação de rejeição parece crescer ainda mais no meu peito. E não quero que cresça, quero que desapareça. Não quero ter que lidar com essa situação, não sei lidar com essa situação. Jungkook precisa saber que não ligo, que não sou um problema. Que entendi o recado. Mesmo que não haja recado algum.
Eu sou madura o suficiente para entender que ok, foi legal, mas nós estávamos bêbados. E que por mais que aquilo tenha significado algo para mim, não significou para ele. Eu entendi isso. Eu juro que entendi.
Nós podemos voltar a ser como antes, claro que podemos.
— Eu já volto.
Meu aviso é uma frase deixada para trás sobre nossa mesa do refeitório, enquanto apresso o passo, contornando pessoas e cadeiras. Penso de repente que talvez Jungkook possa desistir, possa anular nosso contrato por todas as regras quebradas no sábado. E isso me motiva ainda mais a continuar. Não posso ser rejeitada por ele duas vezes. Não sei se aguentaria isso.
Vejo-o próximo a saída, o vento entrando pelas portas de vidro e me trazendo seu aroma tropical. Vacilo nos pensamentos, mas meus passos se apressam e minhas mãos o alcançam em um puxar de braço quase leve demais para ser sentido. E toda a vontade que senti de tocar nele, antes encubada, se liberta, explodindo para todos os lados.
— Jungkook, — seu corpo se vira surpreso contra o meu. Minha voz sai descompassada, mas não penso em parar. — Não se esqueça do evento beneficente na sexta-feira. Preciso que me encontre nas catracas às 18h, traje social.
Ele me olha por um tempo em silêncio, as pessoas passando por nós, indo e vindo. O seu perfume dançando pelas minhas narinas como a mais bela coreografia de balé, enquanto o mar de chocolate amargo de seus olhos é breu sobre os meus.
— É, — solta, dando um passo para trás e se desfazendo do meu toque. — Vou ver se consigo ir.
— Como assim ver se consegue ir? — Remexo-me no lugar, desconfortável. É pelo que diz e por como se move. — Eu preciso de você lá, eu te contratei pra isso.
— Eu sei. — Responde impaciente, arrumando a mochila em um dos ombros. — Eu sou acompanhante de aluguel.
Franzo o cenho, estranha. Sinto-me brava, tanto com ele quanto comigo.
— Então faça o trabalho de um!
Jungkook solta o ar pela boca, a cabeça inclinando-se para o lado rapidamente em irritação. As argolas prateadas balançam no processo, mas eu chuto para o canto todos os seus detalhes.
Chega disso. Chega!
— Eu falei que vou ver se consigo ir.
— Qual a parte do “eu preciso de você lá” você não entendeu?
— E qual a parte do “eu vou ver se consigo ir” você não entendeu?
Inflo o peito de raiva e antes que ele consiga virar as coisas, agarro em seu braço outra vez.
— Você está marcando nossos encontros? — Seu cenho se franze em confusão. — Esse vai ser o segundo. São trinta e cinco, não são? Teve o encontro de sábado e agora terá esse na sexta, serão menos do-
Jungkook se desfaz do meu toque com rapidez outra vez e isso me pega tão desprevenida que paro de falar. O sorriso que ele me entrega antes de sair não é nem de longe humorado.
— Considere marcado.
O quê?
Ele arruma a mochila sobre um dos ombros e se afasta de mim, e dessa vez não consigo o impedir. Minha voz para na garganta, querendo sair, mas não sai. Um sentimento pesado me toma o peito em desconforto e, mais do que nunca, eu tenho a absoluta certeza que minha relação com Jungkook não será mais como antes.
Nunca mais.
— Então você virou amiga do seu acompanhante de aluguel? — Sorn solta uma risada, largando a mochila sobre a cama e tirando o casaco. — Isso não é lá muito profissional, _____.
Eu sei que é brincadeira e eu deveria reagir como se fosse uma, mas não consigo. Daqui da porta, enquanto ainda retiro meus sapatos, só consigo pensar em quão arrependida me sinto.
E é por tantas coisas...
Eu estraguei tudo, não é mais algo que penso ter feito, eu já tenho certeza disso. Estraguei tudo quando passei por cima de todas aquelas regras idiotas de Jungkook e lhe colei um beijo na boca. Estraguei tudo porque me deixei levar por todos os seus detalhes e sua possível preocupação comigo. Estraguei tudo porque me sinto rejeitada duas vezes. E não sei qual é a pior. A emocional ou a profissional.
E estou possivelmente estragando tudo agora também.
Não consegui contar as coisas para Sorn, existia algo na minha cabeça que dizia que não era o certo a se fazer. Não foi só por sua agenda lotada, foi algo a mais. Não consegui contar sobre os encontros extras, sobre o notebook e muito menos sobre o que aconteceu sábado à noite. A explicação ficou restrita em “viramos amigos”. Eu queria contar, queria, mas eu simplesmente não consegui.
E aqui, agora, eu percebo o quão terrível é a minha situação. Porque é Jungkook. De novo. E talvez seja ele por um longo período. Ele é o único com quem consigo me abrir com facilidade, de uma maneira tão involuntária que quase nunca percebo. Deveria ser assim com Sorn também, não deveria? Ele sabe tantas coisas, coisas que nunca consegui dizer para alguém e que não precisei dizer para ele. Jungkook só sabe e fim.
— Pois é. — Limito-me em responder, entrando dormitório adentro e largando minha mochila sobre a cama também.
— A festa estava legal?
— Estava. — Solto mais rápido que o normal, mas ela parece não perceber. Está concentrada demais em abrir suas coisas e arrumá-las sobre sua mesa. — Desculpa não ter comentado nada.
— Não tem problema. — Dá de ombros, de costas para mim. — Não é como se eu pudesse ir, não é? Eu estou tão cheia de coisas pra fazer que nem tenho tempo.
Dou um sorriso estranho, mesmo que ela não possa ver. Apesar de saber que tomei a atitude certa ao não despejar meus problemas sobre ela, eu ainda me sinto pegando o caminho errado.
— As provas estão chegando e eu não tenho tempo para absolutamente nada, nem sequer pensar. — Vira-se para mim, ajeitando os óculos sobre o nariz, enquanto uma mecha escapa da presilha no alto de sua cabeça. — Imagina só uma festa?
Solto uma risada sem humor. Se não fosse por todos os seus compromissos acadêmicos e seu cansaço visível, Sorn perceberia várias lacunas não preenchidas nas histórias que conto. Mas, mesmo assim, não evito pensar que gostaria que minha realidade fosse exatamente igual a que ela pensa que é.
Na visão de Sorn, as coisas deram certo de primeira, ganhei amigos, me livrei de Haneul e gastei apenas 100 mil wons. Na visão de Sorn, eu não beijei Jungkook, não estraguei as coisas e não me sinto assim.
Na visão de Sorn, as coisas são como elas deveriam ser.
— Você nunca disse que ele era bonito.
Sinto meus ombros tremerem, um arrepio me pegando os braços.
— Quem?
— O acompanhante.
— Jungkook?
— É, Jungkook. — Ri, puxando a cadeira para se sentar, enquanto eu ainda me tenho em pé ao lado de minha cama. — Ele é muito bonito. Deve ter feito o maior sucesso no aniversário de Eubin.
Não respondo, porque, de repente, eu sou inundada por uma onda que me traz todos os detalhes de Jungkook. Todos aqueles que tentei chutar para o canto mais cedo. E, de novo, me vejo arrependida. Porque me lembro de tudo, me lembro de que estraguei tudo, arruinei tudo.
E quero desaparecer.
Tudo seria resolvido se eu simplesmente evaporasse. Pelo menos, eu não precisaria inventar uma desculpa para a ausência de Jungkook no jantar beneficente de sexta.
Argh. O maldito jantar beneficente de sexta.
[...]
Jungkook não atendeu nenhuma das minhas ligações na sexta-feira, nem respondeu minhas mensagens. Não apareceu no refeitório ao meio dia e nem nas catracas no intervalo das 13h às 15h. Parecia que havia evaporado no ar, assim como todos os traços da sua vida. Também não vi Jimin e nem ninguém do time de basquete.
Tudo estava perdido, tudo apontava para a pior resposta que eu poderia ter. Mas, mesmo assim, não consegui não esperar por ele na entrada dos dormitórios. E devo logo dizer que assim que Jungkook apareceu com cinco minutos de atraso, eu me vi mais surpresa do que pensei que ficaria.
Jungkook não atendeu nenhuma das minhas ligações na sexta-feira, mas apareceu mesmo assim. Não sei o motivo que lhe fez mudar de ideia. Como também não sei se houve um momento que pensou em todos os contras e prós de me acompanhar nesse jantar. Mas soube, desde o início, que as coisas haviam mudado.
Eu passei os últimos dias tentando me posicionar a respeito do acontecido no sábado à noite. Tentei organizar meus pensamentos e entender o que exatamente estava acontecendo. Mas não consegui nenhum dos três. Eu só sei que ainda me sinto esquisita. E rejeitada.
E por mais que eu me sinta aliviada por sua companhia, o clima estranho entre nós parece pesar muito mais do que uma possível aparição sem Jungkook nesse evento beneficente.
— O dinheiro arrecadado vai para quem?
Eu quase cuspo o gole d’água que acabei de tomar. A voz forte de Jungkook salta no meio de todo o barulho do leilão ao fundo do salão, me pegando desprevenida. Estamos sentados sozinhos em uma mesa afastada do tumulto, todos os convidados se reuniram em frente ao palco para prestarem atenção nos lances para os móveis vitorianos doados por colaboradores.
Desde que nos encontramos perto das catracas e salvando o momento em que meus pais tiraram alguns minutos para nos cumprimentar, eu não ouvi Jungkook falar uma palavra sequer. E só agora eu percebi que queria o ouvir esse tempo todo em que estamos aqui, sentados um de frente para o outro, os resquícios de um jantar italiano entre nós e taças pela metade com água.
— Ah, é... — Começo, ainda perdida com a pergunta. — É doado pra uma instituição de caridade em Naju.
Meus olhos correm para seu rosto, o cabelo repartido de um jeito bonito que deixa parte de sua testa à mostra. Os brincos de argola continuam ali, como uma confirmação de que ele continua sendo ele, apesar do traje de gala e de todo o ambiente que nos ronda.
Jungkook me olha por um instante, uma pergunta dançando por seus olhos de maneira silenciosa, mas que entendo.
— Naju é a nossa cidade natal.
Ele ergue as sobrancelhas por alguns segundos e assente de forma indiferente. E eu, de novo, me sinto perdida no clima bizarro entre nós dois. E enquanto o vejo contornar a borda da taça em sua frente com a ponta do indicador, eu me pergunto se ele não se importa com isso.
E talvez não. E acredito que não.
Parece que a única pessoa que realmente se importa em tentar amenizar esse clima esquisito sou eu. O universo ainda parece paralelo, um sonho estranho que faz eu me sentir aérea. Não sei se Jungkook percebeu, fingiu não perceber ou não se importa. Porque, de novo, eu continuo perdida. Continuo não sabendo o antes e nem o depois. Eu só tenho o agora.
Do outro lado da mesa, olho para seu rosto iluminado pela meia luz do salão, os detalhes saltando diante dos meus olhos mais uma vez. As pintinhas pelo rosto lembram vagalumes na escuridão, enquanto seus olhos focados no palco distante ainda são uma imensidão negra. Não há mais resquício algum do chupão em seu pescoço e eu não deixo de divagar sobre a possibilidade de aquela noite ter sido só um sonho maluco.
Ainda tento me posicionar, ainda tento, inutilmente, entender como me sinto quanto a tudo. Mas não saio do lugar. Pensar sobre as coisas ainda é constrangedor. Mesmo que eu não saiba exatamente o motivo por me sentir dessa forma. Se pelo ato em si ou pela rejeição de segunda-feira.
Inflo o peito em uma coragem repentina, uma pergunta antiga ecoando nos meus pensamentos de maneira brusca. Remexo-me na cadeira, tentando reformulá-la antes de dizer em voz alta, mas talvez não haja forma sutil.
— Vocês realmente não são amigos de Jisoo?
A surpresa agora fica por conta de Jungkook. Seus ombros se encolhem rapidamente pelo som novo que invade nosso espaço e seu rosto se vira para o meu rapidamente. Um vislumbre impressionado passa por sua feição antes de ser tomado por puro desaforo.
— Já falei que não.
É como um baque, um tapa no queixo para voltar a realidade.
Argh.
Definitivamente, Jungkook ainda é Jungkook.
Franzo o cenho, vendo-o voltar sua atenção para o palco outra vez, dando o assunto por encerrado. E isso me deixa irritada. Qual a porra do problema dele? Não o forcei a absolutamente nada. O erro não é só meu, é dele também. O segundo beijo foi dele e não meu!
Por que ele continua agindo desse jeito?
— Quem faz uma festa com alguém que não gosta?
Solto, a voz saindo sem pensar, carregada de irritação. E percebo que não mais ligo para isso. Que não quero ser sutil. Eu quero pura e simplesmente que ele se foda.
Jungkook me olha outra vez. Talvez pensando em dizer que também não gosta de mim e, veja só, eu estava lá o beijando e detonando todas as suas regras meticulosamente escolhidas. Ele respira fundo, por fim, a cabeça tombando para o lado como se ponderasse sua fala a seguir.
— É só pra manter as aparências, — começa impaciente. — A gente precisa ser legal se quiser descolar uma grana no próximo fim de semana.
Ergo as sobrancelhas em desdém.
— Vocês são horríveis.
Uma risada sem humor escapa por sua boca.
— Nunca falei que não.
Seus olhos ficam nos meus por algum tempo, petulantes. Há algo aqui que me faz pensar que Jungkook hesita em dizer algo, mas não diz. E antes mesmo que nossos olhares se tornem desconforto, desvio o meu para o leilão ao fundo do salão, sendo minha vez de dar o assunto por encerrado.
Remexo-me na cadeira algumas vezes, minhas mãos tateando a toalha de linho branco sem muito interesse. Daqui consigo enxergar as mesas da família Lee, Haneul está lá também, o terno impecável e a postura esnobe de sempre. O cumprimento curto e ao longe que nos deu no início do jantar diz muita coisa sobre a situação. Nem mesmo sua família fez questão de se aproximar mais do que o necessário. Talvez seja porque agora nenhum deles consiga fazer um comentário cretino ou uma visão estapafúrdia sobre meu futuro com Jungkook. Não porque não querem, mas porque eu estou em vantagem aqui, afinal eu tenho alguém comigo, diferente de Haneul.
Por um tempo, eu esqueci por completo o fato de seu namoro ter chegado ao fim, como esqueci por completo a ligação irritante de mamãe no sábado para me contar sobre isso.
Sábado.
Argh.
De novo, meus pensamentos me levam para aquela festa de sábado à noite. Porque nos últimos dias tudo é sobre ela. Tudo a envolve de alguma forma, e mesmo que no início não pareça... No final eu sempre volto para aquele momento.
Tento entender qual caminho me trouxe aqui dessa vez. Se a ligação em si ou o pensamento repentino que tive sobre a ótima memória de Jungkook que gravou cada palavra daquela festa de aniversário de Eubin. Cada mínimo detalhe, cada sentimento meu que nunca foi verbalizado.
Talvez as duas, talvez não. Acredito que isso nem sequer importa mais.
Os armários na cozinha ainda são muito claros para mim, assim como as mangas puxadas até os cotovelos de Jungkook e seu sorriso torto e despretensioso no canto da boca. Os drinks feitos por ele postos perto da vasta variedade de bebidas, enquanto nós conversamos e conversamos. Um mundo particular e diferente do que encaro aqui e agora, com ele do outro lado da mesa e do outro lado do mundo também.
Minhas memórias deslizam pelos meus pensamentos, indo e voltando. Parando. E indo de novo. E depois voltando. Eu escorrego por frases, expressões e atos. E paro outra vez. Vou e volto. E paro de novo. Paro. E continuo parada. Paro em um momento crucial, em palavras proferidas que não deveriam ter sido esquecidas ou sequer postas por último na montanha de memórias daquela noite. Porque, de repente, eu entendo.
Entendo tudo.
Meus olhos correm desesperados até o rosto de Jungkook, esse focado no evento ao longe, suas feições sendo iluminadas pelas luzes amarelas do saguão. Suas palavras ditas àquela noite passando como a introdução de Star Wars na minha cabeça, e passando e passando e passando. Termina e começa tudo de novo.
E eu me odeio por não ter entendido tudo antes, não ter captado os sinais, não ter percebido todos os meus atos falhos desde sábado. Ele disse. Disse com todas as letras e explicou. E, mesmo assim, eu fiz tudo ao contrário. Toda a nossa conversa me vem como tiros certeiros e eu só consigo pensar em me encolher de embaraço. Como eu não percebi isso antes? É tão idiota. É tão óbvio!
“É por isso que eu não queria ser seu namorado de aluguel. Até porque, apesar deu vender a minha companhia, me vender como namorado faz eu me sentir mal. É como se eu fosse um produto.”
Nós nos beijamos por sei lá quantas horas no sábado à noite e na segunda-feira eu o tratei como um mísero acompanhante de aluguel. O tratei como um produto como ele mesmo disse não gostar.
O que eu esperava em troca, afinal?
Agora sua mudança brusca de humor se faz entendida, agora tudo faz sentido. A forma como seus olhos me encararam com arrogância e como suas palavras saíram afiadas ao final da nossa conversa no refeitório. Tudo, tudo, tudo é claro.
E só de lembrar que eu perguntei sobre a marcação dos encontros...
Puta que pariu.
Isso é o caos!
Talvez tudo seja coisa da minha cabeça, talvez ele não esteja se comportando desse jeito por esse exato motivo. Mas eu sinto que é, bem lá no fundo é a única explicação. Eu sinto que vacilei e aquele sentimento de que estraguei tudo se reforça ainda mais.
Eu agi sem pensar, estava tão afundada em constrangimento que nem sequer lembrei sobre nossa conversa e toda a sua frustração com a situação. Pensei que fazendo o que fiz lhe daria a ideia de que o que aconteceu não era nada demais, mas eu acabei me expressando errado, agindo errado. Tão errado. Jungkook pode não nutrir sentimento algum por mim, mas isso não exclui a possibilidade dele se chatear pela forma que o tratei nos últimos dias.
Tento então reunir coragem, tento então formular algo que faça com que eu me retrate com ele. Mas nada vem. Meus pensamentos são bagunça e desespero por perceber tão tarde. Eles vão e voltam. E vão outra vez e voltam. É um vai e vem confuso e que me deixa nervosa. Porque não sei como começar, não sei como finalizar. Eu só sei que deveria.
Inflo o peito em hesitação, meus olhos ainda em seu rosto. E antes que eu consiga abrir minha boca, de maneira abrupta, ele se volta para mim; como se soubesse, como se sentisse que quero dizer algo. Mas, ao contrário do que penso, Jungkook não espera que eu tome uma atitude e, no instante seguinte, sua voz corta o ambiente como uma faca de dois gumes:
— Eu quero mudar a proposta.
Meus ombros se chacoalham de pavor. Penso em pedir para ele repetir, mas não é realmente preciso. Eu ouvi em alto e bom som, mesmo com os lances do leilão sendo gritados nos altos falantes.
— Oi? — Solto, quase uma risada horrorizada saindo junto à palavra. — Como assim?
Ele respira fundo e franze o cenho, a boca se tornando uma linha fina enquanto ele parece ponderar sobre o que dizer a seguir. Parece que passou dias pensando sobre isso.
— As aulas tão ficando cada vez mais complicadas de levar, alguns horários tão difíceis de encaixar. Meu tempo livre tá diminuindo e... — Ele pra um segundo para me olhar. E algo me diz que nada disso é o verdadeiro motivo. — Não posso me comprometer a ficar disponível por mais trinta e cinco encontros.
Minha voz está presa na garganta. Quero gritar, quero dizer que não quis o tratar daquele jeito, mas não consigo, por mais que eu saiba e sinta que sua decisão repentina partiu disso. E, ao mesmo tempo em que não consigo dizer, não quero que ele saiba que guardo seus detalhes, que memorizo cada parte da sua vida que tenho acesso. Não quero que Jungkook perceba que presto atenção e que faço isso porque quero.
E sei que isso soa bobo e que é bobo, porque ele memoriza minha vida, sabe dos meus detalhes e não os esquece. Mas eu sei que é diferente. É tão diferente. Seus motivos são distintos dos meus. Apesar de não saber realmente, é óbvio.
Eu sinto que qualquer movimento fora da linha serei desmascarada. Qualquer movimento fora da linha vai me acusar de que não consegui superá-lo. E que talvez não consiga tão cedo.
— O que você quer dizer com isso? — É o que consigo pensar e dizer. — Você não vai mais me ajudar?
— Não é ajuda, é negócio. – Ele me corrige, sem hesitar. E tenho mais certeza ainda da sua verdadeira razão para isso. E, mais uma vez, eu quero me encolher de vergonha. – Você tem até o fim do mês que vem pra ter meus serviços, caso não chegue aos trinta e cinco encontros, eu te pago o restante.
— Até o fim do mês que vem? — Quase grito. Meus nervos se movendo rapidamente, me fazendo escorregar para a ponta da cadeira. — Não dá tempo! Ainda temos o período de provas, é um tempo perdido esse! Ninguém sai no período de provas.
Sua respiração sai pesada e tento entender se esse assunto o deixa tão nervoso o quanto me deixa. Mas não consigo raciocinar, de repente, tudo se torna turvo e incerto.
— Eu vou te pagar os que ficarem pendentes.
— Não quero o dinheiro, eu quero sua companhia.
Minha frase vaga pelo ar. E tenho certeza que o sentido da frase é diferente para mim e para ele. Sinto-me estranha, porque não consigo dizer o que quero dizer. Quero dizer mais, me explicar, dizer que não fiz por mal, que não queria o tratar assim. Mas não consigo. É um sufoco frustrante, um sufoco aterrorizante que me agonia.
— É, mas não vai dar. — Solta rápido, seus olhos não ficam nos meus por muito tempo e isso me deixa ainda mais ansiosa. — Eu posso continuar dizendo que sou seu namorado por mais alguns meses depois disso, não tem problema.
— Não, você... — Eu me sinto presa, as mesmas palavras inúteis passando pela ponta na minha língua. Palavras que não querem dizer o que realmente preciso dizer. — Eu não preciso sair com você todos os dias, são só alguns encontros esporádicos, até fim do mês talvez sejam só mais três e...
— _____, eu já tomei essa deci-
— Como você ai arranjar dinheiro pra me pagar? — Interrompo-o sem pensar. — Se disser que vai voltar a ser acompanhante de aluguel, não vai fazer o menor sentido, sabe disso, não é?
A expressão de Jungkook se fecha mais um pouco. Lembro-me vagamente do seu anúncio, a palavra acompanhante sendo mudada para amigo e lembro também que não a corrigi quando o apresentei no refeitório. E isso me deixa mais irritada, porque continuo o deixando desconfortável com o que digo. E me irrito por ele continuar insistindo nessa desculpa idiota.
— Quando você estiver ocupado, é só me avisar! — Tento consertar com o repertório idiota de palavras que me rondam a cabeça. — Não tem problema, meus pais vão entender que você não apareceu porque teve compromisso com a faculdade. É normal, entende?
— _____...
— Olha, — respiro fundo, minhas mãos correndo a toalha de linho de forma desastrada, batendo no arranjo ao meio da mesa na intenção de tentar alcançá-lo. Elas param no meio do caminho. — Não precisamos discutir isso agora, está bem? Nós podemos ir levando, sabe? Quando surgir algum evento que você precise me acompanhar, eu te aviso com antecedência e você vê se consegue. Igual como nós fazemos! E se você não puder, não tem pro-
— _____, já está decidido. — Sua voz me corta sem receio e seus olhos cravam nos meus em decisão. — Você tem até o fim do mês que vem e eu espero que você respeite isso.
Tento contra-argumentar, mas todas as minhas escassas palavras desaparecem no ar. E, pela segunda vez no dia, eu entendo. Eu entendo que estraguei tudo. E continuo estragando. E que talvez não tenha mais volta.
Mas o que me faz explodir secretamente em agonia, não é o fato de eu perder meu acompanhante de aluguel, amigo de aluguel, meu namorado falso. É o fato de perder Jungkook.
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Acompanhante de Aluguel (7/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 8.255 Avisos: +16. Especial Jeon Jungkook. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Tudo estava acontecendo dentro do planejado. Encontrei Jungkook em frente às catracas dos dormitórios e fomos juntos até as quadras poliesportivas para o fatídico jogo de basquete de sábado à tarde. Parecíamos um casal de verdade, ainda mais quando sentei em um dos degraus da arquibancada e ele me estendeu a mochila e o casaco. Depois engatamos uma conversa superficial sobre o seu time de basquete e sobre como eu havia conhecido todos em uma conversa invasiva sobre sua vida no início da semana. Yoongi estava se aquecendo, assim como Jin e Hoseok. Jimin estava na arquibancada, na ponta contrária a minha, acompanhado de mais outros dois garotos.
Tudo estava acontecendo dentro do planejado, eu só não contava com um pequeníssimo detalhe.
Haneul não apareceu.
Ele foi substituído na última hora. E eu poderia simplesmente ter pegado minhas coisas e voltado para meu quarto, me afundar nas dezenas de páginas do meu plano de defesa e me preparar para a prova de semana que vem. Eu poderia, poderia sim, senão fosse a presença garantida de Jisoo e toda a sua vigilância constante sobre mim. Por causa disso eu precisei ficar, cravada no assento da arquibancada, suando como uma porca. E eu gostaria de culpar a temperatura pela minha situação vergonhosa, mas a grande verdade é que hoje não passou dos vinte graus e um céu nublado meia boca.
A grande culpada é uma camiseta preta. Uma camiseta preta tão molhada de suor que molda com perfeição todos os músculos pecaminosos de Jeon Jungkook. A malha agarra seu abdômen e braços em uma facilidade ridícula. Ridícula. Eu não vim preparada para isso. Minha preocupação era outra, entende? Não cogitei passar por isso hoje. Deveria ter um aviso, não deveria? Eu não estava preparada para ver seu peito subindo e descendo em uma respiração ofegante, nem ver seus cabelos úmidos caindo sobre a testa vincada em seriedade. Não estava preparada para isso, não estava.
É sexo explícito, uma covardia completa.
Eu só queria correr para longe daqui e me enfiar debaixo de um banho de água gelada. Um banho tão gelado que meu corpo sofreria um choque térmico violento. E com sorte ele seria tão forte que me faria perder a memória de todas as cenas vistas no fim dessa tarde de sábado.
Cientificamente isso é possível?
Eu me odeio por nem sequer conseguir desviar meus olhos de seu corpo. Muito menos sentir vergonha por isso. É sacanagem pura, um pornô posto no meio da quadra de basquete para todo mundo assistir. E eu estou quase certa de que isso é crime, toda essa energia que emana de Jungkook que não me deixa nem sequer me lembrar da droga do placar. Eu me sinto em chamas da cabeça aos pés, é a mesma sensação ridícula de quando o encontrei em seu dormitório há algumas semanas, mas dessa vez parece muito mais intensa.
Há mais pessoas aqui, há dezenas delas espalhas pela arquibancada, amigos ou desconhecidos que passaram e resolveram ficar. E eu não os culpo por isso. Se eu fosse uma desconhecida e o visse jogar, eu pararia na hora, sem pensar. É bom demais para não se apreciar. É bem provável que eles estejam exclusivamente interessados no jogo em si e não em Jungkook. Mas eu não consigo acreditar que esse cara tenha esse tipo de efeito só em mim. É impossível, não é? Sou só eu que estou me sentindo a ponto de explodir? Só eu?
Eu transei há menos de seis meses, nem é tanto tempo assim! Qual é? Eu não posso simplesmente estar nesse nível de desespero. Apesar de querer estar nesse nível de desespero e querer que isso seja o motivo pelo meu estado atual, e não por Jungkook despertar esse tipo de coisa em mim. Eu deveria estar em um estágio avançado de meu plano de superação, e não me afundar ainda mais nele. Isso é vergonhoso, pedante, mas eu não consigo não olhar. É como se minha linha de raciocínio estivesse toda bagunçada e eu não duvido que esteja. Eu não consigo nem sequer pensar de uma maneira clara. Superação. Eu deveria mesmo estar exercitando isso, mas como se o short de moletom faz questão de subir e mostrar os músculos deliciosos de suas coxas?
Puta merda. Eu não consigo pensar de forma clara. Que saco esse garoto inconveniente. Me atrapalhou a vida por dias com aquela droga de resposta bonita sobre as intenções falsas comigo e depois sorrindo daquele jeito infantil e inédito. Agora isso? E sabe o que é pior? Eu pago por essa merda. Três milhões e meio de wons e mais sei lá quantos mil. Eu literalmente paguei para sofrer.
A vida é uma piada mesmo. Uma piada.
Ouço o apito soar ao longe e eu saio de meus devaneios, meus olhos ainda caídos sobre Jungkook e toda a sua figura monstruosamente brutal. Há meia dúzia de palmas da torcida e um cumprimento rápido entre os jogadores. Parece que seu time ganhou o jogo, mas não sei direito. Eu ainda me sinto inconformada demais para tentar entender a situação ao meu redor. Logo as pessoas começam a se dispersar, das arquibancadas e da quadra. E assim que escorrego meu corpo pelo degrau, meu peito trepida de nervosismo por ver Jungkook se aproximar de mim.
Isso é ridículo, sei disso, mas eu simplesmente não consigo controlar.
— Bom jogo!
Minha voz sai de maneira impensada em um desespero claro quando seus olhos me alcançam.
— Falei que eles eram ruins. — Ri cansado e concluo que eles ganharam mesmo o jogo. E também concluo que não lembro nada da partida que não envolva seus músculos moldados pelo tecido de sua camiseta. — Haneul não veio, estava para vir, pode ser que esteja incomodado.
— Pois é, mas tinha Jisoo, achei melhor ficar. — Eu me sinto patética pela voz trêmula e por desviar meus olhos sempre que Jungkook me olha, mas é como se toda a minha coragem tivesse ido embora. — Esse jogo valeu dinheiro?
Vejo-o pegar suas coisas ao meu lado e as amontoar em um dos ombros. Não sei o que sentir por ele ter optado não vestir o casaco. Se ele vestisse, nossa comunicação melhoraria em 90%, tenho certeza. Mas eu também perderia a visão.
— Valeu bebidas, na verdade. — Passa as costas de uma das mãos pela testa, sumindo com algumas gotas de suor dali. — Vai ter uma festa na casa de fraternidade dos meninos agora e o time do Jisoo vai ser o responsável por comprar bebidas.
Minha boca abre por alguns segundos, tentando absorver a informação no meio de sua imagem ofegante e quente. Limpo a garganta algumas vezes, aproveitando que ele se vira para acenar para alguém, e, incrivelmente, minha linha de raciocínio funciona de uma maneira clara.
— Eu vou junto.
Jungkook se vira para mim, o cenho franzido em confusão, a mão ainda no algo pelo cumprimento.
— Não, por quê?
— Não foi uma pergunta, — olho para o chão, talvez se eu os mantiver aqui tudo fique mais fácil — foi uma afirmação.
— Por que você vai junto?
— Porque Jisoo vai.
— E daí?
É minha vez de franzir o cenho em confusão.
— E daí que ele precisa nos ver juntos. A gente namora, esqueceu?
— Ele está nos vendo agora! — Rebate e eu não consigo não olhá-lo. E dessa vez parece que eu percebo quem ele realmente é. Acompanhante de aluguel babaca, difícil de lidar. Ele realmente facilita muito no processo de superação. — Estamos conversando como um casal, eu até deixei minha mochila para você cuidar, isso é muito coisa de casal.
— Não tem lógica você ir nessa festa e eu não!
— Você pode ser caseira, pode ter outro compromisso.
— Eu vou nessa festa!
— Ah, qual é?
— Eu vou.
Ele me olha por um tempo, desacreditado. Talvez esteja pensando que não deveria ter me contado ou se perguntando esse é um daqueles momentos em que nenhum argumento vai vencer o meu. E eu espero que ele, pelo menos, pense na segunda opção. Porque, de verdade, nenhum argumento vai vencer o meu. Eu quero me livrar dessa duvida constante de Haneul sobre a fragilidade de nosso relacionamento, quero isso muito mais do que seguir com o plano de superação sobre momentos isolados onde Jungkook é um cara incrível.
Foda-se o lance da superação, eu preciso dele agora.
De novo. Mas isso a gente releva.
— Urgh, ok. — Fala vencido. — Eu só preciso tomar um banho antes.
Semicerro os olhos em sua direção.
— O que foi? — Solta, os olhos se arregalando em indignação. — Eu não vou fugir de você, eu preciso mesmo tomar um banho.
Respiro fundo e me ergo da arquibancada, mas sem antes passar meus olhos mais uma vez pelo corpo suado de Jungkook. Fecho a cara em contragosto, seguindo ele para fora das quadras poliesportivas. Não muito longe daqui, consigo ver o cabelo laranja de Jimin e todo o resto dos times de basquete caminhando pelo caminho de pedregulhos, em direção ao prédio dos dormitórios. E no meio disso, apesar de já ter recobrado uma boa parte da lucidez, penso que preciso dela por completo.
— Jungkook, — chamo e ele me olha de canto, do alto — coloca o casaco, por favor, assim vai ficar doente.
E, felizmente, ele ouve o que digo.
Lucidez recobrada com sucesso.
Eu acho.
[...]
Eu me sinto em uma montanha russa de emoções cretina, com estrutura de madeira e sem segurança o suficiente para curvas em alta velocidade. Ou talvez seja o efeito rápido da bebida no meu sangue que confundo facilmente com raiva e frustração, não sei bem. Dessa vez o causador disso tudo não é Jungkook e sua camiseta suada. Eu queria que fosse, para ser sincera, mas agora ele veste um suéter largo cinza escuro com as mangas repuxadas até os cotovelos. Sexy. Mas está longe de ser a causa do rebuliço irritadiço no meu peito.
Respiro fundo e encosto minhas costas em uma pequena fresta de parede da cozinha. O cômodo é todo branco e menor comparado ao restante do apartamento, ele é socado de armários por toda a parte, há um fogão de seis bocas, geladeira e no meio do cômodo uma mesa sem cadeiras. Estamos no topo de um prédio de poucos andares não muito longe do campus, chegamos aqui através de escadas externas, passando por apartamentos vizinhos vazios e plantas penduradas nos corrimões.
Minha intenção não era beber. Muito menos ingerir um copo de algo estranho de um completo desconhecido. Não cogitei essa hipótese nem mesmo quando me deparei com o fato de que a festa era muito maior do que eu imaginava e levaria horas para chegar ao fim. Mas então eu recebi a ligação. E o engraçado é que, antes mesmo de atendê-la, eu sabia que iria me chatear. Então eu peguei o primeiro copo que vi só por precaução.
Até porque o nome de mamãe no visor nunca significa algo bom.
Eu ainda consigo ouvir sua voz ecoar em meu cérebro dizendo todos aqueles absurdos, não fazendo esforço algum para me incomodar em um dia de folga. E eu deveria saber, deveria saber, que Haneul ter faltado ao jogo de basquete mais cedo era um sinal.
Um dos piores sinais do mundo.
A merda do seu namoro chegou ao fim. O mesmo namoro que fez eu sofrer pra arranjar uma solução relâmpago chegou ao fim do nada. De uma hora para outra. Puf. Acabou. Não me entenda mal, não é uma preocupação direta para mim quando Haneul deixa ou não deixa de namorar, mas o acontecimento fez mamãe pensar. E quando acontecimentos que envolvem a minha vida fazem mamãe pensar, é certo que eu vou sofrer as consequências; consequências muito ruins.
“_____, pense, está na cara que ele fez isso porque ainda gosta de você! E eu sei que você está com o Jungkook e que ele é um rapaz maravilhoso, mas Haneul te conhece há tanto tempo, vocês construíram uma história tão forte juntos.”, ela disse em uma voz arrastada, manhosa. E como se isso já não fosse o bastante, completou: “nós já poderíamos estar planejando o casamento de vocês ao invés de esperar com que um relacionamento desenvolva. Até porque já está desenvolvido! Esse tempo que vocês passaram longe foi só uma fase, já deu, você já se divertiu com Jungkook, agora pode voltar para Haneul.”
Minha mãe corre contra o tempo. Não importa se meu marido vai ser alguém que não quero, ele é o único capaz de cumprir o prazo de casamento estabelecido por ela e por isso ele é o certo. Não existe uma preocupação real com a história tão forte que construímos juntos ou o companheirismo que criamos ao longo dos anos. É tudo papo furado. O que importa mesmo é que eu esteja de casamento marcado antes do último período da faculdade chegar. E ela sabe que as chances disso acontecer com Haneul são muito maiores do que com qualquer outro cara.
Quer dizer, ela acha.
— Isso quer dizer que você vai romper o contrato comigo?
Meus olhos crescem na direção de Jungkook, horrorizados. Depois de beber do copo de um estranho, eu o arrastei para a cozinha e, mesmo que tenha o tirado no meio de uma conversa com seus amigos, ele me ouviu desabafar sem reclamar. Ouviu toda a minha narrativa detalhada dos fatos. Sem reclamar. Nem sequer um comentário babaca saiu de sua boca tão bonita. Nem um suspiro debochado. Muito menos um riso de escárnio. Nada. E eu até poderia me sentir surpresa por isso, mas a verdade é que eu me sentia tão frustrada que nem sequer cogitei a possibilidade dele agir como o perfeito otário que é.
Eu só precisava conversar com alguém e ele era o único que podia me ouvir. E foi isso.
Talvez esse acontecimento raro seja diretamente proporcional à quantidade de bebida ingerida por ele. Não sei bem. Três copos de Soju até a borda, duas garrafas de cerveja e contando. E isso sim me deixa surpresa. Por alguma razão desconhecida, eu não imaginei que Jungkook se comportaria desse jeito em uma festa. Talvez seja toda a sua postura que me fez duvidar que ele pudesse ser divertido. Mas a partir do instante em que entramos no apartamento — uma hora atrasados, porque, de repente, foi descoberto que Jungkook demora a se arrumar — e ele foi recebido por gritos e apertos de mãos estranhos, todo o meu pré-conceito voou pra longe. E isso não me fez fugir do pensamento de que, mais uma vez, eu estava invadindo sua privacidade, seu espaço pessoal, sua vida inteira. São dois lados dele completamente diferentes e eu tive acesso a ambos.
Ele é tipo a Hannah Montana, afinal. É isso? O melhor dos dois mundos.
Jungkook Montana.
Ok.
Eu acho que eu acabei de descobrir que sou ridiculamente fraca para bebida. E consequentemente péssima pra comparação de pessoas reais com personagens fictícios.
O fato aqui é que ele foi se enfiando em rodas de conversa já formadas, me apresentou a todo mundo e foi interagindo com facilidade enquanto caminhava em direção as bebidas. E, preciso dizer, em nenhum momento consegui desviar meus olhos dele. Nem quando Jisoo resolveu conversar comigo sobre algo idiota e fútil, tão relevante que mal lembro. Nem mesmo quando Jungkook sentou no sofá com Jimin e Yoongi para conversar sobre algo aleatório. Nem mesmo quando mamãe me ligou. E muito menos agora com ele parecendo concentrado demais no preparo de drinks coloridos e trabalhosos.
Não existia e ainda não existe a menor possibilidade de prestar atenção em outra coisa que não seja ele e todos os seus detalhes saltando sobre mim como flechas em chama. Desde que meu olhar o agarrou no meio daquela maldita quadra de basquete, nunca mais conseguiu o soltar.
— Eu não vou voltar com Haneul!
— Eu sei que não. — Estala a língua enquanto escolhe a próxima bebida que vai usar. Há uma variedade enorme delas sobre o balcão da pia e por um pequeno momento eu me pergunto quanto será que o time de Jisoo gastou com todas elas. — Mas agora ele não namora mais, então você não precisa namorar também, já que você me contratou só para fingir que tinha superado.
— Não fingi nada, eu superei! — Corrijo desaforada, vendo-o virar os olhos pela primeira vez na noite. — E eu não posso romper o contrato com você agora. Se eu fizer isso, eles vão achar que é por causa de Haneul e vão me infernizar até nós voltarmos.
Ele parece pensar por um tempo para, logo em seguida, assentir entendido. Encosto-me então entre os vãos dos armários outra vez. Jungkook está de lado para mim, daqui consigo ver todas as garrafas de bebidas encostadas na parede e os mais de cinco drinks que já preparou. Como também consigo ver como seus lábios ficam brilhosos toda vez que ele beberica um deles para provar. E talvez eu perceba agora que estou alterada o bastante para admitir sem vergonha que gosto de estar aqui, procurando mais detalhes sobre ele e descobrindo todo um lado que nunca imaginei que ele tivesse. E que gosto. E que curto. E que quero mais.
— Quer saber? — Ouço-me de repente, o tom de voz forte de revolta. — Só porque ela não quer que eu namore você, eu vou te namorar ainda mais!
Jungkook franze o rosto em confusão e me olha.
— A gente precisa criar uma conta em conjunto no Facebook!
— Argh, isso é sério?
— Claro que é.
— Eu não vou fazer isso. — Diz em tom certeiro, como se falasse “fim de papo”. — É ridículo.
Então eu sucumbo e não falo nada. Não considero um comentário babaca, na verdade. Até porque não precisa pensar muito para perceber que a ideia é mesmo ruim.
Suspiro arrastado e volto a prestar atenção no que ele faz. Sua paciência para experimentar todas as bebidas antes de despejar nos copos, assim como para amassar folhas de hortelã, ralar noz moscada e até mesmo ter cuidado para fazer o degradê nos drinks é enorme. Colossal. E eu não consigo evitar pensar que ele parece extremamente atraente fazendo isso. Ainda mais com os jeans pegando suas coxas, o suéter moldando os ombros largos e boa parte da sua nuca voltada para mim. Seu cheiro tropical ressalta no meio de tantos alcoólicos como luz na escuridão e eu sinto que poderia reconhecê-lo no meio de uma multidão.
— Por que está preparando tantas bebidas? — Pergunto para tentar me entreter, olhando mais uma sendo finalizada e indo parar do lado das outras. — Alguém pediu?
— Não, é só porque eu gosto. Quer uma?
Afasto-me da pequena fresta de parede entre os armários e paro ao seu lado. Eu tenho todo um anseio secreto de querer ele por perto, uma vontade estranha de querer encostá-lo, mesmo que seja o toque mais superficial e inocente. Não sei se essa vontade começou quando o vi vestindo aquela droga de camiseta preta ou se começou antes, muito antes.
— Eu quero. Peguei uma bebida horrível, preciso tirar o gosto dela da boca.
Jungkook então se remexe ao meu lado e pega o copo que seguro, mas nenhum mísero toque acontece e eu logo o vejo cheirar os resquícios da bebida que tomei.
— Argh, que horror! Você pegou isso do Taehyung?
— Quem é Taehyung?
— O cara de óculos com lente azul.
— É.
Ele suspira e gira os olhos, colocando o copo de lado e me estendendo uma de suas bebidas. Há mais pessoas por aqui, apoiadas sobre os armários conversando entre si em meio a música, mas nenhuma parece prestar atenção em nós dois. Ou eu estou tão concentrada em Jungkook que nem sequer reparo. Olho o copo estendido em minha direção e o pego sem mais demora, o drink tem coloração tropical, tropical igual ao perfume dele. E eu não fujo de pensar que poderia ter o mesmo sabor também.
— Tem gosto ruim porque ele coloca tudo o que vê pela frente. — Jungkook se apoia de lado para me olhar, o quadril na altura do balcão da pia e o suéter moldando sem querer sua cintura. — Mas agora bebe essa aí, você até vai esquecer que algum dia já bebeu algo tão ruim quanto o drink do Taehyung.
Ergo as sobrancelhas para sua confiança extravagante e experimento. É forte, mas é gostosa. Talvez tenha o mesmo sabor que Jungkook, afinal.
— Gostou?
Assinto, pegando mais um gole da bebida ao vê-lo soltar um riso gostoso e convencido. Dessa vez não volto para a fresta de antes e fico ali ao seu lado, vendo-o pegar uma garrafa de líquido azul e despejar em um copo vazio. É um novo drink. E uma nova sensação estranha na boca do estômago. E uma nova esperança de que, mesmo que por um segundo, nossos corpos se encostem em um roçar tímido de movimento para saciar toda uma vontade secreta.
Essa vontade toda é culpa da bebida, não é? Precisa ser. Mesmo que algo me diga que ela é mesmo muito antiga.
— Quanto tempo namorou Haneul?
Levo um minuto para associar a pergunta, entretida demais com o balanço suave de suas argolas grossas nas orelhas, enquanto se move no preparo de mais drinks. Caio meu olhar por sua nuca, descobrindo outro detalhe de Jungkook. Outra pintinha, essa agora no fim do pescoço, perto da clavícula.
— Quase cinco.
— Cinco meses?
Chacoalho a cabeça, mas ele não percebe. Acabo rindo em meio a mais goles e não sei ao certo pelo quê. Quiçá tenha sido pela vontade repentina de escorregar meus dedos por todas as pintinhas expostas de Jungkook, imaginando seus olhos se fecharem pela carícia terna e inédita.
Seria fofo de ver.
Fofo.
Ok. Precisa mesmo ser a bebida.
Até porque Jungkook não era para ser fofo, tudo está errado. Ele é alto, ombros largos, coxas grossas e olhos sinuosos, isso não é fofo. Mas... É exatamente isso que acontece quando eu reparo em seus detalhes. É fofo.
— Cinco anos.
E então ele engasga com o gole gordo que acabou de dar no licor como teste. Jungkook tem um pequeno rastro de bebida rosa pelo queixo que desaparece quando ele passa as costas da mão ali. No segundo seguinte, seus olhos arregalados já estão em mim.
— Isso é sério?
— Sim. A gente se conheceu na época do colégio.
— Você demorou todo esse tempo pra perceber que ele era um babaca?
Encolho-me entre os ombros, ainda sendo alvo de toda sua surpresa.
— Acho que sim? Minha cabeça era muito diferente, eu vivia numa bolha aonde a realidade dos meus pais era a única certa e única existente. — Bebo mais um pouco. E eu nem sequer tento me frear. Eu venci a barreira do receio quando desabafei mais cedo sobre mamãe e sua ligação irritante. — Só quando ganhei a bolsa de estudos que eu comecei a perceber que existem formas de vida diferentes.
Jungkook passa seus olhos pelo meu rosto de novo, não sei sobre o que ele pensa, mas ele parece entender quando assente. Depois volta sua atenção para o copo em sua frente e despeja, finalmente, o licor de rosas ali.
— Haneul não deve ter ficado feliz.
— Não muito. — Solto uma risada nasalada, prestando atenção em todos os movimentos que ele faz. — Minha intenção não era terminar, até porque eu não esperava mudar tanto assim. Mas então minhas prioridades foram mudando, eu fui me descobrindo e descobrindo o que eu queria de verdade. Chegou um momento em que a gente não tinha mais nada a ver, os encontros diminuíram e eu me peguei muito mais interessada em construir um futuro profissional do que matrimonial.
— E aí você terminou com ele, isso?
— É. Ele ficou bravo que eu priorizava as provas da faculdade ao invés de atravessar a cidade pra encontrar com ele. — E mais um gole é ingerido. Jungkook talvez tenha sorrido de lado, mas não tenho certeza. — Sabe? Não acho que valha a pena continuar num relacionamento com alguém que tem interesses diferentes dos meus. Ele não queria que eu estudasse porque queria que eu cuidasse dele e da casa quando a gente se casasse. Não é isso que eu quero.
— E, além do seu ex não ligar para seus estudos, seus pais também não dão a mínima, certo?
— É, eu só estou aqui porque ganhei a bolsa do meu antigo colégio.
Suspiro e me apoio no balcão ao seu lado. Não sei se me sinto chateada por isso, pela falta de apoio dos meus pais. Acho que nunca parei pra pensar sobre, na verdade. Desde que meus pensamentos mudaram, eu sabia que não seria fácil e acredito que o fato de eles não terem me obrigado a largar a faculdade ou cortarem a ajuda de custo que me davam já era um grande avanço.
— Você não tem uma vida ruim. — Fala de repente. — Financeiramente falando.
— Você fala por causa da bolsa? Eu ganhei por mérito! — Solto aborrecida. — Era a aluna número um da sala.
— Não falei por isso. — Ri e acabo rindo também, sem pensar. É por causa do nariz que enruga igual de uma criança e os dentes brancos e bem alinhados e a pintinha bem debaixo do lábio inferior. É difícil não rir com isso na minha frente. — Não duvido da sua capacidade.
— Não, não tenho. — Balanço a cabeça levemente, sentindo a bebida tornar o ambiente mais lento a minha volta. — Meu pai entrou em uma sociedade uns anos atrás, uma empresa de ferramentas pra jardinagem. Deu super certo e agora nós temos uma vida bem confortável.
— Eles querem que você se case por causa disso? O pai de Haneul quer entrar pra sociedade também? — Seu corpo se vira para mim, ele tem finalmente um copo em mãos e dá um gole antes de continuar. — Ou seu pai quer que seu marido tome controle da empresa? Ou porque eles têm uma enorme herança pra receber, mas só vão receber depois que você se casar?
Franzo o cenho em confusão.
— Sua mente é muito criativa! Ficou pensando nisso por quanto tempo? — Rio e vejo o que pode ser um sorriso sem graça escapar pelo canto de sua boca. E me sinto quente, porque, de novo, é fofo. — A família de Haneul tem uma empresa de exportação de alimentos, os negócios não batem. Minha vida não é um filme. Meus pais não são pessoas ruins, eles só querem que eu me case porque são do interior, eles mesmos se casaram cedo. São tradicionais.
Jungkook ergue as sobrancelhas em entendimento e dá mais um gole na bebida.
— Não que eu ache que todas as pessoas do interior pensem assim, você me entendeu.
— Entendi. — Sua boca brilha pelo líquido no lábio superior e eu não deixo de notar que ele escorrega a língua por ali para tirar os resquícios da bebida. E, ok, isso não é fofo. — Mas pensava que isso não existisse mais.
— Mas existe.
— Você se sente chateada com isso?
Pisco forte, erguendo meus olhos de sua boca e correndo até as bebidas no balcão. Talvez eu tenha ficado tempo demais encarando seus lábios. Não sei mais.
— Como assim? — Minha voz é um fiapo. — Eu já me acostumei com eles.
— Não, eu... — Pausa, a testa vincando no que pode ser um conflito interno de falar e não falar. — Eu digo sobre as pessoas querendo palpitar na sua vida. Eu consigo entender seus pais, porque são seus pais apesar de tudo, mas... Todas aquelas pessoas naquela festa, os familiares de Haneul, elas não viram esforços pra te magoar com esse assunto.
— Ah, — meu queixo cai em desconforto e vergonha, minha garganta coçando e liberando só um sopro de voz — desculpa pelos comentários aquele dia.
Penso que Jungkook pode não me ouvir pela música explodindo nas caixas de som na sala, mas me engano.
— Não liguei pra eles.
— Mas você não precisava ter ouvido eles.
— Muito menos você. — Ele fala como se estivesse esse tempo todo esperando por isso. — Eles foram maldosos demais dizendo todas aquelas coisas, eles nem sequer se importaram de você se magoar ou você ter passado cinco anos inteiros do lado dele. Você fez parte da família por todo esse tempo e eles nem levaram em consideração isso. — Suspira pesado e eu sei que ele me olha, mas não consigo erguer meus olhos para encará-lo. Até porque eu me sinto ainda mais quente que antes e todo o calorzinho no peito que sinto toda vez que Jungkook fala coisas desse tipo, não é mais uma mera faísca. É um incêndio inteiro. E não consigo fugir disso. — Você sabe que não tem mais nenhum vínculo com eles, não é?
Ergo os ombros, ainda perdida em tanta coisa me passando pela cabeça. Parece que a ligação de mamãe nem sequer existiu, não me sinto mais irritada ou frustrada pela conversa que tivemos ao telefone sobre Haneul. Eu só me sinto em outra dimensão, só me sinto do outro lado do mundo de Jungkook, do mundo que descobri hoje.
É como se ele soubesse de toda a frustração que sinto por ainda me sentir ligada de alguma maneira a Haneul. Como se soubesse que nada até agora me pareceu o suficiente para romper o cordão umbilical que me une a esse relacionamento.
E isso me faz mergulhar ainda mais em Jungkook, em mais um de seus momentos isolados onde ele é um cara incrível, porque me sinto protegida aqui, nesse seu novo mundo, me sinto rodeada de conforto e compreensão.
— Eles ainda são amigos dos meus pais.
— Dos seus pais, não seus. Essa família não tem ligação nenhuma mais com a sua vida.
— Eu sei, só que... — Pauso. — Não sei se me importo de ouvir todos aqueles comentários, não sei se me sinto chateada ou não.
Há um silêncio, mas ainda não me atrevo a olhar para ele. Porque continuo tentando administrar todo o rebuliço no peito e a quentura subindo pelo meu pescoço e parando nas bochechas. Porque continuo inútil e involuntariamente superá-lo. E nesse instante está difícil demais fazer isso.
E, dessa vez, ele não faz questão alguma de ajudar.
— O que você quer pra sua vida? — Sua voz vem de repente, a pergunta me pegando desprevenida. Ele solta uma risada sem humor ao perceber toda minha confusão quando miro as garrafas de licor contra a parede. — Eu sei que essa pergunta é idiota, mas eu juro que é séria.
— Bem, eu... — Balanço meu corpo de um lado pro outro, incerta. — Eu quero me formar, me encontrar profissionalmente. Quero tentar mestrado em Tokyo e tentar também uma vaga em uma boa empresa.
— E você acha que é capaz de alcançar esses objetivos?
Dessa vez não consigo não o olhar.
— Acho.
— Você acha que vai ser capaz de se sustentar sozinha, sem Haneul ou um marido para te ajudar? — Assinto receosa. — Acha que consegue bancar todas as suas regalias? Acha que consegue sustentar seu modo de vida sozinha?
Abro a boca por um instante, mas a fecho, transtornada. Jungkook ainda lembra. Lembra de todas as coisas que ouvi há duas semanas na festa de aniversário de Eubin. Todas as perguntas que fizeram com que cada vez mais eu me encolhesse entre os ombros, que eu lhe lançasse um sorriso sem graça em desculpas silenciosas. E isso deveria ser impossível, não é? Deveria ser impossível lembrar. Ainda mais bêbado.
Ele ergue as sobrancelhas a espera de minha resposta. E eu sussurro um “sim” quebrado.
— Você acha que por decidir ser independente, não se importar com casamento, vai te tornar uma mulher amarga, sem perspectiva de vida e solitária?
Meu coração está acelerado no peito e eu já não sei mais o que é. Eu não me sinto chateada por ouvir novamente todos aqueles comentários em formas de perguntas agora. Não me sinto chateada, porque me sinto lembrada. O fato dele se recordar não deveria ter me pegado dessa forma, deveria? Eu quase me sinto sufocar.
— Não, não acho.
— Ótimo. — Ele assente e seu sorriso se abre para mim automaticamente. Eu nem sequer consigo esconder minhas bochechas vermelhas de sua vista. — Essa é a sua verdade, essa é a única coisa que importa.
— Aonde você quer chegar com isso?
— Todos aqueles comentários maldosos, que te diminuíram e fizeram você duvidar de você mesma, não são sua verdade. — Seguro a respiração por um tempo, eu nunca disse que me sentia assim. Nem para ele e nem para ninguém. — Eles só proferiram ódio gratuito, falaram todas aquelas coisas pra desencorajar você, porque sabem que você está melhor desse jeito. Quando ouvir eles de novo, não se esqueça do que realmente você quer e das coisas reais, das coisas que realmente importam pra você. Você não pode se sentir triste por mentiras, não é? Acredite sempre na sua verdade.
É como se ele soubesse. De novo. Como se ele próprio já tivesse duvidado de si tantas vezes. E eu me pergunto se existiu alguém para lhe dizer isso. E percebo que gostaria que tivesse existido alguém para lhe dizer isso.
Fico em silêncio por um tempo. Sentindo meu coração bater contra o peito de forma desgovernada. Penso por um instante que todos os sentimentos por Jungkook estão sendo maximizados. Estão sendo intensos demais por causa da situação. Da bebida, da carência momentânea. Da falta de apoio e da necessidade de se ter apoio. Precisa ser isso, não é? Porque tudo aqui parece profundo demais, como um sonho íntimo e secreto. Todo aquele calor pequeno no peito parece ter sido potencializado pela bebida e virado uma explosão.
Precisa ser isso. Precisa ter uma explicação diferente da de estar desenvolvendo sentimentos genuínos por ele. Porque sinto que não saberia lidar com a sensação que me toma agora, a sensação de que a qualquer instante vou perder tudo. Deixar escapar entre os dedos. Fácil como pó no vento.
— Não vou esquecer. — Antes que um sorriso largo e trêmulo de confusão apareça em meu rosto, bebo mais um pouco.
Vejo Jungkook finalizar sua bebida em uma sequência de goles gordos. E penso que todo esse momento é por causa disso mesmo. Não existe outra explicação. Nenhum de nós seria capaz de estar nessa situação se tivéssemos sóbrios. Eu, ele. Não é só comigo, entendo agora. Mesmo que eu tivesse ingerido todas as bebidas da festa e ele permanecesse inalterado, esse momento não existiria.
É o efeito da bebida em nós dois. Está claro. Precisa ser. É quase palpável no ar.
— Você sentiu pena de mim aquele dia? — Ouço-me perguntar, mas ele não responde de prontidão. Entretanto o balançar de sua cabeça me faz entender. — Sentiu?!
— Mais ou menos. — Solta a contragosto e não me olha. — Eu me senti mal por pensar que você iria se ferrar caso eu não aceitasse ser seu namorado.
— Então quer dizer que você aceitou sair de novo comigo todas essas outras vezes por pena? Sentiu pena depois de ter ouvido tudo o que me disseram?
Ouço o estalar de sua língua, ele parece receoso, mas responde mesmo assim.
— É, mais ou menos isso. Mas não gosto da palavra pena.
Solto uma risada. É por pura surpresa.
— Caramba, você tem mesmo um coração.
— Ei, eu não sou desse jeito que você pensa. — Jungkook me olha ofendido, os olhos já pesam pelo acúmulo de álcool no sangue. E eu sei que ele não é. Pelo menos não agora. — Eu só tento me manter profissional.
— Você acaba sendo um babaca, na verdade.
E então ele solta a droga de um riso de canto, os lábios brilhosos de licor de rosas. Sinto meus joelhos vacilarem sem piedade e eu me perco um segundo na visão de sua boca encontrando um novo copo. Jungkook dá um gole em outra bebida e me olha, divertido.
— Talvez eu seja um pouco babaca no fim das contas.
Meu peito vacila e toda a vontade esquecida de encostá-lo me toma o corpo inteiro de novo. E dessa vez parece inabalável. Porque existem mais coisas, entende? Existe seu corpo moldado pela camiseta preta, a descoberta de seu novo mundo, as frases bonitas sobre minha verdade e o riso preguiçoso. Está tudo acumulado nesse momento aonde ele é, de novo, incontestavelmente um cara incrível. E interessante. E maravilhoso, física e mentalmente.
— Está chocada desse jeito porque não achava que eu fosse admitir, não é?
Não consigo me mover direito, nem pensar. Seu riso entra por um dos meus ouvidos, roda meu cérebro e sai pelo outro. E eu só consigo assentir, meio débil. Nem sentir vergonha das minhas intenções eu consigo. Seu pensamento é simples, inocente e os meus são cheios de mãos e toques e beijos.
— É porque eu bebi, você nunca mais vai me ver falando esse tipo de coisa de novo. Então grave bem esse momento... — Ele se inclina perigosamente em minha direção, o ar quente que sai da sua boca bate em meu nariz em uma mistura de drinks suaves. Ele não faz ideia do que está fazendo. — Se você conseguir, claro.
Engulo a seco quando ele volta para o seu lugar e me remexo desconfortável, conseguindo desviar meus olhos do seu rosto para buscar qualquer ponto ali que me tire da sensação de imersão que ele me faz sentir.
— Não estou tão bêbada.
Mas eu sei que é mentira. E quero que seja. Quero que a culpada por toda essa vontade que sinto de Jungkook seja a bebida junto de toda uma frustração sexual que nunca havia surgido, mas que apareceu hoje. A causa de todo esse reboliço precisa ser culpa desses dois fatores. Precisa. Apesar de uma voz muito forte e convicta me dizer o contrário.
— Essa bebida que você pegou do Taehyung é um caminho sem volta pra bebedeira, — ri debochado. — Não existe a menor possibilidade de você não estar completamente bêbada.
O corpo de Jungkook é como um campo magnético que me puxa, que me faz querer encostá-lo sem motivo e com motivo também. E lembro por um instante de todos os olhares que ele atraiu quando chegamos. Talvez eles se sintam da mesma forma que eu, não é? Elas e eles. Dezenas, centenas, milhares deles. Não sei bem. Aqui, agora, não consigo me lembrar de detalhes. Mas sei que não devo estar sozinha, devo? É impossível eu ser a única a me sentir desse jeito. Pelo amor! Eu me sinto um pouco perdida, na verdade, porque Jungkook é cheio de sorrisos e risos inéditos, tão cheio que me parece transbordar a vida antes tão vazia.
Respiro fundo frustrada e me lembro de algo que me incomoda, algo que me incomoda de modo secreto, que só percebi agora e que sai pela minha boca em forma de uma pergunta que não era para ser feita.
— Quem é Minju?
Vejo Jungkook afastar o copo dos lábios e me olhar sério. Não sei o que se passa pela sua cabeça, mas não consigo retirar a pergunta e percebo agora que nem quero.
— Quem te contou sobre ela?
— Seus amigos não são as melhores pessoas pra manterem a boca fechada. — Dou de ombros, puxando um outro drink feito por ele. — Muito menos Yoongi, é melhor você saber. Ele fala da vida alheia e bastante.
Seus olhos se estreitam e eu o vejo avançar em minha direção, minhas pernas reagem com um passo para trás. Meu coração bobeando um instante. Mas Jungkook não parece perceber que o quero. Não parece perceber toda a bagunça que eu sou. Ele é alheio a todos os efeitos que causa em mim e isso faz com eu me tenha ainda mais em desordem. E então eu compreendo que o desejo de todos os jeitos. Que nesse momento isolado onde ele é um cara incrível, eu quero corpo e mente.
— Não sei se devo contar.
— Eu te contei várias coisas hoje.
Minha voz é um fiapo ridículo.
— Porque você quis. — Ergue as sobrancelhas, petulante. — Mas vou nos manter quites só por hoje.
A porta da cozinha se abre em um estrondo e por um instante esqueci por completo que estávamos em uma festa. Um grupo de amigos entra, se recosta sobre um dos armários e uma nova conversa se mescla com todas as outras daqui junto a música.
Bebo um gole novo de algo mentolado e o vejo se afastar, o quadril voltando a se encostar sobre o balcão da pia enquanto ele passa os dedos sobre a borda de seu copo.
— Ela foi uma das minhas primeiras clientes. — Ergue os ombros como se não fosse nada demais. E talvez não seja. — A gente se conhece desde o primeiro período, ela gosta de mim e me contratou por vários encontros. Ela pagou adiantado e agora eu preciso cumprir com o prometido.
— Pagou adiantado?
— É. — Ele me olha e reparo mais uma vez em como suas argolas se movem. — Ela foi a razão por eu não gostar de pagamento adiantado.
— Mas qual o problema com ela?
— Por que você acha que existe um problema com ela?
— Eles falaram que você passou por várias coisas ruins esse semestre, uma delas foi Minju.
Jungkook ergue as sobrancelhas em entendimento, depois passa os dedos pela sua mandíbula e eu não consigo não acompanhar pedacinho por pedacinho.
— Ela me trata como namorado, faz eu me passar como namorado de aluguel, é uma situação chata porque eu não sei como sair disso. — Seus dedos agora alcançam sua nuca e se perdem nos fios de cabelo por um instante. A saliva desce rasgando pela minha garganta. — Não quero magoar ela. Minju acabou virando minha amiga.
Giro meus ombros para trás e solto um suspiro pela boca antes de perguntar:
— Namorado de aluguel?
— É por isso que eu não queria ser seu namorado de aluguel. Até porque, apesar deu vender a minha companhia, me vender como namorado faz eu me sentir mal. — Resmunga, inclinando-se sobre mim de novo. Seu perfume tropical batendo em meu nariz e o calor de seu corpo alcançando o meu com facilidade. Minha respiração já não é mais normal há algum tempo. — É como se eu fosse um produto. Eu não tinha regras antes, meus primeiros clientes me fizeram criar algumas.
Fico em silêncio por um tempo. Tentando administrar a vontade de puxá-lo pelo suéter com o desconforto repentino que me aperta o peito. Eu me sinto mal por tê-lo feito aceitar minha proposta agora, mesmo que eu não me arrependa disso. Muito menos agora com ele tão perto de mim. E isso só faz com que eu pense que tudo está errado. Tudo está errado em vários níveis.
Eu quero Jungkook enquanto ele discursa sobre o quão mal se sente em ser tratado como produto.
Eu sou um lixo. Um lixo bêbado.
Tranco a respiração por um tempo no peito só pra assim soltar em uma lufada de ar.
— E a regra sobre rituais religiosos?
Penso em me afastar, mas não quero.
— Nem queira saber.
Jungkook ri, a boca rosada e brilhosa moldando um sorriso repuxado de lado, avançando em minha direção de novo. Mas, dessa vez, nós nos encostamos. Suas calças jeans batendo em minhas pernas descobertas por uma fração de segundos e sua mão se encostando ao meu braço como um pedido de desculpas silencioso.
Eu me sinto petrificada.
— Ok... — Limpo a garganta e sei que meus olhos são duas luas enormes em meu rosto. — Então quer dizer que você, tecnicamente, namora duas garotas ao mesmo tempo?
Ele passa a língua pelos lábios antes de assentir, escorregando o quadril mais um pouco pelo balcão, suas pernas batendo nas minhas mais uma vez. Dou um passo impensável para trás, meus calcanhares encontrando o armário em minhas costas e me dando a certeza de que não tenho para onde ir.
— Ela sabe sobre mim?
Jungkook franze o cenho, parecendo pensar, sacudindo a cabeça para os lados depois de um tempo e dando mais um gole em sua bebida. Meu corpo todo é uma batedeira e minhas pernas trepidam de vontade de dar o passo que recuei.
— Por que você não me usa como namorada?
A proposta sai sem eu pensar e eu me sinto fora de mim, como se a situação tivesse acabado de fugir de controle. Apesar deu acreditar, sinceramente, que ela tenha saído há muito tempo.
— Eu vou precisar devolver meu notebook caso eu te use como minha namorada de aluguel?
Ele ri, os olhos se fechando pelo ato e seu corpo se inclinando em minha direção mais uma vez. E antes que eu entenda, levo meus dedos a deslizarem por sua mandíbula para trazer seu rosto até o meu e eu colar minha boca na sua. Seu lábio inferior preso entre os meus como bala de goma. Seus olhos se abrem pelo susto e caem sobre os meus, mas ele não se move. Nossos ombros se encostam e eu sinto seu braço roçar minha cintura, mas nada muda. Jungkook segura o copo no ar, enquanto eu ainda seguro seu rosto, sentindo sua pele quente abaixo da minha.
Nós somos ligados por ela, por nossos ombros e por nossas bocas.
E só quando eu me afasto é que percebo que tudo em volta é tomado por seu cheiro tropical.
Jungkook pisca uma, duas, três, quatro vezes. Sua cabeça se inclina para o lado em confusão e ele ameaça dizer algo, mas não diz. Seus olhos estão arregalados iguais aos meus e sinto meu rosto todo ferver de vergonha e desejo.
Pigarreio desconfortável, a voz saindo desengonçada em uma desculpa esfarrapada:
— Eu pensei ter visto Jisoo.
— Jisoo foi embora cinco minutos antes da gente vir pra cá. Foi embora um pouco depois de Jimin. — Dispara. — E mesmo que fosse ele, não fez sentido você ter feito isso.
Engulo a seco, nós ainda estamos perto um do outro e sinto nossas pernas se encontrarem mais uma vez quando me remexo no lugar. E agora a sensação é muito mais intensa.
— Ele acha que a gente é um casal.
Sua testa se vinca em completa absorção. E não sei se ele aceita a desculpa. O lance aqui é que eu me esqueci de ignorar a voz que gritava desesperada para arranjar alguma justificativa para beijá-lo, não pensei nas consequências. E eu devo mesmo ter enlouquecido por completo, porque o que mais me preocupa agora é a vontade de querer beijar ele de novo.
— Mesmo assim. — Sua voz ressurge. — Você não precisava ter feito isso. Você quebrou as regras.
Espremo os lábios, nervosa. Sua boca está entreaberta e a parte inferior dela continua brilhosa, mas dessa vez é pelo pouco de saliva que deixei ali.
— Eu sei, desculpa, agi sem pensar.
Jungkook puxa o ar com tudo, seu peito subindo por debaixo do suéter cinza para assim descer em seguida. Ele parece indignado por um tempo e eu chego a pensar se consegui estragar tudo de vez. Seus olhos não deixam meu rosto um segundo sequer, como se procurasse a resposta para toda aquela situação ridícula. Mas assim que seu olhar cai em minha boca, eu entendo que não faço a menor ideia do que ele possa estar pensando de verdade.
— Sua boca é gostosa.
Meus olhos crescem mais uma vez e minha cabeça dá um giro. Um grito quase escapa pela garganta.
— Eu...
— O quê?
— Eu só encostei na sua, não foi um beijo de verdade.
— Isso quer dizer que se a gente se beijar de verdade a sua boca vai ficar ainda melhor?
Jungkook se desencosta do balcão e avança até mim, minhas costas batendo nos armários quando recuo um passo por puro impulso. Vejo-o largar o copo de bebida que segura para assim voltar a me olhar. No instante seguinte eu tenho sua boca na minha outra vez. Sua mão se perdendo nos meus cabelos e a outra me envolvendo pela cintura forte. E enquanto eu tento entender a sensação da sua língua deslizando na minha de forma ardilosa e proibida, o corpo de Jungkook me encurrala entre os armários, na única fresta de parede existente na cozinha.
É um mundo só nosso.
Sinto cada parte sua encostar-se a mim, minhas mãos de repente esbarrando na barra de seu suéter e escorregando levemente pela pele macia e firme de seu abdômen. Eu me torno consciente de cada músculo que compõe seu corpo. Minha consciência grita que é errado, mas o gemido que escapa por sua boca entre o beijo faz com que eu a ignore por completo. Seu gosto não é como a bebida tropical que me fez, é doce como licor de rosas e gelado como o ápice do inverno coreano. Dedilho o cós de sua calça até encontrar os bolsos traseiros e enfiar minhas mãos ali, para assim pressionar ainda mais seu corpo contra o meu. É lento, fascinante e segue um ritmo ridiculamente carnal.
— O que a gente tá fazendo? — Pergunta quando se afasta depois de um tempo, retomando a respiração e encostando a cabeça na lateral de um dos armários. Ele me olha de cima, numa fresta sensual dos seus cílios. — Você tá se aproveitando de mim.
Eu sinto minha garganta seca.
— Foi você que me beijou agora.
— Mas é você que tá com as mãos na minha bunda.
Passo a língua pelos lábios e suspiro.
— Não sei o que a gente tá fazendo. — Digo, encostando minha cabeça contra a parede, ainda o olhando. — Talvez a gente devesse parar.
— É, talvez. — Ele me olha por um tempo, a boca vermelha e tão convidativa. Jungkook não se afasta e parece nem pretender. — Mas agora eu não quero.
E lá vamos nós de novo até o amanhecer, nossas bocas conectadas por um sentido que ninguém entende, mas que é forte o bastante pra não nos fazer desistir; enfiados num vão de armários, parando apenas para beber mais. Cambaleando para fora da república com os braços entrelaçados e beijos roubados pelo caminho. Nós dois e o nascer do sol. Um beijo de despedida no hall dos dormitórios e um sorriso escapando pela minha boca quando deito para dormir.
Tudo isso é culpa da bebida, eu tenho certeza.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 6/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 3.284 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Eu enlouqueci. É oficial dessa vez. Enlouqueci por completo.
E a prova disso é a imagem de Jungkook caminhando de volta para a mesa da loja de conveniência, puxando o banco em minha frente com um dos pés e largando em nosso meio dois lámens apimentados. Eu não acredito que eu realmente aceitei jantar com ele. Não acredito que ele pediu para que eu sentasse enquanto ele preparava nossa refeição. Não acredito. Eu simplesmente não acredito que eu consegui me afundar ainda mais no poço.
— Você disse que um amigo de Haneul se transferiu para cá, isso?
Ele pergunta assoprando o vapor do recipiente plástico. Remexo-me na cadeira, levando um tempinho para sair de meus devaneios sobre seus malditos detalhes e voltar à realidade.
— É. Jisoo.
— Ah, ele? — Seus olhos se erguem até os meus. — Fiquei sabendo.
Pisco algumas vezes, aérea. Tenho certeza que pareço perplexa demais e tenho consciência de que estou o encarando feito uma maluca completa.
— O quê?
— Da transferência de Jisoo. — Ele não entende a minha pergunta. — Yoongi comentou semana passada.
— O quê? — Volto a repetir, a ficha caindo aos poucos. Seu cenho se franze em minha direção e eu sei que ele não vai responder de novo. — Por que não me contou?
— Pensava que soubesse há tempos.
Puxo o ar, horrorizada. Eu parecia saber há tempos? Quer dizer, eu estava realmente desesperada hoje mais cedo ao telefone, eu tenho certeza que deixei isso claro em cada palavra gritada em pânico. Como ele achou que eu soubesse há tempos? Tudo bem que... Não é como se fosse mudar algo se ele tivesse me avisado naquele instante, é? Eu sei que não, a merda já estaria feita e seria muito em cima da hora para tomar qualquer atitude. Apesar deu estar tomando uma atitude em cima da hora de qualquer forma...
— Bem, não? Não sabia!
— Eu pensava que sabia, não tinha como eu adivinhar.
— Era só ter me perguntado!
— Bem, agora você sabe.
— É, mas...
Paro. Uma raiva crescendo no peito, subindo até meu pescoço e bloqueando meus ouvidos por alguns segundos. Claramente o Jungkook que criei na minha cabeça é diferente desse sentado em minha frente. Até porque eu nunca teria vontade de gritar palavrões à imagem que criei, nem mesmo despedaçar o notebook novinho em folha repousado sobre a mesa. A verdade é que eu nem sei o porquê ainda me surpreendo com isso. É Jungkook no fim das contas, não é? Babaca como sempre.
— Você vai precisar ser cuidadoso. — Aviso exaltada, preferindo mudar de assunto de vez. — Precisa conversar com Yoongi também.
— Conversar sobre o quê?
— Sobre ele ser cauteloso! — Quase grito. A verdade é que eu me sinto mais irritada comigo do que com ele, e é tudo por causa dessa droga de história de superação. Deveria ser fácil, não deveria? Ele ajuda tanto, deveria sim ser mais fácil. — Ele pode acabar deixando escapar para Jisoo que sou sua cliente.
Jungkook dá de ombros, pegando um amontoado de lámen e enfiando na boca.
— Já disse. — Fala depois de um tempo, cheio de descaso. — Yoongi não comenta sobre a vida alheia.
Abro a boca para lhe dizer que sim, Yoongi comenta sobre a porra da vida alheia, mas a fecho no instante seguinte. Talvez não valha a pena. Talvez se eu me atrever a dizer, o comentário saia de uma forma errada e acabe piorando a situação. E eu preciso mesmo que Jungkook coopere comigo da maneira correta. Mesmo que eu queira muito agora que ele vá tomar no cu.
— Mas ele comentou de Jisoo com você.
— E? Comentou porque nós jogamos basquete juntos.
— Nessas condições, ele pode comentar de você para Jisoo também.
Ele ergue seu rosto para mim, parecendo pensar sobre minha linha de raciocínio por um tempo.
— Nah, sem chance. — Balança a cabeça para os lados. — Eles nem amigos são.
— Claro que eles são amigos.
— Não.
— Você disse que eles eram.
— Eles são conhecidos, na verdade. — Explica, os olhos ainda focados no ato de remexer o lámen e assoprar vez ou outra. — Estudaram juntos no colegial, Yoongi só mantém contato com ele porque o time deles é rico, ruim demais e o único que aposta dinheiro nos jogos. Eles gostam de apostar e a gente gosta de ganhar, fim.
Ergo as sobrancelhas um tanto chocada; não sei se pelo fato deles jogarem por dinheiro, por manterem uma relação cheia de segundas intenções ou por Jungkook achar ok aumentar a merda do grau de intimidade entre Yoongi e Jisoo para “amigos” ao invés de “interesse financeiro”. Ele sabe o quão desesperada fiquei imaginando todos os assuntos entre esses dois? Ele tem alguma ideia disso? Puta que pariu. Jungkook facilita tanto, tanto no lance de superação, eu simplesmente não consigo acreditar que eu desperdice todas as oportunidades.
— É assim que funciona, então?
— É.
Fico em silêncio por um tempo, vendo Jungkook puxar outra vez uma quantidade significativa de lámen e comer. Olho para minha refeição em minha frente e penso em fazer o mesmo, mas desisto. Não sei ao certo se isso faz eu me sentir bem. É um obstáculo a menos que terei de enfrentar com o novo status de relacionamento de Yoongi e Jisoo, isso é óbvio, mas a situação toda ainda parece errada demais.
— Mas mesmo assim precisamos tomar cuidado com Jisoo, precisamos fazer com que esse namoro pareça real.
— Sábado nós vamos jogar contra eles, Haneul vai estar lá também. — Dá de ombros. — Você pode ir.
Meus olhos se semicerram instantaneamente. Uma parte do meu cérebro dizendo não, mas a outra sabendo que provavelmente essa é uma boa ideia.
— Eu posso te encontrar pra gente chegar junto. É nas quadras do campus, conhece? — Assinto em resposta. — Ótimo. O jogo é às 17h.
Faço uma anotação mental. E o próximo pensamento que me vem à cabeça me faz travar. Eu estava prestes a dizer para Jungkook ter cuidado ao sair com outras garotas, mas não sei se temos esse tipo de intimidade. É até errado dizer intimidade para algo assim. Só não me sinto a vontade, é como se eu tivesse ultrapassando uma barreira. E deveriam existir limites, não é? Por mais que eu já tenha pensado nos músculos de suas coxas, deveria existir um limite para esse tipo de questão, não é?
— Você é completamente maluca.
Jungkook ri e eu me pego ainda perdida em devaneios.
— Do que você tá falando?
— Você comprou mesmo um notebook. Isso é maluquice, você sabe, não é?
— Ué, — franzo o cenho, quase me sentindo ofendida — eu disse que era urgente.
— Como escolheu o modelo? — Pergunta, os olhos passando pela embalagem em adoração. — Você não tem cara que sabe dessas coisas.
— Google. — Ignoro seu possível insulto. — Por quê? Ele não é bom?
— É ótimo. — Responde rápido. — E veio na melhor hora, se quer saber. E, pra ser sincero, o que eu estava planejando comprar não é nem metade desse.
Olho para a caixa ainda coberta pela sacola, me lembrando de todos os elogios que ouvi do vendedor sobre o produto. E penso também se é certo dizer que o responsável pelo pagamento foi Haneul. Mas não chego à conclusão alguma.
— É um contrato exclusivo, então...
— Isso deve te dar direito há uns trinta e cinco encontros.
Minha coluna sofre um tremelique e meus olhos correm até os seus.
— O quê?!
— O que foi?
— Como assim o que foi? — Solto exasperada. — Eu achava que seria até quando eu precisasse, até porque eu comprei um notebook para você.
— Não posso ser seu namorado de mentira para sempre, tem que ter um limite. — Ele solta sério e eu me vejo girar os olhos. É, eu sei dessa porra de limite, Jungkook. — E além do mais, isso ainda é contra as minhas regras.
— Regras? — Solto o ar irritada. — Lá vem você de novo com isso.
— Você teve suas regras e eu segui elas!
— Tem certeza? Você não seguiu a última.
Seu rosto se franze em confusão.
— Que última?
— Sobre usar roupas de bom moço.
É a vez dele de girar os olhos, um riso debochado escapando pelos lábios.
— Se eu usasse roupas de bom moço igual Haneul, sua mãe iria me comparar a ele em todos os aspectos, não só nas roupas e esse seria o seu fim. — Ele estala a língua, uma feição prepotente. — Ela tem que perceber que nós somos diferentes e é exatamente por isso que você está comigo.
Eu me sinto afrontada demais para responder. Até porque essa droga fez todo o sentido do mundo e eu me odeio por não ter pensado nisso antes. É tão óbvio que chega a ser patético. Eu terminei com Haneul por um motivo, se Jungkook fosse igual, nosso namoro não duraria até o início do verão. Por mais que algo no fundo do meu cérebro diga que ele não precisava ter apelado para uma jaqueta de couro daquelas...
— Não precisa me agradecer. — Ele tem um sorriso ofensivo que banha seu rosto todo. — E outra, eu fiz um ótimo trabalho com a sua mãe, você não pode negar. Aquela minha resposta sobre as intenções com você? Caramba, eu deveria patentear e vender.
A menção à maldita resposta me faz vacilar. Eu sei que foi algo inventado, cada palavra pensada, mas ouvir isso saindo de sua boca é como um carimbo de confirmação. Talvez isso me ajude de vez a superar esse cara. Pelo menos, deveria, não é?
— Ajudou em partes.
Seu rosto se ergue, o caldo do lámen escorrendo por seu queixo por alguns segundos antes dele passar as costas de uma das mãos para limpar. Jungkook parece terrivelmente contrariado.
— Como em partes? Eu falei o que toda mãe quer ouvir, falei que apoiava você e sua carreira. Foi inspirador, até Gandhi ia gostar!
— É, mas a verdade é que minha mãe não se importa com isso. E possivelmente nem com o Gandhi também. — Ergo os ombros, o sentimento amargo me tomando a boca. Não sei se deveria comentar esse tipo de coisa com ele, mas não é como se eu quisesse me frear. Até porque a única pessoa que tenho para conversar sobre é Sorn e ela está indisponível até o fim do mês, no mínimo. — Minha mãe não liga se vou me formar ou não, ela quer me ver casada, assim como meu pai.
— Isso é sério?
— É. Por isso contratei você.
— Eu sei, você contou que seus pais ficariam no seu pé e que você precisava mostrar que tinha superado, mas... — Pausa, insatisfeito. — Não pensei que fosse nesse nível.
Tento ignorar o fato dele se lembrar disso, como também tento despistar o calorzinho começando a crescer no peito outra vez.
— Quando eu terminei com Haneul, eles ficaram em cima de mim de todas as formas. Pediram para eu reatar e quando viram que não daria certo, me encheram de contatos para encontros às cegas. — Minha voz sofre uma quebra envergonhada e eu sei que deveria parar agora, mas não quero. Tenho meus olhos fixos no prato de Jungkook e não ouso os erguer. — Eu estava conseguindo levar, sabe? Mas nunca conseguiria levar isso combinado ao fato de Haneul ter arranjado uma namorada. Eu sabia que a partir do momento que eles soubessem, minha vida iria virar um inferno... E a faculdade está tão difícil! Tão difícil... Tem vezes que eu me sinto a ponto de explodir. O professor na semana passada pediu para nós montarmos um relatório enor-
Paro subitamente, meus olhos subindo até os de Jungkook. Eu estava prestes a choramingar sobre minha vida acadêmica para ele, reclamar sobre tudo, sobre provas, professores, projetos errados, horário de aulas, tudo. Emendar lamúrias pessoais que não fariam o menor sentido. E por mais tentada que me sinta a desabafar, ainda é Jungkook, afinal, ele pode mesmo não se importar com isso e fazer questão de deixar claro. Ele pode não entender, não estar na mesma sintonia que eu, achar chato, idiota, fútil. E eu me sinto vulnerável demais agora para receber qualquer tipo de indiferença de forma maldosa.
— Meu pai só quer que eu me case. — Falo por fim, vendo seu rosto concentrado se perder por um instante. — Já minha mãe eu não sei. Quer dizer, ela quer mesmo que eu case, mas ela pareceu relutante sobre nosso relacionamento.
— Relutante. — Ecoa depois de um tempo, pensativo.
— É. Eu só te contei isso porque você precisa estar por dentro das coisas, entende? — Me explico sem necessidade. — Só para você saber como deve agir e como é toda essa situação, só para você saber as respostas que precisa dar no futuro.
Mas a maneira como seus olhos me fitam me dão certeza que ele sabe que essas não foram as reais intenções. Remexo-me na cadeira, desconfortável por parecer tão transparente a seus olhos, me permitindo ficar em silêncio até que ele diga algo.
— Eu preciso recolher os anúncios do mural! — Jungkook escorrega para a ponta da cadeira, afoito repentinamente. — Jisoo pode ver eles lá.
— Ah. Quanto a isso...
Enfio minhas mãos no bolso do moletom e tiro os seis flyers colocados ali mais cedo, depositando-os sobre a mesa. Seu corpo escorrega pelo banco outra vez, surpreso.
— Eu tirei eles depois que conversamos. — Dou um sorriso rápido. — Gostei das alterações, a propósito.
Seus olhos vão do meu rosto aos anúncios entre nós. E a forma como eles crescem minimamente me dizem que estão sobre os dizeres “amigo de aluguel” nesse exato segundo.
— Eu já estava planejando essas alterações.
— Sei.
— É sério, está bem? — Rebate incomodado. — Eu estava planejando elas há muito tempo.
— Ainda está mentindo em umas características.
— Não estou mentindo.
Rio quando o vejo franzir o cenho em confusão.
— Aqui ainda diz porte atlético, educado, agradável e que sabe estabelecer uma conversa.
— Isso quer dizer que você concorda com o bonito dessa vez?
Sinto meu corpo trepidar de pavor. De onde surgiu isso? Foi tão inesperado que não consigo conter meu queixo de cair embasbacado. Jungkook tem um olhar inexpressivo no rosto e eu não consigo não ficar horrorizada. Não consigo não ficar horrorizada porque, de repente, eu estou prestando atenção em como sua boca parece vermelha e inchada pela pimenta. E parece tão fácil de deslizar, tão macia para beijar...
Isso é o caos! Eu não deveria estar pensando nesse tipo de coisa.
— Não disse isso!
Ele dá um sorriso rápido, nada humorado. E quando penso que vai replicar, ele aponta para o lámen intocado em minha frente. Mas ainda me sinto agitada demais para entender qualquer coisa que se passe aqui.
— Vai comer? — Nego ainda aérea. — Posso pegar?
— Você vai comer mais um?
— Posso pegar ou não?
Sua voz vem impaciente, e eu não me sinto em um humor estável para rebater, apenas empurro o pote em sua direção. Ele o puxa sem rodeios, mexendo o macarrão instantâneo com os jeotgarak de bambu, parando apenas para dizer:
— Trinta e cinco encontros a partir de agora.
Pisco os olhos algumas vezes. A menção sobre o maldito contrato me trazendo a tona de forma brutal e súbita.
— Você estava falando sério sobre isso?
— Claro que sim.
Inflo o peito, inconformada.
— Eu acabei de te dar o melhor notebook do mundo e você vai limitar nossos encontros?
— Que tipo de pessoa você acha que eu sou? — Enfia uma quantidade significativa de lámen na boca, mas isso não parece o frear de continuar a falar. — Não posso ficar pro resto da minha vida namorando com você por causa de um notebook. Já disse, precisa de limites.
Solto a respiração em uma bufada irritada.
— Você é inacreditável.
— E ainda existem as regras, — diz ignorando por completo minha reclamação — falei que estou passando por cima delas por causa de você.
— Eu sei das suas regras, você faz questão de falar sobre elas sempre que pode.
— Ótimo. — Sorri satisfeito. E algo me diz que é por ter conseguido me tirar do sério. — A contagem começa no próximo encontro, o de hoje foi para nós acertarmos os detalhes.
— Caramba, — solto debochada — você é tão bondoso.
Seus olhos se apertam em um sorriso cínico.
— Obrigado. Vou colocar isso nos próximos flyers, caso eu resolva ser acompanhante de aluguel de novo.
— Amigo de aluguel. — Corrijo-o, apontando para o anúncio. — Não esqueça.
Ele ergue uma das sobrancelhas em irritação antes de continuar a comer o maldito lámen.
Um ódio profundo me tomando o peito pelo pensamento que me vem a seguir.
Jungkook poderia colocar “uma ótima boca para beijar”.
Urgh.
Eu realmente não sei aproveitar as oportunidades que ele me dá para levar esse lance de superação adiante.
E isso é o cúmulo do ridículo.
[...]
Chuto meus tênis para o canto do armário e enfio meus pés em meu chinelo de pano. Sorn está exatamente onde eu a deixei quando saí, a quantidade de livros que a acompanha, no entanto, parece ter duplicado. Há também uma garrafa de Coca-Cola vazia no alto de sua escrivaninha, junto com um pacote pela metade de salgadinho de queijo e duas embalagens de chocolate branco. Ela nem sequer se move ou tira os olhos da tela de seu computador quando sento na cadeira em frente a minha mesa. Meu material continua ali, do mesmo jeito que deixei também.
O resumo intocado de Antropologia parece me olhar e julgar. Todas as minhas marca textos ganhando um brilho a mais e me afrontam por tê-las abandonado no meio dos estudos. Cheia de culpa, busco minha agenda, já procurando por uma brecha nos planos para encaixar todos os que foram deixados de lado hoje.
— _____? — A voz de Sorn me faz parar na primeira palavra que escrevo, viro-me na cadeira apenas para encontrá-la com os olhos fundos de sono. — Desculpa, eu estava concentrada demais, não vi você.
— Não tem problema. — Lanço um sorriso rápido. — Como está indo o roteiro?
— Bem, apesar de faltar muita coisa ainda. — Ela tira os óculos, colocando-os sobre a mesa para logo em seguida levar as mãos aos ombros. — O que aconteceu que você saiu e nunca mais voltou?
— Ah. — Solto sem perceber. Minha ideia, desde o início, era deixar Sorn a par de tudo, mas agora parece difícil demais seguir com ela. Até porque não consigo simplesmente ignorar todos os seus problemas e jogar os meus sobre sua cabeça. Eu sei que não é certo. — Eu lembrei que tinha que encontrar minha mãe.
Ela ergue as sobrancelhas e assente, parecendo convencida. Ou talvez esteja cansada demais para desconfiar de algo.
— Nunca mais falou com o acompanhante de aluguel?
Eu contei a ela apenas sobre nosso primeiro encontro, apenas. Tirei centenas de momentos das narrações e encurtei outros tantos. Para Sorn, a vida segue como deveria seguir: 100 mil wons gastos, meus problemas resolvidos e Jungkook longe de mim.
— Não, nunca mais.
Mas as palavras saem como lama da minha língua, saem pesadas e sujas. E eu logo me pego querendo dizer tantas coisas para Sorn... Queria contar sobre cada detalhe, cada mínimo detalhe; sobre como as coisas têm sido e como não têm sido. Queria contar sobre as malditas particularidades de Jungkook e sobre sua teimosia irritante. Sobre suas coxas e sobre a pintinha em seu queixo. Queria discutir sobre isso por horas até não chegarmos à conclusão alguma ou chegarmos a uma conclusão baseada em nada, só achismo, montada em cima de momentos contados pelo meu ponto de vista exagerado.
— Acho que vou dormir. — Diz depois de sorrir em resposta. — Você se importa? Quer dizer, você pode manter a luz ligada, eu realmente não me incomodo.
— Tudo bem. — Respondo, mas no fundo me sinto chateada com a situação. — Eu vou tomar um banho e dormir também.
Enquanto a vejo se erguer e pegar seu pijama sobre a cama, desisto de remanejar para outros dias meus planos furados de hoje. A frustração de ter uma vida totalmente bagunçada me pegando em cheio.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 5/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 4.780 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Hoje é meu aniversário, armys! Vamos comemorar juntas com essa parte 5, yey. Todo o amor do mundo pra vocês!!!! Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
– O notebook dele não era tão caro assim. – Haneul estica a sacola a contragosto, o rosto contorcido em uma careta visivelmente irritada. – Era um comum, tenho certeza.
– É pelo tempo que você levou para se redimir.
– Eu não estou me redimindo, _____, isso é um acordo. Você me deve um encontro.
– Não é um encontro! – Protesto, olhando para ele com convicção para lhe dar certeza disso e pego a sacola de suas mãos. – Nós vamos sair para conversar e só.
Confiro o produto recém-adquirido, uma ansiedade estranha me rondando o peito. É mesmo o modelo que pesquisei na internet. O melhor equipamento para produção de jogos. Pelo menos era o que diziam os tantos blogs que visitei a caminho da loja em Hongdae.
– Qual é a de você com esse cara?
Levo um tempo para entender que ele se refere a Jungkook.
– Estamos namorando.
Ele bufa alto, suas sobrancelhas se erguendo enquanto um riso debochado escapa por sua boca. E isso me irrita, porque o deboche vem com a única intenção de me ridicularizar. Os velhos tempos caindo sobre meus ombros e me fazendo respirar fundo.
– Você sabia que eu conhecia ele, não é? Fez isso para me irritar.
– Do que você está falando?
– Você sabia que eu ia acompanhado à festa de Eubin, então se envolveu com esse cara de propósito, não foi? – À medida que as palavras vão saindo de sua boca, minha aversão aumenta. – Quis se vingar por eu ter seguido em frente.
Aperto o punho em volta da alça da sacola. Como Haneul ousa pensar que tudo foi uma vingança para afetá-lo? Como ele ainda consegue pensar que minha vida gira em torno da sua estupidez? Tudo foi pensado para evitar uma vida cretina repleta de cobranças matrimoniais, ele sabe bem disso. Mas o fato dele ainda achar que perco tempo planejando formas de atacá-lo me deixa incomodada. Ainda mais que agora, pensando, consigo ver mesmo uma pontinha de vingança em ter desejado que ele se arrependesse de seu namoro relâmpago.
Urgh.
Não.
Não!
Eu odeio o fato dele sempre me convencer de suas ideias idiotas.
E eu não posso deixar que isso aconteça de novo.
– Em primeiro lugar, eu e Jungkook estamos juntos há meses. – Começo firme em meu pensamento. – E em segundo, quem parece que fez algo para se vingar aqui foi você e não eu.
– Eu me vingar de você?
A forma como ele fala me traz ainda mais raiva. É como se eu não valesse a pena, como se eu fosse tão insignificante que nem isso eu seria capaz de ter dele.
– Levar uma namorada de duas semanas para uma festa em família me parece um grito de desespero, Haneul.
– Eu e Jieun estamos em um relacionamento sério, _____. Cresça, por favor.
– Eu e Jungkook também! – Rebato, meu peito borbulhando. – Não sei como você tem coragem de pensar que nosso relacionamento foi montado em cima de uma vingança idiota.
Ele ri aberto e eu sinto meus ombros tremerem de raiva, porque, de repente, talvez nosso relacionamento tenha sido mesmo montado em cima de uma vingança idiota.
– O que aconteceu com você? Você nunca me responderia desse jeito.
– Eu saí da bolha que vivia.
Mas a resposta não parece o suficiente. Não parece o bastante pra saciar a vontade que tenho de arrancar ele do meu passado, de tirar ele da parte do meu cérebro que o coloca como o causador principal de toda a frustração que sinto.
– Sabe o que eu acho engraçado? Meses de namoro e vocês nunca conversaram sobre seu ex? Seu quase noivo? Acho um pouco provável, _____.
Sufoco um xingamento pesado, até porque eu sei que se meu namoro com Jungkook fosse real, nós teríamos sim conversado sobre isso. Mas eu não quero dar o braço a torcer. É como se eu tivesse esperado esse conflito durante anos. Eu não posso deixar que ele me coloque para baixo de novo.
Pode ser verdade que nosso relacionamento é um contrato amador, mas não é verdade que fiz por vingança. Eu preciso me lembrar disso. Toda essa palhaçada começou porque Haneul arranjou uma namorada antes. Eu estava conseguindo lidar com os sermões diários de meus pais sobre casamento, mas nunca conseguiria lidar com isso, com a faculdade e com o novo acontecimento de ser a única a não seguir em frente. Não que eu me importe de ser passada para trás em uma situação dessas, mas meus pais se importam. E se os sermões já eram intensos com Haneul solteiro, imagine só com ele namorando?
É por isso que fiz o que fiz. Apenas por isso.
Respiro fundo, repassando mais uma vez as reais razões para ter tomado as atitudes que tomei. Repassando tudo mais uma vez para ter certeza dos meus próprios pontos.
– Haneul, você consegue se ouvir? Não tem cabimento algum as coisas que você está falando.
– Só admita que você arranjou esse cara de última hora para me irritar!
– Não tem sentido eu fazer algo para irritar você! – Falo brava, tentando ignorar a verdade sobre encontrar Jungkook há poucos dias da festa. – Nós não estamos mais juntos.
– Não estamos mais juntos porque você não quer! Isso que não faz sentido, _____, você terminou o namoro comigo e começou a sair com esse cara só para...
– O nome dele é Jungkook! Não é esse cara, é Jungkook!
Olho para ele por algum instante, vendo como seus lábios estão espremidos em uma linha fina de raiva e penso que poderia vomitar dezenas de insultos raivosos. Insultos dos mais variados. Mas penso também que não vale a pena, por mais que sua desfeita com os detalhes de minha vida me dê um reboliço no estômago, eu sei que não vale a pena. Não só porque isso lhe daria confiança na sua insistência para me culpar, mas porque eu não tenho tempo para isso. Nem hoje e nem nunca.
– Eu preciso ir.
– Você está fazendo essas coisas para se vingar, sendo que foi você quem terminou dizendo não tinha tempo pra mim, mas agora tem para ele? Para Jungkook?
O nome desliza por sua língua de forma errada, suja, impura no mesmo argumento do outro dia. Um argumento idiota e infantil. Seu corpo se remexe no lugar, inquieto, o vento de fim de tarde passando por nós dois e remexendo nossas roupas em um detalhe perdido. Sua pergunta vem como o gosto azedo em meio ao doce, um contraste errado, preto em uma palete de cores pastéis.
É desonesto e irritante.
E aqui, olhando para Haneul agora, eu percebo que nossa história parece ter existido em uma vida passada, longínqua, em um universo paralelo que ainda me sinto estranhamente presa. Mas por mais que ele tente fazer com que eu me sinta culpada como antes, eu não me sinto como antes. Eu não sou como antes. Eu sou melhor.
– Eu preciso ir.
Minha voz repete em meio ao vento e enfio as mãos no bolso do casaco. Eu tenho muitas coisas para dizer e não digo. Queria dizer que não tenho tempo para alguém igual a ele, que aprendi a dar valor para minhas ambições, que aprendi a me ouvir e me cuidar. Que aprendi principalmente que não posso me submeter a algo que faz eu me sentir esgotada, a algo ruim por medo de nunca ter algo bom.
– Eu vou mandar mensagem para marcar nossa conversa.
Franzo a testa consideravelmente, olhando uma última vez para ele antes de entrar no táxi:
– Nós já tivemos ela.
[...]
As poças espalhadas pelo chão do campus denunciam a pancada de chuva rápida no fim da tarde. A brisa gelada que veio junto a ela parece ainda rondar as árvores, prédios e estudantes, pegando minhas bochechas e fazendo meus ombros se encolherem de frio em uma reação instantânea. Enquanto sinto a vibração em minhas coxas de meus passos irritados, tento pela vigésima vez ligar para Jungkook. E por mais que eu saiba que cairei em seu atendimento eletrônico como todas as outras vezes, não consigo não repetir o ato logo em seguida.
A vida parece cretina demais hoje, me levando para lá e para cá em uma correnteza insossa, tornando a missão de encontrar esse maldito acompanhante de aluguel a minha única certeza do dia.
Ao mesmo tempo em que pressiono o celular contra meu ouvido, seguro com firmeza a sacola com o pagamento de Jungkook. Ela não parecia tão pesada no início, mas era de se esperar que, depois de caminhar por mais de quinze minutos em meio ao frio imprevisto e carregando uma raiva crescente no peito, seu peso triplicaria. E, apesar de por um instante - apenas por um instante -, eu me ver satisfeita por perceber que Haneul será mesmo o responsável pela contratação de meu namorado falso, eu estou sendo movida por um sentimento amargo.
Haneul.
Seu nome me toma os pensamentos em rancor, a discussão fresca na cabeça ainda me deixa brava. Embora eu saiba que não valha a pena, eu queria mesmo dizer muitas coisas; tantas coisas que se embaralhariam no ar, enrolariam minha língua em agitação e o raciocínio seria intenso demais para organizar. Há muitas coisas que ainda pesam em meus ombros, pesam muito mais do que a sacola com a melhor versão do MacBook Pro dentro.
– Oi, aqui é Jungkook, no momento eu não posso fa-
Desligo o telefone e disco seu número de novo. Começando a subir as escadas para o prédio dos dormitórios, as pernas doendo nas juntas pelo frio e pelo esforço de caminhar o campus inteiro. Paro, entretanto, nos primeiros degraus, um borrão laranja me chamando a atenção. Meus olhos se voltam para os bancos de pedra perto do chafariz, entre cerejeiras e um caminho de terra batida. A luz do poste dançando sobre um grupo de amigos, facilitando a identificação de Jimin no meio de tantas cores neutras.
– Oi, aqui é Jungkook, no momento eu não posso falar. Deixe seu recado.
A mensagem acaba e consigo ouvir o pib, mas não digo nada e nem desligo. Estou ocupada demais procurando incessantemente o rosto de Jungkook nos ocupantes do banco de pedra. Um por um. Olhando e olhando de novo. Mas nada. Ele não está ali. Solto um suspiro contrariado, encerrando minha mensagem e enfiando o celular no bolso do casaco.
É óbvio que ele não podia facilitar as coisas para mim. Óbvio demais.
E com um suspiro saindo por meus lábios, minhas pernas se movem subitamente em direção ao grupo de amigos. Não é como se eu tivesse algo a perder, é? Ou me envergonhar. Porque, bem, enquanto me aproximo, percebo que Jimin ainda parece fofo e doce, mas talvez seja a raiva recente que não deixa eu me sentir ansiosa perto dele. Ou talvez seja o frio que não deixa com que eu me sinta abraçada por sua presença veranil.
Eu quero acreditar nisso, pelo menos.
– Oi, desculpa incomodar. – Digo assim que me aproximo. Oito pares de olhos voltando-se para mim de imediato e a conversa entusiasmada morrendo no mesmo minuto, apenas um murmuro em resposta se é ouvido. – Você sabe onde está Jungkook? Eu estou tentando falar com ele, mas seu celular está desligado.
– Ah, ele está no segundo andar! – Jimin solta prestativo, saltando do banco em seguida. Ele tem um sorriso simpático no rosto que alcança os olhos. – Segundo andar dos dormitórios, passou a tarde inteira lá desenvolvendo um projeto.
– Na verdade ele está na biblioteca. – Um dos garotos fala e tanto eu quanto Jimin o olhamos. – As mesas do segundo andar hoje estavam lotadas, então ele precisou ir para a biblioteca.
Minha boca se abre em um pequeno “o” de entendimento. O garoto afundado em uma jaqueta de nylon dá um meio sorriso, os cabelos escuros chegando às sobrancelhas com leveza.
– Em qual andar, Jin?
– Ele estava no terceiro até pouco tempo, ainda deve estar lá. Bem ao fundo do lado direito.
– Ele não parou nem para comer? – Uma nova voz brota, dessa vez é do garoto com óculos redondos e suéter bege.
Todos estão o olhando, sua pergunta sobrevoando nós cinco por poucos segundos enquanto a resposta parece ser processada. E, nesse tempo, eu me sinto esquisita por estar em meio à vida pessoal de Jungkook. A vida pessoal que ele tanto odeia falar. Parada aqui, em frente aos seus amigos, é como se eu estivesse entrando em uma casa sem aviso, entrando em uma festa sem convite.
– Acho que não.
– Jungkook deve mesmo estar desesperado. – O garoto faz uma careta em desaprovação. – Esse projeto é pra quando, afinal?
– Hoseok hyung, – Jimin chama, olhando dele pra mim por algumas vezes, parecendo desconfortável – ele sabe se cuidar...
Mas sua voz sai tão baixa que ninguém além de mim o ouve.
– Sexta.
– Para essa sexta? – O menino na ponta do banco, até então afundado em pensamentos, se manifesta. Quando Jin confirma, ele solta um suspiro arrastado. – Ele nunca vai conseguir.
– Argh, Yoongi, tenha um pouco de fé nele.
O nome me faz saltar, meus olhos correndo com mais atenção para a figura de boné escuro e jaqueta caramelo, o rosto parcialmente coberto por uma máscara cirúrgica preta. Yoongi. Eu lembro dele. Ele joga basquete aos fins de semana com Jungkook, e é também o amigo do maldito Jisoo. E o fato deu me lembrar disso parece errado. A sensação de invasão de privacidade dobrando de tamanho.
– O problema não é ele. – Yoongi se defende, as mãos apoiadas nos joelhos para olhar para o resto. – É o cara quem ele aluga o notebook, ele fica todo o tempo ao lado do Jungkook para vigiar os programas que ele usa e dar palpite.
A lembrança de Jungkook reclamando sobre o garoto me vem à mente e eu me encolho entre os ombros por me lembrar de mais uma coisa.
– Ah, aquele cara é mesmo complicado. – Hoseok fala, a língua estalando em insatisfação. – Jungkook tem passado por poucas e boas esse semestre, não é? Teve o incidente com o notebook, o projeto perdido, esse garoto otário...
– Não esqueça da Minju!
– Hyung! – A voz de Jimin salta desesperada, repreendendo Jin. Os três garotos olhando para ele de prontidão dessa vez. – Cuidado com as coisas que vocês falam, por favor.
E assim que a frase deixa sua boca, toda a atenção é voltada para mim como se um aviso silencioso os alertassem de minha presença. Os quatro me medindo cautelosos, talvez pensando em todas as informações que deixaram escapar. O desconforto de Jimin só deixa mais evidente o quanto eu não deveria estar aqui, o quanto eu não deveria estar ouvindo essa pequena parte da vida de Jungkook.
Mas embora a sensação seja errada, não consigo não gostar dela. É como se mais um detalhe viesse à tona, como se mais uma vez eu estivesse o redescobrindo por inteiro, mas de uma maneira diferente agora. Um segredo aqui e outro lá. De novo.
– Você é Minju? – Hoseok é quem pergunta.
– Não.
– Você é uma cliente?
E dessa vez é Yoongi, ele abaixa a máscara cirúrgica como se isso fosse tornar sua pergunta mais audível. Quando minha cabeça se move em afirmativa, as caretas em arrependimento são a reação direta que recebo.
– Ah, o Jungkook vai nos matar! – Jin é o primeiro a reclamar. – Por que a gente é assim?
– A gente não falou nada demais. Só da Minju.
– É, Hoseok tem razão, nós só falamos da Minju.
– Parem de falar da Minju, por favor. – Jimin solta exasperado e tudo se torna silêncio outra vez.
O pequeno grupo de amigos parece viver um caos sombrio e eu me vejo curiosa, a pergunta quase escapando da ponta de minha língua e se verbalizando entre nós. Quem é Minju? Mas sei que eu nem sequer deveria estar aqui. Pelo menos não até agora. Eu deveria ter saído no instante seguinte em que Jin me informou o paradeiro de Jungkook. E por mais que eu ainda queira ficar e tentar pegar o máximo de informações contrabandeadas de sua vida, eu sei que essa deve ser a segunda hora certa para ir embora.
Limpo a garganta em um pigarreio estranho, chamando a atenção dos quatro com facilidade. Eles ainda parecem pensar nas coisas que falaram e na possível consequência disso.
– Eu estou indo. – Um sorriso rápido de gratidão move os cantos de minha boca para cima. – Muito obrigada pela ajuda.
E antes que qualquer coisa seja dita ou que o clima se transforme em desconforto e vergonha, eu giro nos calcanhares e apresso o passo pelas escadas. O grupo no banco de pedras sendo deixado para trás em poucos segundos e a ideia de superar Jungkook me surgindo traiçoeiramente nos pensamentos, se mesclando com todas as informações recentes adquiridas. A sensação de apego a algo inexistente me toma o peito em comodidade mais uma vez e eu realmente me odeio por isso. Porque, de repente, eu me vejo querendo saber mais sobre Jungkook, mais descobertas, segredos ou fatos bobos; detalhes supérfluos, irrelevantes. Qualquer coisa que me faça invadir seu mundo de novo, qualquer coisa.
E por mais que a ideia de superação tenha sido deixada de lado a partir do instante que soube sobre Jisoo, agora ela me parece uma atitude, no mínimo, sensata. Até porque eu estou criando uma imagem de Jungkook que não existe, eu sei disso. Ela não existe. Ela poderia existir? Quer dizer, estou criando um perfil equivocado baseado em mentiras e informações filtradas, não é? É claro que é. E é por isso que preciso superar. Preciso.
Eu.
Preciso.
Superar.
Mas no instante que meus olhos encontram sua figura no exato lugar que me indicaram, meu corpo todo entra em combustão. E isso é ridículo. O que aconteceu com o frio que não me deixou sentir o verão de Jimin? O que aconteceu com ele? Eu devo ter enlouquecido de vez. Se antes eu acreditava estar no fundo do poço, agora eu me sinto enterrada nele. Eu estou completamente maluca. Essa é a única explicação.
Sinto-me balançar para os lados involuntariamente, meu corpo cambaleando para dentro de um dos corredores e se encostando a uma das prateleiras. Meus olhos buscando Jungkook entre as estantes e livros sem qualquer cerimônia. E eu volto a me sentir absurda, ultrapassada. O que eu estou fazendo? Foi só a droga de uma resposta inventada e uma jaqueta de couro. Só isso. Não teve nada de mágico ou extraordinário. Foi só isso.
Solto um grunhido irritado. Isso é tudo culpa de Haneul! As coisas não estariam desse jeito se ele não tivesse arranjado aquela droga de namoro. Se as coisas fossem diferentes, eu estaria em meu quarto agora, finalizando o resumo de Antropologia e repassando a matéria pela quinta vez. Eu estaria concluindo uma tarde de estudos intensos, uma tarde produtiva e um tempo bem gasto.
Eu poderia estar fazendo qualquer coisa no mundo.
Qualquer coisa.
Mas não. Eu estou aqui, parada contra livros da sessão antiga, encarando Jungkook à distância e pensando em quão bonito ele fica usando jaqueta jeans clara. E eu me sinto tão desnorteada e afundada nele, que por pouco não percebo a presença inconveniente do garoto ao seu lado. Enquanto Jungkook tem os olhos fixos na tela do notebook em sua frente, o que parece ser o dono do computador está inclinado em sua direção tagarelando sem parar. E eu logo me questiono sobre a bagunça nos cabelos do acompanhante de aluguel, talvez suas mãos tenham passado ali repetidas vezes com a intenção de arrancá-los de raiva, afinal.
Aperto a sacola com mais força, não evitando pensar em como mais uma vez a vida foi sacana. Se as coisas tivesse dado certo, eu não precisaria mais vê-lo, não estaria passando por isso de novo, é verdade. Mas agora parece mesmo que estamos amarrados juntos nessa armadilha por um longo tempo.
Saio detrás da prateleira, ultrapassando as cadeiras vazias e contornando as mesas ocupadas, levemente incomodada por Jungkook ter escolhido ficar tão longe assim do restante do mundo. A parede de vidro em suas costas serve como um espelho agora à noite, apesar de dia ser uma perfeita tela para a paisagem lá fora. Ao redor do notebook há uma mochila preta e dezenas de papéis amassados, além de uma garrafa d’água vazia, carteira e fones de ouvido. Quando paro perto o suficiente para ser notada, o garoto ao lado de Jungkook me olha. O rosto redondo contorcido em confusão e prepotência.
– Quem é você?
Mas não respondo, uma vez que não demora muito para o rosto do Jungkook se erguer também.
– _____? – Sua voz é quase um sussurro. – O que você está fazendo aqui?
– Eu preciso conversar com você.
– Como você me achou?
– Falei com seus amigos. – Diminuo o tom de voz subitamente. – Jin me disse onde você estava.
– Você estava com Jin?
– Com Yoongi também. – Falo surpresa por lembrar os nomes. – E Hoseok e Jimin.
Sua cabeça se inclina lentamente para o lado, como se o que acabou de ouvir não fizesse o menor sentido. E talvez não faça. Pelo tanto de horas que ele passou aqui dentro, seu cérebro deve estar terrivelmente danificado. Ou talvez realmente não faça o menor sentido eu ter invadido sua vida privada da forma mais desavergonhada possível, invasiva ao extremo...
Ele chacoalha a cabeça brevemente.
– Isso não importa agora. Eu estou ocupado.
– É urgente.
Ele respira fundo, inquieto.
– Não tem a menor condição d’eu fazer isso para você. Nem sei porque você insiste. – Fala e eu sei que ele se refere ao contrato exclusivo. – Eu preciso de dinheiro para o notebook, não consegui nem 20% ainda. Está fora de questão.
Quando estou prestes a abrir a boca para dizer que eu tenho a solução para seus problemas, o garoto ao seu lado dispara:
– Falando em notebook, eu preciso do meu. – Sua voz é um disco quebrado, irritante do início ao fim. – Já disse que quero usar.
– Eu já vou devolver, Hyunwoo. – Jungkook diz em uma voz estrangulada, seus olhos na tela mais uma vez. Ele parece no limite de um surto psicótico. – Eu pago a mais se você quiser, eu só preciso finalizar essa edição.
– Cara, eu preciso dele agora.
Vejo Jungkook fechar os olhos em irritação, os dedos saindo do teclado alguns segundos apenas para tamborilarem sobre o HD externo. As veias do seu pescoço estão visíveis e seus dentes cravam em seu lábio inferior por puro ódio.
– A gente acertou pro dia todo, – fala – o dia ainda não acabou.
– É, mas eu lembrei que preciso dele.
– Jungkook, – chamo apelativa – a gente precisa conversar.
Seu rosto vai de mim ao garoto ao seu lado várias vezes, seu peito inflando em descontentamento, eu sei que sim. Ele solta mais um suspiro longo e impaciente, e eu me sinto verdadeiramente mal por ele.
– Eu só preciso de dez minutos, por favor.
Mas eu não faço ideia para quem ele disse isso, como também não sei se isso valeu de algo. Até porque o dono do notebook parece imbatível ao soltar uma risada debochada.
– Você não vai conseguir terminar esse projeto nunca até sexta-feira, não sei porquê você ainda não desistiu.
Eu sinto um baque estranho no peito, uma frustração enorme ao perceber que Jungkook também acredita nisso. O modo como sua boca se espreme e como seus olhos se estreitam para a tela só me dá certeza. Engulo a seco, eu não planejava ter que fazer isso na frente de outro alguém, eu planejava ter esse tipo de conversa a sós. Mas há algo na forma como Jungkook não rebate o comentário maldoso, há algo em como seu nervosismo é palpável o bastante para que ele sucumba a esse tipo de tratamento, há em sua submissão que me faz mudar de ideia.
– Jungkook. – Falo, a voz mais firme que antes, saindo do sussurro. Mas o único que me olha é o maldito garoto ao seu lado. – Isso é seu.
Ergo a sacola para o alto e coloco em cima da mesa, abaixando a embalagem para que o produto seja completamente exposto; meus olhos esperando os dele se elevarem, mas isso não acontece. Ele parece completamente absorto.
– Uau! – Hyunwoo solta chocado, inclinando-se sobre a mesa de forma espontânea. – Isso é o novo modelo do MacBook Pro?
E outra vez não respondo, porque me sinto ansiosa demais ao ver os olhos de Jungkook finalmente se erguerem. Tento de forma involuntária pegar qualquer possível reação no ar, qualquer coisa que me dê indícios do que ele esteja sentindo. Mas ele parece imerso em um universo paralelo.
– O que é isso?
– É o melhor modelo de notebook da Apple até agora! – Hyunwoo responde por mim, sua mão pairando sobre a caixa em uma animação infantil. – 15 polegadas, i7 com armazenamento de 512 GB, touch Bar e touch ID! Sem contar nas quatro portas pra Thunderbolt 3 e Turbo Boost de mais de 3 GHz.
Os olhos negros de Jungkook piscam uma, duas, três vezes, toda sua inexpressão se transformando em uma feição puramente confusa.
– Por que você... – Mas para, a voz um fiapo inaudível. Ele pigarreia só para assim olhar para mim. – Pra quem é isso?
– É seu. É meu pagamento.
– Você tá falando sério?
– Sim.
Seu corpo cai lentamente sobre a cadeira, sua cabeça inclinando-se outra vez para o lado ao passo que ele examina a caixa intocada sobre a mesa. E ficamos assim pelo que parecem ser horas. O garoto ao seu lado parece tão concentrado em tentar ler as especificações de longe que nem percebe a situação ao seu redor.
– Isso é meu mesmo? – A voz de Jungkook pergunta outra vez e eu assinto. – Sério?
– Contanto que eu seja exclusiva, essa é a condi-
– Eu sei. – Diz, de repente inclinando-se sobre a mesa também. Ele arrisca um olhar de canto a Hyunwoo, que parece realmente aéreo demais para prestar atenção. – Mas eu tenho alguns clientes que pagaram adiantado.
– Achei que era contra pagamento adiantado.
– Eles foram o motivo por eu ser contra pagamento adiantado.
Ergo as sobrancelhas, vendo-o morder o canto interno de suas bochechas em aflição.
– Quantos?
– Dois.
– E quantos encontros?
– Três no total.
Olho dele para a embalagem mais uma vez e eu me sinto satisfeita por ver finalmente um brilho na imensidão negra de seus olhos. E acabo de perceber, da maneira mais vergonhosa possível, que estava ansiosa por sua reação desde o início. Tamborilo meus dedos sobre a caixa algumas vezes até empurrá-la em sua direção.
– A partir de agora nós namoramos.
– O quê? – De repente Hyunwoo desperta, os olhos arregalados de pavor. – É assim que as pessoas pedem as outras em namoro agora? Comprando um notebook de 3 milhões e meio de wons?
Mas Jungkook está entretido demais em desligar o notebook emprestado e arrancar o HD externo em um puxão vitorioso. Ele enfia o último dentro da mochila junto com a garrafa d’água vazia e todos os papéis amassados sobre a mesa, junta também sua carteira e fones de ouvido antes de se erguer subitamente.
– Ele é todo seu. – Ele diz a Hyunwoo e me sinto bem por isso, é como se eu pudesse ver todo o peso das costas de Jungkook indo embora no ar. É como um filme adolescente tocando The All-American Rejects ao fundo. Vejo-o então pegar a sacola com seu presente com cuidado da mesa e olhar para mim. – Você está com fome?
E todo o clima adolescente explode no ar.
Levo um tempo para assentir, porque, de modo repentino, ele está contornando a mesa e parando ao meu lado. E eu sei que eu deveria estar trabalhando no lance da superação, mas, porra, ele está sorrindo. Sorrindo. Eu estou recebendo um sorriso completo de Jungkook, todos os dentes à mostra e sua pintinha debaixo da boca como uma estrela solitária no céu. Será que ele sabe que conseguiria qualquer coisa com esse sorriso? Eu me sinto tentada a aceitar tudo o que ele me propor a fazer. E eu sei que é humilhante. Mas tudo bem enquanto isso se manter em segredo, não é?
Merda.
Eu posso sentir meu estômago se revirar todo em meu ventre em um nervosismo estranho e desconexo.
O que está acontecendo?
Eu só quero voltar ao normal. Eu só quero não ter que reparar em como seus brincos balançam enquanto ele caminha. Ou em como suas pernas são longas e dão passos espaçados demais, mas que diminuem o ritmo para me acompanhar. Não quero notar a calça jeans preta agarrada as suas coxas ou como seu perfume parece a própria esperança no meio de crises existenciais.
É só a droga de um sorriso. Um sorriso acompanhado por um nariz enrugado como de uma criança e os olhos tão pequenininhos que mal se podem ver as irises. Mas, mesmo assim, um sorriso. Só um sorriso.
É só um sorriso, não é?
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 4/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 4.398 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Eu não sei exatamente o que esperava quando falei a Jungkook sobre vestir roupas que o deixassem com cara de bom moço – como também não sei se ele levou a sério a instrução –, mas eu com certeza sabia o que não esperava. A jaqueta de couro, a camiseta branca e a calça jeans escura não chegam nem perto da ideia predeterminada, até porque elas só conseguem gritar uma única coisa: problema.
E algo me diz que ele fez isso por pura teimosia.
Não que eu esteja reclamando da vista...
Desde que nós chegamos ao restaurante e nos encontramos com os meus pais em uma mesa afastada da entrada, sua presença tomou conta do ambiente inteiro. Não só por causa de sua óbvia boa aparência e seu perfume frutado, mas como também por mamãe ser invasiva o suficiente para lhe direcionar dezenas de perguntas sem vergonha alguma; e o tornar, assim, o principal assunto do almoço.
Eu já esperava por isso, não havia qualquer outro motivo para esse encontro, mas não consegui me manter impassível quando a primeira pergunta do questionário nonsense de mamãe dançou entre nós. Eu me encolhi entre os ombros no mesmo instante, meus olhos correndo para qualquer lugar que não fosse Jungkook e sua possível resposta atravessada. As lembranças recentes de seu olhar sério em reação à minha curiosidade parecendo mais vivas do que nunca.
Entretanto, para minha enorme surpresa, ele cedeu.
Jeon Jungkook nasceu em Busan e é três meses mais novo que eu. Tem uma irmã mais velha formada em medicina, os pais cuidam de uma panificadora de bairro e seu objetivo de vida é trabalhar com produção de jogos. Odeia carros sedan e seus doramas favoritos são Vampire Prosecutor e Doctor Stranger.
A fina cicatriz em sua bochecha, que eu nunca havia percebido, foi feita por uma concha em uma de suas idas à praia. E assim que ele sorri aberto para minha mãe ao terminar a história, eu me pego prestando atenção em absolutamente tudo o que ele faz e fala. Talvez seja pela forma como ele exala confiança e conforto ou pelo fato dele se moldar com facilidade em todos os assuntos falados. É como uma caixinha de agradáveis surpresas quando menos se espera e não evito pensar que talvez ele seja assim de verdade, longe de todo esse lance de acompanhante de aluguel. Há uma segurança aparente, algo que lhe faz parecer muito mais interessante do que antes. E, sem que eu perceba, eu estou o observando com uma atenção redobrada em uma busca secreta por detalhes que nunca havia notado.
Olhos, boca, nariz, cabelo e orelhas. Tudo sendo analisando milimetricamente enquanto ele ainda parece afundado nas perguntas de mamãe. É fácil lhe observar do outro lado da mesa, sentindo seus pés encontrarem os meus sem querer. Daqui eu consigo ver como seus olhos amendoados brilham muito mais em ambientes fechados, como também consigo ver dois outros brincos nas orelhas que não havia percebido antes. E que talvez sejam propositais para fugir completamente da imagem de bom moço que pedi que fizesse.
Talvez a teimosia cretina de Jungkook tenha sido a principal responsável pela minha negligência aos seus detalhes. A pintinha logo abaixo do lábio inferior, a forma que seu cabelo bagunçado o deixa ainda mais bonito e como seu nariz se enruga de um jeito infantil toda vez que sorri. E talvez, mas só talvez, eu pense em como ele deveria sorrir mais vezes.
Eu me sinto mergulhar na sensação de estar redescobrindo Jungkook por inteiro, em cada mínimo detalhe, um segredo aqui e outro lá.
– Você pretende ficar em Seoul depois da faculdade ou voltar para Busan?
Sou arrancada de meu devaneio pela voz de mamãe. A pergunta vem ingênua, mas eu sei que há uma intenção clara por detrás disso. Há uma segunda, terceira, quarta intenção como em todas as outras perguntas feitas anteriormente.
– Pretendo morar em Seoul. – Ele dá a resposta de forma sincera e, sem saber, certa também. – O mercado de trabalho na produção de jogos é muito maior aqui.
– Hm. Entendi.
Examino cautelosamente a reação de meus pais pelo que deve ser a décima vez só hoje. Eu já sei que papai não se importa com quem eu vou me casar, que o importante mesmo é só ter um casamento em vista. E ele deixa isso ainda mais claro quando nem sequer parece ouvir a conversa, toda a atenção voltada para o celular; sua voz sendo ouvida apenas quando solta algum elogio aleatório a Jungkook. E eu me pergunto se em algum momento ele fez questão de estar aqui, se só saber que sua filha não seria uma vergonha para a família já não era o bastante para ele.
Almoço com o namorado de _____? Que grande bobagem!
Mas deixando de lado qualquer possível carência paterna, eu me sinto aliviada. A reação de papai era a que eu procurava; me livrar de qualquer cobrança é o objetivo de tudo isso, me livrar, principalmente, de conversas sobre Haneul.
Já mamãe, além do casamento, parece mesmo se importar com o noivo também.
– Jungkook querido, quais são suas intenções com _____?
Meus olhos crescem em pavor e eu quase engasgo com o ar.
– Mamãe! – Me ouço a reprimir sem ao menos pensar, sentindo meu rosto ruborizar sem exatamente entender. – Isso é desconfortável.
– Por que desconfortável? – Ela parece ofendida, virando-se para papai em sua frente à procura de apoio. – Eu estou errada em me preocupar? Jungkook, eu estou errada?
– _____, nós somos seus pais, nós nos preocupados com isso. – Meu pai ralha por pressão de mamãe e eu me sinto afundar no acento. Seus olhos indo da tela do celular para mim de maneira displicente, mas não ouso rebater. – Tenho certeza que Jungkook não vê problema algum em responder essa pergunta, não é?
E então eu não levo menos do que um segundo para olhar para ele, seu rosto tem um quê de desconforto claro, mas não parece a ponto de se erguer e largar o almoço no meio. Talvez ele esteja pensando que tudo isso é loucura, que parece uma pegadinha idiota de televisão.
Eu também gostaria que fosse.
– Nós nunca conversamos sobre isso, na verdade. – Diz, a boca se repuxando em um sorriso sem graça e eu logo me vejo curiosa por sua resposta. – Nós estamos focamos em terminar a faculdade e decidir nossas vidas profissionais antes de tomar qualquer outra decisão. Minha única intenção agora é ver ela ter sucesso no que quer.
Eu sinto um lance esquisito no peito, mas não é algo ruim. Sinto também minhas bochechas se repuxarem em um sorriso que logo é impedido de crescer por mim mesma. Eu sei que essa não era a resposta que meus pais queriam ou esperavam, mas foi a que eu sempre quis de Haneul e nunca tive.
– Você costuma ir para Busan ou seus pais costumam vir aqui para lhe visitar?
A voz de mamãe vem outra vez e ela realmente parece chateada com a resposta dada. Seu rosto é contorcido em um sorriso amarelo e eu sei que a próxima ligação que ela me fará terá como tema principal a porcaria da intenção de Jungkook comigo.
E por mais que isso vá me chatear no futuro, eu não consigo ficar irritada pela resposta dada.
– Eu visito eles uma vez por mês.
Ela se remexe na cadeira, de repente interessada.
– Qual sua próxima visita?
– Esse fim de semana.
Os olhos de mamãe de arregalam surpresos, passando de Jungkook para mim e de mim para papai, seus dedos tamborilando a mesa para chamar sua atenção.
– Querido, não seria uma ótima ideia nós irmos juntos para um encontro de famílias?
Um grito de pavor cresce pela minha garganta, mas eu o sufoco a tempo. Vejo o rosto de Jungkook petrificar e tento encontrar alguma desculpa boa o bastante para que isso não aconteça. Mas há um branco enorme, um nervosismo crescente e um desespero tão grande que eu nem sequer consigo por em ordem meus pensamentos bagunçados pela aflição.
– Esse fim de semana? – Papai pergunta aéreo, tirando os olhos do celular de forma vaga. E eu posso jurar que estou suando. Suando como um porco. – Acho muito precipitado... Talvez mês que vem?
– Mês que vem?
– Não esqueça que esse fim de semana nós combinamos de nos encontrar com a família Lee.
Apesar de toda a tensão sobre uma possível visita que me pega a parte detrás dos joelhos, a referência à família de Haneul me faz ter um reboliço furioso na boca do estômago, um amargo estranho na ponta da língua. Eu pensava que estaria livre disso por hoje, que estaria livre disso para sempre. Mas ele parece mais um fantasma que vem e vai o tempo todo.
Os olhos de papai correm até Jungkook, de repente, cautelosos.
– Eu espero que você não se importe de nós termos um vínculo forte com a família de Haneul.
– Não me importo.
Mas ele parece sim se importar. Não com o vínculo, obviamente, Jungkook está mais incomodado por ter o nome de Haneul citado na conversa do que qualquer outra coisa. É um lance de orgulho ferido, acredito.
– É a única opção, não é? – Mamãe mia depois de um tempo, chateada. Imersa em toda uma batalha de argumentos interna. – Quer dizer, nós precisamos mesmo ir a esse evento com os Lee.
Inflo o peito, não me sentindo aliviada o bastante. É como se a qualquer instante outra ideia possa surgir e colocar em risco todo meu plano. Todo o conforto de antes, com as perguntas sendo respondidas por Jungkook de forma perfeita, sem falhas, parece ter se dissolvido no ar. Nada mais parece seguro.
Remexendo-me na cadeira de forma inquieta, passando os olhos pelos pratos sujos de comida em meio à mesa. Estou pensando em algo para dar o fora daqui, algo que nos faça desaparecer da frente de meus pais como num passe de mágica. Mais uma pergunta foi lançada a Jungkook, mas não consigo prestar atenção. Meus olhos caem, no entanto, sobre meu pulso perto da taça de cristal, eles captando sem demora alguma meu relógio.
13h45. E uma desculpa perfeita e verdadeira surge.
Sinto meu corpo reagir em choque, minhas pernas se batendo nos pés da mesa e eu me erguendo de forma desastrada.
– Nós precisamos voltar para a faculdade! – Falo exaspera, interrompendo qualquer possível assunto que esteja acontecendo, subitamente me lembrando da promessa feita a Jungkook. – Marquei uma reunião de trabalho.
– Mas assim? – A voz de mamãe é assustada, me olhando confusa de cima a baixo. – Tão de repente?
– Desculpa. – Faço um sinal claro para Jungkook se levantar, o aroma frutado tomando o ambiente assim que ele se move. Seu rosto tem um ar perdido e talvez ele também tenha sido pego desprevenido por toda a movimentação repentina. – Eu já estou atrasada, perdi o horário.
– Não querem uma carona?
Olho para meu pai, a sugestão vagando por poucos segundos sobre a mesa até eu entender que a pergunta foi realmente proferida e que precisa ser respondida.
– Não precisa.
– Tem certeza?
– Absoluta! – Eu já não estava mais aguentando todo o clima do almoço, precisar passar por isso dentro de um carro é como a morte. Inclino-me sobre a mesa e agarro o pulso de Jungkook sem pensar. – Vamos, eu vou me atrasar.
– _____, por que toda essa pressa? – De repente mamãe está afobada por toda nossa agitação, se erguendo e pedindo para que meu pai faça o mesmo. – Isso é indelicado. Você não pode se despedir da maneira correta?
– Eu sinto muito. – Dou um passo para trás e puxando Jungkook comigo, ele cambaleia incerto em minha direção. – Mas essa reunião é realmente importante.
– Daqui duas semanas nós temos aquele evento beneficente, não esqueça, _____! – Mamãe fala, as mãos se juntando contra o peito em um olhar preocupado. – É importante que você vá. E você também, Jungkook, é tradição na empresa, todos precisam estar presentes.
– Nós vamos! – Falo, sorrindo estranho por ela incluir ele de uma forma tão natural. – Obrigada pelo almoço.
– Me mande mensagem quando puder!
Mas a voz de mamãe foi deixada para trás, junto a um agradecimento rápido de Jungkook a meus pais. Nossos passos no chão do restaurante são intensos, como toda a urgência que sinto em dar o fora daqui. A mudança brusca de temperatura nos pega em cheio quando paramos na calçada, nossos corpos se encolhendo automaticamente de frio.
E assim que meus olhos encontram minha mão ainda segurando o pulso de Jungkook, eu o solto de maneira abrupta. Logo percebendo que a sensação quente pela sua resposta mais cedo ainda me toma o peito em aconchego; o que me faz pensar quando exatamente eu me vi afundada na ausência de demonstração de carinho. Afundada ao ponto de me agarrar a uma resposta inventada por um namorado alugado.
Isso é patético e eu devo mesmo ter enlouquecido.
Afasto-me dele alguns passos, sua figura esguia tem um destaque bonito por entre as árvores da rua e eu me perco por um instante, apreciando a forma como ele enfia as mãos nos bolsos da jaqueta e olha para o movimento em nossa frente.
– Obrigada por hoje.
Ouço-me dizer, voltando a realidade quando seus olhos me analisam por um tempo. Eu não faço ideia do que eles dizem ou sentem, eu só sei que preciso sair daqui. Chamo um dos táxis parado na esquina de um jeito desastrado e me ocupo em pegar algum dinheiro dentro da bolsa. Sua atenção ainda está voltada para mim quando ergo a cabeça e estendo as notas em sua direção.
– O dinheiro para a corrida, – explico vendo sua testa vincada em confusão – você não vai chegar a tempo para seu compromisso se for a pé.
– E você?
Não sei ao certo se explico para ele que quero ficar longe, manter uma distância razoável, porque, de repente, o calor no coração parece intenso demais para administrar.
– Eu preciso passar em outro lugar antes.
Sua cabeça se inclina para o lado, pegando o dinheiro em desavença.
– Tem certeza?
– Tenho, pode ir.
O táxi para em nossa frente no segundo seguinte, Jungkook olhando para suas portas fechadas por algum tempo antes de avançar e abrir a que acessa os bancos detrás.
– O que você vai fazer a respeito do evento beneficente?
Ele está parado no meio do caminho, me observando. E eu me pego surpresa por isso. Dentre todas as perguntas que pensei que fosse ouvir dele, essa seria a última.
– Não faço a menor ideia. – Digo incerta, pega desprevenida pela sua preocupação. – Tenho tempo até lá.
– Se você quiser me contratar de novo, é o dobro. – Ele aponta em minha direção como um aviso e eu me vejo levar um tapa na cara. Tão óbvio. Preocupação uma ova. – Eu não faço esse tipo de trabalho, mas eu abro uma exceção pra você. Se sinta grata por isso.
– Eu vou te pagar o dobro... – Rebato chocada. – Como eu deveria me sentir grata por isso?
– É contra as minhas regras e mesmo assim eu estou fazendo.
Solto o ar pela boca, indignada comigo mesma por ter sequer acreditado que Jungkook podia ser capaz de sentir compaixão ou empatia.
– Você está mesmo tão desesperado assim pela grana? Indo contra suas próprias regras desse jeito? – Vejo-o se remexer no lugar surpreso pela minha reação explosiva. – Eu devo mesmo ser sua melhor cliente, não é? Você deveria me tratar melhor!
Seu peito infla, inconformado.
– Você não é minha melhor cliente, eu tenho clientes melhores que você!
– Com aquele post-it horrível? Duvido muito. Nem sei como você teve coragem de colocar aquilo no edital dos dormitórios.
– Não fui eu quem fez, foi meu amigo! E foi um momento de desespero e... – Ele para de falar abruptamente quando o motorista do táxi o chama. Jungkook suspira alto, os olhos semicerrados em teimosia voltados para mim. – A próxima vez é o dobro.
– Não vai ter próxima vez.
Ele não rebate, optando apenas por entrar no veículo e bater a porta com força. Mas eu consigo ver um lampejo de riso irônico nos seus lábios, nada convencido pela minha resposta. E eu detesto ter prestado atenção em como seu nariz se enrugou como o de uma criança pelo ato.
Eu odeio Jeon Jungkook e todos os seus detalhes.
Ele abaixa a janela um último instante, os braços se pendurando para fora do carro, o sorriso cretino ainda na boca.
– O que é? – Solto brava. – Eu já te agradeci por hoje, ok? Eu sou grata, Jungkook.
– Não é isso. – Ri. – Eu só estava pensando aqui que você escapou mesmo de se casar com Haneul e a família idiota dele.
Eu não faço ideia por que esse comentário veio. Muito menos em que sentido ele veio. Bom, ruim. Eu só sei que me sinto quente de novo, ridiculamente quente e bem cuidada. Porque algo me diz que ele lembra, lembra como eu me encolhia em cada comentário ofensivo na festa de Eubin e em quão desconfortável eu fiquei na volta para os dormitórios.
E isso é ridículo. Jungkook não deveria lembrar nada, deveria esquecer tudo e voltar só a ser o perfeito babaca que ele sempre foi.
Giro os olhos por não saber mais o que fazer e dou as costas, caminhando para uma direção contrária a dele. Mas então eu paro, olhando para trás apenas para ver o táxi sumir no fim da rua e me deixar aqui, parada entre as árvores e suas flores, parada aqui e agarrada a uma demonstração de carinho que eu nunca tive.
[...]
Solto um suspiro longo, olhando para o livro aberto de Antropologia repleto de anotações e frases sublinhadas para, assim, mirar a folha em branco em minha frente, a folha que deveria ser um extenso resumo sobre a matéria. Deveria se mamãe não tivesse interrompido meus planos de passar a tarde inteira afundada em estudos intensos.
– ... Uma almofada cor carmim e um candelabro dourado. – Ela continua do outro lado da linha e eu não faço ideia do que ela está falando. – Cortinas bege... Não! Creme. Cortinas creme com...
Tento pescar alguma anotação importante, algo que eu possa adiantar, alguma frase para iniciar finalmente o resumo, mas eu desisto quando percebo que eu sou péssima em fazer duas coisas ao mesmo tempo. Deixo então meu corpo sucumbir mais uma vez, girando a cadeira apenas para encontrar Sorn entrar às pressas em nosso dormitório. Enquanto mamãe ainda fala, vejo-a chutar os sapatos para longe e correr até sua escrivaninha, dando um sorriso rápido em minha direção como forma de cumprimento.
Assim que seus livros vão sendo empilhados ao lado de seu notebook, eu percebo que ela precisará de silêncio. Arrependida por atender a ligação, dou uma última olhada em meu material de estudo, antes de levantar e ir para o corredor. Meus pés se enfiando em meus tênis e mamãe ainda parecendo falar sobre objetos e cores e sabe-se lá mais o quê.
– O que você acha?
– Legal. – Solto cansada, minhas costas encontrando a parede do corredor vazio.
– Legal? Eu perguntei se você acha melhor champanhe ou vinho e você me responde legal? – Sua voz é aguda de indignação e eu permaneço quieta em aborrecimento. – Nós não conversamos desde semana passada e quando conversamos você não presta atenção? Isso é...
– Desculpa. Eu estou com a cabeça em outro lugar.
– Em que lugar? O que é mais importante do que a decoração para o evento beneficente?
Abro a boca para lhe dizer sobre os trabalhos da faculdade, sobre as dezenas de preocupações que me rondam esse semestre. Mas eu logo me vejo quieta outra vez. Não iria adiantar, ela não entenderia. Não é como se isso fosse algo realmente importante para ela. Quando eu ganhei a bolsa de estudos na universidade, seu primeiro comentário foi “pra quê?”.
– Brigou com Jungkook?
O nome sendo lançado de forma aleatória faz meu corpo se remexer involuntariamente no lugar. Um incômodo estranho na boca do estômago. Eu não o vejo desde o almoço, como também evito pensar nele desde então. A conclusão de que enlouqueci por me apegar a um relacionamento inventado me assustando ao ponto de fugir de lugares em que poderia o encontrar. Foi um momento estranho e que eu quero me manter longe.
– Não, não é isso.
– Como foi a viagem dele para Busan?
Respiro fundo, a cabeça doendo nas têmporas por pura indisposição.
– Bem.
– _____... – sua voz vem mansa e eu já me preparo para o que está por vir – Como está o namoro de vocês?
Evito soltar um grunhido. O fato de mamãe ter nos transformado no assunto principal da conversa me deixa desconfortável. Talvez me deixa mais desconfortável do que sua insistente duvida sobre nós dois. Eu sabia que isso ia acontecer, que seu interesse seria constantemente escancarado em forma de perguntas; mas não sabia que quando acontecesse eu estaria tentando superar algo que nunca nem sequer pensei que teria que superar.
– Por que a pergunta?
– Porque, bem... O que foi aquela resposta dele sobre as intenções com você?
E então eu me encolho abruptamente, mamãe acertando um chute certeiro em meu calcanhar de Aquiles.
– Foi a que eu queria ouvir. – Falo sincera. – O que você esperava?
– Que ele falasse sobre casamento, óbvio. Vocês nunca conversaram sobre isso?
– Conversamos. – Minto e a ideia me faz sofrer um arrepio estranho nos braços. – Nós queremos nos casar, mas estamos indo por etapas. Primeiro faculdade, depois casamento.
– Isso é bobagem! – Sua vez vem afrontosa e eu ouço sua respiração pesada do outro lado da linha. – Mas ok. O importante é que você não está mais solteira. E eu gosto de Jungkook, ele é muito bonito.
Eu quero morrer. Morrer de verdade. Porque, de repente, todos os detalhes dele estão me surgindo na cabeça e eu não consigo parar de pensar nisso. Meu corpo sendo tomado por um sentimento quentinho e confortável. E isso é patético.
Ok, você precisa superar.
Precisa. Superar.
– É. – Solto em meio a um riso estranho. – Eu preciso estudar agora, mãe. A gente conver-
– Ah! Eu esqueci de te contar.
– Contar o quê?
– Jisoo foi transferido para a Chung-Ang.
O sentimento que antes era quente é substituído por um frio, tão frio que eu me sinto imersa em uma banheira de gelo.
– Quem?!
– Jisoo, o melhor amigo de Haneul. – Fala animada. – Hoje foi o primeiro dia de aula dele aí. Disse que os dormitórios são pequenos, é verdade, querida?
– Hm, é...
Mas eu não tenho certeza o que acabei de responder. A voz de mamãe parece distante demais agora, enquanto meu cérebro conecta a nova informação as demais. Meus ombros tremem em ritmo de zumba e eu sinto meus lábios ficarem secos de pânico.
Jisoo transferido para Chung-Ang.
Jisoo. O cara que não deixa passar nada, o cara que conta absolutamente tudo para Haneul, ainda mais coisas que envolvem minha vida. Transferido. Para. Chung-Ang.
Isso é... Puta que pariu.
Assim que a voz de minha mãe se despede do outro lado da linha e a ligação chega ao fim, eu me vejo correr em disparada até as escadas. De repente, o elevador parecendo lento demais para suprir minhas necessidades de inquietude nervosa. As solas de meus tênis fazem um barulho agudo em contato com o chão e se mescla ao som do meu teclado touch, meus dedos ágeis a procura de um contato em específico.
Pulo os degraus de dois em dois, minhas pernas tremendo e eu tendo a absoluta certeza que a qualquer instante eu vou cair. Mas eu não consigo parar, é uma urgência irritante que me toma os nervos e faz com que o desespero comande todos os meus movimentos. Aperto o telefone contra a orelha e não leva mais do que três segundos para que Jungkook me atenda.
Foda-se o lance da superação, eu preciso dele agora.
– _____?
– Jungkook! – Minha voz ecoa e eu afasto o sentimento estranho que me pega o peito. – Eu quero conversar com você.
– Não posso. – A voz parece aérea. – Estou ocupado.
– Só desça um pouco, eu estou indo para o hall!
– Eu não estou no dormitório.
– Onde você está? Eu preciso falar com você! – Eu tenho plena consciência de que soo desesperada, mas não é como se eu me importasse. – Eu preciso que você pare de ser acompanhante de aluguel, que seja exclusivo meu.
– O quê? Do que você está falando?
– O amigo de Haneul pediu transferência para cá, ele não pode ver seus anúncios no edital! – Quase grito, terminando mais um lance de escadas. – Você precisa tirar todos eles de lá, entendeu?
– Eu não posso fazer isso, eu ainda não arranjei dinheiro para o notebook.
– Eu pago por todos os encontros!
– O quê? Eu não posso... – Pausa e eu percebo que ele parou o que estava fazendo também. – Eu nem sei o porquê eu estou respondendo isso, isso não faz o menor sentido.
– Isso é sério! Eu pago por todos os en-
– Eu preciso desligar.
– Jungkook!
As escadas acabam ao mesmo tempo em que a ligação se encerra e eu me vejo sozinha no primeiro andar do edifício dos dormitórios. Tento discar o número outra vez, mas eu deveria saber que Jungkook é babaca o suficiente para desligar a droga do celular. Corro pelo corredor, passando pelas catracas e parando em frente ao edital. Meus olhos varrendo cada aviso, cada um deles em completo desespero. E levo certo tempo para encontrar, mas eu o encontro. O anúncio não é mais um post-it com escritos à mão, agora é um flyer de papel couchê fosco, muito mais agradável aos olhos. As palavras continuam as mesmas, mas agora seu nome encabeça a folha. E se o mundo não estivesse desabando nesse exato instante, eu me pegaria feliz por Jungkook ter ouvido minhas críticas.
Com um aperto estranho no peito, eu retiro todos os anúncios do edital, cada um deles. Retiro todos e os enfio nos bolsos de meu moletom. O ar saindo pela minha boca ao passo que meus olhos observam o espaço vazio no quadro de rolha. E eu sei que o que vem a seguir não é de longe a coisa mais sensata que já fiz. Como também sei que tentei fugir disso desde que a lembrança me surgiu conturbada assim que mamãe encerrou nossa ligação. Mas não existe alternativa.
Seleciono o contato em meu celular e o desbloqueio, passando os olhos pela última conversa de forma dolorosa e já arrependida.
Não existe alternativa.
[16h12] eu: compre o notebook
[16h12] eu: e eu saio com vc
#bts#bts brasil#bangtan#bangtan brasil#bts imagine#bts fanfic#bts fanfiction#bts scenario#jeon jungkook#jungkook#kookie#acompanhante de aluguel#jungkook fic#jungkook imagine#jungkook scenario#e ai pessoal#to triste com a vida e ai resolvi postar#nem era pra ter postado hoje#:(#puerlistae!au
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 3/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 5.668 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Eu sinto meu coração acelerado dentro do peito, um sentimento estranho de contradição me tomando o corpo todo. É a sensação mais bizarra e sem sentido que já senti. Pisco algumas vezes, atônita. Eu me mantive assim durante a conversa mais inoportuna da minha vida, dois pequenos minutos de puro horror e pensamentos como “isso não pode estar acontecendo”. Mas estava. É difícil acreditar mesmo vinte minutos depois, mas estava. Estava mesmo acontecendo.
– Como exatamente você conheceu Haneul?
Jungkook solta um suspiro longo, ele está comendo mais um canapé.
– Já falei. – E realmente já havia dito. Talvez cinco ou quinze vezes, mas eu preciso ouvir isso de novo para acreditar. – A gente se junta pra jogar basquete aos fins de semana, meu time contra o dele.
Fecho os olhos, como todas as vezes que ele me explicou, e solto um choramingo. Eu nem sabia que Haneul tinha um grupo de amigos que jogavam basquete aos fins de semana. Eu nem sequer sabia que ele jogava basquete. Isso é a coisa mais ridícula do mundo. De todos os homens do universo, eu precisei mesmo contratar alguém que ele conhece?
– Então isso quer dizer que vocês são amigos?
– Já disse que não. – E realmente já havia dito. De novo. Olho para Jungkook em uma súplica silenciosa e ele gira os olhos impaciente, terminando de mastigar o aperitivo. – Ele não sabe sobre meu trabalho, não precisa se preocupar. Não somos amigos, só nos reunimos aos fins de semana. Yoongi é amigo de um dos amigos dele, só isso.
– Jisoo. – Falo, vendo-o concordar quando digo o nome do melhor amigo de Haneul. – Ok. Quem é Yoongi?
Ele parece pensar por um instante, os olhos focados nos meus, talvez aterrorizado demais por eu repetir exatamente a mesma pergunta de cinco minutos atrás. Mas eu não tenho culpa. A conversa ainda parece absurda para mim. Desde o instante em que os dois se cumprimentaram em um aperto de mão bizarro, eu perdi as habilidades da fala. E parecia que Haneul também. A única voz que se ouvia era a de Jungkook discorrendo sobre o quão surpreso ele estava.
Os assuntos da conversa parecem fugir por completo dos meus pensamentos agora, porque talvez eu nem tenha realmente prestado atenção neles. E se prestei, já não lembro mais. A exclusiva lembrança que tenho dos acontecimentos recentes é a sensação de meu rosto congelado, meus olhos arregalados e minha boca seca de pânico.
Uma experiência traumatizante.
Mas eu não parecia ser a única, entretanto, Haneul tinha a face tão alarmada quanto a minha. Sua voz se foi ouvida em quatro? Cinco frases? E todas em resposta às perguntas de Jungkook. Por um instante eu pensei que as coisas sairiam de controle, pensei que algo daria drasticamente errado, mas, dois minutos depois, Haneul já inventava uma desculpa qualquer e se enfiava no meio de um grupo de adolescentes com colares neon. E eu deveria mesmo me sentir feliz por ter me vingado de todas as consequências que ele me fez sofrer logo que terminamos, mas eu ainda me sinto aérea demais para isso.
– Eu preciso responder? – Jungkook pergunta, os brincos balançando em suas orelhas quando sua cabeça se inclina para o lado. – Você sabe que ele é meu amigo, como sabe também que não tem a menor possibilidade dele falar sobre o meu trabalho com qualquer pessoa.
– Porque ele não gosta de falar sobre a vida alheia? – Repito o que ele havia me dito antes.
– Isso.
Solto o ar pela boca, o incômodo ainda é grande e eu não me sinto nada confortável com as atuais descobertas. Estamos sentados em uma das mesas desocupadas ao fundo do saguão, um de frente para o outro e nossos joelhos quase se encostando. As luzes amarelas fazendo os olhos de Jungkook brilharem mais do que me lembro, enquanto meus pensamentos vão e vem. Ele fez um ótimo trabalho tomando a frente da situação e comando a conversa. Não sei o que lhe fez ficar, mas no fundo eu me sinto grata por isso.
– Não acredito que você veio ao aniversário do irmão do seu ex-namorado. – Ele solta em meio a um riso, pegando mais um dos canapés de uma bandeja deixada ao centro da mesa. É deboche puro, eu sei que sim. – Isso é...
– Nossas famílias são amigas há muito tempo, antes mesmo de nós começarmos a namorar. – Interrompo-o, sem vontade alguma de lhe ouvir até o final ou entregar uma frase malcriada. – Seria chato não vir.
– Você percebeu como Haneul ficou ofendido quando perguntei o que ele estava fazendo aqui? – Pergunta rindo e, infelizmente, a imagem me vem à cabeça. Eu estava enganada quanto a não me lembrar de nada, já que a cena parece mais do que clara para mim. – Essa ideia de namoro não foi ruim no fim das contas.
Meus pensamentos ainda estão sobre a memória recente da pergunta pairando no ar, eu reprimindo um grito de puro pavor e Haneul com um sorriso amarelo no rosto. Mas ela se esvai quando pareço entender a última fala de Jungkook propriamente.
– Quê? – Olho para ele, confusa. Ele segura um novo canapé nas mãos, esse já pela metade. – Como assim?
– Ele é um babaca. Mereceu ver você com outro. – Diz com a boca cheia, não se importando de dizer isso em alto e bom tom. – Você namorava um cara muito babaca mesmo, o cara mais babaca, mimado e desleal. Ele sempre trapaceia quando jo-
– Foi por isso que você ficou?
– Mm. – Jungkook ergue os ombros e eu entendo isso como um sim. – Ele quebrou meu notebook depois de um dos jogos e se negou a ajudar a pagar, então eu meio que quis me vingar.
– Ele quebrou seu notebook?
– Ele fez isso logo depois que perdeu um dos jogos. – Explica indignado, apoiando um dos cotovelos na mesa, me encarando. – Em alguns jogos nós apostamos dinheiro e esse era um deles, ele perdeu muita grana, mas eu perdi mais quando ele jogou a porra da bola em cima da minha mochila.
Franzo o cenho, consternada. Mas ainda não sei ao certo pelo quê; por eu realmente acreditar que Haneul seja capaz de fazer isso ou por Jungkook estar conversando comigo de uma maneira civilizada. Enquanto eu o vejo inflar o peito e olhar ao redor, eu me pergunto se Haneul foi assim desde o início ou se mudou com o passar dos anos.
– O conserto saiu muito caro?
– Não tem conserto. – Ele se vira para mim, as mãos agora apoiadas em seus joelhos. – Foi perda total. Perdi todos os meus trabalhos e precisei começar um projeto quase finalizado do zero.
Encolho-me entre os ombros, eu me sinto realmente mal por ele.
– É por causa dele que eu comecei a ser acompanhante de aluguel. – Solta de repente. Seu rosto todo é franzido em contradição, parece perdido nas lembranças por um instante. – O que eu tenho não é o suficiente para um notebook novo. Até conseguir o dinheiro, eu alugo de um cara do segundo andar, mas ele é um otário, porque ele fica...
Então ele para de falar, como se, subitamente, percebesse com quem conversa. Jungkook passa seus olhos por mim, analisando-me de cima a baixo algumas vezes. Ele tem um quê de prepotência natural, acredito, e um charme chato de aceitar.
– O que você vai fazer agora que Haneul e eu nos encontramos quase todos os fins de semana?
Não gosto de admitir isso, mas eu estava gostando de conversar sobre os problemas de Jungkook e não os meus. Puxo o ar com intensidade e depois o solto.
– Não faço ideia. Não estava nos planos.
– Me dê os 200 mil wons de hoje e eu cubro a sua mentira sempre que ele me perguntar algo. – Fala sem vergonha alguma e eu quase me sinto sufocar com o ar. – Você disse que me pagava o dobro se eu ficasse, não foi?
– É, mas...
– Pois então, estou sendo generoso.
– Generoso? Você se vingou dele também! Acabou sendo uma vingança sua também! – Rebato. – Isso não diminuiria o valor para 100 mil wons de novo?
– É, mas tem todo o lance dele ter sido seu namorado e ter quebrado meu notebook. – Explica como se isso fizesse algum sentido. – Você já sabe que eu preciso da grana e eu meio que acho que você tem uma parcela de culpa nisso.
– Você fingindo ser meu namorado por mais um tempo só vai melhorar sua vingança. – Minha voz é de puro horror. – E eu não vejo ligação nenhuma!
– A ligação faz sentido na minha cabeça. 200 mil wons e seus problemas vão ser resolvidos. – Estica a mão para um cumprimento. – Eu posso até inventar algumas histórias para ele se sentir humilhado e acreditar nisso. Veja isso como um bônus.
Meus olhos estão estarrecidos em seu rosto e por um momento eu me pego sem pensar em nada, apenas passeando dele até sua mão estendida em minha direção. Era mais do que óbvio que a noite não acabaria comigo sem odiá-lo por mais uma vez, não é?
– Qual é? – Fala, chacoalhando a mão em minha frente para que eu a segure. – Eu estou cobrando só o valor de hoje justamente por essa vingança ter se tornado minha também.
Solto um suspiro alto, sabendo que não vou vencer isso. Até porque eu ainda me sinto afetada pelos fatos recentes e inoportunos para conseguir pensar de uma maneira linear e correta.
– Ainda não consigo ver ligação nenhuma. – Aperto a sua mão e a solto rapidamente em um sinal claro de descontentamento. – Por que eu sinto que eu continuo saindo no prejuízo com você?
[...]
Misturo o tempero picante ao lámen e levo uma quantidade exagerada dele até a boca, engolindo o mais rápido que posso, sentindo o ardido tanto da pimenta quanto da temperatura alta da comida descer pela minha garganta como uma bomba. Respiro fundo e me ajeito melhor no banco de uma das lojas de conveniência do campus, me concentrando na minha primeira refeição do dia.
O único motivo que me fez esquecer por completo de uma das necessidades básicas da vida por 12 horas foi, sem sombra de duvidas, a maldita festa de sábado. Não porque algo em específico me incomoda, mas pelo fato de saber que algo deveria me incomodar. É aquela sensação de algo esquecido, algo realmente importante que eu simplesmente esqueci.
Encolho-me em meu casaco e olho para o horário em meu celular. São 15h passadas e estou esperando uma das ligações rotineiras de mamãe; dessa vez, com a confiança de que não haverá sermões sobre casamentos ou perguntas invasivas sobre meu relacionamento com Haneul. Nos últimos cinco meses, eu fui o principal motivo do término para meus pais, não porque eu havia terminado o namoro, mas porque eu com toda a certeza havia feito algo de errado.
O que exatamente? Eles não fazem ideia.
Meus pais só acharam essa forma para justificar o fato de Haneul nunca ter disposição alguma para apoiar minhas decisões. Até porque estava completamente fora de questão o filho de seus amigos ser um completo idiota mimado. Não que eles realmente se importassem com o apoio que eu fosse receber, uma vez que nem eles se importam em me dar.
Demorou boas semanas para meus pais entenderem que meu relacionamento com Haneul não havia mais volta e, então, minha caixa de mensagens que antes era repleta de sms de mamãe numerando as qualidades de meu ex-namorado, se tornaram um Tinder particular. A principal ferramenta de busca sendo meu pai e, aparentemente, todos os pais com filhos entre 20 e 25 anos que trabalham com ele.
Vejo a tela de meu celular brilhar em silêncio, anunciando uma nova ligação. Enfio mais um pouco do macarrão na boca antes de atendê-la.
– Olá. – A voz de mamãe é animada e eu me encolho entre os ombros por puro reflexo. – Já entregou o trabalho?
Passo meus olhos vagos pelo lugar desocupado em minha frente, piscando meus olhos lentamente pelo cansaço mental se acumulando, lembrando de todo o estresse que foi finalizar o resumo do capítulo de Direito Financeiro a tempo.
– Entreguei.
Planejo, então, dormir o resto da tarde como recompensa, feliz por saber que minhas conversas com mamãe nunca duram mais que cinco minutos e que logo eu estarei livre para isso.
– Por que foi embora cedo do aniversário? Nem sequer se despediu.
– Eu precisava resolver algumas coisas para a faculdade. – E não é completamente mentira, eu precisava mesmo resolver os exercícios de Criminologia. Talvez não com urgência, mas ela não precisa saber. – Ia mandar mensagem, mas esqueci.
– Cumprimentou Eubin, pelo menos?
Lembro-me então de abraçá-lo de forma rápida e desengonçada quando passou por mim. Ele fez um comentário idiota sobre eu não ser tão bonita quanto a atual namorada de Haneul, mas com certeza ser muito mais legal. Não que eu não estivesse esperando comentários desnecessários vindo dele, até porque ele sempre os faz, mas não esperava que depois disso eu fosse ser bombardeada com comentários ofensivos vindo de toda parte da família Lee. Foi como se as portas do inferno, mais uma vez, tivessem sido abertas. E eu estaria mentindo se não dissesse que esse foi um dos principais motivos para eu ter voltado para casa mais cedo.
Não que eles me deixassem chateada, até porque, apesar de acreditar que viriam em doses menores e em uma situação diferente, eu meio que já esperava por isso. Todo mundo contava com um casamento daqui dois anos, as pessoas estavam mesmo planejando comprar presentes e colocando uma expectativa enorme em nós dois. Elas se sentiram verdadeiramente frustradas com o nosso término repentino. Não que elas tivessem o direito de se frustrar com relacionamentos alheios, mas, como eu falei, eu já esperava uma reação imatura dessas. Só não esperava que as pessoas fossem ser descaradas o suficiente para proferir comentários maldosos em frente ao meu atual namorado.
Atual – falso – namorado. Mas, mesmo assim, namorado.
Quando a avó de Haneul falou “ele parece ser um bom rapaz, apesar de não parecer pertencer a uma família tão boa para sustentar hábitos como os seus”, eu senti que era hora de ir embora. Até porque Jungkook não tinha realmente a ver com nada daquilo. E apesar dele, em nenhum momento, parecer se importar com os comentários que também o atingiam, eu me senti incomodada por ele ouvir todos eles.
– Sim. – Respondo, a voz se arrastando. – Foi rápido, mas eu falei com ele.
– Hm. Seu pai ficou chateado que você não conversou com ele.
– Nós tivemos que voltar. – Explico outra vez. – Peça desculpas por mim.
– Mande você uma mensagem para ele ou ligue. Que tipo de filha você é, afinal? – Rebate ofendida e eu apenas solto um suspiro em resposta. – Você chegou a ver a namorada de Haneul?
– Não.
– Bonita. – Sua voz é puro desdém. – Mas não mais que você, pode ter certeza. As pessoas ficavam em cima dela onde quer que ele a levasse. Achei desrespeitoso com você.
– Por quê? – Mexo o lámen e separo mais um pouco para comer. Desconfortável por ser colocada na posição de concorrente mais uma vez. Uma posição que eu nunca quis. – Eu não sou mais namorada de Haneul.
– Mas você já foi e estava lá!
– Com meu namorado.
Há um silêncio.
– As pessoas comentaram muito sobre você e ele.
– Eu e Jungkook?
– Sim.
Não evito um sorriso satisfeito. Até porque eu sei que é verdade. Apesar de todos os comentários maldosos, eu sentia que as pessoas estavam incomodadas por eu parecer muito melhor com Jungkook do que com Haneul. E, pela primeira vez desde a festa no sábado, eu me sinto bem por ter conseguido dar o troco.
Espero que Haneul aprenda a não querer mais me ferrar arranjando namoradas relâmpagos.
– Ele é muito bonito. – Confessa. – Por que nunca me contou sobre ele? Fiquei sem graça de não fazer ideia quem ele era.
– Desculpe.
– Eu fui pega desprevenida, – diz chateada – nós poderíamos ter nos encontrado antes.
– Ele não tem muito tempo vago. – Minto ou não. Eu não faço ideia. – E nós estamos cheios de trabalho para fazer, é complicado pensar em outra coisa além disso.
– Não é um namoro passageiro, certo, _____?
– Não! Claro que não. – Digo, sentindo a boca arder levemente pela pimenta do lámen. Ou por toda a mentira. – Eu não falei nada sobre Jungkook exatamente por isso, eu queria ter certeza que é sério.
– Ele é da mesma universidade. – Fala vaga, mas sei exatamente aonde ela quer chegar. – Vocês não vão ter problemas com isso. Quer dizer, vocês podem se ver nos intervalos das aulas.
– É.
Ela sempre enfia a droga de Haneul nas conversas e eu não estou surpresa. Talvez mamãe nunca supere o fim de nosso namoro, mesmo que eu já esteja em um relacionamento sério com outro alguém. Relacionamento – falso – sério com outro alguém. Mas, mesmo assim, um relacionamento.
E ela não precisa saber disso, em primeiro lugar.
– Mãe, as coisas com Haneul não eram para ter dado certo. – Minha voz é macia, apelativa ao máximo. – Eu estou com Jungkook agora e estamos bem.
Há mais um silêncio e eu ouço sua respiração profunda do outro lado da linha.
– Eu sei, eu sei. Um dia eu deixo isso de lado. – É a primeira vez que ela parece me compreender, até porque antes eu ainda estava solteira e correndo um risco enorme de nunca arranjar um marido há tempo. – Você estava muito nervosa perto de Jungkook.
Meus olhos se arregalam de repente e eu quase engasgo com o ar. Ela não faz a mínima ideia, não é? Não que eu pensei que o nervosismo fosse passar despercebido pelos seus olhos meticulosos, mas não achei que ela fosse ligar ao motivo errado. Muito menos ligar ao certo, mas enfim.
– Você deve mesmo gostar dele.
Sinto-me sofrer um tremelique de culpa.
– Ele é o cara certo. – Solto com toda a emoção que consigo reunir. – Eu sei.
– Eu estou muito animada para o almoço de amanhã. Falando nisso, você prefere ir a um café ou restaurante?
E é então que meu mundo cai.
A maldita coisa que eu deveria me incomodar piscando em um letreiro neon vintage em frente aos meus olhos, uma música bizarra de carrossel acompanhando o pequeno filme macabro. Mas o filme é vida real e a droga do fantasma é na verdade um acontecimento: a porra do almoço de terça-feira.
[...]
Eu pensei em dezenas de desculpas, enumerei todas elas em todo caminho até aqui, mas nenhuma fez o menor sentido. Não quando mamãe pareceu ainda não ter superado meu relacionamento com Haneul e meu namoro com Jungkook ser algo frágil e passageiro diante de seus olhos. Comparecer a esse maldito almoço de amanhã é mesmo um ponto crucial para eu me livrar de vez de toda a pressão de união matrimonial.
Não tem para onde fugir, vai mesmo precisar acontecer.
Todo o meu plano de voltar ao dormitório e dormir pelo restante da tarde foi completamente aniquilado, varrido de minha agenda e substituído por tentar encontrar Jungkook. Respiro fundo pela quinta vez seguida, meus pés se movendo apreensivos, me levando de um lado para o outro do hall que separa os dormitórios. Olho para a mensagem que enviei mais cedo, solitária em uma nova conversa. A antiga foi excluída com a certeza de que nunca mais precisaria a usar, que nunca mais precisaria encontrar com ele de novo. Mas parece mesmo que a vida arranjou uma forma de ser ironicamente engraçada.
Eu só estou me esquecendo de rir.
Vejo um grupo de estudantes se aproximar da entrada de vidro e varro cada rosto a procura dele, subitamente nervosa. Mas Jungkook não está ali. Vou para o lado de fora por pura intuição, o vento do fim da tarde batendo em meu rosto e fazendo eu me encolher de frio. A mensagem continua solitária, sem resposta alguma. Olho em direção as escadas logo após a pequena área verde de descanso e sinto meu corpo esquentar. Meus olhos identificando sem dificuldade os fios alaranjados de Jimin em meio a mais um grupo de estudantes. E eu não levo mais do que dois segundos para encontrar Jungkook ao seu lado.
Penso em esperar que se aproximem, mas minha apreensão faz com que minhas pernas se movimentem sem aviso prévio em direção a eles. Os olhos de Jimin são os primeiros a me alcançar.
– Ah, olá! – A voz macia e melodiosa é acompanhada de uma sensação de verão. E não leva muito tempo para que a atenção de Jungkook saia do chão e me encontre também. – Tudo bom?
Chacoalho minha cabeça, não sabendo ao certo que tipo de resposta acabei de lhe dar. E enquanto tento me concentrar em não deixar minha tremedeira aparente, controlo o pensamento de achá-lo muito mais fofo do que da primeira vez que o vi.
– Vou para o dormitório. – Sorri simpático, olhando uma última vez para Jungkook e dizendo antes de continuar o percurso: – Vou pedir pé de galinha picante.
A última frase sobrevoa nossas cabeças por alguns segundos, acompanhada de minha afobação palpável e ridiculamente grande. Solto um suspiro lento à medida que meus olhos voltam à personificação de última esperança em minha frente.
Os cabelos de Jungkook saem debaixo de uma touca preta, quase alcançando os olhos cansados, enquanto seu corpo é enfiado em um moletom largo o bastante para caber duas pessoas ali. Penso por um instante que ele parece confortável e fofo, o que com certeza me faria rir caso eu não estivesse tão nervosa.
– Você viu minha mensagem?
– Vi agora. Sobre o que você quer conversar?
Engulo a seco.
– Quero te contratar de novo, por mais um dia.
As argolas de prata em suas orelhas se remexem assim que sua cabeça se inclina para o lado em um conflito claro.
– Para o que exatamente?
– Para o almoço de amanhã. – Solto, e pela maneira como seus olhos giram eu tenho certeza que ele sabe de qual almoço me refiro. O que me deixa incomodada. Como eu fui capaz de esquecer isso? Seu corpo contorna e passa pelo meu sem rodeios – Qual é? Eu te pago o dobro!
– Você está perdendo muito dinheiro com isso. – Ele para abruptamente e se vira para mim, meu corpo quase trombando no seu. – Já perdi as contas de quantas vezes você me ofereceu o dobro.
– Mas eu pago! É sério, só mais um dia.
– Você falou isso no sábado, disse que era só aquele dia e depois nunca mais. Esse argumento não é mais válido.
Agarro seu braço assim que seu corpo faz menção de se afastar mais uma vez.
– Eu não estaria pedindo se isso não fosse sério.
– Existem regras, por incrível que pareça. – Diz, se desfazendo de minhas mãos e se virando completamente para mim. O vento batendo em suas costas e trazendo o mesmo aroma de flores e vetiver de antes. – Eu já me passei por seu namorado uma vez e isso não vai acontecer de novo.
Mas algo me diz que ele não parece tão relutante como da última vez.
– Eu pago adiantado. – Digo. – Estou com o dinheiro todo aqui, eu posso te entregar agora.
Seus olhos passam por meu rosto em um estudo detalhado, mas eu não faço ideia o que isso quer dizer. Talvez ele esteja pensando em todos os comentários ofensivos que ouviu, em toda a situação ridícula que o coloquei, mas eu nunca vou ter certeza. Os olhos de Jungkook são tão escuros que são impossíveis de ler. E embora eu queira muito que ele saiba que me envergonho por tudo isso, nunca vou ter coragem de tocar nesse assunto.
– Eu pensei em inventar uma desculpa. – Falo sincera. – Pensei em várias, mas todas elas só fariam esse almoço ser adiado. E se isso acontecer, minha mãe vai continuar me ligando, pergun-
– Tudo bem.
Sua voz me interrompe em um lampejo doloroso de coragem. Seus olhos estão espremidos num possível arrependimento precoce e eu não consigo evitar sorrir grande em surpresa. Foi muito mais fácil do que da última vez. Ridiculamente mais fácil.
– Tudo bem? – Ouço minha voz ecoar e Jungkook erguer os ombros em descontentamento. – Fique animado! Você vai receber o dobro e almoçar de graça.
Tiro do bolso traseiro da calça jeans as notas sacadas logo após a conversa com mamãe e as estendo em sua direção. Seu peito sobe e desce embaixo do moletom escuro em uma respiração profunda, e, de forma relutante, seus dedos longos alcançam o dinheiro.
Por um momento penso que ele não parece tão rígido e babaca como da última vez, mas pode ser apenas impressão. Ou a forma levemente submissa deve estar diretamente ligada ao visível cansaço que sente.
– Como isso vai funcionar exatamente?
– Ainda não sei, fiquei de acertar os detalhes com minha mãe hoje à noite.
– Eu preciso estar aqui às 14h. – Inclina-se em minha direção em alerta e assinto. – Tenho um cliente nesse horário, então eu não posso me atrasar.
– Não vai, eu prometo.
Seu corpo endireita-se e só agora eu percebo a alça de uma mochila em um de seus ombros.
– Você tem aula o dia inteiro nas segundas-feiras?
– Por que você quer saber?
Boom.
Aí está Jungkook novamente.
– Esquece.
– Era só isso que você queria conversar? – Pergunta indiferente, enfiando as mãos no bolso assim que afirmo. – Não se esqueça de me enviar o lugar e o horário pra gente se encontrar.
– Não vou esquecer.
Jungkook me lança mais um olhar antes de se virar e continuar seu trajeto. Mas, antes que eu possa me perder em pensamentos e proferir xingamentos a ele, seu corpo se vira uma última vez.
– Esse negócio de pagar adiantado... – Ele está há alguns metros de mim e não faz questão alguma de mudar isso. Sua voz agora se mesclando com a de outros estudantes, mas ainda assim clara. – Não é certo.
– Por quê?
– Porque você pagando adiantado não me dá opção. Eu vou precisar ir com isso até o fim. – Ergo as sobrancelhas em resposta. – Se você for me contratar de novo, isso não vai mais acontecer. Pagamento só depois que eu completar o trabalho.
– Não vou precisar contratar você de novo.
– Já ouvi isso antes.
Ignoro por completo o tom debochado em sua voz.
– Eu vou inventar algo bom o bastante pra não precisar fazer isso.
Quem ergue as sobrancelhas agora é Jungkook, o olhar cansado tem um vislumbre de divertimento e prepotência. Penso em dizer algo, penso em soltar alguma frase malcriada, mas o medo dele voltar atrás me faz travar. E com um aceno breve de cabeça, vejo-o retomar o caminho até o prédio dos dormitórios, deixando para traz um rastro de seu perfume tropical.
Está marcado. Barfly às 12h30. E não há mais volta.
Aninho-me ao colchão, sentindo a maciez das mantas que me cobrem e o calor vindo do lençol térmico ligado já há alguns minutos. Sorn dormiu assim que abaixou a tela do notebook, encerrando sua rotina de estudos por hoje. Ela estava tão exausta e saturada que nem teve energias para reclamar ou choramingar sobre precisar refazer o roteiro. E eu me mantive quieta mais uma vez sobre qualquer coisa que envolvesse minha teia de problemas.
O quarto é iluminado apenas pela tela de meu celular, meus dedos correndo por ela para abrir a conversa de Jungkook. Minha mensagem de mais cedo ainda solitária por lá e apenas um sinal cru de visualização. Entretanto, antes mesmo que eu possa digitar qualquer coisa, meu celular vibra com uma nova mensagem. O remetente me pegando desprevenida.
[22h37] haneul: oi
Por mais que agora mesmo ele esteja vendo o sinal de visualizado no canto da mensagem, não respondo. Meus olhos passando vagamente pela última conversa que tivemos e me lembrando de tempos bizarros recentes. É como se nós tivéssemos nos tornado completamente estranhos.
[22h38] haneul: _____?
[22h38] haneul: eu sei que vc ta ai
[22h38] haneul: me responde
Respiro fundo antes de responder.
[22h39] eu: oi
[22h39] eu: aconteceu alguma coisa?
[22h39] haneul: não
[22h40] haneul: só queria saber como vc está
Depois de cinco meses? Isso é sério?
[22h40] eu: bem
[22h41] eu: e vc?
[22h41] haneul: tb
[22h42] eu: era só isso?
E dessa vez quem não responde é Haneul.
[22h45] eu: ?
[22h45] haneul: não
[22h45] eu: então é o que?
[22h46] haneul: desde o aniversário de eubin eu ando pensando
[22h46] haneul: que
[22h47] haneul: vc terminou comigo pq disse q não tinha tempo
[22h47] haneul: e agora vc ta namorando
[22h47] haneul: isso não faz sentido
[22h48] eu: vc tb tá namorando
[22h48] haneul: eu tinha tempo p vc
Solto um suspiro alto de insatisfação. Eu imaginei que isso aconteceria. Haneul não aceita perder para ninguém, ele deve ter se sentido verdadeiramente derrotado por mim e Jungkook na festa de aniversário do irmão. Para quem estava contando com uma vitória, o tombo deve ter sido grande.
[22h50] eu: haneul por favor
[22h51] haneul: o que de diferente aconteceu p vc decidir namorar de uma hora pra outra?
[22h51] eu: nada aconteceu
[22h52] eu: ele me apoia nas minhas escolhas e entende as minhas prioridades
[22h53] haneul: eu tb entendo elas
[22h53] eu: não vc não entende
[22h54] haneul: não eu não entendo
[22h55] haneul: vc não precisa se formar
[22h55] haneul: não precisava nem ta na faculdade
[22h55] haneul: a gente vai se casar no final disso tudo
[22h56] haneul: _____
[22h56] haneul eu vou pegar o posto de diretor na empresa do meu pai
[22h56] haneul: vou te dar uma vida ótima
[22h56] haneul: eu vou trabalhar e vc vai cuidar da casa
[22h56] haneul: a gente sempre quis isso
Encolho-me entre os ombros de vergonha, o choque me pegando na boca do estômago e me deixando realmente desconfortável. Como eu passei tanto tempo adotando essa ideia absurda para minha vida? O fato deu ter me desprendido dela não parece ser o suficiente, não parece ser o bastante para eu me convencer de que isso foi passado, de que esse futuro não tem nada a ver comigo. A eu que viveu esse relacionamento não existe mais, não é mais a mesma de agora, eu sei disso. Mas de algum jeito ainda sinto uma ligação estranha, uma ligação bizarra, um cordão umbilical que não me deixa ter os ombros livres desse peso.
As lembranças que nunca tive ainda retomam meus pensamentos, uma submissão cretina às vontades de Haneul e uma vida miserável de poucas realizações pessoais. Ele nunca me deixaria crescer, nunca me deixaria ser quem eu quero ser. E só de imaginar que um dia eu concordei com tudo isso, faz eu me sentir pequena, inútil e frágil. Eu nunca quis ter essa vida, eu sei disso, ele sempre fez eu acreditar que queria.
[22h58] eu: não é isso que eu quero e não é isso que vai acontecer
[22h58] haneul: então o que vc quer????
[22h59] eu: o que eu quero vc não pode me dar
[22h59] haneul: e ele pode????
[23h00] eu: o nome dele é jungkook
[23h00] haneul: eu sei que é
[23h01] haneul: não acredito que vc ta envolvida com esse cara
[23h02] haneul: ele é um mau caráter
[23h02] haneul: seus pais
[23h02] haneul: eles não vão ficar nada felizes quando descobrirem
[23h02] haneul: quem ele realmente é
De repente eu me sinto brava, brava de verdade. Não só porque Haneul acha que uma chantagem barata pode me fazer mudar de ideia ou pela forma como ele consegue proferir mentiras sem remorso, mas porque o modo como ele tenta atingir Jungkook é injusto. Eu sei da verdade, sei como as coisas são. E pode parecer ingênuo da minha parte ficar do lado de alguém que não conheço, mas eu me sinto no dever de ficar aqui.
[23h03] eu: engraçado...
[23h04] eu: pq quem reagiu de forma antiética foi vc quando quebrou o notebook dele depois de perder um jogo
Silêncio. Bingo.
[23h06] haneul: esse filho da puta já contou isso pra vc????
[23h06] eu: nós não temos segredo
[23h06] haneul: que lindo isso
[23h07] eu: vc deve um notebook pra ele
[23h07] haneul: eu não devo nada
Mais silêncio. A raiva me sacode os ombros, a injustiça me fazendo remoer um sentimento amargo, um rancor sem igual. E eu percebo que guardei isso por todos esses meses.
[23h09] haneul: se eu comprar um notebook pra ele
[23h09] haneul: vc aceita sair comigo???
[23h10] eu: sair com vc?
[23h10] haneul: pra conversar
[23h10] haneul: eu quero conversar com vc
[23h10] eu: tchau haneul
Fecho a conversa com raiva, bloqueando o contato antes que qualquer nova mensagem chegue. Eu me sinto arremessada em meio a minha vida de anos atrás, aonde as brigas eram invasivas e eu me sentia pesada, culpada por tudo. Mas dessa vez tudo parece claro, tudo parece devidamente encaminhado, os sentimentos, a culpa.
Meu celular vibra contra meu peito, enquanto meus olhos permanecem por uns segundos de atraso no teto iluminado pela luz amarela. Olho a tela com receio de ter feito algo errado e desbloqueado o contato de Haneul, mas a notificação me faz chutar toda a preocupação para escanteio.
[23h20] jungkook: ?
[23h21] eu: o que foi?
Mas ele não responde e não é como se ele precisasse. Meu cérebro volta para a lembrança antes da conversa com Haneul, meus dedos prestes a digitar a mensagem lhe avisando sobre o horário e local do almoço de amanhã.
[23h21] eu: barfly às 12h30
[23h21] eu: vamos nos encontrar nas catracas às 12h10
[23h22] jungkook: ok
Olho para a tela por um tempo, a crescente certeza de que nada mais será dito é interrompida por uma nova mensagem.
[23h24] jungkook: que roupa?
[23h24] eu: algo que deixe vc com cara de bom moço
Rio e espero sua reação. Talvez um riso, uma resposta malcriada, mas que ultrapasse o limite estabelecido de mensagens curtas e frias. Não sei porquê exatamente espero isso, mas eu espero.
[23h25] jungkook: ok
Previsível. Meu riso se esvai por completo, mas não me dou por vencida.
[23h25] eu: o restaurante é italiano, espero que vc goste
[23h26] jungkook: 😃
Não dá tempo de meus olhos se arregalarem em surpresa.
[23h26] jungkook: errei
[23h26] jungkook: 👍*
Óbvio, extremamente óbvio.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 1/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 5.874 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro.
Valor sob consulta.
Interessados: [51] 5782-4158
O anúncio feito à mão em um post-it verde neon ainda tem cola no verso e letras falhas pela caneta com pouca tinta, as pontas estão amassadas e a escrita é corrida, quase um grito silencioso de desespero. Respiro fundo, mirando-o escondido no meio do capítulo de Direito Financeiro. Eu ainda consigo ouvir Sorn, minha colega de quarto e melhor amiga, dizer “o único problema é que o número de celular é de Busan” quando me entregou o pedaço de papel ontem à noite. E eu não sei exatamente no que me preocupar mais, no fato de Sorn achar que o único problema no anúncio completamente duvidoso e furreca é o interurbano ou eu estar tentada a aceitar essa ideia absurda.
Fecho o livro com rapidez quando um grupo de calouros passa pela minha mesa e solto, em seguida, um palavrão sôfrego de susto. Enquanto eu os observo caminhar por entre as cadeiras da biblioteca e desaparecer por um dos milhares de corredores daqui, eu penso se essa decisão me levará ao fundo do poço de vez.
Ou mais ao fundo ainda, levando em consideração que eu já me considero lá.
Sucumbo sobre a cadeira, cansada de tentar arranjar soluções para um problema tão idiota. Tão idiota. Ex-namorados deveriam desaparecer do mundo no momento em que nos desligamos deles, não colar em nossas vidas como sanguessugas cretinas. Ainda mais colar em nossas vidas como sanguessugas cretinas trazendo a atual namorada junto. Namorada há duas semanas.
Duas semanas.
Isso é ridículo.
Passo meus olhos pela biblioteca vagarosamente, mas não existe ninguém mais aqui além de mim e os recém-chegados estudantes já desaparecidos. Trago então o livro para a beirada da mesa e o abro novamente no exato capítulo onde o miserável anúncio descansa. Quem quer que seja esse cara, escolheu a cor do post-it mais sem graça dos blocos padrões. E tem uma letra horrorosa também. Além de não ser nada caprichoso na hora de manusear o papel. E algo no fato dele não perceber que o escrito está de cabeça para baixo, considerando que a cola no verso está embaixo e não em cima como deveria estar, me deixa realmente incomodada.
Mas em momentos difíceis como esse, eu não sou capaz de julgar alguém, não é?
Quando meus olhos sobem para o saguão outra vez, eles captam uma Sorn extremamente agitada vindo em minha direção, os cabelos curtos presos com várias presilhas para livrar seu rosto dos fios. Nós marcamos de nos encontrar aqui logo após o almoço, antes de suas aulas da tarde começarem. Mas enquanto eu a vejo com as dezenas de livros que ela costuma sempre carregar consigo, além de uma mochila esfarrapada e óculos de grau pendendo na ponta do nariz, eu me pergunto se realmente foi uma boa ideia a chatear com essa história outra vez, ainda mais na semana de entrega de trabalhos.
– Eu acho que eu vou enlouquecer até o fim desse semestre. – É a primeira coisa que ela fala quando afasta a cadeira em minha frente com um dos pés e joga as coisas que carrega em cima da mesa, ignorando por completo toda a política de silêncio do lugar. – É sério.
Franzo o cenho consideravelmente assim que ela solta um suspiro sofrido e se senta, no canto de sua boca ainda resta um pouco do açúcar de confeiteiro do possível donut que comeu de sobremesa. E, pelo meu olhar estar fixado no lugar, ela se olha no reflexo do celular. Durante o tempo em que a manga de seu suéter é responsável pela limpeza, eu miro mais uma vez o post-it ainda escondido.
Será mesmo que não existe outra opção nesse mundo? Eu ainda tenho tempo para encontrar algo melhor do que um anúncio feito em um post-it, não é? Quer dizer, talvez até lá eu consiga arranjar um namorado, ou um encontro qualquer, certo? Até porque o aniversário de Eubin é só daqui há... 22 de abril é... Espera, é daqui três dias?
– E então? – A voz de Sorn me faz olhar para ela de súbito. O fato deu perceber que resta tão pouco tempo me deixa mais nervosa do que antes, mas ela parece não perceber. – Já ligou para o cara do anúncio?
– Erm, não, eu...
Engulo a seco, ainda perdida na novidade. Parece que foi ontem mesmo que iniciávamos o período. O que exatamente aconteceu com todo esse tempo que passou?
– Você ainda está pensando se é uma loucura completa? – Ela pergunta, os olhos pesados atrás dos óculos de grau e um bocejo sendo solto discretamente pelo canto da boca. – Nós podemos fazer o levantamento dos contras e prós, caso você queira outra vez.
O lance é que eu quero mesmo fazer um levantamento dos contras e prós com Sorn de novo, por mais que pareça ser tarde demais, por mais que não haja outra saída para meu problema. Só que um alerta no meu cérebro está indicando que essa não é a melhor hora para se fazer isso, não quando Sorn está enterrada em trabalhos acadêmicos, energéticos ruins e dezenas de horas de sono perdidas. Puxo o ar com força, a frase “falta apenas três dias” ecoando nos meus pensamentos sem parar, enquanto os olhos sonolentos de minha melhor amiga dançam de um lado para o outro tentando ao máximo não fecharem. Seguro uma vontade súbita de enumerar todas as desvantagens em meio a um desespero claro, o fato de faltar tão pouco tempo me pegou mesmo desprevenida, mas não é como se eu pudesse simplesmente ignorar toda a agenda lotada de Sorn e todo seu precioso tempo gasto até agora para me ajudar.
– Eu vou ligar para ele hoje quando chegar. – Digo, não tendo a mínima certeza sobre isso. – Está decidido.
– Mesmo? – Sua desconfiança é camuflada completamente pelo seu cansaço e, por mais que ela queira parecer disposta a montar uma lista sobre os benefícios de contratar um completo estranho para me ajudar, seus olhos sonolentos não mentem o quanto ela quer mandar esse problema para o raio que o parta. – Nós podemos tentar achar outra solução caso você...
– Não. – Interrompo-a, me sentindo verdadeiramente mal até mesmo por chamá-la até aqui; vejo seus olhos correrem sorrateiramente até o relógio em seu pulso e me sinto ainda pior. Mesmo que tenha levado menos de vinte minutos de seu dia, ela poderia ter usado esse tempo para resolver coisas que realmente importam para ela, não resolver problemas que envolvam o ex-namorado da melhor amiga. – Eu me viro, Sorn, é sério.
Ela suspira alto e assente. Sorn não parece tentada a discutir mais sobre o assunto, como também parece feliz por deixar de lado um problema. Enquanto eu fecho o livro outra vez com o maldito-bendito-sei-lá-o-que post-it dentro, vejo-a arrastar a cadeira para trás e se erguer em uma falsa agitação.
– Se você não se importar, eu estou indo, tudo bem? – Diz, recolhendo seus livros sobre a mesa. – Marquei com a Sra. Kim daqui dez minutos para a revisão do meu roteiro. Você se importa?
– Ah... Não! Não, claro que não. – Sorrio frouxo, chegando à conclusão de que ela está realmente cansada por nem sequer questionar a vinda inútil de poucos minutos até a biblioteca. – Nos vemos à noite.
Sorn assente aérea, uma das presilhas do lado esquerdo soltando-se dos fios finos de seu cabelo. Meu sorriso desconexo ainda está no rosto ao passo que a vejo se virar e partir para a saída da biblioteca da faculdade. Assim que a perco de vista, um soco invisível me acerta em cheio no peito, a realidade caindo sobre a mesa sem panos quentes para acobertar.
Eu estou fodida. E perdida.
Enterro meu rosto em minhas mãos, tentando encontrar algum meio, qualquer um, para solucionar meu problema sem precisar contatar quem quer que seja o dono do anúncio. Mas o curto prazo que tenho não me dá muita alternativa. E isso não está me ajudando em nada a manter a calma.
Quando meu namoro de quase quatro anos com Haneul chegou ao fim há cinco meses, eu sabia que as coisas não seriam fáceis. Não só porque Haneul é filho dos amigos dos meus pais, mas porque nossas vidas já haviam sido traçadas por eles desde que nascemos. E tudo, além de planejado, estava dentro do combinado; nós começamos a namorar no colegial, entramos em ótimas faculdades em Seoul, nos formaríamos e depois um casamento lindo no campo seria realizado. Ninguém nunca pediu nossa opinião, mas era assim que seria feito. Só que apesar de saber que seria difícil lidar com toda a ira de minha mãe pelo fim do nosso relacionamento, eu não estava contando que Haneul encontraria uma namorada há duas semanas do nosso primeiro encontro oficialmente separados.
Eu sabia como lidar com toda a paranoia de meus pais sobre casamentos e em como eu estava ficando velha para arranjar um marido, mas nunca na minha vida eu conseguiria lidar com isso e com o fato de ser a única no relacionamento a não seguir em frente. Se Haneul aparecesse desacompanhando, da mesma forma como eu planejava fazer, tudo estaria perfeito. Mas eu deveria saber que isso aconteceria, não é? Quer dizer, eu só descobri que ele era um mimado de merda há cinco meses quando eu rompi nosso namoro. Havia tantas cobranças vindas dele sobre encontros e falta de tempo, que eu simplesmente preferi ser lançada à fúria de mamãe do que ter que passar o resto da minha vida com alguém que não apoiava meu plano de carreira. Era verdade que antes de entrar na universidade eu estava contente com o trajeto que meus pais haviam traçado para mim, eu gostava de Haneul e saber que todos nos apoiavam era ótimo. Mas assim que me vi com a possibilidade de um ótimo diploma, eu quis ter uma vida totalmente diferente daquela. E exatamente por querê-la tanto que não medi esforços para terminar o namoro. Haneul deixou claro desde o início que meus estudos não eram tão importantes quanto os seus e não entendia toda a minha urgência em precisar estudar para as provas finais ao invés de vê-lo em seu campus do outro lado da cidade.
Esse pirralho cretino arranjou uma namorada em cima da hora de propósito, eu sei disso. Até porque ele sabe muito bem o quão tradicionais meus pais são e o quanto eles prezam muito mais um casamento do que um diploma. E ele sabe que minha vida, apesar de já estar ridiculamente complicada de levar por todos os sermões diários de mamãe, se tornaria um inferno se eu fosse a única desacompanhada no aniversário de Eubin.
Se a vida acadêmica não estivesse tão complicada como está, eu arriscaria ir sozinha a esse encontro, mas a Lei de Murphy é realmente incrível e não falha nunca. Eu não quero ter mais um motivo para perder cabelos no banho. E, pensando bem, essa é uma ótima razão para eu estar realmente considerando agora a ideia do cara do post-it uma bela solução para os meus problemas.
Eu estou, definitivamente, no fundo do poço.
Junto minhas coisas dentro da mochila e vou para o dormitório. O caminho até lá é uma montanha como sempre é, mas apesar de cansativo o nervosismo me faz completar o trajeto em tempo recorde, me aninhando ao aquecedor do quarto em menos de dez minutos. O ambiente é iluminado pela luz cinzenta do dia nublado, ela passa pelas janelas fechadas e cai sobre as camas em uma sintonia monótona. Respirando fundo pelo que deve ser a décima vez nos últimos minutos, termino de digitar o número informado pelo post-it. E, enquanto meu corpo cai sobre minha cadeira em frente à escrivaninha, eu penso que devo ter mesmo enlouquecido.
– Ok, se não atenderem em três toques, você desiste. – Digo para mim mesma, olhando para a tela do celular antes de apertar o maldito botão para iniciar a chamada. – Vamos lá, você consegue.
Fecho os olhos e me concentro em qualquer barulho que possa vir do outro lado da linha. Minha garganta está seca e eu sinto uma tremedeira idiota bater em meus joelhos. É o fim dos tempos, eu sinto que é.
Tuuuuuuuuu
Um.
Tuuuuuuuuu
Dois.
Tuuuuuuuuu
Três.
– É isso aí. – Encerro a chamada sem pensar duas vezes, minhas palmas das mãos suadas marcando a tela do celular. – Eu sabia que isso não ia dar certo. É bem provável que esse número seja falso, não é? Com toda a certeza foi uma brincadeira de primeiro de abril atrasada que alguém fez com o amigo. Ninguém iria colocar um anúncio por livre e espotâ...
– Dumb dumb dumb dumb dumb...
Meu coração sobe para a garganta quando meus olhos caem sobre o aparelho telefônico recentemente deixado em cima da cama. Red Velvet anuncia uma nova chamada e o número não é de nenhum dos meus contatos, muito menos anônimo, ele é do maldito acompanhante de aluguel.
Engulo a seco em um nervosismo claro, eu já nem mais consigo mentir para mim mesma. Aperto as pernas e tomo o celular nas mãos outra vez, mirando a tela por um tempo. Eu sinto uma gota de suor escorrer pela minha mandíbula e morrer no início de minha gola alta, enquanto meus pés tamborilam no piso de assoalho. E, mesmo tudo parecendo levar horas até que eu tenha a coragem de aceitar a chamada, quem quer que seja responsável por aquele anúncio parece determinado a saber quem o ligou.
– Alô? – Minha voz sai em um fiapo medroso. O fato deu ter enlouquecido por completo me deixando muito mais apavorada do que quem possa ser do outro lado da linha.
– Uh, oi. Quem é?
Levo um tempo pra responder, a voz que me pergunta é grave, mas não a ponto de me assustar. Limpo a garganta em um pigarrear subitamente corajoso.
– Você é o dono dos anúncios no post-it? Do acompanhante de aluguel?
Há um barulho de algo caindo do outro lado da ligação e eu espero um tempo até que sua voz volte em um tom agudo e surpreso:
– Oh, sim! Você quer me contratar?
– Eu... É, eu queria saber quanto você co-
– Eu só trato disso pessoalmente. – Ele me interrompe sem titubear. – Você é da Chung-Ang, certo?
– Hã? Sim, eu peguei seu anúncio do edital e...
– Então venha me encontrar, eu estou no dormitório 507.
Meus olhos se arregalam. O quê? Eu vou precisar ir ao seu dormitório?
– Nós não podemos marcar em outro lugar? Isso é um pouco indecente...
– Eu estou me arrumando para sair, estou te encaixando na minha agenda.
Agenda? É alguma piada?
– E à noite?
– Vou estar fora, se quiser podemos conversar amanhã.
Solto um suspiro aborrecida, tentando entender se a proposta faz sentido junto às minhas exigências. E ela não faz. A verdade é que eu gostaria mesmo de encontrá-lo apenas amanhã, de preferência em um lugar repleto de pessoas e cheio de câmeras de segurança. Mas meu prazo é curto e o aniversário de Eubin já é sábado, eu não tenho esse tempo. Eu não tenho. Eu vou precisar mesmo encontrar com esse maluco no dormitório masculino.
– Eu vou hoje. – Respondo, sentindo o arrependimento bater forte junto ao coração. – Chego aí em quinze minutos.
– Ótimo, vou esperar, mas só quinze minutos. Até daqui a pouco.
– Qual é o seu... Nome?
Mas já é tarde demais e a ligação já foi encerrada, deixando minha pergunta vagando pelo ar sem resposta. Fecho os olhos com força e jogo o celular em cima da cama outra vez, como se de repente o aparelho estivesse distribuindo choques aleatórios. Eu sinto que estou prestes a cometer a maior burrada da minha vida e o pior, consciente disso. Assim que abro os olhos novamente, eles focam no anúncio sobre minha mochila.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro.
Eu riscaria, com toda a certeza, educado. E talvez agradável também. O lance de saber estabelecer uma conversa ainda não, mas só ainda. Algo me diz que no final a única característica intacta será moreno.
Essa experiência nem começou e já é a pior da minha vida.
Enfio no bolso de minha jaqueta a carteira e o post-it verde neon por motivo algum, colocando os sapatos antes de seguir pelo corredor vazio. O prédio dos dormitórios femininos está deserto como sempre está nas tardes de meio de semana, o que, de certa forma, faz com que meu nervosismo já instalado há horas na boca de meu estômago comece a crescer a cada passo dado. É como se eu estivesse prestes a cometer um crime, um assassinato, algo tão horrível que o arrependimento já me dá calafrios nas costelas.
É o quarto 507. Penso alto por não querer esquecer, enquanto entro no elevador e espero pacientemente até que ele chegue ao primeiro andar. Os números no painel eletrônico parecem se arrastar e eu me encolho no canto da caixa de metal como se eu estivesse sendo vigiada pelo próprio governo coreano. Todos os contras e prós que levantei durante o dia não existem mais, eles estão misturados sem nexo algum em meus pensamentos à medida que o aviso mental me alerta dos poucos dias para o aniversário de Eubin.
Eu não tenho escolha, eu sei disso.
Desço do elevador sentindo as pernas endurecerem em protesto, meu corpo todo parece se negar a seguir em frente e, assim que passo pelas catracas do dormitório feminino, eu o obedeço. Vejo-me parada então em meio ao hall do prédio, na divisa de dormitórios, não porque eu simplesmente desisti do plano, mas sim pelo simples fato de encontrar as deslembradas catracas para a ala masculina.
É óbvio que o acesso é restrito e é óbvio que eu esqueci por completo disso.
Solto a respiração pesada em protesto, um grunhido de raiva crescendo no peito. Não existe a menor possibilidade de um salto, até porque eu com certeza cairia. Eu não faço exercícios físicos há o quê? Dois anos? E também existe o orgulho e a coisa toda de regras da faculdade que realmente me incomoda quebrar. Não entrando no mérito deu me sentir aliviada pelo destino ter posto uma encruzilhada no meio do caminho para que eu não encontre um completo estranho em seu dormitório. Isso é como um aviso do universo, não é? Eu creio que sim. Talvez se eu simplesmente o esperar aqui... Por quinze minutos... Ele mesmo disse que não me esperaria, não é? Pode ser que ele apareça daqui a pouco, certo?
Olho em volta, mas, mesmo conseguindo enxergar boa parte das áreas comuns dos dormitórios masculinos, não vejo movimento algum. Tudo parece vazio e ridiculamente pronto para que alguém quebre as regras sem ser visto. Penso em mandar uma mensagem avisando meu futuro contratado, mas o celular foi deixado em cima da cama com toda a minha aparente dignidade. Encosto-me em uma das catracas, conformada pela mudança repentina de planos, quando, sem aviso prévio, meu corpo sofre um solavanco de nervosismo assim que o sino suave do elevador reverbera pelo primeiro andar.
Meus olhos correm ansiosos e apavorados até a porta sendo aberta, meu coração a mil no peito à medida que a figura de um garoto me toma a atenção toda. A cor do fim da mais bela tarde tinge os fios de cabelo moldados em leves ondas propositalmente jogadas para trás, e a sensação de um dia quente de verão me toma o corpo todo ao passo que o garoto se aproxima. Os detalhes de seu rosto genuinamente sendo destacados pela distância já não tão longa, a boca cheia rosada e os olhos cravados em mim com a mais singela curiosidade. Sinto minha saliva descer como arame farpado pela garganta, ele é tão gracioso e bonito que eu me sinto corar de vergonha.
– Olá, desculpa, – pede assim que dou um salto assustado no lugar – mas foi você quem ligou para saber sobre o anúncio do acompanhante?
Levo algum tempo para perceber que as palavras foram, de fato, direcionadas a mim. Meus olhos se perdendo em cada detalhe ridiculamente angelical que seus traços moldam. A cor laranja de seus cabelos lhe cai tão bem que por um instante me pergunto se é possível terem a criado apenas para tingi-los.
– Você não é moreno e nem tem 1,80 de altura.
Minha voz sai sem permissão e eu me arrependo copiosamente quando a primeira reação que recebo é um levantar irônico de sobrancelhas.
– Bela observação, – diz, o tom de voz é suave como uma pluma – mas eu não sou o Jungkook.
– Jung...?
– Jungkook, o dono do anúncio para quem você ligou. – Explica, passando pelas catracas e parando em minha frente. – Eu sou colega de quarto dele. Ele esqueceu que você não tem como subir em nosso dormitório, então aqui está a minha chave de acesso. Deixe com ele depois que sair.
– Eu não... Eu não... – Pisco algumas vezes, olhando para o cartão sendo estendido para mim. – Eu não posso o esperar aqui? Ele disse que estava de saída, eu posso o encontrar aqui, não é?
– Ele vai se reunir para um trabalho em uma das mesas do segundo andar, não vai sair do prédio hoje. – Esclarece e, enquanto eu moldo meus lábios em um pequeno “oh” de entendimento, ele me estica novamente o cartão. – Aproveite, não há ninguém nos corredores. Eu preciso ir agora.
– Obrigada. – Sorrio sem graça, pegando a chave de acesso.
Eu nunca o vi por aqui, eu lembraria caso tivesse. Suas bochechas têm uma tonalidade rosa natural que saltam diante dos meus olhos quando ele sorri, o casaco preto parece lhe agasalhar bem e por mais que meu cérebro tenha bloqueado de nervosismo meu olfato, eu acredito que ele cheire à felicidade e ternura. Doce feito mochi de morango com doce de feijão branco.
Talvez eu deva me aventurar mais pelas catracas da ala masculina caso isso signifique encontrar garotos como ele.
Enquanto o vejo passar pelas portas de vidro e se dirigir para qualquer lugar lá fora, eu solto um suspiro pesado que me traz de volta a cruel realidade. Meu corpo sucumbe em fracasso quando meus olhos caem sobre as malditas catracas outra vez. O sentimento de culpa despenca sobre meus ombros de uma forma muito mais violenta que antes. Eu estava certa de que o destino havia me enviado um aviso claro sobre isso, já havia me conformado sobre a mudança de planos e sobre não precisar obstruir nenhuma regra para me encontrar com um estranho em seu dormitório. Mas, talvez, o destino tenha mesmo enviado um sinal e agora seja apenas um teste da vida, não é? Talvez seja um teste para medir minha lealdade às leis que um dia eu vou lutar para que sejam cumpridas.
Fecho os olhos com força, abrindo-os apenas para mirar as informações no pedaço de plástico preso em meus dedos.
Park Jimin - Arquitetura.
Suspiro derrotada. Não tem jeito, não existe outra solução. Eu vou mesmo fazer isso. E eu espero, de verdade, que a vida entenda a gravidade da situação. E que entenda que eu realmente estou arrependida por estar passando o cartão de um completo estranho para entrar na ala masculino dos dormitórios.
– Vamos lá, você consegue.
O nervosismo é tanto que eu nem sequer consigo mais lembrar como é o rosto de Jimin e, tomada por uma onda de coragem repentina, eu passo pela catraca após o bip habitual de livre acesso. Minhas pernas tremendo nos primeiros passos até o elevador, mas, por puro medo de ser pega, elas me levam rapidamente até seu interior. Diferente da vinda, o painel eletrônico parece voar pelos andares e, em o que parecem ser segundos, chego ao quinto piso.
Não há ninguém pelos corredores, nenhum barulho sequer ou uma luz acessa pela movimentação. Não há nada além de mim e minha respiração ofegante. Eu definitivamente me sinto em um filme de ação, terror, suspense ou sei lá qual gênero o personagem se sente a ponto de vomitar tudo o que comeu no dia. Minhas botas de couro fazem um barulho alto sobre o piso de cerâmica que eu nunca nem sequer havia reparado e enquanto ando minuciosamente sobre o quinto andar, eu me pergunto se a vida é ridícula dessa forma mesmo.
Avisto finalmente o quarto 507 não muito longe daqui e encerro a distância em um caminhar tortuoso ao som do calçado rangendo contra o chão. Penso em usar a chave pelo desespero, entrar sem pedir licença e me esconder debaixo de sua escrivaninha. O movimento é tão automático que me pego parando há centímetros do leitor de códigos. Mas por mais nervosa e vulnerável que eu esteja, não é a ideia mais genial do mundo entrar no quarto de um completo desconhecido, certo? Até porque eu prefiro ser pega do que... Espera. O que exatamente aconteceria comigo caso eu fosse pega por aqui?
Não tenho tempo de pensar sobre a resposta ou sequer respirar direito, a porta do dormitório 507 se abre em um solavanco oco, o vento da ação chacoalhando meus cabelos para frente junto a barra de meu suéter longo. No meio de meu emaranhado de fios de cabelo sobre os olhos, eu tenho a absoluta certeza que vejo Jungkook.
E ele, definitivamente, tem 1,80 de altura.
Se antes Jimin me levava a um passeio em um dia de verão, agora eu sinto que Jungkook ateou fogo em meu corpo inteiro. Eu me sinto quente. Quente demais. Não há nada de meigo, terno ou suave, ele é um monstro. Ombros largos, olhos sinuosos e músculos por toda a parte. Por toda a parte. É um festival de ofensa gratuito. O cabelo castanho bagunçado cai sobre a testa e quase alcança os olhos tão negros como chocolate amargo. O nariz pode ser um pouco grande para o resto do seu rosto, mas minha atenção é voltada completamente para a boca bem delineada e sua mandíbula bem marcada. Tão marcada que é capaz de cortar.
Eu realmente preciso frequentar mais as catracas da ala masculina.
– Você deve ser a garota que ligou há pouco, isso?
– _____. – Falo em uma voz que não parece ser minha, enquanto tiro com rapidez os fios de cabelo dos olhos. – Você é o Jungkook?
– Sou. – Ele cruza os braços por um instante, seus músculos saltando por debaixo da camiseta de manga longa ridiculamente fina. – Está aí há quanto tempo?
– Acabei de chegar.
– Eu estou saindo. – Avisa sem rodeios, me fazendo recuar quando dá um passo a frente para fechar a porta atrás de si. – Podemos conversar amanhã?
– O quê? – É como se eu tivesse sido puxada para a situação real, meu cérebro buscando rapidamente a conversa recente por telefone com ele. – Não, eu disse que precisava ser hoje.
– Você demorou muito para chegar, eu tenho hora marcada.
Olho para meu relógio de pulso rapidamente e franzo o cenho em irritação, eu atrasei um minuto.
– Não é uma conversa muito extensa. – Digo desaforada, vendo-o dar os primeiros passos para longe de seu dormitório. – Se você me falasse por telefone quanto é o seu valor, eu não precisaria nem estar aqui.
– Eu não falo por telefone por questões de segurança.
– Segurança?
– É, – sua voz reverbera pelo corredor sem maiores dificuldades – eu não confio muito em...
– Você pode falar mais baixo, por favor? – Interrompo-o incomodada. – Eu não quero ser pega aqui.
Jungkook para de andar apenas para me olhar de cima a baixo por um instante, parecendo voltar em sua decisão de dizer o que queria dizer e retomando seu caminho. Ele solta um suspiro tedioso enquanto chama o elevador, o volume de sua voz a seguir não muda em absolutamente nada:
– Enfim, meu preço é 100 mil wons.
– 100 mil wons?! – Dessa vez a voz que reverbera é a minha em um quase grito apavorado. – Mas eu quero te contratar só por algumas horas.
– O valor é fixo.
– Isso é sério? – Não evito um sufoco de pavor. – É caro demais! Eu consigo pagar um churrasco completo para três pessoas com isso.
Vejo-o entrar no elevador e girar sobre os calcanhares para mim, o olhar tão debochado quanto sua voz.
– Um churrasco completo para três pessoas não vai te acompanhar aonde você quer ir ou vai?
Sinto a necessidade extrema de girar os olhos em fúria, mas me contenho. Moreno, 1,80 de altura, porte atlético e bonito podem até ser verdade, mas educado, agradável e sabe estabelecer uma conversa estão definitivamente riscados da lista. Engulo a seco e entro no elevador junto a ele, me deixando não responder uma pergunta ridícula dessas.
– Para que dia você precisa?
Fico um tempo em silêncio, mirando o botão do primeiro andar sendo acionado por ele.
– Sábado, – respondo vencida – das 19h às 23h.
– Eu não arco com os pagamentos de um encontro, espero que você saiba disso.
Olho para Jungkook de canto dos olhos. Não é como se eu estivesse surpresa, meu anjo.
O caminho até o primeiro andar é curto, mas o silêncio desconfortável até lá parece tê-lo feito durar horas. Eu espero de verdade que isso valha a pena. Definitivamente é uma urgência, uma urgência das grandes. Caso contrário eu já teria mandado esse otário para a puta que... A porta se abre e não leva um segundo para que Jungkook saia em disparado por ela, minhas pernas se apressando para que eu consiga o acompanhar pelo corredor.
– Preciso pagar adiantado ou...?
– Não, o pagamento é só depois do trabalho feito. – Ele para em frente as catracas abruptamente e vira-se para mim, seus olhos me analisam cheios de desconfiança. – Existem regras.
– Regras?
– Nada ilegal ou que eu corra risco de vida, rituais religiosos implicam na minha desistência e o seu dinheiro não será reembolsado. – A cada regra dita seus dedos longos aparecem em minha frente como uma ameaça real. – Não beijo e não abraço, não faço provas por você e nem nada relacionada à universidade. Espero que você tenha o mínimo de noção e entenda que eu não faço qualquer coisa que pareça absurda ao dizer em voz alta e que eu não disse aqui. Alguma pergunta?
Puxo o ar pela boca, eu sinto meu rosto todo derreter de irritação por suas regras idiotas e óbvias.
– Você vai poder conversar comigo durante o seu trabalho ou isso é proibido também?
Seus olhos se estreitam em minha direção.
– Depende do assunto. Eu preciso ir agora. – Diz, apontando para as catracas como se eu fosse um estorvo completo. – Nos vemos no sábado, certo?
– Por que eu sinto como se você estivesse fazendo um favor para mim? – Cochicho para mim mesma, voltando para o hall de entrada e entregando o cartão para ele. – Nos encontramos aqui às 19h. Agradeça ao seu amigo pelo cartão.
Sua sobrancelha se arqueia em petulância.
– Jimin é comprometido.
Meus olhos se arregalam em uma resposta repentina, enquanto meu queixo cai pelo tapa que levei em forma de palavras. O que ele...? Quando penso em lhe devolver a alfinetada, já é tarde demais, Jungkook já me deu as costas e está de volta dentro do elevador.
– Se você se atrasar, eu reduzo o valor pela metade! – Grito furiosa, mas eu sei que ele não pode me ouvir mais, como também sei que essa é a maior mentira que eu já contei na vida. Por mais ridículo que ele pareça ser, eu realmente sinto que ele está me ajudando e que 100 mil wons é até barato para me livrar de uma vida infernal.
Suspiro derrotada, a pequena reverberação de meu grito recente me pega agora os ouvidos e eu me vejo mesmo cavando o fundo do poço para que eu me afunde ainda mais em toda uma situação absurda.
A porta do quarto não demora a se abrir quando termino de organizar meus materiais de estudo para o dia seguinte, revelando uma Sorn extremamente cansada. Ela tira os sapatos de qualquer jeito e nem sequer se importa de vestir as pantufas, entrando cômodo a dentro apenas de meias grossas brancas. A mochila pesada que carrega é abandonada aos pés da cama e os óculos de seu rosto são arrancados sem cuidado algum, seus olhos me analisam por um instante antes de seus lábios se moldarem no que parece ser um sorriso sofrido.
– Está tudo bem?
– Eu vou precisar refazer meu roteiro. – Fala, a voz embargando traiçoeiramente. – Todo ele, o roteiro todo.
Sufoco uma exclamação mal educada, vendo-a então cair sentada sobre o emaranhado de mantas em sua cama que não conseguiu arrumar antes de sair. Seu rosto agora parece desmoronar e seu lábio inferior parece mesmo tremer de tristeza.
– Mas tudo bem, não é? A vida funciona desse jeito, certo?
Penso em dizer algo para lhe consolar, mas falho. A verdade é que eu estava angustiada para conversar sobre o maldito contato com Jungkook de hoje à tarde e não pensei em mais nada a não ser nisso. Tento resgatar alguma palavra de conforto para lhe dizer, mas eu só consigo pensar em xingamentos e mais xingamentos.
– Você quer sair para comer alguma coisa? – Proponho, desistindo por completo de comentar qualquer coisa sobre minha vida com ela. – Nós podemos sair do campus ou pedir frango frito e beber nas escadas, o que acha?
Ela suspira pesado, quase choramingando.
– Eu realmente queria fazer algo de diferente, mas eu estou tão cansada que... – Seus olhos varrem o quarto e sua frase morre sem explicação. – Tudo bem se eu só dormir?
– Claro! – Levanto-me da cama rapidamente enquanto ela se ergue de forma lenta da sua. Puxo os lençóis de seu colchão e a ajudo se acomodar debaixo das cobertas. – Descanse bastante, vou desligar as luzes.
Ela ronrona um agradecimento e antes mesmo que o ambiente seja iluminado apenas pelas luzes dos postes lá fora, eu consigo ouvir sua respiração pesada se envolver em sono. Solto um suspiro sentido, eu queria mesmo conversar com ela sobre mais cedo e sobre toda a sensação estranha de estar fazendo algo errado, mas não é justo. Dessa vez, eu preciso resolver esse problema sozinha.
Arrasto-me de volta para minha cama e deito sobre as mantas ainda esticadas, eu queria que as coisas fossem um pouquinho mais simples de se resolver. Pego o celular e por um instante apenas miro a tela brilhosa em silêncio, contornando toda a vontade que tenho de romper o combinado ridículo com Jungkook. Por fim, abro uma nova conversa e digito uma mensagem rápida.
[21h47] eu: é a _____
[21h47] eu: é pra usar terno no sábado
[21h48] eu: vc tem?
Olho por um tempo as mensagem solitárias sobrepostas ao fundo branco e agradeço secretamente pela resposta estar sendo digitada agora mesmo.
[21h49] jungkook: ok
Ok?
Giro os olhos, sentindo-me completamente livre por poder fazer isso sem precisar reprimir a vontade como fiz ao longo do dia. Irritada, aperto as teclas em uma mais nova mensagem, parando apenas quando meu celular vibra com o recebimento de uma resposta melhor do que o maldito ok.
[21h50] jungkook: tenho
Dando-me por satisfeita, largo o celular de volta no colchão. No teto branco há dezenas de formas pelas luzes dos postes lá fora, mas nenhuma se parece com uma solução repentina para me salvar. A situação toda é tão absurda que parece um sonho ruim.
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 10/16)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 5.596 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Da cama em minha frente, Sorn me encara com seus olhos fundos e grogues. Não é um olhar que diz muita coisa além de cansaço e arrependimento alcoólico. Seus cabelos estão uma bagunça completa e a maquiagem da noite passada está enfeitando sua face inteira. E eu acredito que não esteja muito diferente disso, levando em consideração o emaranhado de fios em minha nuca e uma mancha preta de delineador bem na ponta de meu nariz.
Nós acordamos há uns cinco minutos talvez e estamos nos olhando desde então. As roupas de lantejoulas e rendas da festa passada são um destaque grosseiro em meio aos raios solares entrando pelas frestas da cortina. E a julgar pelo barulho do lado de fora e o ronco cronometrado em meu estômago, já passou do meio dia.
— Eu vou comprar café. — A voz de Sorn é rouca e desregulada, invadindo o ambiente como um alarme de incêndio. — Você quer?
Assinto lentamente, sentindo minha cabeça doer com o ato. Faço uma nota mental de nunca mais tomar um porre de cerveja outra vez, mas sabendo que vou esquecer sobre ela assim que a ressaca passar.
Espero então Sorn se erguer. Espero e espero. Mais cinco minutos talvez. Mas ela não se ergue. Continua sentada, me encarando com os mesmos olhos turbulentos de antes. Talvez esteja pensando se suas idas ao banheiro para vomitar realmente existiram ou se só foi um sonho nojento.
Eu queria que tivesse sido um sonho nojento, a propósito.
— Acho que a gente precisa conversar sobre ontem. — Ela diz de repente, seu corpo tombando para trás e encontrando a parede. — Ou do que eu me lembro, pelo menos.
A mudança de planos me pega desprevenida. O assunto me pega desprevenida. E suspiro pesado sem quase nem perceber. Eu sabia que uma hora esse assunto chegaria para nós, não haveria como evitar isso. Mas pensei sobre enquanto ainda tinha uma quantidade alta de álcool rolando no meu sangue, e naquele momento a ideia não parecia ser tão dolorosa assim.
— Desculpa.
Ouço sua respiração funda assim que minha voz finaliza a palavra em um tom quase baixo demais para ser ouvido. Ela se remexe inquieta e me lança um olhar diferente agora. Mas eu me sinto lenta e debilitada demais para tentar concluir qualquer coisa. A figura de Sorn é ainda mais bagunçada quando ela puxa o cobertor para cima de uma das pernas.
— Não sei, — dá de ombros. — Acho que quem deve desculpas sou eu por fazer você achar que atrapalhava.
— Você não fez eu pensar nisso, eu só... Eu pensei que... — Respiro fundo, mesmo ela já sabendo de quase tudo, ainda é complicado para mim. — Você estava cheia de coisas pra fazer, não tem que me pedir desculpas.
— Então ninguém precisa pedir desculpas. — Diz e eu me sinto afundar no colchão. — A gente é amiga. Amigos são pra isso. Não tem sentido só eu derrubar meus problemas em cima de você.
— Você não derruba seus problemas em cima de mim!
— E por qual razão você acha que faz isso com os seus?
Há um silêncio. E me sinto envergonhada por deduzir algo que não é a verdade de novo. Por mais que eu tenha aprendido a lição há pouco...
— Olha, — recomeça. — É verdade que eu estava cheia de coisas da faculdade pra fazer e é verdade que eu não tinha tempo pra nada. Mas eu queria e quero fazer parte da sua vida. Você sabe dos meus problemas, eu quero saber dos seus. Não fale as coisas se você não se sentir a vontade com isso, não porque pensa que vai me atrapalhar.
— Descu-
— Não. — Interrompe. — Sem mais desculpas.
Encolho-me entre os ombros.
— Tudo bem.
— Ótimo. — Ela sorri e se espreguiça, chutando a coberta para o lado de maneira preguiçosa e deslizando pelo colchão, erguendo-se enfim. — Mais tarde você vai me contar toda essa história direito, não me lembro dos detalhes agora. Você chegou a me contar?
— Acho que sim. Também não me lembro bem.
— Então mais tarde.
— Mais tarde?
— É, é. Mais tarde, mais tarde. Agora eu vou comprar café, essa conversa fez minha cabeça doer.
— Foram as cervejas. — Mio, caindo deitada sobre minha cama, ainda envergonhada por falar sobre sentimentos. — Não posso com elas.
— Cervejas? — Ela para ao lado da minha cabeceira para me olhar de cima. — Você bebeu duas tequilas quando chegamos na festa e o problema foram as cervejas?
— Não bebi tequila.
— Não, você sugou elas.
Tento me erguer na cama, mas a dor de cabeça me faz desistir da ideia.
— Não me lembro disso.
Ela dá de ombros, se afastando e se livrando das roupas da festa. Enquanto penso sobre o que mais não devo lembrar, acompanho-a com meus olhos; o único movimento que consigo fazer sem sentir cada músculo do corpo protestar. Vejo-a então tirar a maquiagem com um lenço umedecido e logo o descartar no lixo de sua escrivaninha. Sorn desaparece por um tempo no banheiro e assim que sai se enfia no primeiro vestido que vê pela frente. Penteia os cabelos agora molhados e manda ver dois chicletes de hortelã de uma só vez.
Por mais que tenha se esforçado, ainda parece enfrentar a pior ressaca da sua vida.
— Então você com certeza não deve lembrar que beijou o bonitão na frente de todo mundo, certo?
Dessa vez ignoro qualquer coisa que me impeça de pular da cama e, no segundo seguinte, estou em pé em meio ao quarto.
— Jungkook? — Quase grito. — Eu beijei Jungkook?
O pânico é tanto que não entendo quando a risada nasalada de Sorn vem em seguida.
— Não beijou. — Admite, buscando os sapatos no armário perto da porta. — Mas seria bom, não seria? Pelo menos Haneul se tocaria logo da situação.
Ainda me tenho alarmada quando vejo-a sair do dormitório. E logo percebo que minha preocupação era por ter esquecido, não por ter beijado Jungkook. Porque não me importaria caso tivesse.
Talvez eu quisesse...
Não.
Eu queria que tivesse acontecido.
Sem o talvez.
Minha cabeça é um redemoinho de lembranças, frases soltas e imagens aleatórias, mas uma memória é muito clara. Ela se destaca sobre as outras de maneira poderosa e inabalável. E não posso a ignorar.
Eu admiti, afinal.
Eu estou apaixonada por Jungkook.
E sei que não conseguiria admitir isso em um estado normal.
Não posso simplesmente evitar isso. Posso? Parece errado e talvez seja. Pode ser que a sensação de ressaca ou até mesmo a bebida esteja agindo por mim, mas não quero mais lutar contra.
Não agora.
[...]
Sinto a calça jeans agarrar minhas pernas de maneira incômoda, enquanto ouço minha mãe falar e falar e falar. Não sei sobre o que exatamente, foram tantos tópicos em uma só ligação que já desisti de tentar acompanhar. Tateio a mesa atrás da embalagem vazia do sanduíche recém-devorado, o celular encaixado entre meu ombro e ouvido, enquanto penso brevemente se o ar-condicionado da loja de conveniência está funcionando direito nesse dia mais quente que o normal.
A vida parece muito extensa agora. Pelo menos, de sábado até terça. A sensação é de que uma semana inteira se passou nesses poucos dias e isso é porque tudo veio de uma só vez. Fechamento do semestre, entrega do meu plano de defesa, abertura das inscrições para os cursos de verão, rematrícula geral e renovação das vagas dos dormitórios. Tudo de uma só vez. Tudo em apenas dois dias úteis.
— Uhm. — Murmuro, quando a voz de mamãe faz uma pequena pausa.
Em seguida, deixo-me perder outra vez nesse lance de tempo, percebendo só agora a lacuna nas aulas no próximo mês. Os últimos dias me pareceram tão longos, mas o semestre me pareceu tão curto... Ele costumava ser mais extenso em outros períodos da vida, tão extenso que é estranho ter as férias de verão logo ali agora, de maneira tão rápida.
A vida parece longa, mas ela também parece breve.
É compreensível?
Fico então entretida nessa brincadeira de extensão e lentidão, volta e meia me perdendo no que quero realmente pensar e concluir. Talvez sejam todas as atividades dos últimos dias que me deixam tão perdida, talvez seja a falta de café preto. Há muitas opções.
— O que você acha?
A voz de mamãe surge como um fiapinho de som em meio aos meus devaneios. E, nesse meio instante, me sinto meio mal por não estar gastando meu tempo resolvendo coisas da universidade.
— Uma boa ideia.
— Então converse com o Jungkook.
Levo um tempo para associar o que ela acabou de dizer, meus olhos desfocando da mesa e transformando tudo em borrão. De repente, meu corpo sofre um tremelique de realidade e escorrego para a beirada do banco de maneira involuntária.
— Conversar o quê?
— Você não estava ouvindo, não é? — Sua voz me acusa prontamente, como se soubesse disso desde que começamos a conversar. — Impressionante! Você sempre faz isso.
— Desculpa. — Mas não me sinto realmente culpada. — Sobre o que era?
Sua respiração é pesada do outro lado da linha, parece aborrecida.
— Eu estava perguntando o que você achava de nós irmos para Naju esse fim de semana visitar seus avós e depois irmos para Busan conhecer a família de Jungkook.
Sinto o sanduíche que comi há pouco rodopiar no meu estômago. Subitamente me sentindo acesa de pavor. O baque é tanto que me desequilibro, precisando me agarrar à mesa para continuar no lugar. Quando exatamente a conversa tomou esse rumo? Eu posso jurar que há menos de dois minutos ela dialogava sobre petúnias e hortênsias! Como? Como saiu de flores para o jardim e parou em Jungkook?
Conhecer a família de Jungkook.
Conhecer. A. Família. De. Jungkook.
Isso é... Isso é fora de cogitação!
Meus olhos estão esbugalhados e sinto meu coração bater nos ouvidos. A qualquer momento o sanduíche pode mesmo voltar pelo caminho de onde veio.
— _____?
Só então percebo que o celular está caído sobre a mesa, a voz de mamãe é como um grito enquanto me chama repetidas vezes. Recupero-o de maneira desesperada.
— Não dá! — Respondo nervosa, meus dedos apertando o aparelho em meu ouvido com mais força do que se é necessária. — Não vai dar!
— E por que não?
— Porque tem o curso de verão!
Não é uma mentira, minha intenção era me inscrever em um ainda hoje. Então não é mesmo uma mentira. E agradeço por isso. Não conseguiria pensar em nada muito elaborado agora que não fosse a verdade.
— Você disse que não ia fazer curso de verão esse ano.
E eu de fato disse. E de fato esqueci também. Mas minha preocupação no momento não é minha promessa não cumprida, é manter o mais longe possível minha família da de Jungkook.
Se eu pudesse colocar um mundo de distâncias entre eles, eu colocaria.
— É, mas... Mas eu preciso fazer.
Essa é uma mentira. Não uma mentira elaborada, mas mesmo assim uma mentira. Mentira porque não preciso fazer nada, estou livre depois de sexta-feira para fazer o que bem entender. Mas mamãe não sabe disso. Mesmo que eu, possivelmente, já tenha esclarecido isso para ela no passado.
— E nós precisamos conhecer a família dele! — Rebate. E eu logo me lembro de que essa não foi uma boa desculpa para dar.
Até porque eu sei que uma boa parte de sua irritação é comigo não prestando atenção em toda a nossa longa conversa telefônica e o restante é com essa minha relação responsável com a faculdade. Não faz sentido na cabeça de mamãe.
Nenhuma das duas coisas.
— Era pra ter sido mês passado, mas as coisas estavam tão corridas que não tive tempo de pensar sobre. Agora que vocês estão de férias e as coisas estão tranquilas, nós podemos fazer essa viagem.
— Mas vou fazer o curso de verão!
— Você mesma disse que queria visitar seus avós! — E de fato eu disse. E de fato esqueci também. De novo. Mas, de novo, isso não é sobre promessas não cumpridas. — Então peça pra família dele vir.
Quero rir de nervosa, arrancar meus cabelos e sumir da Terra. Sinto-me instável, meu corpo todo é tremor e ânsia. É como se eu fosse me desintegrar no ar a qualquer momento.
— Não dá.
Embora minha vontade seja de gritar, minha voz é um miado chocho. Não sei mais o que dizer. Pareço uma reprodução de frases desconexas.
— E por que não dá?
Abro a boca para rebater, mas não tenho nada.
Não a respondo, porque não tenho como a responder. A única resposta que tenho rondando meu cérebro e a ponta da minha língua é a verdade. Não dá porque não namoro Jungkook. E apesar da visita em si ser mesmo fora de cogitação, desvendar todo esse meu segredo consegue ser ainda mais.
— Você não quer que a gente conheça a família dele, é isso, _____? — Ela diz desgostosa depois de um tempo. E é quase engraçado, se não fosse desesperador, como ela acertou em cheio. — Olha, eu estou tentando. Veja bem, eu estou tentando fazer esse relacionamento de vocês dar certo, que dê em casamento, mas você só dificulta.
Sinto minhas têmporas sendo pressionadas e sei que isso é só o começo de uma enorme dor de cabeça. Eu sempre soube que algo assim poderia acontecer, talvez tivesse certeza desde o almoço com meus pais e Jungkook. Desde quando a ideia absurda surgiu no meio de uma conversa inocente. Mas acreditei de maneira ingênua que conseguiria dar um jeito na situação antes de chegar a esse ponto.
Eu queria mesmo ter dado um jeito.
Nesse relacionamento falso e em todas as outras questões da minha vida. Porque aqui e agora tudo parece torto, fora do lugar. E são tantas coisas que me pego confusa, turbulenta.
— Você nunca vem pra casa aos fins de semana, sempre está ocupada. Ele também! — Continua, explosiva. Encolho-me entre os ombros, invadida. — Nunca pode, nunca dá. Se ele não pode nos encontrar no meio da semana, como encontra com você? Como quer que esse casamento dê certo? Com Haneul não era desse jeito...
Haneul.
Haneul?
Sinto um ardor me pegar o peito, um incômodo dolorido me agarrar à consciência e apertar ainda mais minhas têmporas. Minhas lembranças embaralhadas muito mais organizadas do que no domingo. Elas se movem como em uma jukebox, como se eu estivesse prestes a escolher uma para me invadir por completo.
Movem-se, movem-se e movem-se.
Param.
E então desligo por completo.
Não porque quero, mas porque a lembrança de meu ex-namorado falando todas aquelas coisas me vem à cabeça. É a única que me vem à cabeça. Não existe mais jukebox ou outras memórias. É essa e somente essa.
O sorriso desdenhoso, as palavras ardilosas.
Ela não é lá muito bonita, nem muito interessante.
E me sinto mal como naquele instante. Porque acreditei mesmo que tivesse me livrado, que tivesse tirado todo o peso que carregava desse relacionamento com ele. Que tinha me livrado do sentimento de submissão. Mas ele continua aqui, me revirando e me deixando assim. Ele continua aqui e continua me trazendo lembranças ruins de um passado cretino.
E de todas as coisas fora do lugar, tortas, essa é a que mais me incomoda.
Houve nossa conversa um tempo atrás, na saída da loja aonde compramos o notebook. Lembro que me senti estranha, mas que consegui mudar isso, que consegui sair do buraco por um tempo. Mas então veio sábado e é como se nada tivesse mudado. Como se eu tivesse regredido, como se eu estivesse amarrada mais do que nunca à Haneul.
E isso é um pesadelo.
Queria ter revidado, queria ter enchido o peito e me livrado disso. Minha eu do passado me olhando da mesma forma como Jungkook me olhou. Esperou e esperou. Mas nada veio.
Não quero mais ser ligada a Haneul. Não quero mais que minha vida se interligue a dele. Mas tudo parece me levar de volta. Meus pais, ele, minha vida inteira. Estou nessa situação por causa dele, me envolvi em toda essa teia de mentiras por causa dele e continuo com isso por causa dele. Continuo presa em Haneul cada vez mais. Tudo ao meu redor é Haneul.
E me sinto mal. De novo.
Precisa existir algo a ser feito para me livrar disso, mas não consigo achar.
Não consigo sair.
— Eu vou conversar com Jungkook, tudo bem? — Ouço-me dizer. A frase corta a fala de mamãe, mas não me importo. Sinto-me perdida num misto de sensações abruptas. Eu quero sumir. — Vou ver quando a família dele vai estar disponível pra irmos lá.
— Ótimo! — Ela parece satisfeita por um instante. — Eu e seu pai vamos de qualquer forma, com você ou sem. Deixe Jungkook avisado de que nós vamos mesmo assim. Porque estou fazendo isso por você, porque sei que não consegue dizer o que realmente quer. Vou conversar sobre o casamento com os pais deles e vamos decidir isso por vocês.
— Eu vou dar um jeito.
Mas não sei mais o que digo. Porque agora me tenho enterrada nessa confusão de sentimentos. Desespero, frustração. Os sentimentos vindo e vindo. Tenho-me até mesmo perdida por um instante na indignação; minha mãe ainda aperta a mesma tecla de casório, tomando atitudes por mim e fazendo dos seus desejos os meus. E me pegaria ainda mais brava por todo o absurdo que é, senão fosse por todas as outras coisas.
Vejo-me então dividida outra vez. De um lado a frustração repentina que me pegou do nada, que me pegou ao que o nome de Haneul apareceu por aqui. Do outro, o desespero da possibilidade de um encontro fora de cogitação.
Minha família e a de Jungkook.
Isso é... Urgh.
Meus pensamentos são um furacão intenso, o maior da escala Saffir-Simpson.
Afundo minha cabeça nos braços cruzados sobre a mesa assim que encerro a ligação. O bip ainda perambulando pelo meu cérebro quando já me pego arrependida. Sei que não posso prometer algo assim, sei que é algo muito além do meu alcance.
Mas eu tinha escolha?
Tinha?
Aperto os olhos em um arrependimento passado e precoce. Tudo ao mesmo tempo. Precisa existir uma saída. Precisa existir outra maneira de acertar as coisas. Precisa ser diferente dessa vez.
Precisa.
É a família de Jungkook.
Puta que pariu.
É a família de Jungkook!
[...]
É isso.
Tentei de várias formas não parar por aqui. Tentei pensar em diversas soluções, diversos meios para me desviar do caminho. Pensei em desculpas para adiar, pensei em tarefas irrelevantes para fazer. Arrumar o quarto, organizar meus livros já organizados, hidratar os pés. Pensei em finalmente ir até Hongdae para procurar as meias que quero comprar tem mais de um ano.
Tentei também achar meios alternativos, possibilidades distintas, desculpas novas para dar aos meus pais. Tentei encontrar a certeza de que isso é mesmo um universo paralelo, um sonho ruim.
Mas acabei, no fim, parando por aqui.
Porque é a realidade e não posso ignorar, não consigo. Não tenho tempo.
E agora me tenho em uma situação muito mais delicada do que pensei que estaria. Parada na divisa de cômodos, sinto-me suja e injusta. Porque preciso pedir um favor a Jungkook. Um favor de acompanhante de aluguel. Depois de tudo o que foi dito, depois de tudo o que foi passado, eu faço nós dois voltarmos para a estaca zero.
Por todo o caminho que percorri até aqui, procurei maneiras de falar. Amenas, práticas, indolores. Rápidas e compactas. Como um puxão no band-aid. Mas não encontrei. Procurei e procurei. Mas nada. Não queria retroceder, não queria que Jungkook pensasse que só o vejo dessa forma, como um produto. De novo. Porque não é desse jeito, não é assim. Meus sentimentos são claros agora. Mas não existe nada que faça com que ele pense o contrário do errado, do torto. Nada do que eu faça depois, nada do que eu diga depois.
Atitudes valem mais do que qualquer coisa, não é? E eu sou um poço de atitudes ruins.
Porque continuo nisso, continuo insistindo e insistindo no erro, mesmo depois de tudo.
Aperto as alças da minha mochila e respiro fundo. Meu peito trepida de angústia. E, daqui da porta do terceiro andar da biblioteca, consigo ver Jungkook em uma das mesas ao fim da sala. Enfiado em livros, notebook e papéis amassados. Os cabelos bagunçados e o capuz do casaco branco cobrindo somente metade do que deveria cobrir.
Funciona como uma volta no tempo, porque é a mesma mesa, o mesmo sentimento e ele.
É Jungkook.
E mesmo que ele pareça um caos completo, assim como eu, sinto meu coração crescer no peito, inflar. Talvez seja pelo que vim fazer. Talvez seja por eu estar prestes a nos enfiar em desordem outra vez. Não sei. Só tenho certeza que o motivo mais forte e real é ele.
Puramente ele.
Movimento-me minimamente em sua direção, incerta, pensando então na última vez que nos vimos. E não demoro muito para concluir o quão ruim somos em dar passos quando sóbrios. Literal e não literal. Depois da nossa conversa no sábado, dos olhares, dos sorrisos e de todas as revelações, o máximo que conseguimos fazer no dia seguinte foi trocar mensagens com assuntos aleatórios que morreram em cinco minutos.
Ou um.
A vida já era lenta e breve naquele momento.
Ou talvez eu esteja sendo bondosa demais em relação a tudo. Até porque Jungkook enviou uma pergunta à tarde e continuou o assunto só três horas depois. Meu celular com a bateria fraca e minha resposta não sendo enviada. Paramos por aí. Nossa página de mensagens sendo enfeitada por uma nova só hoje com uma vinda de mim.
“Onde você está?”
“Terceiro andar da biblioteca”
Pensei em ficar preocupada, em pensar sobre arrependimentos da parte dele. Pensei em ficar hoje e no domingo também. Mas então eu logo lembrei que Jungkook é péssimo com mensagens de texto e que sua pergunta sobre meu bem-estar foi algo fora do comum. Tão fora do comum que até me lembro de ter engasgado com a bala de goma que tinha acabado de colocar na boca.
E pensando nisso, fiquei feliz.
Mas agora eu só sou bagunça.
Respiro fundo, contornando mesas, cadeiras e alunos indo embora. Passos e mais passos até parar em frente ao Jungkook. Seus olhos estão vidrados na tela do computador, um pouco maiores do que o normal, debaixo deles olheiras levemente arroxeadas. Seus dedos passam rapidamente pelo teclado, a mão deslizando volta e meia para o mouse, dando cliques e mais cliques.
Aqui e agora, consigo ouvir as batidas pesadas do meu coração pelo aroma tropical que me pega o nariz em suavidade e familiaridade. E por um instante me sinto bem, como se nada na minha vida pudesse me preocupar, me deixar triste.
É como um porto seguro.
— Não vai sentar?
A voz de Jungkook me acorda dos pensamentos vergonhosamente românticos demais e me sinto corar minimamente por isso. Levo um tempo para assumir o controle de meu corpo outra vez e, quando faço, tiro a mochila dos ombros abruptamente e puxo a cadeira em sua frente para me sentar.
Ele nem sequer tira os olhos da tela do computador.
— Chegou rápido. — Fala meio aéreo. Não sei ao certo se ele sabe o que diz ou se são só frases automáticas. — Não chegou?
— Cheguei. — Espalmo as mãos pela mesa, aflita. — Estava por perto.
Fico então um tempo o olhando, aproveitando sua atenção no que quer que esteja fazendo para me perder de novo no que estou prestes a enfiar nós dois. Penso que posso falar agora, que posso pedir, perguntar. Que talvez seja uma boa hora, mesmo que não exista de verdade uma, porque estamos aqui e estamos sozinhos. Mas não tenho coragem. Não consigo.
— Aconteceu alguma coisa?
Jungkook fala outra vez por nós dois e a possibilidade dele ter percebido toda a minha inquietude me faz ficar ainda mais nervosa.
— Erm... Não.
— Veio estudar?
Pisco uma, duas, três vezes. Não sabendo ao certo se devo mentir ou não.
Penso em responder, em mudar de assunto. Mas limito-me a levantar e ir em direção as estantes para procurar sabe-se lá o que. Por sorte, a sessão de livros de direito fica nesse andar, o que me ajuda um bocado a fingir que sim, vim para estudar. Essa se tornando então minha intenção nesse exato instante. Pego três livros aleatórios, nem sequer olhando para o título direito e volto para a mesa. Volto para a mesa só para encontrar Jungkook do mesmo jeito de cinco minutos atrás.
Atrapalho-me com a mochila no chão, meus pés enganchando nas alças e me fazendo cair grosseiramente sentada na cadeira. E nem mesmo isso faz com que os olhos de Jungkook saiam da tela do notebook. Respiro fundo, os três livros espessos e em pé em minha frente funcionando como uma barreira de proteção. Eles servem também como apoio para meu queixo, quando meus braços os acolhem em um abraço. Sinto-me minúscula atrás da tela do notebook. É pelo que sinto e por todas as outras coisas. E encolho-me ainda mais ao perceber que não sei ao certo o que esperar. Se coragem para falar o que preciso falar ou Jungkook engatar uma conversa para me levar para longe de todos os problemas que enfiei nós dois. E que enfiarei nós dois.
Penso então que eu poderia ter evitado e dane-se, que poderia ter voltado para o dormitório e feito a hidratação nos pés ou ido para Hongdae atrás daquelas meias. Porque tudo parece uma boa ideia agora, tudo é melhor do que arruinar qualquer coisa que temos aqui.
— O que foi?
Sua voz quase me faz pular da cadeira, seus olhos ainda estão concentrados e daqui suas olheiras parecendo mais intensas e frágeis. Reparo nisso para tentar respondê-lo em uma mentira.
— Nada.
Sou uma linha fina e insossa. Mas antes que Jungkook possa me fazer qualquer outra pergunta, ouço-me falar, meu quadril resvalando pelo assento:
— Você conseguiu entregar o projeto naquela semana?
— Projeto?
Por um instante tento me lembrar se eu deveria saber sobre isso ou se foi uma daquelas informações não autorizadas passadas por seus amigos. Mas não é como se eu estivesse preocupada com isso agora.
— Aquele que você estava fazendo. — Falo e percebo que ficou vago demais. — Do notebook emprestado, lembra? Era para aquela sexta-feira.
— Você diz sobre o desenvolvimento daquele site?
Ele desvia os olhos um segundo da tela do computador para me olhar e por um momento me envergonho. Porque nosso último encontro é recente e eu sei que ele também se sente assim.
— Não acha que demorou um pouquinho demais pra perguntar isso?
Jungkook diz ao perceber que não responderia e franzo o cenho por toda a mudança brusca. Ele sempre faz isso. É PhD em me cortar desse jeito. E falaria sobre todas as oportunidades que ele me dá para que eu o supere, mas desisto. Desisti de superar ele já faz um tempo.
— Mal agradecido! — Rebato. — Pelo menos eu to perguntando.
Jungkook não diz nada, voltando a olhar para o computador. E então me permito um tempo observá-lo. Os detalhes, as pintinhas e a boca entreaberta mostrando parte de seus dentes. Ele sempre me lembrou um coelho, só percebo agora. E é fofo.
— Entreguei. — Responde em atraso, os olhos correndo de um lado para o outro da tela. — Mas agora preciso criar as embalagens e os flyers.
Penso em dizer que agora entendo os últimos anúncios de acompanhante de aluguel terem ficado do jeito que ficaram. Profissionais e bonitos. Mas não me atrevo. Porque isso me remete ao que vim fazer e ao que estou evitando fazer desde que cheguei.
— Embalagens?
— O site era de vendas de produtos naturais de uma marca específica. — Explica e eu entendo pouca coisa, só para assim ouvir a mesma frase outra vez: — Agora preciso fazer as embalagens e os flyers.
— É pra quando?
— Amanhã, é seletiva pro curso de verão. — Surpreendentemente ele responde, porque parecia que levaria mais cinco minutos para fazer isso. — O professor é o mesmo e ele disse que se a gente quisesse, podia pegar um dos projetos e dar continuidade.
Fico um tempo o olhando então. Os olhos ainda indo para lá e para cá, só eles sendo visíveis por cima da tela do notebook. Os dedos vão e voltam também e eu repasso as informações que me disse.
— Tem seletiva pros seus cursos de verão?
Ele não me responde de prontidão, prefere desenhar primeiro algo na mesa digitalizadora.
— Só nesse.
Assinto, mesmo que ele não possa ver.
— Vai fazer curso de verão?
E dessa vez ele responde rápido.
— De cinco dias.
Assinto de novo, inutilmente.
— Vai pra Busan?
— Esse fim de semana.
E a próxima frase morre na garganta. A realidade me pegando os ombros e me chacoalhando de maneira violenta. Não há mais assuntos irrelevantes ou desculpas para dar a mim mesma. Porque posso evitar falar sobre isso com Jungkook, posso engatar conversas e conversas, mas não posso evitar ser engolida nos pensamentos. Porque sei o que vim fazer, sei do porque estou aqui. E, por mais que eu tente escapar, eu sempre acabo voltando pro mesmo ponto.
Jungkook vai estar lá esse fim de semana, vai estar lá como minha mãe queria que ele estivesse. Ele e toda a sua família. É perfeito, não é? Tudo vai se encaixando como nos planos dela, como deveria ser. Mas não consigo prosseguir, não consigo nem sequer pensar em fazer isso. Porque não existe uma maneira correta de iniciar nosso declive, nosso retrocesso.
Fecho os olhos com força e conto até não sei onde. Tento reunir coragem, começar de qualquer lugar e seguir. Ser inconsequente ou consequente, porque já não sei mais o que é o certo a se fazer nessa situação. Penso em soltar tudo de uma vez, mesmo que sejam frases desconexas e esperar que ele as interligue, que as entenda da sua própria maneira.
Mas não consigo. Porque assim que abro meus olhos outra vez e vejo Jungkook me olhar, os resquícios de bravura que juntei vão embora como pó. E, mais do que nunca, tenho certeza que não consigo.
Não consigo e não consigo.
— Tá tudo bem mesmo?
Eu sou bagunça, caos, cacos. E não tenho tempo para juntar meus sentimentos do chão. Ergo-me desengonçada, perturbada. Sua pergunta pairando no ar sobre nós. Quero ir embora, quero desaparecer. Eu sou covarde e estou fodida. Não tenho para onde correr, para o que recorrer. Todos os lados são caminhos tortuosos demais para se pegar.
( ) Revelar a verdade.
( ) Pedir ajuda a Jungkook.
— Esqueci de fazer uma coisa.
Minha voz é mentirosa e seus olhos já não voltam mais para a tela do notebook, ficam em mim, fincados e atentos. Curiosos. Levo mais tempo do que preciso para reunir minhas coisas. E acabo pensando que o fim de tudo isso não pode ser algo bom, não tem como ser algo bom. Só consigo ver tristeza e arrependimento, só consigo ver coisas ruins e pessoas magoadas.
— Precisa de ajuda?
Meus olhos correm até os seus, os livros sendo pressionados contra meu peito com força, como um escudo. E já não sei mais quem ele realmente defende. Se eu ou Jungkook.
— Não preciso. — Minha voz é toda errada. — Eu só... Só preciso...
Não consigo terminar, porque não sei como terminar. E acabo virando-me, sem despedida ou frase completa. Viro-me e disparo em direção à saída, contornando alunos chegando, cadeiras e mesas. Mas antes que eu consiga passar pela porta, sou impedida por um puxão desengonçado, meu corpo girando sobre meus calcanhares e me levando de frente para Jungkook.
Seu capuz branco não mais cobre metade de sua cabeça, ele está caído para trás e deixa livre todos os fios negros de seu cabelo. Os olhos tão escuros como chocolate amargo parecem ainda mais curiosos do que antes, fitando-me e fitando-me. Ele abre a boca por alguns instantes, hesitante; e somos esse impasse estranho de incertezas e atitudes impensadas. Somos embaraço, até que sua voz finalmente vem em um sussurro.
— Vai ter uma festa amanhã. — Umedece os lábios com a ponta da língua. — É em uma república diferente dessa vez. Quer ir?
Fico o encarando, perdida em como seu cabelo cai sobre a testa e no que acabou de me perguntar. Isso significa que ele continua se comportando como meu acompanhante de aluguel? Esse convite é isso? Ou tem a ver com querer ficar a sós comigo?
Tento concluir algo, tento buscar pensamentos, mas não consigo.
Eu poderia falar agora o quê vim falar? Poderia perguntar agora, não poderia? Poderia?
— Quero. — Ouço-me dizer sem quase perceber.
— A gente se encontra nas catracas às 20h, tudo bem?
Assinto aérea e ficamos em silêncio por um instante. E penso outra vez em dizer, penso em perguntar, pedir ajuda. Porque se parece como uma boa oportunidade, não se parece? Por que então não consigo? Mas no meio de todo o meu raciocínio estranho, vejo o corpo de Jungkook se inclinar sobre o meu e, de repente, a única coisa que consigo pensar é nele e em sua boca rosada.
Seu rosto se aproxima e minha respiração se tranca, meu coração batendo nos ouvidos e o mundo inteiro ao redor sendo tomado pelo seu aroma tropical. Antes que eu perceba, no entanto, ele se afasta.
— Não sei fazer isso sóbrio. — Ri sem graça, a mão passando pelos cabelos da nuca quando se afasta mais um passo. — A gente se vê amanhã.
E fico ali, o encarando contornar cadeiras, mesas e alunos indo embora.
Eu também não consigo, Jungkook.
E queria estar falando sobre beijos à luz do dia, porque então não existiria a opção de magoar você.
(X) Beber e beber. Beber a ponto de criar coragem e dizer o que vim dizer.
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