#MUDEI O NOME DA SÉRIE LKJSAGDLKAD
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Acompanhante de Aluguel (Longfic 13/15)
Jeon Jungkook Autora: Agness Saints Gênero: Comédia, Romance Sinopse: Parecia piada, quatro anos de um relacionamento frustrante havia chegado ao fim, mas Haneul ainda te atrapalhava a vida. Se ele não tivesse arranjado um namoro relâmpago, você não precisaria demonstrar que está bem também, que não ficou para trás. Você não precisaria, principalmente, contratar aquele maldito acompanhante de aluguel.
Moreno. 1,80 de altura. Porte atlético. Bonito. Inteligente. Educado. Agradável. Sabe estabelecer uma conversa. Sem compromisso emocional, apenas financeiro. Valor sob consulta. Interessados: [51] 5782-4158
Esquece o “parecia”, a vida é mesmo uma piada pronta. Contagem de palavras: 11.576 Avisos: +16. A história faz parte da série puerlistae au. Parte: 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 Playlist. | Playlist 2. | Playlist 3.
Tropeço nos últimos degraus. Meu corpo se perdendo no meio do caminho e indo de encontro à parede; o corrimão me acerta o quadril e minha bochecha se esmaga contra a superfície gelada. E por um instante, no meio tempo em que tranço meus pés e sofro as consequências, eu tenho um pensamento súbito e organizado. Ele é diferente de qualquer outro que tive até agora, até chegar aqui, porque ele é único no meio de uma imensidão bagunçada e angustiante demais.
Aonde é que eu vim parar?
Eu estaria mentindo se dissesse que nunca imaginei que as coisas chegariam a esse ponto. Porque pensei que fosse ser descoberta diversas vezes em diversos momentos. No aniversário de Eubin, no almoço com meus pais, no jogo de basquete, no jantar de negócios... Em várias situações eu consegui enxergar a verdade vindo à tona de um jeito sujo e imoral.
Mas eu não estaria mentindo se dissesse que nunca imaginei como. Nem que as coisas chegariam tão longe como chegaram. Tentando analisar a situação como um todo, mesmo que seja difícil agora, o caminho percorrido até aqui foi extenso demais para uma mentira curta demais.
Tudo o que eu nunca imaginei posto bem diante dos meus olhos.
Afasto-me da parede. Meu quadril doendo pelo impacto e minha bochecha ainda gelada pela superfície. O pensamento bem alinhado e de uma realidade cruel já não mais existe, ele se juntou aos outros tantos complicados, como fumaça branca em meio às nuvens. Em menos de dois segundos, volto a descer um novo lance de escada do dormitório feminino.
À medida que o caminho diminui, as luzes se acendem por sensores. A cada grupo de degraus que elimino, uma luz se acende pelo corredor. Não evito pensar em como isso é uma ironia esquisita, porque não me sinto iluminada; não me sinto clara, com pensamentos claros. O ambiente é frio e acendido, mas me sinto quente e no escuro.
É discordância pura.
Tento pensar outra vez de maneira coerente e objetiva, enquanto vejo meus pés se movimentarem em desespero e aflição. Tento também enxergar uma solução, uma saída. Mas nada, sou cheia de curvas. Minha lucidez veio e foi embora. Meu coração é uma bomba relógio no peito e meus ouvidos zonem de pavor, o maldito anúncio no fórum da faculdade é como um outdoor chamativo em frente a todos os pensamentos equilibrados que tento ter por agora. O post é de fevereiro e ainda constam os dizeres originais... O fundo azul claro, as letras garrafais em preto, duas curtidas e nenhum comentário. O nome de Jeon Jungkook encabeçando a postagem como o autor de toda aquela pequena imensidão.
Não deixa dúvida alguma sobre nada.
Inferno!
Sinto meu estômago se apertar consternado quando meus pés encontram o piso do térreo e meu cérebro encontra uma consequência extrema. Se eu não conseguir reverter essa situação, meus pais seriam capazes de me fazer voltar para casa? Meus dedos seguram com força meu celular contra o peito quando o pensamento me invade. Permaneço aqui, na divisa de cômodos, no fim da escada e no início do corredor principal. Sinto-me enjoada e fora da sequência. É como se o mundo estivesse perdido. Talvez ele esteja, não é?
Não sei exatamente o que fazer. Eu sou uma vastidão confusa, sou vulnerável, não sei o que é certo sentir. Sinto-me absurda, porque me tenho em meio a sentimentos demais. Não consigo enxergar o óbvio, não consigo enxergar de maneira unitária. Tudo vem como um emaranhado de angústia e frustração. E sei que me machuco de graça. Que vou e volto, me arranho duas vezes. Eu sei que existe uma solução bem pensada, uma solução prática e certa, mas não sou capaz de vê-la, pelo menos não agora. Eu sou tomada pelo desespero e pela urgência. Não tenho tempo, não posso esperar. Acabo caindo na questão... Poderia existir jeito certo de lidar com isso, afinal?
Como um choque, aperto o passo e contorno um grupo de garotas pelo corredor. Não entendo se corro ou ando rápido. Eu perdi completamente a noção dos meus movimentos, percebo isso quando meu corpo sofre um solavanco e meu quadril outra vez recebe um impacto não planejado; ele vai de encontro agora à catraca não liberada. Olho por um instante o metal em contato com o tecido do vestido e demoro um tempo para entender o que preciso fazer. No meio tempo em que pego minha carteirinha e a libero, meus joelhos enfraquecem e a única sensação que carrego comigo é de puro pânico.
Há um incomum tumulto no hall dos dormitórios que me deixa confusa por um tempo, mas que não me forço a tentar compreender agora. Caminho por ali, passos incertos, imprecisos. As solas dos meus tênis dificultando todo o processo por, volta e meia, trancar no piso frio e me fazer tropicar em meio ao caos. Desvio de estudantes e funcionários, ouço sobre o fim do semestre e sobre o início das férias. Penso em me prender em um pensamento fútil e singular, em um pensamento aleatório que me tire do que sinto só por um instante. Tento resgatar então o motivo do movimento, lutando para alcançar a obviedade na ponta da minha língua. Foi me dado todos os dados, mas não consigo interligá-los. Desvio de mais um grupo. De pessoas e de pensamentos extremos tentando me desvirtuar do entretenimento que tento ter. Vou e volto.
Paro.
No meio de todo o alvoroço — interno e externo —, eu enxergo Jungkook; de costas, próximo à saída.
Por uma fração pequenina de segundo, eu sou nada e, no instante seguinte, eu sou tudo.
Desisto facilmente de tentar qualquer coisa que tenha pensado em tentar. Porque sou pega desprevenida por não entender o que sinto de repente; vejo-me à flor da pele. Ainda mais do que antes. Meu peito trepida e eu sou soluços de coragem. Vou e volto. De novo. Abrupto. Sou ultrapassada pelo acontecimento, sentimentos e palavras. Caminho em círculos e mais círculos dentro da minha cabeça, não vejo alternativas óbvias. Sinto-me exposta mesmo que ninguém me veja, sou indefesa, magoável, derrotável. Não entendo o que acontece de verdade e mesmo que eu tente ir de pouco a pouco, tentando perceber aonde vim parar, eu me perco no meio do caminho.
E por todas as vezes que fui caos, sou caos de novo.
Há tantas coisas em risco agora mesmo... Há centenas delas.
Não ouço mais nada além de vozes desconexas e as batidas no meu próprio coração. Estou parada em meio ao hall e não mais desvio; agora desviam de mim. O cenário de poucos instantes atrás não existe mais. Eu e Jungkook somos separados por meros minutos cretinos, uma descoberta filha da puta e a distância física no salão estudantil.
Penso em retomar o movimento das minhas pernas, um passo de cada vez. Reverter a situação e voltar a ser quem desvia e não quem é desviada. Mas continuo parada aqui. Sendo ultrapassada física e emocionalmente. E antes mesmo que outro pensamento prepotente me encontre em uma falsa coragem repentina, Jungkook se vira diretamente para mim.
Seus olhos são como dois céus estrelados em meio ao sol do início da tarde. Contraste puro e excepcional. Eles me encontram com tanta facilidade que por um instante sou convencida de que Jungkook sabe. Do início ao fim. Tudo acontece cedo demais, antes da hora. Mas sinto que minha preparação nunca foi uma prioridade da vida. Temo que ele entenda tudo o que se passa dentro de mim, mesmo que de longe. Temo ser transparente a esse nível, mas também anseio para que eu seja. Verbalizar parece tornar tudo isso ainda mais real do que já é. E não quero.
Não consigo respirar fundo como desejo fazer. Seus cabelos estão caídos sobre a testa vincada e sua boca abre um sorriso confuso. Penso em dar um passo, mas não o faço. Eu sou desordem e rancor. Um rancor crescente, doloroso e feio. A lembrança das mensagens de Haneul me tomam os pensamentos em dor em meio ao riso bonito de Jungkook; e não consigo repelir a raiva que sinto ao perceber que a situação escapa pelos meus dedos. É como grãos de areia, é como sentir. Num instante tenho tudo, no outro já não tenho nada.
Vejo Jungkook vir até mim, desviando de pessoas e me medindo com ainda mais curiosidade. Não consigo retribuir nenhuma versão do seu sorriso, porque a cada passo que ele dá em minha direção é como se a realidade fosse ainda mais clara. Isso me enfurece; enfurece porque ainda estou aqui, ainda estou enfiada nisso até o pescoço.
— Não quis me responder por mensagem?
Eu me perco no tempo, não pego mais detalhes ou sinais. Sua voz vem desconexa no ar e eu levo um tempo para entender que ele está parado em minha frente, finalmente. Por um instante, esqueço-me que antes conversávamos por mensagens de texto. Nego com um remexer de cabeça raso, quase imperceptível. Talvez eu devesse me considerar sortuda por ainda encontrá-lo aqui, mas não sou atrevida a esse ponto.
— Você... — Jungkook umedece os lábios com a ponta da língua, seus olhos estão atentos sobre mim. — Vai querer fazer algo depois?
Abro a boca por um instante, mas a fecho frustrada. Meu coração bate tão forte no peito que penso que posso morrer. O fato de ele nem sequer suspeitar de toda a bagunça dentro de mim agora me atordoa. É verdade que estamos em situações diferentes, mas sinto inveja por ele não sentir o que sinto. Puxo o ar com força, enfim; seu perfume tropical não me alcança, mesmo que essa vontade de senti-lo tenha sido percebida só agora.
— Tá tudo bem?
Com isso fico mais um tempo o olhando, enquanto suas palavras dançam sobre nós dois. Sua pele parece mais radiante, assim como seu sorriso aberto. Ele está lindo como sempre, mas não consigo me concentrar nele mais do que isso. Não consigo focar em suas particularidades ou seu cheiro que não vem. Passo meus olhos por suas roupas, mas não me prendo nelas.
Fecho os olhos por um instante, de maneira forte e irritada. Eu me sinto avulsa, fora de cenário. É uma sensação ruim e incomum, porque tento e tento entender em que ponto cheguei e em que ponto estou; da situação e do que sinto. Mas tudo é um emaranhado de fios da mesma cor, é praticamente impossível ver as coisas de maneira clara.
Abro os olhos depois de um tempo, há um zunido chato em meu ouvido e uma irritação mais forte do que antes. Aperto as mãos em punhos e travo meu maxilar por instinto.
— Jungkook, — Começo, impaciente. Tudo está errado! Não consigo me dosar, eu sou extremo, à flor da pele. — Você fez um post no fórum da faculdade?
Agora o que dança sobre nós dois é o silêncio; seus olhos me medem por certo tempo, parecendo perdidos na mudança de assunto. Ele se remexe no lugar, ajeitando a mochila em um dos ombros quando solta um riso esquisito antes de falar:
— Quê? Não fiz. Por quê? — Suas argolas balançam em suas orelhas e seus olhos se espremem em mais um sorriso. Ele espera um tempo e, quando percebe que não direi nada, volta a falar: — Hoje saiu as notas e os resultados do curso de verão. A gente achou que seria só na quarta, mas deu que liberou antes. O campus tá uma bagunça hoje porque todo mundo tá se preparando pro início das fé-
— Não to falando de hoje. — Interrompo-o sem rodeios, resgatando o que vim falar. Não me importa mais o tumulto pelos dormitórios ou o que quer que seja. Eu quero me livrar desse incômodo dentro de mim. — Eu to falando...
Paro, ficando ainda mais alvoroçada ao perceber que é inútil tentar explicar ou protelar. Desbloqueio a tela de meu celular e encontro a página logo ali. Eu a verifiquei dezenas e dezenas de vezes, li e reli como um karma. Analisei cada detalhe na esperança de encontrar uma falha que me dissesse que não era verdade. Mas infelizmente era. Ainda é. Solto um suspiro, erguendo o aparelho em sua frente.
— To falando disso.
Jungkook tem seu olhar fixo em meu rosto por um instante, o sorriso se esvaindo gradativamente. Talvez ele entenda agora que algo está errado por aqui. Talvez pelo meu tom de voz, pela minha postura, pela minha falta de sorrisos ou rubores nas bochechas. Talvez ele finalmente tenha entendido que nossos climas não são compatíveis. Não agora. Ele me olha por mais algum tempo, como se tentasse arrancar uma explicação no modo como o olho, mas logo desiste. Quando sua atenção é finalmente voltada para o que lhe apresento, sinto algo esquisito no peito. Penso em recuar e abaixar o celular, mas não o faço. Seus olhos parecendo correr por cada informação exposta na tela do meu aparelho, enquanto eu tento lidar com tudo o que tenho dentro de mim.
Quando parece entender, Jungkook se afasta um passo.
— Como você achou isso? — Parece incrédulo, mas envergonhado. — Já faz um tempo, eu nem lembrava mais.
Franzo o cenho consideravelmente, abaixando o telefone de imediato. Então ele ainda não entendeu? O questionamento vem como raio nos meus pensamentos. A informação pega pela metade me faz pensar que preciso verbalizar. E isso é o fim. O fim. A forma como ele não parece ligar os pontos me deixa desestabilizada. É tão difícil assim? Fico presa no desconforto e raiva por Jungkook não entender onde é que quero chegar; por não entender todo o peso que carrego agora mesmo.
Penso em mostrar as mensagens, mas eu as deletei num impulso de atordoamento e medo.
— O Haneul viu! — Solto, brava. — Ele viu seu post no fórum e me mandou. Ele sabe que você é acompanhante de aluguel!
Minha voz sai mais alta do que planejava sair, mas não me importo realmente com isso. Eu finalmente começo a sentir meu corpo inteiro reagir a toda essa situação. Sinto-me tremer da cabeça aos pés. Tudo parece sair ainda mais do meu controle, é algo que não consigo dirigir ou prever. Estou sendo ultrapassada o tempo todo, me perco no que é certo e no que é errado.
De novo.Existe o certo?
Não consigo organizar, sou posta zonza em meio a uma guerra. Não queria me comportar dessa forma, mas eu simplesmente soo, me movo, penso desse jeito. É como se eu estivesse escapando junto à situação inteira.
— Ele... — Jungkook começa, parece ainda enfrentar dificuldades para entender. — Ele o quê?
— Foi isso que você ouviu! — Rebato. O sol vindo da porta de vidro incomoda meus olhos por um instante e isso entra para a lista dos desconfortos do dia. — Haneul me mandou uma mensagem agora pouco com o link desse post.
Jungkook tem os olhos arregalados, atônitos. Ele me mede como se não conseguisse compreender. Como se eu estivesse falando algo completamente aleatório e ilógico. E talvez seja, não é? Talvez seja absurdo demais nós ainda precisarmos enfrentar toda essa porcaria depois de todo esse tempo. Depois de todas as coisas que já precisamos enfrentar.
— Ele mandou isso pra você?
Toda a sua aura leve vai embora como num passe de mágica.
— Mandou! — Respondo esganiçado. Vendo-o agora se remexer no lugar involuntariamente. — Mandou por um número novo, porque eu tinha... — Pauso, me perdendo no que quero falar outra vez. —Isso não vem ao caso agora!
Ficamos mais uma vez em silêncio, meus olhos fincados em seu rosto.
Eu preciso de uma solução, algo palpável que eu possa me segurar.
Jungkook parece se esforçar para ligar todos os pontos jogados tão de repente entre nós. Penso em tentar lhe explicar, mas não há muito que se falar. Está aqui, óbvio e certeiro. Também não é como se eu conseguisse dizer algo que faça sentido. Portanto fico aqui, observando Jeon ir e voltar. Literal e não literal. Seu corpo se remexendo de um lado a outro. Vejo-o pensar e repensar.
No fim, ele se volta para mim, a mandíbula marcada pela tensão e os olhos fincados e espremidos.
— Você acha que ele pode fazer algo? — Sua voz vem potente, furiosa. Por um momento, me prendo nisso, na sua reação. Mas só por um momento. — Acha que ele pode falar pros seus pais? Acha que ele pode... Falar para os meus?
Eu já havia pensado nisso antes. Para ser sincera, foi a primeira coisa que consegui concluir. Mas perceber que essa atitude é realmente uma possibilidade, que ela não é algo somente arquitetado pela minha cabeça insegura, me faz vacilar para valer. Nada é dito para suas perguntas, até porque não consigo verbalizar uma palavra sequer sobre isso. O choque por saber que essa também é uma dúvida de Jungkook me pega sem cautela. Mas basta nossos olhares se sustentarem por pouco mais de cinco segundos para ele entender minha resposta.
É sim para todas elas.
Ele se afasta alguns passos, vai e volta outra vez. Eu permaneço parada em meio ao hall dos dormitórios, vendo-o caminhar de um lado para o outro em minha frente. Não entendo o que acontece. Comigo, com ele, com a situação.
Jungkook passa as mãos pelos cabelos, mira o relógio, a porta escancarada e a mim. Ele faz isso por mais duas vezes seguidas. Respiro fundo o mesmo tanto de vezes, as mãos suadas e meu aparelho telefônico sendo pressionado contra a minha perna. Não sei o que fazer agora. Não sei o que fazer desde o início. Tudo parece turvo e sem sentido. Não entendo o porquê corri até aqui, não entendo o porquê de continuar aqui.
— Não... Não, a gente vai conseguir resolver isso. — A voz de Jungkook me desperta do transe. Ele está novamente em minha frente. Sua feição atordoada não passa confiança alguma, mas ele parece determinado. — É só a gente se acalmar e buscar uma solução, é fácil.
Levo um tempo para entender o que me fala. E levo mais outro para ligar com as informações que já tenho. Assinto sem perceber, revelando em seguida a única jogada que tenho na manga:
— Haneul aceitou conversar comigo, to esperando ele agora. — Minha voz é urgente, inquieta. — Posso tentar convencer ele a não contar.
Quando meus olhos se erguem até seu rosto, vejo que Jungkook fica um tempo ali, parado. E não entendo de início. Não entendo sua perplexidade de repente. Talvez ele esteja percebendo a gravidade só agora? É isso? Sinto-me incomodada por não conseguir acompanhá-lo, por não conseguir o alertar de toda a urgência que essa situação precisa ser tratada. Jungkook precisa entender que isso é muito mais do que-
— O quê? — Ele vem horrorizado em meio aos meus pensamentos irritadiços, fazendo-me com que eu me perca na linha de raciocínio. — Você vai se encontrar com ele?
Seus olhos me medem em pavor e, por mais que eu me sinta exposta por sua atitude, chacoalho-me inteira por dentro.
— Sim, — respondo atravessada. — Foi a melhor maneira que encontrei pra resolver esse problema.
Ele vem em uma risada nasalada irônica e debochada. Seus cabelos se movendo pela testa quando ele nega veementemente. O que não faz sentido. Não faz. O que ele espera que eu faça? Que eu espere o circo pegar fogo? Que eu seja mandada de volta para casa? Que eu bote tudo a perder?
É verdade que eu, mais do que ninguém, gostaria de me libertar de toda essa parafernalha de namoro falso, porque isso me esgota de todas as maneiras possíveis. Mas não existe a menor possibilidade disso ser feito agora, muito menos nessas condições. Se antes eu já me via apavorada de contar a verdade, imagine agora no meio de tudo isso? Imagine tudo sendo contato pela boca sujo de Haneul? Jungkook deveria entender, não deveria? Eu não me sinto preparada, não me sinto pronta para dar esse passo.
— Ele infernizou a sua vida e agora você vai se colocar nessa posição? — Ele vem sem cuidado algum. — Você vai pedir um favor pra esse cara? Pra Haneul?
Sem perceber, estou hiperventilando. Meu peito sobe e desce de raiva e frustração. Porque entendo onde ele quer chegar e entendo ainda mais o quão certo ele está. Mas não me dou por vencida, não posso.
Eu não consigo enxergar outra solução que não seja tentar convencer Haneul a não contar. Então seria de bom grado se Jungkook simplesmente falasse outra opção que não envolvesse contar a verdade, porque as minhas são escassas e desesperadas.
— Então tenta resolver você! — Jogo contra ele. — Hackeia o celular dele, não sei. Você mexe com isso!
— Eu faço design gráfico, não sei hackear computador!
Ele gira os olhos irritado e eu aperto minhas mãos em uma resposta silenciosa e secreta.
— Então o que você quer que eu faça? — Pergunto, fula. — Se você tivesse excluído esse post, nada disso ia tá acontecendo!
Jungkook é ofensa pura.
— Você tá dizendo que agora a culpa é minha?
— E a culpa é de quem? — Vocifero. — Fui eu que me esqueci de excluir aquele anúncio? Fui eu que postei ele?
Sua risada vem mais uma vez e eu sinto meu corpo todo tremer de raiva. Sua zombaria morre pouco tempo depois num silêncio ridículo e frio, no entanto. Eu tenho muito a dizer, mas não sei por onde começar. Sinto que eu deveria ser sincera com o que sinto, mas é muito mais complicado do que penso.
Gostaria de explicar que estou perdida, por mais que seja óbvio. Que me sinto sufocada e sem saída, que preciso de sua ajuda para entender o que acontece.
Jungkook ajeita a mochila nos ombros, mira o relógio, a porta e a mim. De novo. Meu peito está inflado, cheio de ar, mas sinto-o apertado, pequeno. Num relance involuntário, acabo olhando em volta. E não entendo quando exatamente aconteceu ou como aconteceu, mas todas as pessoas que antes aqui estavam, desapareceram. Pego-me na vontade de sumir também, do nada.
Só existe duas pessoas no hall dos dormitórios, nós, mas quando me viro para Jungkook novamente, percebo que logo restará apenas uma.
— Aonde você vai?
Minha voz vem em choque ao vê-lo caminhando em direção à porta. Penso que talvez ele tenha anunciado sua atitude, mas logo me convenço de que é muito provável que não.
Ele para então, virando-se para mim ainda distante.
— Eu preciso resolver uma coisa.
Pisco uma, duas, talvez três vezes. Atônita. Sinto-me vibrar internamente, talvez seja meu nervosismo ultrapassando meu estado físico e atingindo de vez meu estado mental., porque sinto-me brava fervorosamente.
— E vai me deixar sozinha aqui?
Jungkook solta a respiração de forma impaciente. E nesse instante, quando o vejo remexer os cabelos e dar mais um passo para trás, questiono-me se esse problema é dele também. Se toda essa situação só é grave para mim e somente para mim.
— A Minju tá me esperando. — Fala por fim, a voz não é mais tão afiada quanto antes. Mas não é isso que detém minha atenção. — É o último encontro que ela pagou, preciso-
— O quê? — Exalto, meus pés tomando vida e dando passos largos em sua direção, mas me freio involuntariamente antes de alcançá-lo. — Você vai encontrar a Minju? Aquela Minju?
Mas Jungkook não responde de prontidão. Talvez eu precise desenhar, montar um Power Point ou até mesmo a porcaria de um seminário para Jungkook entender o que se passa por aqui.
Ou quem sabe a situação seja grave somente para mim, de fato.
— Você vai se encontrar com ela? — Venho de novo. Minha voz é fina de descrença. — Vai se encontrar com a Minju e vai me deixar aqui?
— Qual o problema? — Jungkook volta até minha frente, o cenho franzido de ultraje. — Ao contrário de você, eu não to muito afim de olhar pra cara do Haneul.
— O que você quer que eu faça? — Solto outra vez, sou exaspero puro. — Eu não tava muito afim de ver a porra do seu anúncio no fórum da faculdade, mas a gente não pode ter tudo o que a gente quer, não é?
Eu venho em um humor ácido, venho rasgando todos os limites que nós estabelecemos em um contrato silencioso. Sei disso. Mas não consigo voltar atrás, sinto-me no limite, a ponto de ultrapassar meu próprio ser e explodir para todos os lados.
É o fim.
E não entendo, não consigo entender. Sei que nunca precisei me preocupar com Minju, sei que desde o início nunca houve um problema de verdade. Mas parece demais ter que aturar tudo isso agora, exatamente agora. É tão importante assim esse encontro?
Quero gritar de frustração, minha cabeça é um emaranhado imbecil e cheio de armadilhas. Não consigo me entender, não consigo entender o que sinto. É tudo ao mesmo tempo, mas também é nada. São dois extremos de uma mesma superfície. É ridículo. Ridículo.
Jungkook esfrega seu rosto com ambas as mãos, como se também não estivesse obtendo sucesso para se autoentender. Solta a respiração em uma lufada forte e, por fim, me olha. Sua boca se abre por um instante, logo se fechando; é como se buscasse palavras para dizer o que precisa dizer.
Penso em ignorá-lo, em desviar de seu corpo e marchar em direção à porta; resolver esse problema sozinha e mandá-lo para o raio que o parta, mas não consigo me mover.
— Nós dois estamos aqui agora, — Começa depois de um tempo. — Você tendo que contratar um acompanhante de aluguel e eu sendo um acompanhante de aluguel. Tudo, absolutamente tudo por causa dessa merda e você ainda vai tentar explicar pra ele? Vai tentar mudar a cabeça dele? — Há um resquício de um sorriso nada humorado no canto de sua boca, enquanto dentro de mim há um farelo de liberdade se remexendo de pavor. — Ele nos fodeu de formas diferentes e você ainda vai jogar conforme as regras dele? Você não percebe? Tudo isso aqui não estaria acontecendo se ele não fosse o maior babaca do mundo, se ele soubesse perder.
Jungkook pausa por um instante e, nesse meio tempo, meu celular vibra silencioso em minha mão. Penso em olhar para a tela, penso em sanar uma curiosidade que nem sequer existe, mas não consigo tirar meus olhos do rosto do cara em minha frente. Porque ontem nós éramos tudo — assim como eu, assim como os grãos de areia — e hoje nós parecemos uma imensidão de entulhos de desespero e problemas não resolvidos.
— Eu não vou ficar aqui pra ter que passar por isso de novo. — Ele retoma. Seu tom de voz é uma mistura de muitas coisas e quero acreditar que uma delas seja desculpa. — Eu não to indo embora por causa da Minju, eu to indo embora por causa de mim.
Abro a boca para retrucar, abro a boca para mal criações e discórdia. Mas abro e a fecho. Na minha garganta, enquanto o vejo virar as costas e andar para longe, está entalado coisas que ainda não consigo entender. Eu sinto raiva, mas também me sinto frustrada e triste. Queria gritar para Jungkook ir se foder. Queria gritar que se ele não se importa, eu também não me importarei. Mas eu nem sequer sei explicar sobre o quê.
No fim, só resta uma pessoa no hall dos dormitórios.
[...]
O sol brilha por todos os lados; alcança o topo das árvores, os pedregulhos do chão, os bancos de madeira. É forte e potente, um lembrete claro e objetivo de que as férias de verão estão logo aí. No entanto, eu não me sinto mais quente como antes; sinto-me fria, gelada igualmente as paredes do dormitório feminino. Sou peso sobre meus próprios ombros, sou arrependimento imediato.
Eu me sinto mal, pior do que antes. Pesada e errada. Porque continuo me lembrando do sorriso aberto de Jungkook, de seus olhos intergalácticos e de seu cabelo negro sobre a testa. Continuo me lembrando de nosso contraste grotesco e de como eu nos arrastei para o limbo rápido demais; de como seu sorriso diminuiu e seus olhos se tornaram opacos. Eu me sinto mal, porque, por mais que no fundo — mesmo que de forma involuntária e não proposital — a culpa tenha sido dele, o rumo que as coisas tomaram passaram longe do caminho que eu havia traçado mentalmente.
Só agora consigo encontrar as palavras certas para dizer, só agora consigo imaginar um contexto e uma explicação melhor antes de lhe erguer o celular; antes de despejar todo meu desespero e urgência de maneira tão crua e imatura. Não é como se eu já conseguisse me policiar, nem mesmo como se eu entendesse o que venho sentindo ou o que vem acontecendo. Eu ainda sou bagunça, um amontoado tenebroso de problemas jogados uns sobre os outros. Ainda sou desordem. Mas pelo menos sei o que eu não deveria ter feito.
Não quero mais gritar atrocidades para Jungkook. Não quero mais mandá-lo ir se foder. Não quando suas últimas palavras continuam me assolando a alma, continuam a gritar comigo no meio de todo o meu silêncio. Ouvi-las não me fez encontrar uma direção ou esclarecimentos, me fez erguer mais questionamentos do que antes.
Jungkook abriu mão de tudo, afinal?
Aperto meus braços em volta de meu corpo, enquanto meus olhos são fixos no portão de entrada da faculdade. A mensagem de mais cedo era de Haneul avisando que estava a caminho. Pressiono os lábios e solto um suspiro longo. Meu corpo já não mais treme, mas minha cabeça continua viajando por hipóteses e pensamentos na velocidade da luz.
Seria possível eu abrir mão de tudo também?
Eu caminho vagamente pelos pensamentos, volta e meia escalando as letras de todas as palavras ditas mais cedo. Minhas, de Jungkook. Queria poder ter controlado minhas emoções, mas continuo escapando de mim assim como a situação inteira. Sinto-me deturpada e agora assombrada pelo que foi entregue a mim.
A figura de meu ex-namorado surge como um fantasma agourento e macabro do outro lado da rua. Consigo enxergá-los entre as pessoas e carros, como também consigo me lembrar das palavras que Jungkook me disse. Não as de hoje, mas daquela festa de república; sobre minhas verdades e sobre como é importante eu acreditar nelas.
Qual é a minha verdade agora? Nesse exato momento?
Eu queria poder discordar de cada palavra que Jungkook me disse mais cedo, hoje. Gostaria de poder dizer de maneira rápida e óbvia de que ele está errado, de que não é assim que as coisas funcionam. Mas a cada passo que Haneul dá em minha direção, mais eu percebo o quão tudo é verdadeiramente real.
Talvez eu sempre soubesse disso... Nos meus pensamentos secundários, nos meus sentimentos secundários. Porque sempre foi mais complicado ter que viver em função de driblar problemas que envolvam meu ex-namorado do que entender para onde tudo isso estava me levando. Eu sempre entendi o caos que estava me enfiando, sempre entendi a teia horrorosa de mentiras que fiz e que eu própria me embolei. Mas nunca mergulhei a fundo sobre as consequências, sobre as amarras e sobre como eu ainda estava — estou — terrivelmente interligada a tudo aquilo que eu queria evitar.
— Quanto você pagou por aquele merda? — Haneul vem raivoso assim que para em minha frente. — Hã?
Olho-o por um instante, sem a intenção de respondê-lo. Minha vontade é de apenas ouvi-lo falar e falar, apesar de ter muito que dizer. Meus pensamentos ainda são idas e vindas; e agora, pensando sobre as consequências que nunca tirei conclusão alguma, entendo que talvez tenha sido só meu subconsciente tentando me proteger de algo difícil demais de lidar.
— Deve ter sido uma mixaria... Ha, eu sempre soube que eu tava certo. — Ele passa a língua pelos lábios e sorri. Um sorriso vitorioso e arrogante. — Você contratou um cara só pra me fazer ciúmes, incrível!
Engulo a seco, lembrando-me agora também da última vez que estivemos frente a frente. Foi naquele corredor, com suas palavras imbecis e eu me sentindo tão pequena e insuficiente. Tem sido assim há um bom tempo agora, não é? Haneul impondo sua verdade, seus pensamentos, seus ideais. Impondo uma vida e uma visão, enquanto eu só sigo as regras do jogo.
Vai continuar sendo dessa forma por mais quantas primaveras?
— Não vai dizer nada? Eu acabei de pegar você no pulo, descobri que você enganou todo mundo. — Vem cheio de segundas intenções, a boca proferindo palavras ridículas e meu peito crescendo em descrença. — Você não tem vergonha?
— Você não tem vergonha? — Tento, eu sou tremedeira por inteira. Minha voz é incerta e vacila. — Eu contratei um cara pra tentar me ver livre de você e a única coisa que você consegue pensar é no seu umbigo egocêntrico e inútil.
As palavras saem sem qualquer agressividade, num tom de voz de pouca credibilidade. E me sinto mal, injustiçada pela vida e por tudo o que venho enfrentando. Tudo é mais fácil atrás de uma tela de celular. Foi mais fácil quando o bloqueei a primeira vez, foi mais fácil hoje. Mesmo que a última tenha sido regada em desesperação.
— Eu já tava em outra, pelo amor de Deus! Eu tava namorando e você contratou um cara pra me fazer ciúmes, só admita! — Haneul nem sequer titubeia em dizer, ele vem decidido. — Você tá querendo virar o jogo, sério? Nessas condições? Não pense que vai dar certo, porque eu tenho tudo na palma da minha mão.
Puxo o ar com força, horrorizada. Porque sei que existem falhas em seu discurso, sei que suas palavras podem ser revertidas facilmente e postas contra ele. Sei que tenho brechas pra contra-argumentar, pra me pôr em primeiro nessa discussão. Mas meu raciocínio lógico e certeiro é uma carta fora do baralho, não segue a frequência de todo o meu ser. O restante de mim, meu corpo, não me permite agir.
— Você é maluco! — É o que consigo dizer. Meu peito é um rebuliço de ódio e frustração. É um inferno. — Um petulante de merda!
— Você não tá ajudando muito na sua situação... — Haneul gira os olhos, debochado. — Sabia disso, né? Eu posso agora mesmo ligar pros seus pais, contar tudo o que eu sei.
— Vai contar também que se enfiou em um time de basquete só pra me observar?
Reacendo um questionamento interno e antigo, mas não sei o que fazer por agora. Com seu rosto me olhado incrédulo por um tempo e a oportunidade que tenho de dizer tudo o que preciso dizer. Porque ainda sou presa em mim, nele e nessa situação de merda.
Ele tem tudo na palma da mão, de fato.
— Caramba, — começa, atordoado. — Você foi atrás dele exatamente porque nós jogávamos juntos? Foi tipo uma vingança em dose dupla? Você é muito baixa!
Meus ombros murcham. Sinto-me apavorada. Haneul pegou o caminho que mais lhe valoriza, que mais lhe beneficia. Mesmo que não seja a verdade, mesmo que não seja o que eu quis ter dito; mesmo que passe longe de qualquer palavra que tenha saído de minha boca. O ego inflado de meu ex-namorado é um inimigo poderoso e inabalável.
— Vocês são inacreditáveis. — Ele ainda parece desacreditado, enquanto eu continuo aqui, parada em sua frente tentando engolir aonde tudo isso chegou. — Até diria que se merecem, mas sei que você não tá no seu melhor estado de espírito.
Estado de espírito.
Seu melhor estado de espírito.
— Não foi isso. — Falo, meio esquisita. A acusação é sem cabimento, mas por uma fração de segundos me pergunto se não foi isso mesmo que aconteceu. — Foi uma coincidência.
— E você quer mesmo que eu acredite?
Minhas têmporas se apertam em pavor e eu quero gritar. Isso é ridículo. Eu odeio estar aqui, odeio mais do que qualquer outra situação que já precisei enfrentar. Eu sei de como tudo aconteceu, eu sei como cheguei até Jungkook. Isso não faz sentido!
— O que seus pais vão dizer quando eu contar tudo isso pra eles? — Seu tom de voz é maldoso quando chega em mim com palavras afiadas e chantagistas. — Torça pra eles acreditarem que foi tudo uma coincidência.
Vejo-o se afastar um passo. É quase como a cena em que vi Jungkook ir para longe mais cedo, mas me freio de tentar comparar. Um desespero novo e imediato me toma o peito e, de novo, me vejo perdida, sendo ultrapassada por sentimentos e fatos. Deixo tudo escapar fácil demais. Sou derrotada pela miserável falha de não conseguir ligar os pontos, de não conseguir agir, dizer.
Acabo indo pelo costume, pelo que sempre acabo fazendo.
— Não, espera! — É o que digo, vendo-o parar de prontidão quando dá seu segundo passo para trás. — Vamos fazer um acordo, por favor.
— Um acordo?
— É, um acordo. — Falo sem pensar. — Foi pra isso que você veio, não foi?
Seus olhos se estreitam em minha direção, como se analisasse meu pedido. Isso só faz com que eu me sinta ainda mais inútil e minúscula. Não me sinto satisfeita em dizer, em embarcar mais nessa, mas estou de mãos atadas, não estou? O que mais eu poderia fazer? Qual outra alternativa eu tenho? Não são muitas. Pelo menos, não no caminho que quero pegar.
Depender de Haneul nunca foi tão doloroso quanto agora...
Ele respira fundo e olha para os lados apenas por olhar, talvez queira que eu sofra com a espera, mesmo sabendo da sua resposta. Há pessoas indo e vindo, mas nenhuma parece prestar atenção em nós dois.
— Eu não conto nada pros seus pais. — Fala por fim. — Mas você vai ter que pedir transferência de universidade.
Levo um tempo para associar o que me diz e, quando faço, meu queixo quase cai.
— Pedir transferência?
— É. — Concorda sem rodeios. — E se sinta grata que minha condição não é você desistir do curso.
Pisco algumas vezes, sem acreditar.
— Não... Entendi.
Haneul solta um suspiro impaciente e fico o encarando por algum tempo. Seu cabelo está jogado para trás e as sobrancelhas grossas quase se encontram em meio a sua testa.
— Eu vou finalmente voltar com você, vou te dar outra chance. — Explica como se fosse algo óbvio, escancarado. — Eu só tenho essa condição. Você seguindo essa condição, nós podemos voltar.
A situação se reverte mais uma vez. Minhas atitudes não são compreendidas ou são ignoradas por completo. Não sei ao certo qual de fato é o correto se afirmar. Desconfio que Haneul de fato saiba sobre toda a verdade das minhas atitudes que sempre julguei serem claras. Desconfio que ele saiba, mas que não queira admitir. Ou, quem sabe, perder...
Vai ser assim pra sempre, não vai?
Minhas atitudes distorcidas e sua verdade sempre imposta. Esse ciclo infinito de me querer ver livre, mas continuar presa. De achar que vivo, mas perceber que ainda sou interligada a ele. Porque de fato sou. Continuo fazendo as coisas pensando em Haneul, por causa de Haneul. Mesmo que superficialmente não pareça, no fundo eu sei que é. Nos meus pensamentos secundários, nos meus sentimentos secundários.
Vai existir o momento perfeito para eu me libertar disso?
Eu sempre preferi me boicotar ao invés de rebater a ideia matrimonial dele e de meus pais. Acabei me envolvendo em um contrato com um acompanhante de aluguel só para que eles não soubessem da verdade... E, por mais que isso seja a única coisa feita que me rendeu algo bom, ainda é desconexo. Não deveria ser dessa forma, eu não deveria me desdobrar para caber dentro de crenças que não são minhas. Eu criei dezenas de desculpas esfarrapadas na minha cabeça, porque no fundo eu sabia que era mais complicado, que o buraco era mais embaixo; que era um impasse mental meu. Que me faltava coragem para encarar tudo o que eu era contra, tudo o que eu não concordava. Talvez nesse meio tempo, eu acabei caindo na tentação inútil de pensar que a errada era eu, porque era mais fácil dessa forma. Preferi me afundar, me enrolar em mentiras — internas e externas — e acabar parando aqui.
Não posso mais usar Haneul como justificativa, não posso mais usá-lo para guiar minhas decisões e minhas preocupações. Nem ele e nem minha família.
Quero me desconectar da minha eu do passado, não quero mais me sentir como antes. Nunca mais. Não quero me sentir pequena e insuficiente. Entendo agora, entendo perfeitamente que essa não é minha verdade e nunca foi. Não quero retroceder, quero ir além.
Não quero mais me sufocar num pesadelo real.
Eu sou livre. Eu sou! Essa é a minha verdade, afinal. E quero me sentir assim.
Contra meus dedos, sinto meu celular vibrar e cantar com uma nova mensagem. E percebo que a sensação é realmente verdade quando Haneul volta sua atenção para o aparelho em minhas mãos. De maneira involuntária e sem pensar, meus olhos se voltam para a tela acesa, para a pré-visualização da recente sms.
Minha mente ainda é vaga e desconexa, ainda é um turbilhão de coragem e medo. Vou e volto pelo que deva ser a milésima vez nos últimos minutos. Ainda interligo pontos e me atordoo fácil pela constatação óbvia. Sou bagunça, mas não deixo de percorrer cada letra escrita ali.
— E então? — Haneul me tira do transe temporário, sua voz é mais alta do que antes. Parece urgente. — Vai pedir transferência ou não?
Respiro fundo, mirando seu rosto agora de uma forma diferente como media há dois minutos. Perceber o que vim fazendo nos últimos meses me fez enxergá-lo com outros olhos, numa outra perspectiva. Consigo entender agora. Ele foi um inferno por tanto tempo... E por tanto tempo lhe dei importância demais.
— Não.
Minha voz sai clara e espontânea. Ainda me sinto incerta sobre o futuro, mas pelo menos agora sei aonde não quero chegar.
— Não? — Ele vem em choque depois de um tempo. — Não vai pedir transferência?
— Também.
Seus olhos se apertam para mim, ele parece ultrajado e confuso. Meu coração bate forte contra meu peito e a sensação que tenho é que posso explodir outra vez. Mas o sentimento é diferente agora, é como explorar o novo.
— O que você quer dizer com também?
Meneio a cabeça, puxando todo o ar que consigo para meus pulmões, só para assim soltá-lo com as palavras que consigo dizer:
— Não vou voltar com você e nem pedir transferência.
Haneul parece não ter ouvido no primeiro instante. Seus olhos são fincados em meu rosto como se tivéssemos parado no tempo e seu entendimento tenha sido interrompido. Como um pause em uma cena que só funcionou para ele.
— O quê? — Ele finalmente fala. — Você tá se ouvindo? Você entendeu o que falei? Se você não pedir transferência, eu vou contar pros seus pais.
Luto comigo mesma, com o sentimento de me sentir pequena e estúpida mais uma vez. Não posso deixar isso acontecer, não posso. Remexo-me no lugar, uma rajada de vento nos atingindo e arrastando meus cabelos para trás. Ela também parece varrer, por um pequeno instante, meu medo.
— Eu entendi o que me disse. E a resposta é não.
A resposta imediata que recebo é um riso desacreditado, a primeira sílaba vindo ímpia e alta. Haneul vai de um lado para outro. Retorna. Quase consigo ouvir as engrenagens de seu cérebro trabalhando para entender o que digo.
— Eu to tentando te ajudar! — Ele agarra os fios de cabelo de sua nuca, parece transtornado com o rumo que as coisas tomaram. — Qual é o problema?
Não quero ter tempo para pensar. Não quero ter tempo para desistir e voltar atrás. Quero seguir com isso, porque, de repente, talvez essa seja minha única oportunidade de enfrentá-lo de verdade.
— Ok, ok. Caramba... — Haneul parece viver um confronto interno. — Não precisa pedir transferência, então. A gente vai vendo isso com o tempo, tudo bem?
— Haneul, — começo, quase em choque por ele ainda não ter entendido ou continuar fingindo que não entendeu. — Eu não vou voltar com você.
Finco meus pés no chão, inflando o peito. Quero e vou me manter aqui, determinada.
Haneul passa seus olhos mais uma vez pelo meu rosto, analisando cada mínimo detalhe. Quem sabe tentando captar alguma mensagem que não passei ou alguma brecha para reverter o que acabei de dizer. Ele gira os ombros para trás, seu semblante agora mudando para desconfiança e desafio. E acabo me perguntando como sua mente trabalha, se em algum momento ele acaba caindo nas suas próprias armadilhas.
— Quem te enviou a mensagem? — Ele vem cheio de suspeita suja. — Foi Jungkook?
A mudança repentina de assunto me pega desprevenida. Sinto algo ruim no fundo do peito, não o respondo. Aperto o aparelho entre os dedos e o pressiono contra mim. De repente, sinto-me amedrontada.
— Foi ele? — Seu tom é acusatório. — Vocês tão tendo um caso?
— O quê? — Quase engasgo. Isso é novo e não combina em nada com seu discurso. — Você mesmo disse que nos unimos por vingan-
— Eu quero ver seu telefone. — Diz, interrompendo-me. Olho para sua mão estendida em minha frente. É fora da realidade. — Anda, quero ver!
Demoro um tempo para entender o que se passa, para entender que tudo de fato está acontecendo.
— Não! — Falo finalmente, espantada pelo pedido. — Não vai ver!
Mas antes que qualquer outra palavra seja dita, Haneul parte para cima de mim. Sinto meu corpo todo se eriçar de pavor e me encolho o que posso. Suas mãos tentam alcançar o aparelho telefônico preso entre as minhas e recuo um passo. Ele se aproxima dois. É tudo fora da realidade, absurdo. Sinto-me encurralada, no limite de uma situação que foi longe demais. Viro sobre meu próprio eixo, dando-lhe as costas. Penso em empurrá-lo e correr para longe, mas seu corpo todo está sobre o meu.
Meu coração se espreme dentro de mim e sinto-me sufocada de pavor, remexo-me para tentar me ver livre dele, mas não consigo. Ele continua me puxando pelos braços, agarrando minha pele.
Num instante de pavor, sinto seus dedos finalmente alcançarem os meus. Meu celular logo ali. Ele nos chacoalha para os lados na intenção de me fazer soltar. Seu peso sobre o meu e minha mente à mil. Vejo-me sem saída, vencida de vez. Começo a me debater, nos engatando em uma luta corporal esquisita e imatura. Meus braços se movimentando em desordem e desespero, de um lado para outro. De um lado para outro.
No meio do caminho, acerto algo.
— Não acredito!
Como num passe de mágica, os braços se Haneul desaparecem da minha volta. Sua voz reverberando alta e horrorizada. Viro-me assustada, ainda sem entender o que aconteceu por aqui. Quando o faço, no entanto, encontro o nariz de Haneul escorrendo sangue.
— Você me acertou! — Acusa. Fazendo-me com que eu tente entender como. — Você enlouqueceu de vez! Você é completamente pirada!
Sua voz é abafada pela mão que cobre seu nariz, mas consigo ouvi-lo claramente quando fala outra vez:
— Pode esquecer qualquer acordo entre a gente!
E, num instante absorto e delirante, sinto vontade de rir; é surreal demais para acreditar.
Vejo meu ex-namorado marchar em direção à saída do campus, levando meus problemas e todas as minhas consequências. Eu deveria fazer algo agora, não deveria? Não sei ao certo o que, mas acredito que sim. O problema é que ainda há muito coisa para se absorver por aqui...
O caminho tomado é completamente diferente do que eu havia traçado mais cedo.
E enquanto Haneul desaparece entre as pessoas do outro lado da rua, abaixo meus olhos novamente para a mensagem que recebi.
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