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A história ignorada do Brasil
🇧🇷🇵🇹 Durante três séculos, a Inquisição portuguesa teve uma presença marcante no Brasil, apesar de não ter um tribunal fixo no país. Os suspeitos de heresia, muitos deles cristãos-novos, eram presos por agentes do Tribunal do Santo Ofício e levados acorrentados a Portugal, onde eram julgados. Esses julgamentos muitas vezes resultavam em sentenças severas, como cárcere perpétuo, trabalho forçado nas galeras ou morte na fogueira. O arquivo da Inquisição permaneceu secreto até a década de 1960, e grande parte de sua documentação ainda precisa ser estudada. Entre as vítimas da Inquisição estão brasileiros ilustres, como o poeta Antônio José da Silva e o patriarca da independência, José Bonifácio de Andrada e Silva. Com a recente abertura dos arquivos, uma nova luz é lançada sobre essa parte ignorada da história do Brasil, revelando que muitos brasileiros, especialmente no Nordeste, têm origens judaicas, e alguns ainda mantêm tradições culturais judaicas.
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🇺🇸 For three centuries, the Portuguese Inquisition had a significant presence in Brazil, despite not having a fixed tribunal in the country. Suspected heretics, many of them New Christians, were arrested by agents of the Holy Office Tribunal and taken in chains to Portugal, where they were judged. These trials often resulted in severe sentences, such as life imprisonment, forced labor on royal galleys, or execution by burning. The Inquisition's archive remained secret until the 1960s, and much of its documentation still needs to be studied. Among the Inquisition's victims were notable Brazilians, such as the poet Antônio José da Silva and José Bonifácio de Andrada e Silva, the patriarch of Brazil's independence. With the recent opening of the archives, new light is shed on this forgotten chapter of Brazil's history, revealing that many Brazilians, especially in the Northeast, have Jewish ancestry, with some still maintaining Jewish cultural traditions.
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Cristianismo: Da Palestina Antiga ao Mundo Moderno – A Ascensão de uma Fé Global
O Cristianismo, a maior religião do mundo, com mais de dois bilhões de seguidores, tem raízes profundas na Palestina do século I d.C. Fundado nas lições, na vida e na morte de Jesus de Nazaré, o Cristianismo não apenas moldou a história ocidental, mas também influenciou culturas, governos e milhões de vidas ao redor do planeta. Este artigo explora as origens do Cristianismo, suas principais crenças e doutrinas, a expansão global e o impacto duradouro na sociedade moderna.
Origens do Cristianismo: Jesus de Nazaré e o Novo Testamento
O Cristianismo nasceu dentro do Judaísmo, durante uma época de intensa agitação política e social na antiga Palestina, então sob o domínio do Império Romano. Jesus de Nazaré, uma figura carismática e controversa, começou sua pregação em torno dos 30 anos, atraindo seguidores com suas mensagens sobre amor, perdão e a chegada do "Reino de Deus". Suas ações desafiavam as normas religiosas e sociais da época, e ele foi rapidamente visto como uma ameaça tanto pelas autoridades religiosas judaicas quanto pelo governo romano.
Os Evangelhos, os quatro primeiros livros do Novo Testamento (Mateus, Marcos, Lucas e João), são as principais fontes sobre a vida e os ensinamentos de Jesus. Esses textos narram seus milagres, parábolas e seu profundo compromisso em reformar o espiritualismo judaico da época. A crucificação de Jesus em Jerusalém, por ordem do governador romano Pôncio Pilatos, foi um ponto de virada que deu origem à crença central do Cristianismo: a ressurreição de Jesus três dias após sua morte, um evento que simboliza a vitória sobre o pecado e a morte.
A Expansão do Cristianismo: De Seita Judaica a Religião Universal
Após a morte de Jesus, seus seguidores, liderados pelos apóstolos Pedro, João e Paulo, começaram a espalhar suas mensagens pelo Mediterrâneo. Inicialmente visto como uma seita judaica, o Cristianismo começou a atrair não-judeus (gentios) graças aos esforços missionários de Paulo de Tarso. Paulo viajou extensivamente, fundando igrejas em cidades como Corinto, Éfeso e Roma, e escreveu cartas que hoje compõem grande parte do Novo Testamento.
No início, os cristãos enfrentaram intensa perseguição do Império Romano, que via essa nova fé como uma ameaça à ordem pública. No entanto, o Cristianismo se expandiu rapidamente, atraindo um número crescente de convertidos, em parte devido à sua mensagem inclusiva de esperança, vida eterna e salvação para todos, independentemente de classe social ou etnia.
O ponto de virada veio no século IV, quando o imperador romano Constantino se converteu ao Cristianismo e, posteriormente, em 313 d.C., promulgou o Édito de Milão, que legalizou a prática da fé cristã em todo o império. Em 380 d.C., o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, e a Igreja começou a se estabelecer como uma poderosa instituição política e espiritual.
Doutrinas e Crenças Fundamentais do Cristianismo
O Cristianismo é centrado em torno da crença em um único Deus, a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), e a figura de Jesus Cristo como o Filho de Deus e Salvador da humanidade. As principais doutrinas do Cristianismo incluem:
A Trindade: A doutrina da Trindade afirma que Deus é um só, mas existe em três pessoas distintas: o Pai (criador do universo), o Filho (Jesus Cristo, o salvador) e o Espírito Santo (a presença de Deus no mundo).
Salvação pela Fé em Cristo: A salvação, ou seja, a redenção do pecado e a promessa da vida eterna, é alcançada através da fé em Jesus Cristo. Essa crença é central para todas as denominações cristãs, embora existam diferenças sobre como a salvação é entendida e alcançada.
A Ressurreição de Cristo: A ressurreição de Jesus é o evento mais significativo do Cristianismo, simbolizando a vitória sobre a morte e o pecado. Ela é celebrada anualmente na Páscoa, a principal festividade cristã.
O Amor ao Próximo: Jesus ensinou que o amor a Deus e ao próximo são os maiores mandamentos. A ética cristã é, portanto, profundamente enraizada na compaixão, no perdão e na busca pela justiça social.
O Novo Testamento e as Escrituras Sagradas: A Bíblia, composta pelo Antigo Testamento (textos judaicos) e pelo Novo Testamento (escritos cristãos), é considerada a palavra inspirada de Deus. As Escrituras orientam a fé e as práticas cristãs.
O Papel da Igreja: Divisões e Expansão
Ao longo dos séculos, o Cristianismo passou por divisões que levaram ao surgimento de várias denominações. Em 1054, o Grande Cisma dividiu a Igreja entre o Oriente (Ortodoxa) e o Ocidente (Católica Romana). No século XVI, a Reforma Protestante, liderada por figuras como Martinho Lutero e João Calvino, desafiou a autoridade da Igreja Católica, resultando na criação de novas tradições cristãs, como o Luteranismo, o Calvinismo e o Anglicanismo.
O Cristianismo também se expandiu para o Novo Mundo através das missões e do colonialismo europeu. Missionários católicos e protestantes desempenharam um papel fundamental na disseminação da fé na América Latina, África e Ásia, deixando um legado de igrejas, escolas e hospitais que ainda influenciam essas sociedades hoje.
Cristianismo na Era Moderna: Desafios e Relevância
Na era contemporânea, o Cristianismo enfrenta desafios como o secularismo, a crescente diversidade religiosa e questões internas sobre a moralidade moderna, incluindo o papel da mulher, a sexualidade e os direitos humanos. Apesar disso, o Cristianismo continua a ser uma força vital na vida de muitos, inspirando ações de caridade, movimentos de justiça social e diálogos inter-religiosos.
Muitas igrejas se adaptaram aos tempos modernos através do uso de tecnologia, redes sociais e formas inovadoras de adoração que atraem novas gerações. A espiritualidade cristã também se diversificou, com movimentos evangélicos, pentecostais e carismáticos crescendo rapidamente, especialmente em regiões da África, América Latina e Ásia.
O Legado Duradouro do Cristianismo
O impacto do Cristianismo na história mundial é imenso. Desde a arte renascentista inspirada por temas bíblicos até a fundação de instituições de caridade e hospitais, a influência cristã moldou a civilização ocidental de maneiras profundas e indeléveis. O Cristianismo, com suas múltiplas tradições e interpretações, continua a ser uma fonte de conforto espiritual, ética e propósito para milhões de pessoas.
Além disso, a mensagem cristã de amor, perdão e redenção continua a ressoar em um mundo muitas vezes dividido e conturbado. Embora a fé cristã tenha passado por inúmeras transformações ao longo dos séculos, sua essência permanece a mesma: a busca por um relacionamento pessoal com Deus e a esperança de um mundo redimido.
O Cristianismo, com suas raízes na Palestina do século I, cresceu de uma pequena seita judaica para uma fé global que transcende fronteiras, culturas e épocas. Em sua capacidade de se adaptar, inspirar e transformar vidas, o Cristianismo mantém um lugar único na tapeçaria espiritual da humanidade.
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As Origens Primordiais da Páscoa, do Sacrifício e da Ressurreição em James Frazer e George Bataille
Rebusco aqui um pouco das origens ancestrais remotas das Páscoas judaica e cristã recorrendo às noções de sacrifício e ressurreição presentes nas obras do antropólogo britânico James Frazer (1854-1941) e do escritor francês Georges Bataille (1897-1962).
Em cinco partes:
00:11 - As Páscoas judaica e cristã
07:47 - James Frazer: A renovação da natureza e a eliminação do rei divino
17:03 - Ninrode, Semíramis e Tamuz: a Santíssima Trindade Babilônica
30:32 - Georges Bataille: Sacrifícios e guerras dos astecas
45:42 - Sacrifícios sem fim
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O Pleroma e a Árvore Cósmica
O conceito de Pleroma, a "Plenitude" Divina, ocupa uma posição central no pensamento dos antigos gnósticos. Este conceito tem dois matizes de significado: às vezes a "Plenitude" é a região do próprio Deus verdadeiro, e às vezes é é a região para onde Ele desce ou onde o Deus oculto se manifesta em diferentes figuras. É o lugar "onde Deus habita". O Pleroma é um mundo de perfeição e harmonia absoluta que se desenvolve a partir de uma série de essências e emanações Divinas conhecidas na história do Gnosticismo pelo nome de aeons, "eternidades", realidades supremas. De acordo com a definição de Hans Joñas, o conhecimento gnóstico da Divindade preocupava-se, pelo menos no seu ponto de partida, com a história interna da criação do universo como uma história do mundo superno do pleroma e como um Divino interior. drama do qual o mundo inferior finalmente surgiu. A primeira metade desta definição pode certamente ser aplicada à gama de ideias presentes no Bahir; no que diz respeito ao drama do Divino Interior tal como concebido pelos gnósticos, embora não ausente do livro, ele aparece numa forma modificada que permitiu salvaguardar o carácter estritamente monoteísta e judaico das doutrinas fundamentais. Veremos como isso poderia ter acontecido quando analisarmos a concepção da Shekhinah no Bahir. Mas primeiro devemos demonstrar a estrutura gnóstica do próprio pleroma.
Vimos no capítulo anterior que os místicos da Merkabah substituíram o Pleroma gnóstico pelo Trono Divino, e que o lugar dos aeons foi ocupado pelo aparato da Merkabah conforme descrito em símbolos muito concretos na visão de Ezequiel ou desenvolvido a partir dela.29 Mas precisamente aquilo que estes místicos esperavam eliminar do seu universo de discurso por meio da tradução ou transformação numa terminologia puramente judaica que não se expusesse, naquele momento, à "suspeita" de origens estrangeiras aparece agora, para nossa surpresa, em os fragmentos que reconhecemos como pertencentes às camadas mais antigas do Bahir. A linguagem e os conceitos são os mesmos, e procuramos em vão uma resposta à questão de como esta terminologia poderia ter surgido ou sido recriada de novo no século XII, a menos que houvesse alguma filiação a fontes ocultas que estivessem de alguma forma relacionadas com o antigo gnóstico. tradição.
Deve-se notar aqui o fato curioso de que o termo técnico Pleroma aparece, um tanto deformado, mas ainda claramente reconhecível, na exata tradução hebraica, "ha-male", "o pleno" ou "a plenitude". Referindo-se a Deuteronômio 33,23, a seção 4 coloca muito enfaticamente esta "Plenitude" como um termo técnico, ou, se preferir, como um símbolo:
“Qual é o significado do versículo (Dt 33,23): 'E cheio da bênção do Senhor, toma posse do oeste e do sul.' Isso significa: Em todo lugar a letra Beith (com a qual a Torá e também a palavra Berakhah [Bênção] começam, como foi explicado anteriormente na seção 3), é abençoada, porque é a plenitude. O versículo pode assim ser entendido: E a 'Plenitude' é a Bênção de Deus e é Ele quem dá de beber aos necessitados e com isso o conselho foi dado desde o início."30
Esta passagem é muito estranha. A palavra "ha-male" certamente não se refere ao mundo dos anjos, para o qual o hebreu medieval dos judeus espanhóis usava o mesmo termo, extraído de uma expressão árabe do Alcorão.31 Pelo contrário, representa a realidade mais elevada, sugerida pelo início da Torá, na qual está contida a Plenitude da Bênção de Deus. O autor joga, da mesma forma que os Cabalistas mais antigos depois dele, com o duplo significado do grupo de consoantes BRKH, que pode ser lido como Berakhah, “bênção”, bem como Berekhah, "reservatório". Deste Reservatório, onde borbulham as fontes de Deus e onde se represa a sua plenitude de bênçãos, "Ele dá de beber aos necessitados". Esta "Plenitude", que soa como uma tradução literal do termo grego, está no início de todas as coisas, e o autor interpreta Deuteronômio 33,23 como se dissesse: a bênção de Deus (ou o tanque de águas represadas) é a Plenitude, e você (Israel, a quem a bênção é prometida) possuirá este aeon e o aeon futuro, que são comparados ao sul e ao mar.
A imagem é desenvolvida nas seções 5 e 7. Esta plenitude da bênção do "Male" no início de toda a criação é comparada à fonte primordial:
"Um rei desejava construir seu palácio nas fortes paredes de uma rocha. Ele quebrou as pedras e mandou cortar os blocos. Uma grande fonte de água corrente surgiu diante dele. Então o rei disse: 'já que a água está jorrando,32 plantarei um jardim e deleitarei-me, eu e o mundo inteiro'."
Aqui, como já na interpretação do mesmo versículo de Deuteronômio 33 na seção 3, o uso simbólico de "Male" para Pleroma está conectado com o simbolismo da Torá, que por um lado é o mar infinito (de acordo com Jó 11,9), mas por outro lado é também a sabedoria mais elevada e a fonte, um deleite para todas as criaturas - na verdade, para o próprio Deus, como prova a continuação da seção 4 com uma expressão tirada do antigo Midrash em Provérbios 8,30. Parece que uma antiga terminologia gnóstica, transmitida através de fontes ou contextos desconhecidos para nós, tornou-se ininteligível ao longo do tempo e foi submetida a uma reinterpretação que a aplicou à Torá.
Esta Plenitude Primordial, na qual todas as criaturas e o próprio Deus se deleitam, é novamente discutida na seção 14, onde encontramos outra imagem de personagem mítico que também apresenta relações surpreendentes com o Pleroma. O facto de esta imagem aparecer já completamente reinterpretada na secção 15 imediatamente seguinte sugere que a secção 14 contém material particularmente antigo, um mito que "foi gentilmente forçado a entrar num sistema ao qual originalmente não pertencia".33
No início da seção 14, lemos numa citação (de Bereshith Rabba) que os anjos não foram criados antes do segundo dia, para garantir que ninguém pudesse dizer que Miguel espalhou o universo ao sul da abóbada celeste, Gabriel no norte, e o próprio Deus mediu no meio. Para evitar tal erro, Deus diz de Si mesmo (Is 44,24): "Fui eu, o Senhor, quem fez tudo, quem sozinho estendi os céus e sem ajuda (me'itti) espalhou a terra" - quem poderia esteve comigo, já que o texto diz (quem está comigo) mi'itti." Depois de citar esta antiga agadá, o Livro Bahir continua como se estivesse apenas reproduzindo mais completamente a fonte do Midrash:
"Fui eu quem plantou esta 'árvore' para que o mundo inteiro possa deleitar-se com ela e com ela eu atravessei o Todo, chamei-a de 'Tudo', pois dela depende o Todo e dela emana o Todo; todas as coisas precisam dele, olham para ele e anseiam por ele, e é dele que todas as almas voam.
Eu estava sozinho quando o fiz e nenhum anjo pode elevar-se acima dele e dizer: Eu estava lá antes de ti, pois quando atravessei a minha terra, quando plantei e enraizei esta árvore e fiz com que eles se deleitassem um com o outro (a árvore e a terra) e eu me deleitava com eles – quem estava comigo a quem eu teria confiado esse segredo?"34
A imagem Cósmica desta Árvore como a origem das almas prova que é impossível interpretar esta passagem como se referindo à Torá como a Árvore da vida. É uma Árvore Cósmica que Deus plantou antes de tudo na "Sua Terra", esta última palavra talvez simbolizando, neste contexto, uma esfera na qual a árvore dos mundos tem a sua raiz.
Mas no capítulo 15 a parábola da árvore já é transposta para o cenário de um jardim inteiro (em oposição a uma única árvore) no qual o rei desejava plantar a Árvore, primeiro cavando em busca de água e encontrando uma fonte que pudesse sustentá-la.
"Só então Ele plantou a Árvore e ela permaneceu viva e deu frutos e suas raízes prosperaram porque ela era continuamente regada com o que era extraído da fonte."
A fonte nesta passagem é aparentemente a mesma da seção 4, onde a "Plenitude" da bênção de Deus está associada à Torá.
Também pode ser que aqui já tenhamos uma relação específica com uma das potências criadas, nomeadamente a Sophia ou Chokhmah. Contudo, na seção 14 não se trata de uma parábola artificialmente reduzida, na qual a árvore necessitaria de uma fonte, mas de uma imagem gnóstica representando o pleroma. Na verdade, entre os valentinianos, o "todos" (grego: to pan, to holon) é uma das designações mais comuns para o Pleroma e o reino dos aeons.35 Na verdade, uma passagem do recém-descoberto Evangelho gnóstico da Verdade parece um paralelo à nossa passagem de Bahir: "Eles encontraram… o Pai perfeito que gerou o Todo, no meio do qual está o Todo e do qual o Todo tem necessidade" e, mais adiante, "para que precisava o Todo, senão da gnose relativa ao Pai".36 Da mesma forma, no Evangelho de Tomé, recentemente publicado, Jesus diz de si mesmo: "Eu sou o Tudo e o Tudo procede de mim."37 A ideia, também encontrada entre os cabalistas espanhóis posteriores, de que as almas procedem desta Árvore Cósmica e na verdade são seus frutos já é atestada na gnose dos Simonianos, que como os pesquisadores observaram repetidamente, é essencialmente uma forma herética de gnosticismo judaico-sincretista.38
Um vestígio desta ideia da árvore da vida como uma Árvore Cósmica que cresce entre o Jardim Celestial do Éden e o Paraíso terrestre e na qual o soub dos justos sobe e desce como em uma escada também foi preservado no Midrash Konen, que reflete muitas especulações antigas sobre Merkabah e Bereshith. No Bahir, esse mesmo motivo é aparentemente utilizado também em passagens posteriores (seções 71 e 104); mas a passagem da seção 14 vai muito além, contendo, como o faz, a imagem indisfarçada da Árvore das almas. Parece, portanto, claro que entre as fontes nas quais se baseou a redação final do Bahir havia fragmentos antigos de caráter ousadamente mítico.
Utilizando a imagem da plantação da Árvore Cósmica, este texto descreve a criação de um aeon primordial. Este aeon, parece-me, não apenas contém algo do pleroma dos gnósticos, mas também sugere alguma relação com as estranhas passagens de cosmogonia no Livro Eslavônico de Enoque (do primeiro século), onde é feita menção precisamente a tal "primordial". grande éon." Este aeon leva o nome inexplicável de Adoïl; a etimologia proposta "aeon de Deus" seria, em qualquer caso, um hebraico muito pobre.39 O que sabe o Enoque eslavo deste grande e enigmático éon nos dois lugares que manifestamente tratam do mesmo motivo, mas se contradizem parcialmente? Deus, entronizado sozinho na luz primordial 40 e passando por ela, chama Adoïl das profundezas (do não-ser?). De seu estômago então (cap. 11) “nasce”, como se fosse diferente de Adoïl, “o grande aeon daquele que carrega toda a criação”, que provavelmente deveria ser lido, “o grande aeon que carrega toda a criação”."
Este aeon aparece, portanto, como um paralelo bastante próximo à luz primordial, o 'or ganuz da antiga Agadá, que precedeu o resto da criação, e é similarmente associado aqui com a exegese de Gênesis 1,3 e a criação do Trono. As pedras enigmáticas que Deus coloca firmemente no abismo também devem estar de alguma forma relacionadas com a igualmente obscura tradição cosmogônica de uma baraitha esotérica (uma mishná não aceita universalmente e anoniealmente) na qual a palavra Bohu em Tohu va-Bohu de Gênesis 1,2 foi interpretadas como "pedras lamacentas, afundadas no abismo".41
Mas no capítulo 17, a mesma ideia é expressa numa formulação nova e mais incisiva: antes de toda a criação, Deus estabeleceu um “aeon da criação”, que, como indicado pelo que é dito posteriormente sobre a sua divisão em elementos de tempo, é o tempo primordial de toda a criação, subseqüentemente dividido em horas e dias, etc. Na redenção, este Urzeit ("tempo primordial"), o grande aeon, se tornará mais uma vez o tempo Endzeii indivisível ("tempo do fim" ). In the Bahir, "everything yearns" for this tree, a decidedly eschatological expression. Os justos se unem a este aeon e ele se une a eles – uma fórmula reversível do tipo muito em voga na literatura do Merkabah, mas também na gnose não-judaica. Aqui temos mais do que a "felicidade" usual, em hebraico literalmente "ter uma parte no aeon futuro ou tornar-se digno dele". Trata-se antes de uma identidade escatológica com o aeon da criação para o qual tudo retorna 42 - uma ideia que também reaparece, de uma forma diferente, na Cabala, onde tudo procede do aeon Binah, também chamado de “o aeon futuro”, e onde tudo, mas acima de tudo as almas dos justos, retorna a ele e se reúne com ele. O segredo de como Deus formou o ser do nada e o visível do invisível 43 - isto é, o mistério do grande aeon como meio de toda a criação - não foi revelado nem mesmo aos anjos, que não obtiveram nenhum "conhecimento de esta criação infinita e incognoscível", exatamente como na conclusão da passagem no Bahir (o Anjo Gabriel é mencionado aqui, bem como na seção 15 do Bahir, embora em um contexto diferente). Este simbolismo do Pleroma representado por uma árvore é retomado em outros textos do Bahir que sem dúvida já constituem desenvolvimentos posteriores e que se referem ao mundo dos aeons em sua totalidade ou a um aeon específico. De particular importância é, em primeiro lugar, a seção 85, que novamente fala em imagens completamente míticas dos poderes de Deus - não no sentido que o termo tem na linguagem filosófica, mas no sentido da linguagem gnóstica (a valentiniana por exemplo), onde os poderes (grego : dynameis) são os aeons que preenchem o pleroma. Esta passagem é inserida em uma interpretação posterior de 'ish, "homem", como um nome de Deus, sendo a letra Shin explicada ali (seção 84), por conta da forma que tem em hebraico (ש), como "Raiz da Árvore", que parece ser uma alusão a uma Sephirah específica. O texto continua da seguinte forma:
"E o que é (esta) 'Árvore' da qual você falou? Ele lhe disse: todos os poderes de Deus estão (dispostos) em camadas, e são como uma árvore: assim como a árvore produz seus frutos através da água, assim Deus através da água aumenta os poderes da 'Árvore'. E o que é a água de Deus? É a Sophia, Chokhmah, e esse (o fruto da árvore) é a alma dos homens justos que voam da 'fonte' para o 'grande canal' e ele (o fruto) sobe e se agarra à 'Árvore .' E em virtude de que ela floresce? Pela virtude de Israel: quando eles são bons e justos, a Shekinah habita entre eles, e pelas suas obras eles habitam no seio de Deus, e Ele permite que eles sejam frutíferos e se multipliquem."
A totalidade dos poderes de Deus constitui assim uma Árvore Cósmica que não é apenas a Árvore das almas da qual as almas dos justos voam e para a qual, aparentemente, eles retornam, mas uma árvore que também depende dos feitos de Israel – ideia retomada com ainda mais vigor em outros textos. Parece que nesta fase já temos um simbolismo e uma localização detalhados e específicos dos aeons. Se a fonte que rega a árvore é a Sophia, que em todas as outras passagens é naturalmente explicada como a segunda Sephirah (e que é expressamente designada como tal, mais tarde, na seção 96), então a raiz é a terceira Sephirah, a " Mãe" na língua dos Bahir, e a própria Árvore representa obviamente, neste caso, a totalidade dos outros sete poderes que estão ativos no trabalho criativo dos sete dias. Como estão ordenados em camadas, evidentemente também possuem uma estrutura fixa. A princípio são comparadas apenas com a Árvore, mas na sequência a imagem é empregada de forma mais realista. A mítica árvore cósmica tem raízes acima e cresce para baixo, uma imagem que é conhecida por ter numerosos paralelos em muitas culturas diferentes.44 É interessante notar que alguns estudiosos afirmam ter encontrado esta ideia também entre os hereges bogomilianos nos Bálcãs.45 Quando Israel é bom, Deus produz na árvore novas almas de homens justos. Esse é sem dúvida o significado da observação: “Ele os faz frutificar e multiplicar”. Esta ideia combina perfeitamente com passagens paralelas. O tronco da árvore, que no corte 85 nasce da raiz, corresponde à imagem da coluna vertebral do homem, sobretudo nos cortes 67 e 104. Se Israel for bom, Deus tira novas almas do lugar da semente, o que corresponde ao grande canal da seção 85. A maneira como o mito da árvore é variado aqui (bem como nas seções 104 e 121) corresponde à interpretação dada pela seção 15 à sua forma mais antiga, tal como a encontramos na seção 14.
É difícil dizer quando o material mais antigo foi reinterpretado desta forma. O simbolismo da árvore sofreu um maior desenvolvimento no último estrato do Bahir, como é evidente nas seções 64-67, que, apesar de todas as suas diferenças, estão intimamente relacionadas.46 A Árvore Cósmica da seção 14 não é mais o Pleroma dos poderes Divinos como na seção 85; mas está implantado como no início, no centro do universo como seu núcleo. À estrutura deste núcleo correspondem, nas regiões do Cosmos que aqui são retomadas do Livro da Criação, potências inferiores, "superintendentes" e "arcontes". (sarim). A seção 64 refere-se diretamente a Yetzirah 5:1 e suas doze direções do mundo, que, no entanto, o autor do Bahir organiza em seu próprio estilo mítico: "Deus tem uma árvore, e esta árvore tem doze raios: 47 nordeste, sudeste , leste superior, leste inferior, noroeste, sudoeste, oeste superior, oeste inferior, norte superior, norte inferior, sul superior, sul inferior, e eles se estendem para o incomensurável, e são os braços do mundo. E em seu núcleo está a Árvore." A estes ramos da Árvore correspondem, nas três regiões do mundo do Sepher Yetzirah, nomeadamente o "dragão" teli,48 representando o mundo; a esfera celeste visível, representando o tempo; e o “coração”, representando o organismo humano – doze “supervisores” cada e doze arcontes cada, totalizando assim duas vezes trinta e seis potências ou poderes que atuam no Cosmos e sempre retornam um ao outro:
"A potência de um está (também) no outro, e embora haja doze em cada um dos três, todos eles aderem um ao outro (isto é tirado literalmente de Yetzirah 4:3) e todas as trinta e seis potências já são encontradas no primeiro, que é o teli (…) e todos eles retornam ciclicamente um no outro, e a potência de cada um se encontra no outro (…) e todos eles são aperfeiçoados [ou compreendidos] no 'coração .'"
Muito possivelmente, os trinta e seis decanatos da astrologia e seus supervisores estão à espreita por trás das trinta e seis potências do Bahir.49 No Bahir, os dois vezes trinta e seis superintendentes e arcontes combinam-se com os setenta e dois nomes de Deus, que a doutrina esotérica judaica já havia desenvolvido no período talmúdico e que o Bahir discute frequentemente a partir da seção 63 (sobretudo no seções 76-79).
(Textos)
A seção 64 deixa a impressão de ser um texto muito antigo que ainda não teve contato direto com o simbolismo místico desenvolvido na maior parte do Bahir. O “coração” ainda é mencionado no antigo sentido de governante do organismo humano (como no Sepher Yetzirah), e não como um símbolo místico. Mas na secção 67, que retoma e continua as ideias e especialmente a terminologia da secção 64, somos subitamente confrontados com símbolos místicos, embora sem dúvida devêssemos assumir uma lacuna entre estes parágrafos. O coração é nutrido pelos setenta e dois superintendentes e arcontes e os nutre em troca. Ao mesmo tempo, porém, é interpretado como um termo simbólico, significando uma esfera chamada “coração” na qual estão contidos “os trinta e dois caminhos maravilhosos de Sophia”, correspondendo ao valor numérico da palavra hebraica lebh. , coração. Aqui estamos bem no meio do simbolismo cabalístico, ao qual teremos que retornar.
O simbolismo do coração do Cosmos exibe um paralelismo próximo com a conhecida ideia desenvolvida de forma bastante independente por Yehudah Halevi em seu Kuzari 2:36-44. De acordo com Halevi, todas as nações constituem um organismo do qual Israel é o coração e, portanto, devem cumprir deveres e funções especiais ao longo da história. Parece que na época da redação final do Bahir na Provença, o Kuzari, que ali foi traduzido para o hebraico em 1167, já estava à disposição dos redatores; esta imagem aparentemente lhes atraiu tanto que a combinaram com seu simbolismo gnóstico. O conceito de totalidade do processo histórico passa a ser o da interconexão teosófica do Cosmos. Israel é o tronco ou o coração da Árvore da qual as almas individuais são os frutos. No entanto, a metáfora é um tanto confusa, pois o coração e o fruto se confundem. O coração é explicado como o “fruto precioso do corpo”, que é então associado ao simbolismo ritual do buquê da Festa dos Tabernáculos, quando Israel ��toma o produto das árvores formosas” (Lv 23,40). O paralelismo entre o tronco da Árvore 50 e a coluna vertebral do homem, a parte mais essencial do corpo, é central neste simbolismo. Os mencionados setenta e dois poderes aparecem agora como arcontes e “formas sagradas” colocados sobre cada povo, enquanto o “Santo Israel” 51 ocupa o lugar do tronco da árvore e do seu coração. Os povos são claramente os ramos secundários que brotam dos doze ramos principais, estando estes últimos relacionados de alguma forma com as doze tribos de Israel. Isto se parece muito com a aplicação da ideia de Yehudah Halevi a uma representação mais antiga da árvore Cósmica e seu tronco, agora combinada com a noção originalmente distinta e totalmente não relacionada do coração derivada do Livro da Criação. Aqui os arcontes dos povos ainda são “formas sagradas”, isto é, anjos, em perfeita conformidade com a tradição judaica.52 Tais formas também residem como guardiãs da estrada que leva à árvore da vida nos trinta e dois caminhos maravilhosos de Sophia, que estão situados acima do mundo dos anjos, mas são protegidos e guardados por eles. Esta relação entre as formas sagradas e o simbolismo da Árvore reaparece mais tarde numa passagem importante na seção 78. Sacrifício, em hebraico qorban, é interpretado como "aproximar" de acordo com o significado da raiz hebraica,53 porque aproxima as formas sagradas tão próximas umas das outras que elas se tornam (daí a compreensão do autor de Ezequiel 37,17) um único árvore. A Árvore é, portanto, considerada o reino das potências de Deus, uma esfera que se estende abaixo de Deus, que é concebido como definitivamente pessoal e independente das potências. Resulta desta análise que o simbolismo da árvore desenvolveu-se de forma diferente nos vários estratos do Bahir.
Este simbolismo da Árvore enfatiza um elemento que se tornaria essencial na doutrina cabalística da vocação mística do judeu.
A árvore não é apenas mantida viva e regada pela fonte; seu florescimento, crescimento e prosperidade, seu vigor ou, alternativamente, seu langor dependem dos feitos de Israel. A ênfase especial dada a esta explicação da relevância cósmica dos feitos de Israel, bem como a dialética que tal representação implica para a "pureza" do conceito de Deus, são destacadas já nestes textos, apenas para serem expressas com intensidade ainda maior nos escritos dos cabalistas posteriores. Entre o Deus Criador e o homem existe uma zona intermédia que não pertence simplesmente ao lado da criatura, mas a sua relação com o Deus que, afinal, “plantou” esta árvore não está definida com precisão. Em símbolos e imagens cujo significado permanece impreciso, formula-se aqui um pensamento que não está completamente ausente da antiga literatura agádica, a saber, a noção teológica um tanto duvidosa de que "os justos aumentam o poder da Onipotência (Geburah, a Dynamis Divina)".54 O que há de novo nas fontes cabalísticas é o imaginário mítico com que esta influência é apresentada: a influência do "santo Israel" nas esferas superiores é exercida pela realização de rituais, cujos elementos mantêm uma relação mística com os aeons. ou as Sephiroth na árvore das Potências Divinas. Esta é claramente a razão para os diferentes simbolismos rituais apresentados no Bahir, bem como para as suas explicações de preceitos específicos da Torá.
A noção de um “influxo de cima e de baixo”, como a Cabala espanhola, especialmente o Zohar, mais tarde a expressou, pode, portanto, ser encontrada já no Bahir. O influxo vindo de cima é sempre apresentado aqui, até onde posso ver, em conexão com o simbolismo de Sophia como a fonte da Árvore Cósmica. Muitas passagens que tratam do simbolismo da fonte – caracteristicamente, quase exclusivamente em parábolas – podem ser facilmente associadas à Sophia.55 Somente no último terço do livro o simbolismo da fonte, que é a Sophia, é aplicado ao “canal” por onde a água desta fonte é conduzida para outras esferas. O canal claramente deve ser entendido como um aeon posterior na estrutura dessas potências que mantém uma relação particular com Sophia.56
As Potências de Deus, Middot, textos talmúdicos, a Sophia dupla e o simbolismo de Sophia como Filha e Noiva.
É sobre estes poderes, separadamente ou em conjunto, que o Livro Bahir se concentra principalmente. A maior parte do livro está empenhada em descobrir referências a esses "Poderes de Deus" - que temos todos os motivos para identificar com os aeons no Pleroma - em versículos bíblicos, bem como em outras expressões simbólicas, incluindo os conceitos da Bíblia, o misticismo da linguagem e as ideias da Agadá, constituindo juntos um reservatório virtualmente inesgotável de símbolos para esse propósito. Aqui também os símbolos e noções dos antigos gnósticos reaparecem frequentemente, seja por causa de conexões históricas reais ou como resultado de métodos análogos de exegese, embora, sem dúvida, tal exegese deva ter recebido algum tipo de impulso do material transmitido, mesmo que posteriormente seguisse seu próprio caminho. Além disso, grande parte do livro consiste em variações místicas de motivos do Sepher Yetzirah. Na verdade, o termo Sephiroth foi retirado dessa obra pelos Bahir, embora não seja mais entendido no sentido de números ideais que contêm em si todos os poderes da criação, como foi o caso do autor do Yetzirah. As Sephiroth agora significam os aeons, os poderes de Deus, que também são seus atributos. O termo Sephiroth, entretanto, não ocupa um lugar importante no Bahir. Aparece apenas na seção 87, onde os dez dedos levantados na bênção dos sacerdotes são considerados "uma alusão às dez Sephiroth por meio das quais o céu e a terra são selados". No próprio Sepher Yetzirah, apenas seis das Sephiroth desempenham esta função e, neste caso particular, o termo é evidentemente identificado com uma concepção diferente. Isto também é indicado pela nova explicação do livro sobre o significado do termo Sephiroth. A palavra não deriva de safar, contar, mas de sappir, safira. São, portanto, reflexos safirinas da Divindade, e o Salmo 19,2: “Os Céus declaram a Glória de Deus”, é interpretado pelo autor de acordo com esta etimologia: “os Céus brilham no esplendor safirina da Glória de Deus." Esta etimologia mística posteriormente tornou-se clássica na literatura cabalística. Em vista da condição fragmentária do livro, talvez não seja possível inferir muito do fato de que o termo Sephiroth está faltando em outras partes do texto. No entanto, permanece surpreendente que a noção de Sephiroth tenha sido, por assim dizer, eliminada apenas daquelas passagens que são claramente baseadas no Livro da Criação, mas aparece como algo conhecido e evidente precisamente numa passagem que de outra forma não tem conexão com os motivos do Sepher Yetzirah.
Em vez disso, estes éons, se podemos falar deles como tais, são descritos em termos completamente diferentes. Esses nomes refletem a plenitude de significado e a “multivalência” dos aeons na mitologia gnóstica. Eles são, como vimos, os poderes de Deus. Mas são também as dez palavras da criação, ma'amaroth (doravante traduzidas como logoi), por meio das quais, de acordo com uma célebre passagem da Mishná ('Aboth 5:1), tudo foi criado. São as diferentes qualidades e atributos (hebraico: Middot) que pertencem a Deus. Cada Middah é uma potência espiritual particular. Essa maneira de falar, que torna os Middot autônomos e os hipostasia, já é encontrada na antiga Aggadah. Ocasionalmente encontramos ali palavras que quase parecem prefigurações judaicas ou paralelos à terminologia gnóstica relativa aos aeons.
"Sete Middot servem (desempenham uma função definida) diante do trono da Glória; são eles: Sabedoria, Justiça e Lei, Graça e Misericórdia, Verdade e Paz."57
O Amora Rab babilônico (por volta de 230), um adepto declarado do esoterismo judaico e da gnose Merkabah, disse:
"Por dez coisas o mundo foi criado: pela sabedoria e pelo entendimento, e pela razão e pela força (Geburah, sinônimo de poder), pela repreensão e pelo poder, pela justiça e pelo julgamento, pela bondade amorosa e pela compaixão".(Hagigah 12a)
Esses nomes abstratos parecem as enumerações, em alguns textos gnósticos, dos aeons no pleroma. Contudo, no Bahir, abstrações deste tipo não ocorrem incidentalmente como nas citações acima; eles aparecem bem no centro de suas especulações como designações mais ou menos definidas de Middot particular, e como ocupando, aparentemente, um lugar fixo na estrutura desses aeons ou Middot. Aqui e ali, como veremos, este lugar pode ainda ser incerto, mas não há dúvida de que os redatores do livro já tinham em mente uma estrutura definida, como também é pressuposto na imagem da árvore dos Poderes Divinos na seção 85. Esses poderes também aparecem como "belos vasos" ou "tesouros" — mais uma vez, metáforas gnósticas bem conhecidas que ocorrem com frequência na descrição dos mundos superiores e do Pleroma.58 Os textos coptico-gnósticos posteriores do tipo Pistis Sophia, bem como a literatura mandeísta, estão repletos de referências a tais "tesouros" ou "casas de tesouros". Os seis dias da criação do mundo, que o Bahir designa na seção 92 como dias primordiais, "yeme qedem", são aeons desse tipo, dos quais o livro diz: "Deus fez seis belos vasos." Este “vaso precioso”, vas pretiosum (também na seção 52; ver a seguir) é bem conhecido por nós através da gnose valentiniana.59
Não é fácil especificar quando e onde a palavra Middah foi utilizada no sentido aqui pressuposto. Seu uso não se restringe à antiga Aggadah. Rashi, que certamente não era cabalista, também empregou o termo no sentido de potência espiritual ou hipóstase.60 No próprio Sepher Yetzirah, as Sephiroth não são designadas como Middot, embora seja dito da totalidade desses dez números que "sua medida, middah, é dez, mas eles não têm fim" (1:5), que ainda existe. refere-se simplesmente à década por meio da qual todos os números podem ser expressos. Num texto que já circulava entre os hassidim alemães antes do ano 1200 e cuja idade ainda não foi estabelecida, a chamada Mishná de Yosef ben Uziel, as dez Sephiroth são designadas como dez Middot e dez princípios, shorashim.61 Em outros aspectos, porém, este texto pseudepigráfico do Merkabah dificilmente tem algo em comum com o simbolismo e o mundo das ideias peculiares aos Bahir, e precisamente aqueles elementos gnósticos para os quais chamamos a atenção estão inteiramente ausentes ali. Em outros textos medievais, por outro lado, os “poderes de Deus” são mencionados com praticamente a mesma nuance gnóstica que o termo tem no Bahir. Por exemplo, Tobias ben Eliezer, escrevendo em Bizâncio por volta de 1100, refere-se diretamente à literatura do Merkabah e do Shi'ur Qomah e adverte contra a caracterização da essência de Deus com antropomorfismos que só podem ser baseados nos "poderes e dinamismo do criador do universo."62 Isto está de acordo precisamente com o uso adotado no Bahir, onde as formulações do misticismo Merkabah são entendidas desta maneira.
A estas noções e imagens, bem conhecidas da tradição gnóstica, o livro acrescenta novas designações para estas essências. Esses poderes são também os dez “reis” (seções 19, 32, 49), as sete “vozes” ouvidas durante a revelação no Sinai (seções 29-32) e as “coroas” (seções 23, 101) carregadas pelos rei. Esta imagem nos permite compreender a designação do mais elevado de todos os éons como a “Coroa Suprema”, Kether Elyon (seções 89, 96). Esta designação é particularmente digna de nota e ocorre com grande frequência posteriormente, na literatura cabalística antiga. Parece que esta imagem das coroas estabeleceu algum tipo de conexão entre as novas ideias e a concepção de Deus nos escritos de Hekhaloth. Não estava Deus ali, acima de tudo, o rei sagrado entronizado no Merkabah? Os autores do Bahir referem-se a este motivo quando falam dos atributos e poderes de Deus como as várias coroas que ele carrega. Mas cometeríamos um grave erro se extraíssemos apenas destes epítetos conclusões teóricas a respeito da relação entre estes Poderes e a Divindade. Ao lado de ditos que parecem pressupor uma concepção claramente personalista deste Deus e uma distinção entre ele e aqueles reis, tesouros, vozes, palavras, etc., encontramos outros em que esta relação permanece vaga. Em particular, a relação entre a Divindade e o primeiro destes poderes não é de forma alguma inequivocamente clara. Pode-se perguntar se em certas partes do livro a primeira Sephirah em si não seria a Divindade, acima da qual não existe nenhum outro portador, criador ou emanador. Nestes textos tudo ainda está em fluxo, e as poderosas imagens ainda não se cristalizaram em conceitos claros. Na verdade, não deve ser esquecido que nesta fase o senhor ou portador das Sephiroth dificilmente é mencionado, exceto em metáforas. Estas metáforas parecem identificar o portador destes poderes como a sua primeira fonte ou origem, com uma ou outra das essências incluídas nesta inter-relação de potências; porém, não nos permitem tirar conclusões precisas no que diz respeito à “teologia” das metáforas. A principal preocupação do livro reside nos aeons e no simbolismo místico relacionado a eles. Nas numerosas passagens em que o livro fala de forma geral de “Deus”, a sua linguagem permanece bastante vaga; pode muito bem significar o senhor dos aeons como o ser representado em todos ou em um deles. No entanto, muitos ditos não só distinguem claramente entre a Sophia e a sua origem em Deus ou na ennoia, o pensamento de Deus que está acima dela, mas na secção 53 a expressão "pensamento de Deus" pressupõe que existe uma separação entre eles e que o o "pensamento" em si não é o mais elevado dos dois. Em nenhum lugar, porém, o simbolismo do livro nos leva além desta esfera do “pensamento”, assunto ao qual retornaremos na continuação.
O passo decisivo para além dos outros sistemas gnósticos consiste na fixação do número destes poderes ou aeons em dez, de acordo com as dez Sephiroth do Livro da Criação e as dez palavras da criação através das quais, de acordo com a antiga Aggadah, Deus chamou o mundo à existência. Uma vez fixado o número dessas "qualidades" ou Middot de Deus, elas passaram a ser associadas a um grande número de nomes simbólicos, uma vez que cada um dos epítetos pelos quais Deus poderia ser apresentado ou nomeado estava necessariamente relacionado a um ou outro dos Middot. No Bahir ainda podemos reconhecer com bastante clareza os esforços que foram feitos para introduzir uma terminologia mais ou menos consistente no uso destes símbolos em relação a Sephiroth específicas, embora tenha demorado algum tempo até que este processo de cristalização definitiva do simbolismo de a velha Cabala chegou à sua conclusão final. As diferentes tentativas muitas vezes se contradizem. Embora os comentaristas da Cabalá se esforçassem para harmonizar os símbolos ou unificá-los, o historiador naturalmente não tem interesse numa exegese harmonística deste tipo. Veremos vários exemplos que sugerem tradições conflitantes que foram simplesmente justapostas no Bahir. Aqui, também, a escolha de símbolos e denominações para esta ou aquela Sephirah duplica o processo pelo qual os gnósticos designavam seus aeons. Gostavam de adotar como nomes de éons termos abstratos como pensamento, sabedoria, penitência, verdade, graça, grandeza, silêncio, ou imagens como pai, mãe, abismo, etc. Estas designações, algumas das quais são idênticas às encontradas nos documentos antigos, enquanto outras foram recentemente criadas de acordo com os métodos da exegese gnóstica, preenchem as páginas do Bahir. Lá, no entanto, eles são derivados de versículos bíblicos ou mesmo dos ditames agádicos dos rabinos.
Mais uma vez coloca-se a questão: deveríamos admitir, pelo menos para um dos estratos do livro, a existência de vestígios de uma antiga gnose judaica, de fragmentos que antecedem a Idade Média e nos quais gnósticos judeus anónimos procuraram expressar a sua mística concepção da Divindade sem prejudicar o seu Monoteísmo Judaico? Ou estamos lidando com tentativas de homens medievais, que se sentiram recentemente estimulados por uma razão ou outra, de ver tradições que eram intrínseca e puramente judaicas a partir de uma perspectiva gnóstica? Será que o nosso material nada mais é do que a bem conhecida e simples tradição judaica, cuja adaptação e transformação em símbolos prova quão grande foi a distância psicológica e temporal entre estes autores posteriores e o período em que os ditos agádicos originalmente se cristalizaram? Esta é a questão fundamental que se impõe ao leitor do Bahir. É uma questão que não pode ser respondida com base em considerações gerais; somente um exame cuidadoso dos detalhes pode nos ajudar aqui. Não hesito, de minha parte, em afirmar que a literatura da Cabala espanhola, especialmente aquela embutida no Zohar, revela claramente uma atitude psicológica que, na Idade Média, levou os homens a reformular o antigo material talmúdico e midráshico de acordo com uma espírito inteiramente novo por meio de um método exegético e homilético que em sua estrutura era gnóstico, mas que só alcançou seu pleno desenvolvimento sob a influência do Bahir.
Mas e o texto mais antigo, o próprio Bahir? Também aqui muitas passagens mostram que se trata de uma exegese posterior, que reinterpreta, com base numa mentalidade medieval, material mais antigo que já se tinha tornado oficial e lhe confere um carácter simbólico. Certamente, os versículos bíblicos já podiam ser interpretados na era talmúdica como símbolos de eventos que ocorriam num plano superior do ser. A distância psicológica entre os exegetas gnósticos, judeus ou não, e o cânone bíblico é evidente. A elaboração da mitologia pagã em termos de exegese gnóstica, como, por exemplo, no "sermão Naasseno" preservado por Hipólito, indica uma distância psicológica semelhante entre o mito antigo e a sua nova interpretação.63 O Bahir já apresenta este tipo de interpretação da Agadá talmúdica. Isto pode ser visto não apenas nas muitas passagens em que parábolas extraídas da literatura agádica do Talmud e do Midrash, onde têm um significado perfeitamente exotérico, são transpostas para um plano místico, tornando-se muitas vezes a nova parábola, no processo, muito mais estranho e problemático do que aquele em que se baseia; 64 podemos observar isso sobretudo quando as próprias citações talmúdicas são tratadas como materiais antigos desse tipo.
Somente durante um período em que, para a consciência piedosa de amplos setores da população judaica, a própria Agadá já podia reivindicar a autoridade de um texto sagrado, e numa época em que para outros círculos a sua própria extravagância se tornou um problema – a partir do século VIII em diante, após o surgimento do Karaísmo - é possível uma passagem como a seção 52 do Bahir. O Talmud, Baba Bathra 16b, transmite diversas opiniões a respeito do valor do nascimento de filhas. Neste contexto, é relatada uma discussão entre professores mishnaicos (século II) a respeito de Gênesis 24,1:
"'E o Senhor abençoou Abraão em todas as coisas.' O que significa 'em todas as coisas?' R. Meir explicou: significa que ele não tinha filha. R. Yehudah disse: Abraão teve uma filha cujo nome era Bakol (literalmente: com todas as coisas)."
O Bahir fez desta última observação objeto de uma exegese mística, que elevou a estranha afirmação relativa à filha Bakol a um plano alegórico. Bakol torna-se assim uma designação para o Shekinah, o último dos poderes Divinos, que é mencionado no final da seção 51 e ao simbolismo ao qual retornarei. Abraão é ali designado como o pai desta Shekinah. A Seção 52 continua:
"E de onde Abraão teve uma filha? (aprendemos isso) no versículo (Gn 24,1) o Senhor abençoou Abraão com 'todas as coisas' e (a Escritura também) diz (Is 43,7) 'todos' serão chamados pelo meu Nome, etc. isso 'abençoa' sua filha ou não? (outra versão: "Ou seria melhor a mãe dele?") 65 Sim, ela era filha dele. É como um rei que teve um servo perfeito (…) Então o rei disse: O que devo dar a este servo ou o que devo fazer por ele? Não me resta mais nada a fazer senão recomendá-lo ao meu irmão, para que ele possa aconselhá-lo, protegê-lo e honrá-lo. O servo foi para casa com o irmão mais velho do rei e aprendeu seus costumes. O irmão gostou muito dele e chamou-o de amigo, como se diz (Is 41,8): Abraão, meu amigo. Ele disse: O que devo dar a ele ou o que devo fazer por ele? Eis que fiz um lindo vaso, e dentro dele há lindas joias com as quais ninguém pode ser comparado, e são as joias dos reis.
Eu os darei a ele, e ele poderá participar deles em meu lugar. Assim está escrito: Deus abençoou Abraão com 'todas as coisas'."
Esta passagem não apenas pressupõe um simbolismo desenvolvido da Shekinah como um "belo vaso" no qual estão contidos todos os poderes de Deus ou do "grande irmão", mas já interpreta em sentido alegórico a própria Agadá talmúdica, que é seu antecedente. Este procedimento em relação às passagens mais bizarras do Talmud é, no entanto, completamente medieval e indicativo de uma grande distância das fontes da produção agádica. Não há nenhum exemplo na literatura agádica antiga de reinterpretação em termos de mistérios de ditos inteiramente diretos dos aggadistas. Na Idade Média, por outro lado, este era um procedimento habitual: os filósofos encontravam em tais textos alusões esotéricas às suas próprias opiniões, os místicos faziam uso delas para os seus próprios fins. Também temos reinterpretações deste tipo – influenciadas por ideias místicas – em coleções agádicas de origem oriental de um período posterior. Assim, a sentença talmúdica discutida aqui é misticamente reinterpretada em uma coleção Iemenita de Midrashim muito recente. Esta reinterpretação não está muito distante da tendência dos Bahir. O disfarce pseudoepigráfico que lhe confere a aparência de um ensinamento antigo não pode nos enganar quanto ao verdadeiro caráter desta máxima.
"Os rabinos ensinaram: Kol, filha de Abraão, não está morta. Ela ainda existe, e quem a vê fez um grande achado, como se diz (Pr 8,17): e quem me procura me encontrará."66
Por meio deste versículo de Provérbios, a filha é claramente identificada como Chokhmah ou Sophia, o que estaria de acordo com o simbolismo da Shekhinah no Bahir, ele próprio relacionado ao misticismo da Sophia (ver a seguir).
É bem possível que o autor deste ditado, preservado apenas no midrash iemenita, conhecesse uma interpretação semelhante à que lemos no Bahir e que, portanto, já devia ser conhecida no Oriente. Mas é igualmente possível que ele tenha produzido uma interpretação semelhante, estimulado de forma bastante independente pelo desejo de alegorizar uma frase estranha. A tradição dos hassidim alemães, por volta de 1250, também mostra familiaridade com materiais mais antigos que tratavam da interpretação do Bakol do Gênesis 24,1, embora numa direção um pouco diferente daquela tomada no Bahir. Em conexão com este mesmo versículo, Ephraim ben Shimshon (ca. 1240) citou um ditado dos adeptos do esoterismo, ba 'ale ha-sod, segundo o qual esta bênção consistia na incumbência de Deus ao "Príncipe da Presença Divina" de conceda todos os desejos de Abraão.67 O papel da Shekinah no Livro Bahir é aqui assumido pelo anjo Yahoel, o nome mais antigo de Metatron, príncipe dos anjos, cuja relação com o patriarca não é conhecida apenas a partir do Apocalipse de Abraão (início do século II d.C.), mas também era familiar aos hassidim alemães do século XII.68 No entanto, a exegese específica que relaciona a palavra Bakol a Yahoel provavelmente se originou na Alemanha, pois se baseia no método de interpretação da gematria praticado lá naquela época.69 Se existe uma relação entre a referência do Bahir à Shekinah e a ideia da presença universal da Shekhinah como corrente na época, particularmente entre os hassidim alemães, não me atreveria a decidir. Tal conexão, se existir, repousaria em uma interpretação trocadilho do Talmud: “A Shekinah está em todo lugar” (Baba Bathra 25a). Ao resumir esta frase para Shekinah Bakol, "a Shekinah está em todas as coisas", sugere-se uma associação com o bakol em Gênesis 24,1: a Shekinah é Bakol.
Outro exemplo de tal reinterpretação pode ser encontrado na seção 126. O Talmud relata um ditado da amora babilônica R. Assi: "O filho de Davi não virá até que todas as almas do 'corpo' estejam exaustas" (Yebamoth 62a, 63b). Aqui “corpo” significa o depósito das almas pré-existentes e não nascidas. Esta interpretação tradicional era evidentemente não é estranha ao Bahir.70 Mas aí esta máxima é posteriormente interpretada como uma deixa para a doutrina da transmigração das almas: o “corpo” ali mencionado seria o corpo do homem, através do qual as almas devem vagar. O próprio ditado é citado de acordo com a fórmula usada pelos autores medievais para introduzir uma citação do Talmud sem nomear o autor: “E isto é o que dizemos”. A visão pessoal de um mestre talmúdico individual já se tornou autoritária a ponto de permitir a reinterpretação em termos de uma noção da qual a própria tradição talmúdica não tem conhecimento. A isto corresponde, na seção 86, a reinterpretação, ou melhor, a revisão, de uma parábola talmúdica (Shabbath 152b), que é similarmente interpretada em termos da doutrina da transmigração das almas com total desrespeito ao seu significado original.71
Podemos concluir do que precede que uma porção considerável do material do Bahir pressupõe uma atitude em relação às fontes que não é concebível até o início da Idade Média. Contudo, os detalhes não permitem excluir a possibilidade da existência de um estrato muito mais antigo. Na verdade, ocasionalmente parecem forçar-nos esta hipótese. Nesse caso, não é demais supor que o material gnóstico de origem oriental no Bahir, uma vez recebido e adotado por um círculo de homens religiosos agitados e produtivos, é amplamente suficiente para explicar o desenvolvimento interno da Cabala até , e incluindo, o Zohar.
Mas como devemos compreender o desenvolvimento que levou a esse fermento, cuja evidência temos diante de nós no próprio Livro Bahir? Neste ponto somos forçados a assumir a existência de algum tipo de ligação, seja na forma literária ou oral, com materiais pré-medievais mais antigos.
Certos detalhes, tanto quanto posso ver, não podem ter outra explicação e, sobretudo, não podem ser atribuídos a coincidências fortuitas. Eles provam que os simbolismos gnósticos que ocupavam uma posição significativa e compreensível dentro de sua própria estrutura – como por exemplo no sistema da gnose valentiniana – encontraram seu caminho nas fontes judaicas, desligando-se em grande parte, é claro, de sua conexão orgânica com a mitologia gnóstica. Hoje não podemos mais (ou ainda não?) dizer nada sobre a natureza dessas fontes, ou se, talvez, já existiram sistemas inteiros de caráter judaico paralelos aos sistemas clássicos do gnosticismo ou às ramificações gnósticas posteriores do tipo que sobreviveram na área linguística aramaico-síria, como, por exemplo, a gnose mandeísta. Apenas vestígios obscuros destas fontes, não um sistema, mas apenas fragmentos de símbolos, parecem ter chegado às mãos dos redatores do Bahir. No entanto, a sua atração ainda era forte o suficiente para estimular a combinação de material antigo com novas associações de ideias e, assim, dar-lhe um novo conteúdo.
Um detalhe surpreendente deste tipo é a doutrina da dupla Sophia ou Chokhmah que, entre os primeiros cabalistas e já no Livro Bahir, serviu de modelo para símbolos semelhantes que ocupavam uma posição dupla no quadro do mundo Divino, o Pleroma. Assim, temos um duplo “Temor de Deus” (seções 97, 129, 131), uma dupla “Justiça” (sedeq, seções 50, 133), um duplo Heh no Tetragrama YHWH (seção 20), e também, sem um dúvida, uma Shekinah dupla (seção 11). A região e a posição desses símbolos de poder ("o Hê inferior; a Justiça inferior") estão sempre, neste caso, próximas da margem e do término do mundo dos aeons, e estão conectadas com o simbolismo da Shekhinah. Mas estas exposições no Bahir são mais precisas apenas nos casos em que estão relacionadas com o duplo Chokhmah. Isso deveria nos dar motivos para pensar. Os gnósticos, especialmente os da escola Valentiniana, desenvolveram a ideia de dois aeons que são ambos chamados de Sophia. Uma, a “Sophia superior”, está bem acima, no mundo do Pleroma; a outra, porém, que também está relacionada ao simbolismo da “Virgem da Luz”, encontra-se na sua extremidade inferior. O mito gnóstico do drama cósmico falava da queda da Sophia inferior, que sucumbiu à tentação do hyle e caiu do Pleroma para os mundos inferiores, onde está totalmente, ou pelo menos em certas partes de seu ser luminoso , "no exílio." Mesmo assim, esta Sophia inferior e caída permanece relacionada com o pneuma, a parte constitutiva mais elevada da alma humana, sendo o contacto entre estas duas entidades descrito por meio de diferentes símbolos em diferentes sistemas. Esta centelha Divina no homem está ligada ao drama do exílio da "Sophia inferior".72 É precisamente nos níveis correspondentes da estrutura do Divino Middot que encontramos, em diferentes passagens do Bahir, as duas hipóstases ou aeons denominadas Chokhmah, como a segunda e a décima Sephirah. A Sabedoria é simplesmente, na seção 96, por exemplo, a Sabedoria superior, o “início dos caminhos de Deus” no meio da criação. Quando Deus colocou esta Sabedoria no coração de Salomão, ele adaptou a Sabedoria superior à forma da Sabedoria inferior, que ele foi capaz de compreender. Na forma da Sabedoria inferior, que é a “filha” que Deus, por assim dizer, deu em casamento a Salomão, “os trinta e dois caminhos da Sophia”, todos os poderes e caminhos do pleroma estão unidos.
(seções 43, 62, 67).
Mas enquanto a Cabala, depois do Bahir, sempre distinguiu entre a Sophia superior, "a Sabedoria de Deus", e a Sophia inferior, "a sabedoria de Salomão", no próprio Bahir, como nos mostram as seções 3 e 44, a terminologia ainda é diferente. O livro ainda não conhece um símbolo fixo chamado “Sabedoria de Salomão”. A última Sephirah aqui é chamada Chokhmath Elohim. Ela mesma é a "filha" em quem os trinta e dois caminhos do Chokhmah superior estão unidos, e que é casada ou "dada como um presente" a Salomão - aqui o Salomão da história e não um Salomão simbólico. Esta Chokhmah é retratada em três passagens por meio de parábolas nas quais ela é casada e "oferecida como presente", como uma princesa, a outro príncipe e, portanto, a um dos outros aeons ou poderes.
Originalmente, como na seção 3, esta Chokhmah é simplesmente a Torá. Com relação à Torá, Yehudah ben Barzilai disse (p. 268), citando fontes antigas: "Deus disse à Torá: Venha, minha filha, vamos casar você com meu amigo, Abraão." Mas na seção 3, Salomão é substituído por Abraão. Ele é o príncipe a quem, segundo 1 Reis 5,26, o rei casa sua filha e a oferece de presente. Porém, na seção 36, o príncipe é um dos próprios aeons, sem que seja dito qual. Na seção 44, é Ele quem carrega o Nome Divino de Elohim, com quem Chokhmah foi casado e oferecido como presente. A expressão bíblica “Chokhmath Elohim” aqui significa algo como “o Chokhmah que foi dado a Elohim e que está com ele na mesma câmara”, de acordo com a notável leitura do mais antigo manuscrito Bahir, que foi mais tarde (talvez devido a razões teológicas). amostras?) corrigido. Como ela já é “casada” nas esferas superiores, ela só foi “oferecida como um presente” ao Salomão no mundo terrestre, conforme seção 44, e ela o governa, como Middath ha-Din, e o ajuda em exercendo julgamento. Este é, de acordo com a seção 44, o significado dos dois versículos “YHWH deu Sabedoria a Salomão”, e “eles viram que a Sabedoria de Elohim estava nele, para julgar”. A concepção da Torá como filha e noiva combina-se assim com a concepção gnóstica de Sophia, que possui as qualidades da última Sephirah e ajuda não apenas Salomão, mas todos os homens:
"Enquanto um homem faz o que é justo, esta Chokhmah de Elohim o auxilia e o aproxima (de Deus), mas se ele não fizer isso, ela o afasta (de Deus) e o pune."
Também para Yehudah ben Barzilai, no seu comentário no Yetzirah (p. 57), 1 Reis 3,28 e 5,26 referem-se à Sophia como o início de todas as criaturas que o rei guardava para os seus amigos e povo sem, no entanto, o simbolismo da filha e do casamento desempenhando qualquer papel.
(texto)
Este simbolismo particular é evidentemente o elemento que, derivado de fontes mais antigas e tradições gnósticas, foi adicionado ao material tradicional relativo a Chokhmah apresentado pelo nosso autor.
Em detalhes importantes, certas declarações gnósticas a respeito da "filha da luz" e da alma divina que está relacionada a ela concordam com passagens do Bahir que discutem em uma variedade de formulações o significado místico da Shekinah. Em breve teremos que analisar este simbolismo mais de perto. Aqui é importante notar que a identificação da Shekinah como uma hipóstase Divina, com a Sophia gnóstica, poderia fazer uso, como o mais importante tertium comparationis, da ideia de exílio no mundo inferior. Isto foi ainda mais fácil quando foi estabelecida uma distinção, como veremos, entre Deus e a Shekinah. “Em todo lugar”, diz o Talmud, “onde eles (Israel) foram exilados, a Shekinah está com eles” (Megillah 29a). Originalmente a passagem significava simplesmente que mesmo no exílio de Israel, a presença de Deus (a Shekinah) permanecia entre eles. Somente no decorrer de desenvolvimentos posteriores esta imagem poderia ser transformada na noção da Shekhinah como um dos aeons, ou seja, o aeon chamado de "filha", sendo exilado no mundo inferior. Mas então o motivo gnóstico, preservado de uma forma ou de outra nos círculos judaicos do Oriente, impôs-se com força redobrada. Assim como o último aeon do pleroma foi de interesse central para os gnósticos porque o mistério do cosmos e o mistério de nossa própria existência estavam entrelaçados nele, o Sepher Bahir e em seus passos os cabalistas espanhóis dirigiram sua atenção, para a décima Sephirah mais do que todas as outras. Neste poderoso símbolo, cuja compreensão é de central importância para o mundo religioso da Cabalá,73 diversas ideias e sequências de motivos encontram-se e unem-se numa concepção única que é, no entanto, rica em aspectos e nuances.
O texto mais surpreendente neste conjunto de motivos gnósticos é, sem dúvida, a seção 90. Lá lemos:
"O que significa (Is 6,3): ‘toda a terra está cheia da Sua Glória’? Essa é a 'terra' que foi criada no primeiro dia e corresponde nas esferas superiores à terra de Israel, cheia da Glória de Deus. E o que é isso (esta terra ou Glória)? A sua 'Sabedoria', da qual se diz (Pr 3,35): 'Os sábios obterão honra'. E diz também (Ez 3,12): 'Bendita seja a Glória de Deus desde o Seu (aqui lido pelo Bahir como "seu") lugar'. Mas o que é a Glória de Deus? Uma parábola. É como um rei que tinha em seus aposentos a rainha, que arrebatou todas as suas legiões; e eles tiveram filhos. Esses filhos vinham todos os dias ver o rei e elogiá-lo (literalmente, também: cumprimentá-lo). Disseram-lhe: Onde está a nossa mãe? Ele respondeu: Você não pode vê-la agora. Então eles disseram: Louvada (saudada) que ela seja, onde quer que ela esteja. E o que significa 'do seu lugar?' Daí resulta que não há ninguém que conheça o seu lugar! 74 Parábola da filha de um rei que veio de longe e ninguém sabia de onde ela vinha, até que viram que ela era capaz, bonita e excelente em tudo o que fazia. Então disseram: Na verdade, esta com certeza é tirada da forma de luz (outra versão: “vem com certeza do lado da luz”), pois através de seus feitos o mundo se torna luminoso. Eles perguntaram a ela: De onde você é? Ela disse: Da minha casa. Então eles disseram: Se é assim, as pessoas no seu lugar são ótimas. Que ela seja elogiada e celebrada em seu lugar!"
Esta passagem, onde a Sophia inferior, que chega aos “sábios”, é identificada com a “terra” do pleroma e da Glória, o Kabhod de Deus, mas também, ao mesmo tempo, com a filha do rei, uma verdadeira "donzela de longe", usa as imagens indisfarçáveis da gnose síria. A filha do rei ilumina o mundo onde ninguém sabe de onde ela vem; mas quem a percebe deduz da sua pessoa a grandeza do lugar de luz onde ela tem a sua origem. Ela corresponde de uma maneira surpreendente à "filha da luz" no hino nupcial gnóstico nos Atos de Tomé e em textos gnósticos similares bem conhecidos, cujo significado exato tem sido objeto de muita discussão entre os estudiosos modernos.75 A Sofia inferior, o redentor gnóstico e a alma estão entre as interpretaç��es propostas. O pesquisador que investiga as origens do simbolismo cabalístico tem muito a aprender com esta incerteza por parte dos estudiosos modernos no que diz respeito ao significado dos símbolos que ocorrem nos hinos gnósticos. O significado original destes símbolos importa menos para o nosso propósito imediato do que a ilustração fornecida pelas diferentes interpretações de como o simbolismo das fontes antigas pode se tornar o objeto – entre os cabalistas mais antigos ou seus predecessores, como também entre os estudiosos modernos – de transformações e transformações correspondentes. metamorfoses de sentido. Os cabalistas, é claro, não tiveram acesso ao vasto material comparativo que agora, desde a descoberta das fontes maniqueístas originais, torna as explicações dos estudiosos anteriores tão duvidosas ou as faz parecer desatualizadas. Por outro lado, é extremamente instrutivo constatar que um estudioso tão arguto e sagaz como Ferdinand Christian Baur, que certamente tinha à sua disposição fragmentos mais extensos do que aqueles, por exemplo, que percorreram caminhos tortuosos até os redatores do Bahir, no entanto, caracterizou a "filha da luz" maniqueísta neste hino com exatamente as mesmas figuras de linguagem empregadas pelos cabalistas quando descreveram o papel no mundo da Shekinah e filha do rei:
"Ela me parece em geral ser a supervisora e a regente do mundo criado e do mundo visível e representá-lo, em suas múltiplas relações, em si mesma."76
A atitude dos cabalistas mais antigos em relação aos fragmentos gnósticos que chegaram até eles foi provavelmente apenas uma dessas tentativas de interpretação, a única diferença sendo que suas interpretações permaneceram dentro da estrutura conceitual judaica. A filha do rei está escondida, mas também é visível, dependendo da fase de sua aparição. Portanto, não é surpreendente que a estes dois aspectos do seu ser, aqui enfatizados nas duas parábolas, corresponda numa outra passagem um simbolismo lunar que no devido tempo adquiriu grande importância na Cabalá. A lua alterna entre fases visíveis e invisíveis. Assim, em imagens muito diferentes, esta Sophia inferior é por vezes a rainha (Matronitha) que permanece invisível, mas é procurada por todos os filhos do rei; e às vezes ela é filha do próprio rei, tendo fixado residência no mundo, concebido como um mundo de trevas, embora tenha sua origem na “forma da luz”.77 Nada é dito sobre as circunstâncias em que esta filha da luz veio ao mundo. Será a sua residência no mundo um exílio para ela, como sugerido pelo simbolismo gnóstico, bem como pelas interpretações que a vêem como a Glória de Deus ou a Shekinah? Isto não é afirmado aqui, embora outras parábolas (como as seções 45, 51, 74 e 104) pareçam aludir a isso. Em qualquer caso, é importante para a concepção judaica do Bahir que o destino da filha seja governar e reinar no mundo inferior, e assim indicar o lugar onde ela realmente pertence no reino dos aeons. Aqui está como a seção 97, tomando em sentido literal as palavras leqah tob, entende Provérbios 4,2: "Pois eu te dei o que é tirado do bem." Mas esta filha é também “o reflexo que foi tirado da luz primordial” (secção 98), tal como no início do hino nupcial da Sofia, onde se diz que “o reflexo do rei está nela”. Além disso, paralelamente à mesma passagem do Bahir, que diz que os trinta e dois caminhos de sabedoria do início do Livro da Criação estão unidos nesta Middah, também temos no hino grego o louvor ainda inexplicável dirigido pelo trinta e dois para a filha da luz.
A concordância entre estes três motivos dá-nos motivos para reflexão. É evidente que o material gnóstico foi radicalmente judaizado. Aquilo que “foi tirado do bem” já não é retirado do que está acima para ser enviado ao mundo para realizar a sua redenção; doravante, é a luz da Torá e a ação da Shekhinah que formam o “coração” do mundo inferior. No entanto, a judaização destes conceitos não pode obscurecer a ligação muito tangível com as imagens e símbolos gnósticos. A nossa investigação obriga-nos, portanto, a admitir a suposição de que fontes orientais originárias do mundo do gnosticismo influenciaram a elaboração do simbolismo do Livro Bahir ou que os próprios fragmentos relativos à Shekinah naquela obra pertencem a tal estrato de fontes.
(68-97)
As Três Primeiras Sephiroth
O esquema das Sephiroth ainda está em evolução, pelo menos no que diz respeito a vários poderes e à sua posição no todo. É precisamente o seu estado inacabado que nos permite distinguir mais claramente certas etapas do desenvolvimento deste esquema, que seria apropriado pela Cabalá, e discernir os motivos muito variados que levaram à sua formação.
Embora as dez Sephiroth sejam frequentemente mencionadas como uma unidade, particularmente nas parábolas, já se pode, no entanto, reconhecer claramente em muitos lugares uma divisão fundamental em dois grupos que se tornaria canónica na Cabalá. Esta divisão em três Sephiroth superiores e sete inferiores remonta a Pirqe d'Rabi Eliezer, um Midrash tardio que também contém material muito mais antigo. No capítulo 3 lemos:
"Alguns dizem: Por meio de dez ditos, ma'amaroth, o mundo foi criado, e eles foram unidos em três (atributos)."
Esses três Middot supremos, deduzidos de Provérbios 3,19-20, são Sabedoria, Entendimento e Conhecimento, que são mencionados juntos em vários versículos da Bíblia.
"Eu o enchi do Espírito Divino para lhe dar Sabedoria, Inteligência e habilidade para toda a sorte de obras"
Ex 31,3
1Rs 7,14
"É com Sabedoria que se constrói a casa, pela Prudência ela se consolida. Pela Ciência enchem-se os celeiros de todo bem precioso e agradável."
Pr 24,3-4
No entanto, precisamente estes versos não são mencionados no Bahir; e de fato apenas uma vez, por assim dizer (seção 129), Daat, "conhecimento" ou gnose, aparece como o nome de um aeon. Em vez disso, encontramos nas seções 89 e 96, não como o terceiro, mas como o mais elevado de todos os logoi, uma imagem totalmente diferente: a da Coroa Suprema, "Kether Elyon". "Sabedoria" e "Compreensão" são nomeados na seção 32 como o segundo e terceiro grupos de logoi,(127) enquanto o mais elevado, o terceiro, que está acima dos outros dois, é designado como o maravilhoso e o impenetrável. "Qual é o terceiro? Sobre este assunto aquele velho (aqui a referência já é sem dúvida ao Profeta Elias [128]) disse àquela criança: aquilo que parece maravilhoso demais para você, não explore, e aquilo que está escondido de você , não cave em busca disso: busque o entendimento naquilo que lhe é permitido e não se meta em segredos." A antiga citação do Eclesiástico 3,21-22, usada pela especulação esotérica e também, muitas vezes, no Talmud, torna-se aqui uma palavra misteriosa que designa a categoria suprema, aquela que está situada ainda acima da "Sabedoria".
Nos escritos de Eleazar de Worms, o epíteto “Coroa Suprema” é claramente empregado diversas vezes como um dos nomes de Deus, mas não como sinônimo da primeira Sephirah.129 Na seção 96, entretanto, atinge um nível inconfundivelmente Divino, o que levanta a questão de até que ponto é acessível ao pensamento.
"Quais são os dez logoi? Primeiro: Kether Elyon, louvado e grandemente glorificado seja o seu nome e o seu povo. E quem é o seu povo? Israel, como está escrito (Sl 100,3): 'Reconhecei que YHWH é Deus, Ele nos fez e não nós' - para reconhecer e conhecer Aquele entre todos os outros, que é Um em todos os Seus Nomes."
A ambiguidade desta frase é impressionante. A coroa suprema é, segundo o sentido da imagem, uma coroa do próprio rei, que através dela manifesta a sua realeza, embora permanecendo sempre oculta. A fórmula do louvor, embora na realidade destinada a Deus que carrega a coroa, é transferida para a própria coroa.(130) A fórmula prova que o autor desta tabela no Bahir tinha claramente em mente as Sephiroth do Livro da Criação em que a primeira Sephirah (1:9) é descrita como "o Espírito do Deus Vivo, Louvado e Glorificado seja o Nome dos eternamente vivos." Este elogio, que no Yetzirah se refere claramente ao Deus vivo e não à sua Sephirah, sofre uma ligeira alteração no Bahir e é transferido, pelo menos segundo a construção gramatical, para a própria Sephirah. Por outro lado, a expressão filosófica “o Um entre todos os uns”, que já caracterizamos como neoplatônica na página 67, indica o portador da coroa e não a própria coroa. No comentário de Yehudah ben Barzilai sobre o Yetzirah, também lemos que Deus “é um em todos os Seus Nomes”;(131) mas esta é sem dúvida uma figura de linguagem que também pode ser encontrada em outros escritos. Na verdade, a fonte desta expressão (como percebi apenas em 1970) pode ser encontrada na segunda grande oração (bakashah) de Saadia Gaon (ed. Davidson [1941], 64), onde o termo meyuhad recebe uma nuance especial. "Você, o Senhor, é Echad, meyuhad, be-khol shemothekha." O fato de Bahir citar uma oração de Saadia não é desprovido de significado. Em qualquer caso, parece que estes acréscimos especulativos pertencem à redação final na Provença. Na sua forma mais antiga, a tabela que figura na Raza Rabba foi editada num ambiente já saturado de fórmulas e conceitos de outra proveniência.
Dito isto, devemos colocar a questão da origem das outras designações da primeira Sephirah, tal como as encontramos (numa forma singularmente modificada) na tabela da secção 103, bem como em várias outras passagens nas secções 48, 53, 59, 60, 94 e 134. Ali é feita menção ao pensamento ou pensamento de Deus, mahshabah, como a esfera mais oculta, mas também como o centro do mais interno dos primeiros seis logoi. Não a Vontade Divina de Salomão ibn Gabirol e suas fontes neoplatônicas, das quais o Bahir ignora completamente, mas precisamente o pensamento ou a ideia primordial é o ponto mais íntimo que pode ser alcançado por toda meditação e toda compreensão de Deus.
Será que esta terminologia deriva de uma tradição gnóstica na qual, como de facto em vários sistemas, o “pensamento” (ennoia), é igualmente concebido como o aeon supremo do Pleroma?(132) Da mesma forma, na seção 134, o “pensamento” se opõe diretamente aos outros “poderes” nos quais Deus se manifesta. Ou devemos procurar a origem desta terminologia entre os neoplatonistas judeus, de quem só poderia ter sido emprestada e incorporada no Bahir no século XII? É sem dúvida importante saber isto para poder determinar o caráter das fontes orientais do Bahir. No entanto, não posso pretender responder a esta questão e devo deixá-la em aberto. Podemos, de qualquer forma, afirmar que, no uso de Abraham bar Hiyya, o neoplatonista judeu com quem já nos familiarizamos na seção 1 deste capítulo, como fonte do estrato provençal final do Bahir, o "Pensamento Puro", Mahshabah Tehorah designa esta ideia Divina Primordial que tudo precede e tudo abraça dentro de si. Nele existiam, em potência e ocultos, os dois “princípios mais elevados” ou “raízes supremas”, isto é, a matéria original e a forma original, até que a Vontade Divina os combinou.(133) Esta mahshabah pura também é elevada ao posto mais alto no Bahir, ainda mais alto do que a Sophia de Deus.
Todas essas passagens enfatizam uma única qualidade desse “pensamento”, que, conforme concebido pelo Bahir, conecta o pensamento humano e o Divino. Essa qualidade é a sua ilimitação. Os dois tipos de mahshabah são colocados paralelamente um ao outro, sem que se diga claramente se um leva ao outro, como foi o caso, por exemplo, na Cabalá das gerações que seguiram o Bahir. Mas como é somente assim que o paralelismo adquire todo o seu significado, podemos, talvez, supor que também aqui o pensamento puro do homem, desapegado de qualquer conteúdo concreto e meditando sobre nenhum objeto definido além de si mesmo, é conduzido ao longo de um caminho de pura meditação ao pensamento Divino e entra em comunhão com ele. Se interpretei corretamente as alusões na seção 60, estamos testemunhando aqui o início incompleto de um método de meditação mística que não tem mais qualquer necessidade do aparato da doutrina dos aeons, mas se dirige diretamente para seu objetivo místico. Se, no entanto, a especulação sobre os aeons está associada a ele – como é o caso da forma judaica que assume na redação final do Bahir – não é porque necessariamente teve que seguir esse caminho; é por razões históricas: estas outras ideias já eram familiares para aqueles que desenvolveram o misticismo do mahshabah. Para compreender esta Cabalá tão antiga, é necessário analisar os textos relevantes mais importantes.
Uma certa transição do Mahshabah humano para o Divino pode ser assumida em uma passagem sobre a oração, que diz que aquele que ora - neste caso o Profeta Habacuque em seu salmo - atinge um "lugar" místico de onde entende o mahshabah de Deus. Este mahshabah é representado em três símbolos importantes: a consoante Aleph, o início de toda linguagem e expressão, bem como a "raiz dos dez mandamentos" (que começam com um Aleph); a orelha de um homem, Ozen, que é uma imagem do Aleph, por meio da qual o homem percebe a palavra de Deus; o Templo do Santuário. Este último simbolismo é particularmente impressionante, pois embora na maioria das passagens onde aparece ele se refira claramente à potência mais elevada de Deus, é designado na seção 103 como o sétimo logos, o Templo Sagrado que abriga todos os outros, sendo esses outros aparentemente os seis anteriores. "E o que é ele (este logos)? O pensamento, que não tem fim nem conclusão (takhlith). Da mesma forma, este lugar não tem fim nem conclusão." No entanto, na seção 48 é dito:
“O ouvido é a imagem do Aleph e o Aleph é o início de todas as letras; e mais do que isso, o Aleph é a condição necessária para a existência de todas as letras, e o Aleph é uma imagem do cérebro (o sede do pensamento): assim como quando se pronuncia o Aleph abre-se apenas a boca (e não se produz nenhum som audível, o que já seria algo definido), assim o pensamento fica sem fim e sem conclusão."
Até mesmo o Tetragrama, como Miquéias 2:13 é interpretado aqui, "está contido em seu início (isto é, no início de todas as coisas ou de todas as letras)", sendo esse início o próprio Mahshabah.
O próprio Nome de YHVH obtém sua Santidade, como é dito ali mais tarde, no Templo do Santuário, que tem seu lugar “no Mahshabah, e este (o Templo) é o Aleph”.(134)
O Templo na Jerusalém celestial, o símbolo cosmológico que o autor do Bahir, como vimos, tomou emprestado do Livro da Criação e do "Grande Mistério", torna-se aqui um símbolo místico. O pensamento Divino Infinito, que tudo precede e tudo inclui, é o “Templo” místico onde todos os seres espirituais têm o seu lugar. Nos “arrebatamentos” ou “êxtases” de sua oração, Habacuque chegou a um determinado lugar, de onde compreendeu o mahshabah de Deus e o shema de Deus. O shemá neste contexto é equivalente à esfera mais elevada da audição, designada pelo ouvido, ou aquilo que Deus é ouvido dizer, o "rumor" de Deus. Quem entende isso ficará cheio de temor de Deus, e é por isso que Habacuque disse em sua oração (3,2): "Ó Senhor! Aprendi sobre a tua fama; estou impressionado." Visto que o verbo Shema em hebraico significa não apenas “ouvir”, mas também “pensar, compreender”, a ligação entre as esferas do pensamento e da audição estabelecida no Bahir não é de todo surpreendente. Este pensamento, como a potência mais elevada e oculta, é evocado pela parábola (seção 48) “de um rei aposentado, maravilhoso e escondido, que entrou em sua casa e ordenou que ninguém perguntasse por ele. Assim, quem pedir (ele) terá medo de que o rei descubra que ele transgrediu a sua ordem." Os epítetos usados aqui para o rei são idênticos aos empregados na seção 32 para o logos mais elevado, a respeito do qual é proibido fazer perguntas. Na seção 59, o pensamento do qual “os olhos e os ouvidos se extraem” é designado como “o rei de quem toda a criação necessita”.
O simbolismo do Templo para o mais profundo pensamento Divino pode muito bem ser entendido por analogia com o simbolismo muito semelhante do "Templo" com o qual, como acontece com tantas outras metáforas, Mestre Eckhart, cerca de 150 anos depois, descreveu o domínio mais elevado da alma, seu “conhecimento racional”. A Vernünftlichkeit da alma, como Eckhart chamou a razão em seu estado mais elevado, é o seu pensamento puro, no qual toca o intelligere de Deus, sim, é ela mesma esta razão de Deus.
"Onde está Deus senão em Seu Templo, onde Ele se revela em Sua Santidade? A razão é o "Templo de Deus". Em nenhum lugar Deus reside mais verdadeiramente do que em Seu templo, a razão, como disse aquele outro mestre (Aristóteles): Deus é uma razão que vive no conhecimento de si mesma… pois só existe Ele em Seu repouso."(135)
O simbolismo é o mesmo, embora no Bahir o ponto de partida seja diferente daquele de Mestre Eckhart, que, por sua vez, parte do conceito de Deus de Aristóteles, conceito do qual não há vestígios no Bahir.
Isto pode ser visto claramente na secção 60, uma passagem importante que prova que o seu autor tinha uma noção clara das diferenças entre a visão da Merkabah dos antigos místicos e o novo reino que, no seu misticismo, se abria para além dele.
"Por que empregamos (em hebraico) a expressão 'surgiu no pensamento' (no sentido de: veio à mente), e não dizemos: 'desce', enquanto dizemos (no "Grande Hekhaloth "): quem mergulha na visão do Merkabah desce e (só) depois sobe? Aí (está escrito “descer”), porque dizemos: quem mergulha na visão do Merkabah… mas aqui, no Mahshabah, o pensamento, não há mais visão nem fim. E tudo o que não tem fim nem conclusão não sofre descida, como dizem (de fato): alguém desceu (isto é, penetrou) até o fim da opinião de seu companheiro; mas não: até o fim de seu pensamento."
O Mahshabah é, portanto, objeto de uma visão e de uma imersão contemplativa, histakluth; na verdade, é o último e mais profundo objeto de toda essa contemplação. A visão encontra o seu limite no objeto contemplado. Pode-se dizer, portanto, que esses velhos místicos “descem em direção à Merkabah”.
O pensamento, porém, não é mais objeto de nenhuma visão ou contemplação, mas está relacionado a um domínio diferente. Já não leva a um objeto determinado por ele. Não tem fim nem conclusão, e é suficiente em si mesmo, pois “o homem pensa e assim chega ao fim do mundo”.136 Um pensamento que se relaciona com esta ou aquela coisa ou com esta ou aquela opinião conforme o seu conteúdo específico pode ser esgotado, e pode-se avançar até o seu fim. O mesmo não acontece com o pensamento puro, que não tem outro objeto além de si mesmo e que não é determinado por nada fora de si. É precisamente por isso que, como sempre é enfatizado, o Infinito é a propriedade principal do Mahshabah. Por outro lado, nosso livro ainda nada conhece de uma expressão Ayn-Soph no sentido terminológico de “Infinito”, designando aquela realidade oculta do Senhor de todos os logoi, de Deus que se esconde nas profundezas de sua própria essencialidade. Certamente, o composto Ayn-Soph aparece em forma adverbial na seção 48: “o pensamento com o qual se pode pensar até o infinito e o infinito” (le-'en sof we-takhlith), mas não há o menor insinue aqui o "infinito" como um substantivo, a respeito de qual ou de qual se pensa.(137)
Entre este mahshabah supremo e os poderes e potências de Deus nos quais ele "se estende" (que pode ou não ser uma expressão técnica para emanação),(138) existe uma relação que, de acordo com a seção 134, foi objeto do pedido de Moisés (Êx 33,18): “Deixa-me contemplar a tua presença”.
"Moisés disse: Conheço os caminhos dos poderes, mas não sei como o Mahshabah se estende neles. Eu sei que a verdade (outro aeon, que de acordo com a seção 94 “age através do Mahshabah”) está no Mahshabah. Mas eu não conheço as suas partes (as partes da verdade) e gostaria de conhecê-las, mas ele não foi autorizado a saber."
Esta ignorância indica um estado mais antigo de especulação cabalística que, no século XIII, acreditava saber muito bem o que o próprio Moisés, de acordo com o nosso texto, ainda não sabia. Até atribuiu esse conhecimento a Moisés.(140)
Nas seções 13, 18, 32 e 95, a segunda e a terceira Sephiroth são concebidas como formando uma unidade com a primeira, que é simbolizada pelo Aleph. De acordo com a seção 13, o lugar místico do Aleph precedeu até mesmo a origem da Torá, que, portanto, só começa com o Beit (a primeira letra da primeira palavra do Pentateuco, Bereshit). Certas designações empregadas no meio do misticismo Merkabah para a segunda e terceira Sephiroth estão faltando na tabela de logoi, seção 96, bem como em outras partes do livro, o que para mim não parece acidental. Os conceitos pelos quais são conhecidos em toda a Cabala, Chokhmah e Binah, já são encontrados aqui: Chokhmah em numerosas passagens, binah apenas nas seções 32 e 74.
Que a segunda Sephirah seja designada como o “princípio” pode certamente ser entendido com base em Provérbios 8,22, onde a Sabedoria diz: “O Senhor me criou no início de Seu curso”.
Mas este facto tem uma implicação adicional, que não poderia estar longe das mentes dos autores do Bahir. A primeira Sephirah ainda não é um “começo”, propriamente dito. Ainda está completamente oculto e talvez até sem começo, incriado e inseparável do próprio Deus, cuja Coroa Suprema representa. Isto nunca é expresso explicitamente, mas a consistência com que a imagem da fonte é aplicada à Sabedoria nas passagens (seções 3, 4, 15, 82, 85, 121) aponta nesta direção.
Na seção 4, como vimos em análise anterior, o próprio Pleroma começa apenas com a mística Beit, que não é apenas a bênção de Deus, mas também a piscina da qual tudo bebe, e especialmente o jardim que contém o mundo dos logoi ou o último deles. É difícil dizer até onde podemos levar as metáforas místicas encontradas em muitas passagens neste contexto. Assim, a imagem pode ser entendida como dizendo que a fonte jorra da rocha forte, isto é, da pedra primordial da primeira Sephirah, que o rei havia quebrado. Em todo caso, toda ação que ocorre dentro do pleroma, tanto nas parábolas como nas declarações exegéticas mais diretas, sempre começa neste lugar. A própria árvore cósmica, como vimos, é regada a partir daqui (seções 15 e 85, enquanto a seção 15, como vimos nas páginas 71-2, é uma reinterpretação do mito mais antigo da árvore cósmica na seção 14). Esta Sophia é naturalmente também a Torá primordial, que corresponde à equação agádica dos dois conceitos, mas também à identificação agádica da fonte de água, água doce e água em geral com a Torá.(141) Com um pouco de coragem, um intérprete poderia também visualizar a árvore cósmica, da qual se originam as almas, como a própria Torá, (como acontece, por exemplo, nas seções 8 e 15). A Seção 8 é interessante porque ali a Torá é o começo oculto do mundo. O Midrash(142) já havia interpretado a ordem das palavras em Gênesis 1,1 como se significassem: "somente depois que ele criou aquilo que seu mundo precisava (sorkhe 'olamo - a Torá, que também é chamada de "princípio") Ele mencionou (como a terceira palavra do versículo) Seu Nome (Elohim)." Da mesma forma, é dito no Bahir: “No princípio Ele criou, e o que Ele criou? Aquilo que todos precisavam, sorkhe ha-kol, e só então é dito: Elohim”. Aquilo que o “tudo” exige está na imagem mais mítica da seção 14, a Árvore Cósmica; na reinterpretação agádica mais inócua das seções 8 e 15, é a Torá, que também é a Sophia de Deus. Depois de ter “escavado” esta fonte, como na seção 4, ele planta a árvore cósmica dos mundos, cuja raiz, a terceira Sephirah, é regada a partir daí. Esta deve ser a exegese harmonizadora que os redatores do Bahir tinham em mente quando justapuseram estes textos originalmente tão diferentes.(143)
A julgar pelo contexto das passagens em questão, este terceiro logos deve ser a “raiz da árvore” referida nas seções 54, 84 e 118. O mesmo parece valer para a seção 18, embora a última passagem careça de enumeração. A esta “raiz da árvore” corresponde a seção 74, que fala inequivocamente de Binah, o símbolo da “mãe do mundo”. Com isso, a Cabala mais antiga retomou uma imagem com carga mítica, para a qual poderia até fornecer justificativa referindo-se à exegese talmúdica (Berakhoth 57a) de Provérbios 2,3, que lia o verso (com uma vocalização homilética diferente de o Massorético): "Você chamará a compreensão (Binah) de mãe."(144)
Deuteronômio 22,7 está igualmente associado a esta mãe mística e seus sete filhos que, embora aqui designados como os sete dias do festival de Sukkoth, correspondem sem dúvida neste contexto ao grupo dos sete logoi inferiores, os "dias primordiais" da Criação (seção 92). As sete Sephiroth inferiores são os filhos da mãe do mundo. É interessante notar que este simbolismo, cuja imagística lhe confere um carácter distintamente gnóstico, surge num contexto de misticismo haláchico, nomeadamente, numa interpretação do preceito bíblico relativo ao ninho de pássaro. Um simbolismo correspondente do pai para a Sophia, tal como foi consistentemente desenvolvido pelos cabalistas do século XIII, não é encontrado no Bahir, embora no final da mesma seção 74, numa obscura explicação mística do festival de Sucot, esta Sephirah é expressamente mencionada como o mistério da tenda de Sukkoth. Além disso, o simbolismo materno da binah parece estar subjacente à interpretação, na seção 13, do Gimel consonantal como a terceira Sephirah. É dela que extrai do alto, isto é, da fonte da Sophia, e assim recebe a emanação, que a “criança” obtém seu alimento benéfico: (daí a interpretação de Gênesis 21,8).
As afirmações da tabela de logoi, na seção 96, são de caráter diferente. Somente Sophia, “o início de seus caminhos”, é nomeada ali como o segundo logos, enquanto o terceiro logos recebe várias designações muito significativas.
"A terceira: a pedreira da Torá, o tesouro de Sophia (145)(Chokhmah); a pedreira do espírito, o Espírito de Deus. Isto ensina que Deus ali cinzelou todas as letras da Torá e as gravou no espírito e ali gerou as formas (outra versão: as suas formas, isto é, as de Deus) e disso é dito: (1Samuel 2,2 , utilizando a interpretação do versículo em Berakhoth 10a): 'Não há ninguém que tenha formas como o nosso Deus'."
Como explicar esses símbolos curiosos? Deveríamos assumir uma contradição entre esta passagem e aquelas em que a Torá é identificada com a Sophia, ou deveríamos procurar um acordo? A expressão “casa do tesouro de Sofia” sugere que tal acordo não é implausível, uma vez que é uma especificação do segundo logos, que é a própria Sophia. A Sophia já está alojada em uma casa do tesouro, onde seus tesouros estão disponíveis para uso ou governo do Cosmos. Esta é uma casa onde se recebe a Sabedoria, uma casa que Ela construiu à sua volta (cf. Provérbios 9,1: "Sofia edificou a sua casa"). A expressão “pedreira da Torá”, mahseb ha-Torá, provavelmente deveria ser entendida no mesmo sentido que “o corte da Torá”, o lugar onde esta operação ocorre, e não, como talvez alguém fosse tentado a explicar, como o local onde foi extraído da rocha. Assim como a Sophia tem um tesouro, também a Torá, uma essência primordial, tem o seu lugar onde é talhada, ou seja, onde é especificada com mais precisão. O que exatamente está cortado ali é explicado na sequência, que, no entanto, inclui duas afirmações contraditórias. São as consoantes da Torá que Deus “quebrou” ou “talhou” na rocha sólida da Torá Primordial. Isto poderia levar à ideia de que a Torá Primordial, que não é outra senão a própria Sabedoria, continha essas formas de maneira indiferenciada e em uma unidade indistinta. Esta ideia estaria em perfeita consonância com o que os primeiros cabalistas provençais expuseram posteriormente e em formulações mais claras, nas suas especulações sobre esta Sephirah. Mas, ao mesmo tempo, este logos também é designado como o Espírito de Deus, Ruach Elohim, e como o lugar onde este espírito é “esculpido”. No Sepher Yetzirah, o “Espírito de Deus” ainda era expressamente designado como a primeira Sephirah. A localização do pneuma é, portanto, conscientemente modificada nesta tabela. O Yetzirah ainda ignorava os dois primeiros logoi, e a "Sabedoria" da qual fala na imagem de seus trinta e dois caminhos, em manifesta conexão com as especulações dos círculos contemporâneos a respeito de Sophia, ainda não é um dos dez Sephiroth. Este desenvolvimento evidentemente ocorreu apenas em outro círculo. De acordo com o Sepher Yetzirah 1:10, é precisamente na segunda Sephirah, o ar, que emana do Pneuma de Deus, que Ele “gravou e talhou” as vinte e duas letras. As duas afirmações parecem, portanto, ter sido fundidas no Bahir e transferidas para a terceira Sephirah, que contém, em certo sentido, matéria e forma ao mesmo tempo. Mas neste caso não é matéria no sentido de hyle como o lugar do mal, tal como o Bahir o conhece para o Tohu; é uma “questão” do pneuma, a ser valorizado positivamente, em que Deus produz suas “formas”. Que assim se estabelece uma certa contradição entre o pneuma e a Torá primordial, que servem ao mesmo tempo como meio desta formação e “corte”, é inequívoco. O terceiro logos, poder-se-ia dizer, é sobredeterminado: o simbolismo da Sophia e de seu tesouro não está tanto unido, mas misturado com o do Pneuma de Deus, emprestado do Yetzirah, e com o das letras gravadas no ar que emana dele.
Enquanto os símbolos da Binah que discutimos derivam de especulações historicamente identificáveis, outros foram desenvolvidos sem quaisquer conexões deste tipo, mas simplesmente a partir da exegese mística de versículos bíblicos. Tal é o caso, por exemplo, da interpretação de Binah como “temor de Deus”, yir'ah, (seções 72 e 139), ou “justiça superior” (seções 98, 129, 139), ou de Habacuque 3, 4 como uma descrição desta Sephirah. Nas secções 98 e 131, esta potência é associada à luz primordial da criação, à bem-aventurança suprema e ao “bem oculto” – combinação que também resulta dos restantes símbolos que servem para designar a luz primordial. Ao mesmo tempo, é também a luz do mundo vindouro, expressão à qual a seção 106 dá o significado de uma presença eterna desta luz primordial oculta:
"O que significa falarmos todos os dias do “mundo vindouro” (olam ha-ba) e não sabermos o que estamos dizendo? O Targum traduz o 'mundo vindouro' por 'mundo que vem' (no presente). O que isso significa? Isso ensina que antes da criação do mundo, um plano foi formado (literalmente: surgiu no Mahshabah) para criar uma grande luz para iluminação. Então foi criada uma grande luz que nenhuma criatura seria capaz de suportar. Deus previu que ninguém seria capaz de suportar isso; então tomou a sétima parte e deu-lha em seu lugar. Quanto ao resto, ele escondeu para o mundo vindouro. Ele disse: Se eles se mostrarem dignos deste sétimo e guardá-lo, eu lhes darei o resto no outro mundo, que significa 'o mundo que vem' - que já vem desde os seis dias da criação."
Esta interpretação mística do “mundo vindouro” como um símbolo da terceira Sephirah desempenha um grande papel no desenvolvimento subsequente da Cabala, que neste ponto sempre invoca o Bahir. O aeon de onde tudo vem, como de sua mãe, é também o aeon para o qual tudo retornará. A concessão ao mundo de precisamente uma sétima parte da luz primordial deriva da exegese de Isaías 30,26, que profetizou que “a luz do sol se tornará sétupla, como a luz dos sete dias”, isto é, como a luz primordial da Criação (seções 37, 39). Ao mesmo tempo, também pode estar implícita uma referência à sétima Sephirah, que tem sua origem nesta luz primordial da Binah distribuída e difundida ao longo dos sete dias primordiais da criação. Esta sétima parte é, portanto, a última das dez potências de Deus. É a luz que brilha na “Torá Oral”, isto é, na halakhá aplicável à vida, à qual Israel deve provar ser fiel. Se assim for, então o “reflexo recebido da luz primordial será um dia como a própria luz” (seção 98). Embora a luz retirada da luz primordial seja aqui chamada de "Torá Oral", ela é designada na seção 116 como a Shekhinah inferior. Esta comparação tertium estabelece a relação que posteriormente ligou estes dois símbolos – a Shekinah e a Torá Oral – na Cabalá.
Section 34 seems to present a continuation of the initial, especially the first three, Sephiroth. It has the appearance, like many other passages in this part, of older cosmogonie fragments that underwent a revision in a symbolic direction. The "beginning," the pneuma or "degree whence the souls come," "the stream of God," silver and gold seem to be enumerated here one after the other. The transition from cosmogonie to mystical exegesis is evident. The idea that God drew from the primordial waters of Creation in order to place one half in the firmament and the other half in the ocean is typical early Aggadah.(146) But here this "water" in the "stream of God" of Psalms 65,10 has already become something else: a pneumatic force "through which man arrives at the study of the Torah, as the Lord instructed (a quotation unknown to me that is ascribed here to Rabbi Berahya) —through the merit of good deeds a man arrives at the study of the Torah." Here we have two motifs that prima facie contradict each other. On the one hand, the water is that of the Torah; on the other, it is that of the good deeds; and the two exegeses are simply juxtaposed.
More probably this text does not relate to the first Sephirah at all but to the second through the fourth Sephiroth. In this case the waters would agree perfectly well with other passages concerning the symbolism of the fourth Sephirah. The place whence the souls issue would then in fact be the Binah as in the directly preceding section 32. In the second paragraph after section 34, in section 36, this symbolism no longer refers to binah but to the last Sephirah; however, this passage on the "daughter" is of a purely gnostic character and evidently originates in another source. The two paragraphs belong to different strata and are only linked to each other through an association of ideas, by means of the exegesis of the word "gold."
6. The Six Lower Sefiroth: The Limbs of the Primordial Man and Their Symbolism—The Place of Evil
The next seven logoi, with which the Bahir is chiefly concerned, are very emphatically treated as constituting a separate whole. Indeed, all ten "kings" (sections 19, 32) form a unity, just as the Ten Commandments were all "uttered in one word" 147 at the time of the Revelation; but below the three supreme "words" in the hierarchy of the pleroma are seven other words identical with the seven voices with which the Torah was given and with the seven voices mentioned in Psalm 29 (sections 29, 32; the details are somewhat obscure). They are also the seven days of the week and, more specifically, of Creation, each possessing its own potency or power with which it "accomplishes the effect that is within its power" (sections 54, 55, 105, where the terms "logos" and "potency" are alternately used as synonyms for these aeons). Other similes speak of the seven sons to whom the king assigned their places according to an hierarchical order, but each of whom, even the last, wishes to be equally close to him (section 116), or of the seven "gardens" of the king. It is from these seven "primordial days" that the patriarchs received the potencies associated with them and characterizing them, and which they filled with power and manifested in this world through their personal conduct (sections 92, 131, 132). They are also the "seven" for which the Psalmist daily praises God, according to the interpretation given here (sections 41, 45) to Psalms 119,164. But above all, they are the seven "holy forms" of God in accordance with which God created man in his image. The book speaks of "holy forms" in various contexts. In section 67, the archons of the peoples bear this designation. In section 77 we are told of seventy-two such holy forms, which are evidently related to the seventy-two Names of God and the seventy-two forms in the cosmic tree in section 64. Another enumeration of forms of this kind seems to be presupposed in sec-tion 67 (and in its continuation in section 69), which speaks of the forms that guard the thirty-two paths of the Sophia but also "the way to the Tree of Life." Whether these are the angelic powers or the préexistent forms of the hokhmah remains unclear. At first, it is said in section 69, a potency preexisted of the forms that are correlated with the mystical Garden of Eden (whose position is not specified) or that perhaps are inherent in it. Only then did the "holy forms" themselves receive existence. In this case the forms may be identical with those that, according to section 78, are brought together through the mystical power of sacrifice and become "one tree."
In connection with these seven forms, mention is always made —most clearly in section 116, but also, unmistakably, in sections 55 and 115—of the seven limbs that principally constitute man. Here the limbs of the terrestrial man undoubtedly correspond to those of the primordial man, which are these "holy forms." The concept of an Adam Kadmon or Makroanthropos (in the language of Philo), which contains in its totality the kabbalistic pleroma of all the aeons and potencies, is not yet clearly expressed in the Bahir; but the basic idea is certainly present. For even the three supreme logoi can, as we have seen, be characterized if not as anatomical limbs of the Primordial Man, then at least as the highest intellectual powers, Thought, Wisdom, and Understanding, that act in him. Thus a relation is without doubt established between the old Shi'ur Qomah speculations and their early kabbalistic reinterpretation in the Bahir, even though this is not clearly expressed in our fragmentary text. All later kabbalists correctly understood the statements of the Bahir concerning the sefiroth or the forms of God as a mystical interpretation of the old ideas. There, indeed, the limbs of primordial man were described as Ezekiel 1,26 saw him on the throne of the Merkabah, or as the Song of Songs portrayed him in the description of the beloved. At that stage, of course, no relationship existed as yet between this idea and the sefiroth of the Book of Creation or the logoi by means of which the world was created. To the redactors of the Bahir, however, such a connection must already have been self-evident. Already in the old Shi'ur Qomah itself, that which appeared upon the Throne was not God Himself but His Glory, which there is also named "the body of the Shekhinah," guf ha-Shekhinah—that is, the representation of the Divine Presence with corporeal symbols—as the ecstatic visionary became conscious of them before the Throne of God.
Corresponding to all we find in the terrestrial world, there exist in heaven archetypes, demuyoth, or powers, from which they draw sustenance. The number of these powers is limited to that of the sefiroth or logoi, while that of the archetypes does not appear to be fixed. Nevertheless, one cannot fail to recognize that there is a certain wavering here. The powers that correspond to the seven limbs of man (sections 55, 116) are, with slight variations, firmly circumscribed. But God possesses not only these seven forms; He also has "seventy figures," qomoth, which are probably archetypes of the kind mentioned in section 107 in an interpretation of the sev-enty palms that, according to Exodus 15,27, Israel found at Elim.
They were "favored" there with the archetypes of these palms, which probably means that they attained a spiritual rank that per-mitted them to grasp these figures. It is in identification of these mystical figures with the palms of Song of Songs 7,8—"Your stately form is like the palm"—that the Bahir (section 112) comes closest to the terminology of the Shi'ur Qomah. Perhaps we should also see a relationship between these figures and the seventy names of God mentioned in many midrashim.148 These figures themselves already draw upon the "twelve sources of water" mentioned in the same verse of Exodus, but are also (sections 111 and 112) coordinated with the "twelve simple consonants" of the theory of language expounded in the Book of Creation.
There are no precise indications regarding the place of these figures and sources within the Bahir's schema of aeons. Nevertheless, it is natural to suppose that all of them are merely different manifestations of the last sefirah. The beginning of the verse— "They came to Elim" ('elimah—is explained in section 111 by a mystical play on words: 'elimah is the same as 'eli mah, which means either "to the what" or "my God is [the] what." In this sphere of "what" they found the twelve sources of water, which are probably the same as the twelve "sources of wisdom" mentioned together with twelve magical names and in relation with another symbol of the last Sephirah at the end of section 81. In fact, this mystical "what" would remain a major kabbalistic symbol of the lower Sophia, of the supreme object that is still within man's grasp, a "what" of his investigation or his contemplation. This symbolism, which was later to become very popular, does not reappear in the Bahir.
These seven powers or Sephiroth are now represented by a combination or juxtaposition of anthropological, cosmological, and moral symbolism borrowed from the Merkabah. This union of elements is characteristic of the kabbalistic gnosis of the Bahir and is one of the most important legacies it left to the following generations of kabbalists. The combination of at least the first three of these elements is frequently found in ancient gnosis as well, and may already have had its roots in the oldest sources that form the basis of the Bahir.
It is evident that such a combination could result from an association of the cosmological symbolism of the Book Yetzirah with the speculations of the Merkabah and the Shi'ur Qomah. The gnostic passages in the Pseudo-Clementines, whose relation with Jewish ideas is still visible, exhibit the same combination of moral and cosmological symbolism.
In section 55, the six directions of space and their center, the holy temple, are correlated with the seven limbs of the terrestrial or celestial man.
"What are the seven of which it is said (Gn 1,27): 'He said to him: we count as one (the place of) the circumcision and the wife of man; his two hands—three; and his torso—five; his two legs—seven, and to them correspond their powers in Heaven'."
Section 114 has a variant enumeration: the place of the circumcision and man's wife are counted separately, which makes eight limbs, 149 reduced to seven, not through the mutual relationship between the masculine and the feminine (as in section 55) but by the observation that fundamentally, the torso and the place of the circumcision are one. Different again is the enumeration in section 116: the legs, the hands, the torso with the place of generation (as one) and the head, to which woman is added as the seventh element, since according to Genesis 2,24 she forms "one flesh" with man and she herself issued from one of his limbs. Evidently the concept of the limbs underwent an important extension, one that is manifestly connected with the idea of syzygies in the Bahir. The two ways of writing the consonants nun and mem refer, as is explained in the continuation of section 55 in sections 56-58, to the conjunction of the masculine and feminine. Even redemption is related to this conjunction, in an obscure passage interpreting the name of the Messiah, Yinnon. Psalms 72,17: "His name springs up before the sun" is interpreted in Sanhédrin 98b in the following manner: Before the sun (before the creation of the world), his (the Messiah's) Name is Yinnon. This name contains the two nuns, and the Bahir, section 58, adds: "This must happen through the masculine and the feminine," which no doubt relates less to the formation of the name of the Messiah through the union of the two principles than to redemption itself.
This is Jewish gnosis, in pronounced contrast to antinomian and encratist tendencies. A well-known apocryphal remark of Jesus related by the gnostic Gospels speaks similarly of a triumph over the masculine and the feminine in the redemption that reestablishes their original unity,(150) but says nothing of redemption itself resulting from the union of the masculine and feminine. The conjunction of the two principles is certainly not the same as overcoming them in the reestablishment of an original androgynous state.
This syzygy of the masculine and feminine is a precondition of the existence of all the worlds. In conformity with the archetype of the feminine of which Song of Songs 6,10 says: "Who is she that shines through like the dawn, . . .?" Section 117 states that "the woman was taken from man, for it would be impossible for the upper and lower worlds to exist without the feminine." The two verbs zakhor and shamor, occurring in the two versions of the Decalogue respectively, at the opening of the commandment enjoining the sanctification of the Sabbath 151 —literally "mention" or remember, that is, actively, and "keep," that is, passively—are related in section 124 to the masculine and the feminine as principles of the Celestial or Divine World. The double meaning of zakhor—which in Hebrew can signify "remember" as well as "masculine"—naturally plays a role in the author's association of ideas. Section 36, to which I shall return in the discussion of the symbolism of the last sefirah, is similarly based upon the idea of a syzygy of the masculine and feminine through the medium of Wisdom or the Torah.
In the table of the ten logoi, this anthropological symbolism appears only in a variation of an account of the eighth logos (section 114). It does not seem to have been in the source—that is, in the corresponding table in the Raza Rabba—and must, therefore, have come from other Jewish-gnostic sources. In the original table, the symbolism of the Merkabah evidently played a decisive role as regards the fourth of the tenth aeons. We saw this in our analyses of the "Great Mystery" in the section before last, and the text of the Bahir, sections 96, 102, 105, 115, in its present shape also preserves this relationship quite distinctly. On this point, the Bahir differs radically from the later symbolism of these sefiroth, which deliberately ignores any possible identification of the sefiroth and the objects of the Merkabah and considers the latter, at best, as symbols to be distinguished from the real Merkabah that is situated beneath the world of the Sephiroth. Besides the objects of the Merkabah, the Bahir enumerates other symbols of the kind mentioned above, which seem to derive from other series of images in the following sequence:
4 and 5. God's right and left, from whose powers the hayyoth and serafim issue, which "stand at the left." They are described in a long sentence whose solemn style manifestly indicates that it is taken from a Merkabah text.
6. the Throne of Glory.
7. the Heaven of the Araboth. In Merkabah Gnosticism this is always the highest of the Seven Heavens.
8. The original correspondence to the Merkabah is apparently missing here; in its place, the passage introduces the "righteous" as an aeon, but the continuation, to judge from its formula-like style, suggests that it originated in a source that described some element of the world of the divine throne that was subsequently replaced by the mystical symbol of the "righteous." Cf. following.
9 and 10. the wheels of the Merkabah, Ophanim.
To these should be added, as has been pointed out before, sym-bols of a completely different character, some appearing in the afore-mentioned table and an even larger number in many other places in the Bahir. The symbolic associations for logoi 4-6 are relatively consistent, while with regard to the last Sephiroth, the contradictions are so striking that they can be satisfactorily explained only by assuming a juxtaposition of fragments from different sources. Places 4-6 are occupied above all by the following groups of three:
The Middoth, qualities or attributes, of Grace, Stern Judgment, Chesed and Din or Pechad (designated in part, as strength, Geburah), among which Truth, Emeth, has the function of maintaining an equilibrium (sections 24, 77, 92, 94, 129, 131).
Left, Right, Middle (sections 35, 77, 96, 102).
Water, fire, the union of the two elements in "Heaven" in conformity with the Talmudic cosmology, and the etymology, in the Talmud, of the word shamayim as a composite of esh and mayim (sections 9, 29, 30, 40, 68, 96, 102).
The three Patriarchs: Abraham, representing Love or Grace, Chesed; Isaac, representing Stern Judgment or Fear, Pechad; Jacob, representing Truth and Peace (sections 92, 94, 131, 132, which is related to the symbolism of "Truth and Peace" in section 50).
To this same series belong the "primordial images" of wine and milk in section 93, as well as the symbolism of silver and gold in sections 34 and 38, which correspond to the right and left of God— to His Grace and Stern Judgment. This symbolism, which in large measure makes use of aggadic motifs, and adds to them a gnostic character, no longer has any connection with the ideas of the Book Yesirah concerning the Sephiroth. The talmudic Aggadah knows above all two principal qualities or Middoth of God: Chesed and Din, Love and Stern Judgment. Middath ha-hesed and middath ha-rahamim are synonymous, and there is no distinction between them. God's "love" and His "mercy" are regarded as one and the same for the Aggadah. This seems to remain true of the Bahir as well, where the "quality of mercy" is mentioned only once (section 24), and, according to the context, in the same sense as that of Grace or Love—the Hebrew word hesed signifying both. This is remarkable, for it indicates one of the oldest stages of kabbalistic symbolism. In all other kabbalistic texts mercy, rahamim, is in fact considered as the principle of equilibrium between Love and Stern Judgment. In the Bahir, however, insofar as abstract notions are employed at all, this equilibrium is represented by the quality of truth, which Micah 7,20 associates with Jacob: "You will show truth to Jacob." In the same verse, hesed is also associated with Abraham.
In section 94 of the Bahir, truth is also associated with the idea of the Torah, the symbolic equation being taken from Malachi 2,6, "the Torah of Truth." According to our text:
"The Middah which is named Israel contains the Torah of Truth. And what is this "Torah of Truth"? Something which indicates the true nature of the worlds and whose action takes place through the mahshabah, and it bestows existence upon the ten logoi, through which the world exists, and it is itself one of them."
Here, therefore, a new, intermediary aspect of the Torah, positioned in the center of the schema of the aeons, is interpolated between the Sophia, as the primordial Torah, and the Oral Torah, as the last Sephirah, both of which are already familiar to us; this aspect completely corresponds to what was later designated by the kabbalists as the "Written Torah," as understood in traditional Talmudic terminology. It is explicitly mentioned in section 99 as the light that nourishes the lamp of the Oral Torah: "Such is the Oral Torah: although it is a lamp, it has need of the Written Torah in order to resolve its difficulties and to explain its mysteries." The relation between the exposition there and the idea of the hidden primordial light (sections 97 and 98) would suggest the possibility that the Written Torah was originally connected not with the sixth but with the third sefirah, where, as we have just seen, the Torah was "hewn" and received its specific forms. That would accord perfectly well with the identification established in several passages (sections 131, 133) between the third Sephirah and the primordial light. On the other hand, the interpolations in the table of the logoi, which speak of the Torah (sections 97-100) just after the exposition on the sixth Sephirah, would seem more in harmony with the later localization of this symbolism.
It is therefore difficult to come to a decision on this matter. The table of the logoi says nothing, in the sixth place, of the Torah, even as it betrays no knowledge of the symbolism of the three Patriarchs.
The Throne of Glory is "the house of the world to come and its place is engraved in the Chokhmah."(152) Hence, much as the second Sephirah, Chokhmah has a "treasure house" in the third, so also the third Sephirah (which, as we learned from section 106, is designated as the "world to come") has a house in the sixth. The remark concerning the place engraved into the hokhmah remains obscure. But in one of the interpolations that follow, a relation is in fact established (section 101) between the throne of God and the "Crown of the Torah." This crown is compared there, in a paradoxical parable, with the tefillin of the head. For it is not only the Jew who puts on these tefillin every morning as a crown he offers to God; according to the talmudic aggadah in Berakhoth 6a, God himself wears such tefillin, which are compared in sections 25 and 101 to a throne that the king "sometimes took in his arms, at other times placed upon his head."
The idea, very emphatically maintained in the Bahir, of the three Patriarchs as the representatives on earth of the three divine middoth of Love, Fear, and Truth takes up a motif that already appeared in a mystical saying of the third-century Aggadah and carries it in a completely new direction: "the Patriarchs are themselves the Merkabah" (153), an assertion repeated for each of the three Patriarchs. This audacious saying occurs in a context of biblical exegesis, but that is certainly not where it originated. This line of thought is taken further in the Bahir, where the epigram itself is not cited at all (just as it is not cited in the Hekhaloth). Each of the Patriarchs was given the "archetype" or the "celestial power" of the quality he realized in his life (section 92). Section 132 says plainly: "Thus spoke the quality of Love, Chesed: As long as Abraham was in the world, I did not have to do my work, for Abraham stood there, in my place, and guarded my post (fulfilled my task). For that is my work: to intercede for the world." All this was done by Abraham, who called upon the world to repent and also pleaded on behalf of the guilty. Thus the Patriarchs are practically the incarnations of the principles of divine governance that they chose as guidelines for their conduct.
The "Heaven" that harmonizes and makes peace between the middoth of water and fire thus appears to be the symbol of a potency that no longer can simply be equated with the elementary powers of water, fire, and heaven. In section 102, developing a statement concerning Araboth, Heaven is mentioned as the seventh logos; but everything said there fits the sixth rather than the seventh logos. The most likely resolution of the contradiction would seem to be this: the source of the saying about the ten logoi, in which the throne is followed by the Heaven called Araboth, was a document belonging to the Merkabah literature of the kind of which we still possess remnants —for example, the list of the Raza Rabba. This source as yet knew nothing of a cosmological symbolism correlating water, fire, and Heaven with these logoi. Since in the Merkabah the throne was elevated above Araboth, it was natural to place them one above the other, in the same order. However, with the evolution of the kabbalistic schema the original logoi came to be correlated with other symbols, and the first three triads, mentioned above, were added to the schema; the immanent logic of their introduction then necessitated the placing of shamayim, heaven, in the sixth position. It was easy enough to invoke Isaiah 66,1: "Shamayim is My Throne," as a proof text. In fact, in section 65 the throne is expressly equated with Heaven. Of the verse of Isaiah, which one would expect here, only the continuation concerning the earth as a stool for his feet is cited in section 115. In section 40, too, Heaven, in this definite sense, is identified with truth, by then already a fixed designation for the sixth logos. The same paragraph also mentions the relationship with the head, rosh, which also appears in section 102 in a somewhat obscure sentence. ("Why is it called Heaven? Because it is round like a head.") I therefore incline to the view that the main part of section 102 is in reality an account of the sixth logos, but for the reason stated it was subsequently connected with the seventh, which was mentioned originally only in the first words of the corresponding enumeration in section 102.
Our thesis that the Bahir is a redaction of partly contradictory sources is confirmed no less convincingly by an analysis of the statements concerning God's left and the nature of evil. The list in section 96 still ignores any connection between the "great fire" of God and his left with the principle of evil. On the contrary, the "Holy Serafim," among whom we undoubtedly should also count Gabriel, stand at God's left. A different explanation of God's left and right is given in section 77; there the seventy-two names of God derived from the magical tradition discussed in connection with sections 76 and 79 are placed in relation with the kabbalistic schema of the aeons.(154) The seventy-two names can be divided into three times twenty-four, and over every twenty-four is placed an archon, sar.
"And who are these archons? They are three. This teaches that the Power, geburah, is the archon of all the holy forms on the left side of God, and that is Gabriel, and on his right Michael is archon over all the holy forms, and in the middle, which is the Truth, Uriel is the archon of all the holy forms. And every archon (rules over) twenty-four forms, but his hosts are innumerable, according to Job 25,3."
Here, the abstract names of the Sephiroth, such as Geburah, (dynamics or Power) and Emeth (Truth), are to a certain extent merged with the names of the archons, who are angelic beings. This confusion, which would be completely inconceivable in the later Kabbalah, also recurs, as we have seen, in section 96, where the right and left are in no way designated by the abstract names of aeons but in a more concrete form as expressions of divine Grace, as the great fire of God, as well as by the orders of angels that stand under their influence. But these orders of angels are different from those of section 77.
However, the doctrine of the "left of God" has a completely different character in the texts on Satan (sections 107-115),(155) which probably formed a unit that at a later stage of redaction was in-serted into the list of the ten logoi. We learn that Satan is the "north wind" (section 107), a power that acts from the north, the proof text, quoted in sections 109 and 110, being provided by Jeremiah 1,14. The story of the sojourn in Mara (Exod. 15,23-25), "there He made for them a fixed rule, and there He put them to the test," is interpreted—perhaps on the basis of an old aggadic source that has been lost?—in the following manner: God passed judgment on Satan at this place for having tempted Israel.
This temptation is described at length in aggadic language.
Near the water of Mara stood the Tree of Life—a very curious motif that occurs in the earliest Aggadah but does not reappear later.(156) Satan had removed this Tree of Life in order to incite Israel to sin against their heavenly father. But when Moses saw Satan, "he cried out to the Lord, and the Lord showed him a tree (Exod. 15,25), that Tree of Life which Satan had taken away, and he threw it into the water." However, this act of throwing is interpreted here at the same time as a suppression of Satan and a diminution of his power.
Ruah sefonith is perhaps better rendered here as "spirit from the north" rather than north wind. The text already makes mention of the seventy "primordial images" that Israel grasped, at Elim, in the image of the seventy palms, but Satan does not belong to it and appears independent of them. In section 113 we learn that the contradiction between these seventy primordial images or figures, qomoth, and the seventy-two forms of sections 76 and 77 is resolved by interpreting the two surplus forms or archons as Israel and the "Prince Satan," these two probably completing the seventy archons of the nations to make up the number seventy-two. The forms Gabriel had under his direction in section 77 are figures over which Satan is placed as archon, insofar as they stand at the left of God. He is here, at the same time, the "archon of tohu." Section 109 goes even further by designating him as a middah of God himself, situated at the "north of God." In its mythical formulation, the passage goes beyond the aggadic motif upon which it is based.
"And what is this (principle of the seduction to evil, mentioned in an immediately preceding parable)? It is Satan. This teaches us that God has a middah which is named 'Evil', and it lies in the north of God, for it said (Jr 1,14): 'From the north shall evil break loose'; that is: all the evil that comes upon all the inhabitants of the earth comes from the north. And what is this middah? It is the 'form of the hand', and it has many messengers, and the name of all of them is 'Evil, Evil.'
However, there are among them small and large. And it is they who plunge the world into guilt, for tohu belongs to the north side, and tohu is nothing other than the evil that throws men into confusion until they sin, and every evil urge in man comes from there."
In sections 114 and 116, however, the left hand is designated as one of the seven holy forms of God, which well fits the definition of evil as the "form of the hand" in our quotation. Since according to the conception of the Midrash, which is based upon the parallelism of "hand" and "right" found in many passages of the Bible, hand without further qualification signifies the left hand, the expression "form of the hand" is easily explained. The redactor of the Bahir apparently vacillated between two possible ideas that he found in his sources: in one, Satan is one of the seven forms and thereby one of the holy forms themselves; in the other, he is (section 113) the seventy-first figure, above the seventy figures mentioned there.
The sentence, "The Holy One, may He be praised, has a middah which is called evil", has a particularly bold ring to it. In fact, it is only an extreme version of an old aggadic conception. There, too, "the quality of Stern Judgment," Middath ha-Din, is personified and portrayed as speaking before God. In parallel versions we find in its place "Satan" or even the "ministering angels".(157) In the Bahir, evil is one of the powers or forces by means of which God acts and manifests Himself. There is no trace here of a privative conception of evil as it was current among the philosophers. It is, however, remarkable that the etymology given in section 110 for the word Satan is the same as offered by Maimonides in the Guide of the Perplexed 3:22. This need not be a borrowing, for such an homiletical etymology readily suggests itself. The nun in Satan is not considered one of the consonants of the stem but a formative affix of the nomina agentes. Hence Satan (from the root means "he who inclines downwards, for it is he who seeks to incline the world toward the side of guilt."(158) This identification of evil with a middah of God and with Tohu may be one of those novel and audacious formulas of the Bahir that aroused the suspicion of heresy among pious readers like Meir ben Simon of Narbonne. In section 93, "the Tohu whence evil comes" is in fact identified with the "fire of God," and, referring back to section 92, with "fear," Pechad, the quality of Isaac that, as we have seen, is identical with the Middath ha-Din and the Geburah of God.
This explanation of Tohu, which associates it with the fifth logos of the table in section 96, may well be a kabbalistic variant of the conception of tohu as the principle of matter (section 2), the philosophic source of which we identified as Abraham bar Hiyya (see p. 62). In section 9, too, tohu and bohu are explained as evil and peace, respectively, and in the sequel it is not Satan who appears but, as in section 77, Gabriel as the archon of the left, which is fire. A purely harmonistic interpretation would logically lead us to conclude that the Bahir identifies Gabriel with Satan. The reality is different: there existed, on the subject of the left, two distinct traditions that were subsequently united or juxtaposed during the redaction in keeping with the midrashic character of the book and without aiming at any false consistency. The interpolations in sections 106-113 which, in keeping with the kabbalistic symbolism that the redactors had in mind, relate to the third and fifth logoi of this sequence, happen to be placed between two paragraphs dealing with the eighth logos, where they obviously do not belong. Moreover, sections 105 and 114 are peculiar enough in themselves, for according to their content they are not really concerned with the eighth but with the seventh logos. "He is called the eighth only with regard to the enumeration; according to his activity, he is the seventh" (section 114).
123-151
(...)
Os Escritos do Círculo Iyyun
Não sabemos em quais mãos, nos vários grupos provençais, o Sepher Bahir caiu pela primeira vez. Também não sabemos exatamente onde foi submetido à redação final. É igualmente difícil para nós determinar exatamente onde as tradições orientais de primeira mão relativas aos arcontes e aos æons do mundo celestial encontraram pela primeira vez o seu caminho para estas regiões e onde foram mais elaboradas em conjunto com a nova doutrina das Sephiroth. Comunidades como Narbonne e Marselha tinham relações diretas com o Levante, e os estudiosos de Áries também se vangloriavam de tais ligações.
(Fonte)
As doutrinas que podem ter chegado lá dessa maneira, talvez no século XII, estão muito distantes do universo espiritual específico dos Bahir, e as revisões ostensivas de tais materiais nas fontes de Isaac Cohen também não revelam nada do espírito que anima Isaac, o Cego. A tendência desses escritos de enumerar seres celestiais e seus nomes às vezes lembra os catálogos encontrados no Pistis Sophia e em outros textos gnósticos (Mandeístas) de um período posterior. Isaac Cohen, que preservou para nós muitas dessas listas e enumerações, atribuiu-as a um grupo particular de cabalistas que não haviam trilhado a “estrada real” seguida pelos outros.
Diz-se que a fonte dessas listas (diferentemente das especulações demonológicas discutidas anteriormente) é uma fonte que ele chamou de Livro de Rab Hammai, que ele afirma ter encontrado na Provença em três exemplares: um em Narbonne, na posse do acima mencionado Hasid anônimo e dois em Áries.226 Aqui nos encontramos numa situação muito curiosa. O Livro de Hammai está perdido; Moisés de Burgos, discípulo de Isaac, ainda citou outros catálogos de arcontes de caráter gnóstico;227 o nome aparece em vários outros escritos que provavelmente também se originaram na Provença. Mas nenhum personagem histórico com este nome é conhecido.
Se o Amora Hamma ben Hanina foi transformado em um autor pseudepigráfico, ou o nome Rahmai, רחמאי, conhecido por nós do Bahir, talvez tenha se tornado um Rab Hammai, ר חמאי, ou se estamos simplesmente lidando com uma nova ficção, não pode mais ser determinada.228 No mais importante dos textos existentes, Hammai aparece como um autor especulativo do século XI ou XII que já se baseava em escritos cabalísticos pseudepigráficos que circulavam em nome de Hai Gaon (morto em 1040).229 Além de um “Livro da Unidade”, Sepher ha-Yihud, do qual restam apenas algumas citações, 230 temos um pequeno tratado intitulado Sepher Ha-Iyyun (ספר העיון), ou “Livro da Especulação” (ou “Contemplação”), preservado em numerosos manuscritos.231 O que é surpreendente neste texto é que ele constitui uma irrupção da linguagem e dos conceitos neoplatônicos em ensinamentos cosmológicos e Merkabah mais antigos, tão distantes da linguagem do Bahir quanto da de Isaac, o Cego. As poucas páginas existentes parecem ter sido reunidas descuidadamente, sem qualquer senso de estrutura, e a exposição é em parte errática e opaca. O livro foi escrito em hebraico puro e em um estilo curiosamente entusiástico. O longo cabeçalho diz:
"O 'Livro da Especulação' do grande mestre Rab Hammai, chefe daqueles que falam do assunto das Sephiroth internas (ocultas), e ele revelou nele a essência de toda a realidade da glória oculta, cuja realidade e natureza nenhuma criatura pode compreender, (e tudo isso) de uma maneira verdadeira, tal como ele (o kabhod oculto?) está na unidade indistinta, em cuja perfeição o superior e o inferior estão unidos, e ele (este kabhod) é o fundamento de tudo o que está oculto e manifesto, e dele sai tudo o que emana da maravilhosa unidade. E Rab Hammai interpretou esses assuntos de acordo com o método da doutrina da Merkabah – 'al derekh ma'aseh merkabah – e comentou a profecia de Ezequiel."
A linguagem utilizada neste cabeçalho, assim como no início da obra, é puramente especulativa. A noção de unidade indistinta ('ahduth shawah) é desconhecida nos textos hebraicos pré-cabalísticos.
O termo, como fica bastante claro nos escritos de Azriel de Gerona, refere-se àquela unidade em que todas as oposições se tornam “iguais”, isto é, idênticas. Este conceito, e a ideia de uma coincidentia oppositorum em Deus e nas Sephiroth mais elevadas – que subsequentemente desempenha um papel tão importante, particularmente em Azriel – parecem aparecer aqui pela primeira vez. De acordo com Azriel, Deus é;
"Aquele que está unido em todos os Seus poderes, como a chama do fogo está unida em suas cores, e Seus poderes emanam de Sua unidade, assim como a luz dos olhos procede do negro dos olhos,232 e todos emanam um do outro como o perfume do perfume e a luz da luz, pois um emana do outro, e o poder do emanador está no emanado, sem que o emanador sofra qualquer perda."
Antes de toda a Criação Ele descansou, transcendente, em Si mesmo, escondido no poder de sua própria realidade. Mas no início da Criação, “Seu kabhod tornou-se manifesto, e a explicação de seu conhecimento consistia em cinco coisas”. O autor de fato nomeia, mas não explica, essas cinco coisas que levam à gnose. Eles obviamente pertencem à esfera do misticismo da linguagem e são chamados de Tikkun, ma'amar, seruf, mikhlal, heshbon. Parece que constituem os processos pelos quais as letras são colocadas em harmonia (Tikkun), reunidas em palavras (ma' amar), permutadas (seruf), reunidas em todas as suas combinações (mikhlal) e calculadas de acordo com o seu valor numérico (hesbom).
Também aqui o processo de emanação coincide com o processo da linguagem, mas os detalhes não ficam claros. Esses cinco acontecimentos estão, como diz o autor numa imagem curiosa, “unidos nas ramificações da raiz do movimento (provavelmente significando a raiz do movimento da linguagem), que se fortalece na raiz dos treze pares de opostos” e desdobra-se a partir de uma respiração fina, o som do Aleph, em nome de Deus (se entendi corretamente este texto difícil). Esses treze pares de opostos são, ao mesmo tempo, as treze Middot derivadas de Êxodo 34,6, que desempenham um papel tão importante na teologia judaica como modos de ação de Deus. Deus atua nas Middot tanto positiva quanto negativamente, o que nos permite perceber uma conexão com a noção cabalística de Middah que encontramos em Isaac. Aqui, entretanto, não se referem às Sephiroth, mas aos poderes ou modos de ação que estão contidos na primeira Sephirah e dela emergem. É nestes cinco modos de movimento da linguagem que tudo se realiza “como uma fonte para a chama e uma chama para a fonte” prolongada “até à luz insondável e infinita, que se esconde no excesso 233 da escuridão oculta. E o conhecimento da unidade e do seu princípio refere-se a esta escuridão."
A Unidade Divina atua, portanto, a partir da escuridão efusiva de onde vêm todas as luzes, que estão ligadas a ela como a chama à sua fonte. Este mundo de imagens não me parece muito distante daquele de João Escoto Erígena e Pseudo-Dionísio, o Areopagita; está mais intimamente relacionado com eles do que com o mundo do Bahir. Entre os neoplatonistas hebreus tal linguagem não é usada para expressar a unidade Divina, e tocamos aqui numa possível conexão que surgirá com mais frequência no decorrer desta investigação. Parece que os cabalistas da Provença combinaram a doutrina dos aeons, tal como encontrada entre os gnósticos e nos Bahir, com a doutrina de Eriugena das Causae Primordiales,(Nota) que em toda a sua multiplicidade são, no entanto, a unidade da Sapientia Divina. Tal relação é historicamente plausível.234 Não é difícil supor que os primeiros cabalistas de Provença e de Aragão, por volta de 1180-1220, tivessem conhecimento direto ou indireto de Scoto Eriugena, cuja influência atingiu o seu ponto alto naquela época,235 pouco antes da condenação de 1210. Muitos cátaros também parecem ter feito uso do trabalho de Eriugena como sugerem dois testemunhos existentes.236 Os escritos de Eriugena não eram raridade nas cidades onde viveram os primeiros cabalistas, antes de Honório III ordenar a destruição de todas as cópias encontradas na França.
Mas a partir desta introdução especulativa e nova, o Sepher Ha-Iyyun prossegue para uma explicação da escuridão primordial e das potências que dela emergem. Esta explicação afirma ser uma espécie de comentário sobre um texto de Hekhaloth de Nehunya ben Haqqanah que, no entanto, não é idêntico a nenhum dos escritos de Hekhaloth que conhecemos. Aparentemente é contra este comentário e, da mesma forma, contra o Sepher Ha-Iyyun em geral (juntamente com o Bahir e outros escritos) que o ataque anticabalístico na epístola de Meir ben Simon é dirigido. Por volta de 1245, portanto, a existência de tal comentário sobre o Hekhaloth, "onde se encontram coisas no espírito de sua heresia (ou seja, dos cabalistas)" era conhecida na Provença.237 Este texto nomeia os anéis de sinete que selam o Céu e a Terra, da mesma forma que também os encontramos na versão Wertheimer do "Grande Hekhaloth" (cap. 23). Mas aqui o nome mágico por meio do qual o Céu é selado é Araritha, e o nome correspondente para a terra é 'EHWY. Este último nome, que nos escritos deste grupo serve frequentemente como objeto de especulação mística, obviamente não é um nome secreto pertencente à tradição teúrgica, mas um produto artificial composto de quatro consoantes empregadas em hebraico como matres lectionis.
Abraham ibn Ezra e Yehudah Halevi foram os primeiros a propor interpretações destas quatro letras como os elementos mais espirituais entre as consoantes e, portanto, mais adequados para formar os símbolos do Espírito Divino no corpo do mundo e os elementos dos dois mais nomes divinos importantes na Torá: Ehyeh e Yahweh. 238 No devido tempo, um Tetragrama mágico primordial foi formado, designando a unidade desses dois nomes e supostamente os precedendo.239 No entanto, o nome Araritha pode ser encontrado em textos mágicos muito antigos dos hassidim alemães como o nome secreto do hashmal na visão de Ezequiel 1,4. 240 O mesmo nome também aparece numa peça mágica do período Gaônico, a “Oração de Rab Hamnunah, o Velho”. 241 No Livro 'Iyyun, esses nomes são interpretados no espírito de um conceito neoplatônico de Deus: eles indicam Sua Natureza estática bem como a Sua Unidade dinâmica, que também mantém a sua identidade nas suas oposições. Enquanto um desses Nomes ilustra assim o caminho da magia ao misticismo neoplatônico, o outro marca o caminho da teoria da linguagem dos gramáticos à magia dos nomes, ou seja, na direção oposta. Ambas as correntes se encontram de forma impressionante no Sepher Ha-Iyyun e escritos relacionados.
A sequência não faz mais referência direta à escuridão primordial. Primeiro, é exposta uma “ordem do senhor do mundo”, depois uma “ordem de Metatron”, sendo a segunda parte obviamente concebida como uma espécie de explicação do Shi'ur Qomah.
As duas partes descrevem, à sua maneira e constantemente confundindo a gnose Merkabah com imagens neoplatônicas, as potências por meio das quais Deus atua na Criação, bem como as hierarquias supremas de essências que emanam dele, o hawwayoth. A exposição cita outros escritos, presumivelmente também fictícios.242 No final do texto, de repente parece que R. Ishmael leu tudo o que foi dito acima em voz alta para Nehunya ben Haqqanah, como se tudo tivesse vindo do mencionado livro de Hekhaloth. A estrutura da antiga literatura Merkabah serve aqui claramente como um receptáculo para conteúdos que lhe são estranhos. Quase não existe qualquer relação entre estas ideias (nas quais a doutrina das Sephiroth é mencionada apenas de forma muito incidental) e o mundo do Sepher Bahir.
As treze potências manifestadas a partir do mistério supremo, sether 'elyon ha-ne 'elam – sem dúvida a já mencionada escuridão primordial – são enumeradas pelo nome. Elas são 1 – a Chokhmah primordial; 2 - a luz maravilhosa ou oculta, Aur mufla; 3 - hashmal; 4 - a nuvem, 'arafel; 5 - o trono do esplendor; 6 - o 'ofan da grandeza; 7 - o Cherub; 8 - as rodas da Merkabah; 9 - o Éter circundante; 10 - cortina; 11 - o Trono da Glória; 12 - o lugar das almas, também chamado de “câmaras de grandeza”;243 13 - o Templo Sagrado externo.
Assim, encontramos desordenadamente os nomes de Sephiroth, um novo misticismo de luz, noções de Merkabah e poderes cosmológicos. Moisés de Burgos teve diante de si uma redação posterior desta lista, que apresentava variantes significativas e que aparentemente se esforçava por identificar as primeiras dez potências com as dez Sephiroth da tradição que entretanto se tornara canónica.244 Nessas potências, o Deus incognoscível dá a aparência de assumir um corpo, e seu kabhod é, assim como no antigo Shi'ur Qomah, o "corpo da Shekhinah". O próprio Deus é, numa imagem neoplatônica (que também deve ter vindo do poema "A Coroa Real" de ibn Gabirol), "a alma das almas".
Abaixo do kabhod estendem-se, na forma do homem primordial, os quatro "campos da Shekhinah", que são também os quatro elementos primordiais e os quatro reinos dos arcanjos. Aqui o “corpo da Shekhinah” está inexplicavelmente separado do Homem Primordial. De maneira igualmente inexplicável, os elementos estão correlacionados com quatro das treze potências acima mencionadas, que aparentemente também correspondem às quatro Sephiroth principais. Estes são o hashmal (correspondente a Chesed), a nuvem (correspondente a Geburah), o Trono do Esplendor (correspondente a Tiphereth), bem como o 'ofan da grandeza (correspondente a Malkhuth).
Isto não é declarado diretamente, mas implicitamente compreendido. Neste contexto, são citados versos de poemas místicos que falam a mesma língua.245 Uma dessas citações cita, em nome de Hai Gaon, um ditado pseudoepigráfico sobre a criação do hyle, do qual, após a emanação dos "graus ocultos", as Sephiroth, todas as criaturas emanaram. O ditado não deixa claro se esta "criação da matéria primordial" que surgiu no pensamento de Deus foi um ato de criação genuinamente novo ou se foi uma continuação da emanação das Sephiroth em uma esfera inferior. O que me parece mais claro, por outro lado, é que este esquema, segundo o qual o hyle e o mundo dos quatro elementos estão situados diretamente abaixo das potências Divinas do kabhod ou abaixo das Sephiroth, corresponde quase exatamente à ordem de estando em Scoto Eriugena: o hyle e os quatro elementos aparecem não em sua corporeidade, mas como Elementa Universalia incorpórea e como efeitos diretos das Causae Primordiales. Isto também explicaria o estranho desvio do esquema cabalístico da clássica hierarquia plotiniana do ser; parece que a hierarquia do Timeu foi de alguma forma transmitida ao autor numa transformação mística como a que pode ser encontrada no livro de Eriugena. A maior surpresa, entretanto, a esse respeito, é a breve observação que segue a citação de Pseudo-Hai e parece uma paráfrase do título e do conteúdo metafísico da obra de Eriugena: "E é isso que os poderosos sábios da natureza (um referência a De Divisione Naturae?), os filósofos versados em metafísica (Chokhmath ha-mehqar) escreveram (sobre o assunto do hyle)." É somente depois de estabelecer esta hierarquia dos seres supremos que o Sepher Ha-Iyyun, em sua parte final, discute Metatron, que é, no entanto, descrito no espírito da doutrina Shi'ur Qomah como uma manifestação do "corpo de a Shekhinah" e em termos dos versos do Cântico dos Cânticos 5,11 e seguintes. A exposição está fortemente impregnada de misticismo numérico e linguístico. Os anjos são, na visão do nosso autor, as potências cósmicas criadas no primeiro dia.
Ao lado desta estranha mistura aparece agora também um grande número de escritos e fragmentos menores, alguns pseudepigráficos e outros anônimos, que são testemunhas inequívocas de uma tendência espiritual semelhante e que falam a mesma linguagem. Eles freqüentemente usam símbolos idênticos ou semelhantes, mas os organizam de maneiras muito diferentes e os explicam de maneira diferente. É evidente que os autores ainda não distinguiram claramente entre a Merkabah e as Sephiroth; neste importante ponto há, portanto, continuidade com o Livro Bahir. Os dois são totalmente confundidos, e seres Merkabah como o Trono, o 'ofan, a roda, o hashmal, a cortina, o pargod,246 e até mesmo o Cherub e o Seraph são considerados pertencentes ao mundo místico das potências, como manifestações, de Deus, assim como as Sephiroth. Como foi observado, eles são em parte considerados idênticos a estes últimos e em parte justapostos a eles sem qualquer distinção essencial. É evidente que se iniciou um vigoroso processo de platonização, transformando este estrato do antigo mundo Merkabah. Nesta reinterpretação, o mundo da Merkabah consiste em potências inteligíveis que são, em parte, ainda designadas pelos nomes antigos, embora estes já não lhes sejam adequados. Ao lado destes nomes surgem novas noções de origem muito diversa.
As enumerações dessas potências apresentam um quadro estranho e confuso e exibem influências das mais diversas fontes:
Saadya, o primeiro capítulo da Mishneh Torá de Maimônides, indiretamente, talvez, a metafísica da vontade de ibn Gabirol, e diversos neoplatônicos não identificáveis. A vontade Divina, que não desempenhou nenhum papel para Isaac, o Cego, aparece agora ao lado e acima do “pensamento puro” de Deus. Os textos dão a impressão de dar os primeiros passos em direção a um misticismo especulativo. A linguagem deles está repleta de estranhas combinações de palavras e imagens que têm poucos equivalentes na antiga paráfrase de Saadya. As orações compostas neste círculo, bem como os muitos relatos das luzes inteligíveis, evocam os conceitos ontológicos mais abstratos num estilo solene que lembra os escritos pseudo-areopagíticos do misticismo Cristão. O estilo entusiástico e o drapeado da linguagem ligam esta pseudepigrafia neoplatônica aos hinos e orações dos antigos místicos Merkabah, que de outra forma respiram um espírito completamente diferente.
Os autores substituíram o mundo original da Merkabah – que evidentemente não estava mais vivo para eles e do qual possuíam pouco mais do que conhecimento tradicional – pelo novo mundo de Luzes Divinas, poderes e potências inteligíveis. Mas com a sua orientação filosófica manifestamente fraca, estes autores não sabiam, ou ainda não sabiam exactamente, como sistematizar estas noções. No seu desejo de manter a continuidade exegética, eles procuraram projetar, da melhor maneira que puderam, o novo mundo no antigo, mas, além de palavras e conceitos sonoros, nenhuma tradição definida ainda havia criado raízes entre eles. É isso que confere às suas interpretações um caráter muitas vezes peculiar e obscuro. O caráter incerto do seu pensamento é aparente, por exemplo, no tratamento de questões filosóficas fundamentais, como a da matéria e da forma, que de alguma forma chegaram até eles. Estamos, portanto, em condições de observar nestes escritos a irrupção, com força total, de novas ideias numa tradição mais antiga, numa fase em que as primeiras ainda não tinham assumido uma forma sistemática e uma direção fixa. Isto confere um interesse considerável a textos que, em grande medida, são particularmente difíceis.
Mas a adesão à tradição e à linguagem formal do gnosticismo judaico em dissolução e transformação conduz a um problema substantivo ainda mais profundo. No decurso desta evolução, a Cabala em desenvolvimento não só absorveu elementos neoplatónicos incomparavelmente mais fortes; ao mesmo tempo, as tendências gnósticas também se afirmaram com novo vigor, embora num novo nível. O Platonismo e a tendência gnóstica andavam assim de mãos dadas. Os mesmos círculos em que o platonismo penetrou com tanta energia uniram-no a tendências de caráter gnóstico e mitologizante resistentes a qualquer transformação da tradição mística em filosofia mística. Estas tendências encontraram a sua expressão numa repristinação dos elementos gnósticos preservados num conjunto mais antigo de tradições, que estavam agora a desenvolver a sua própria vida num novo contexto.
Por falta de um nome melhor, esses escritos são designados como aqueles do Grupo Iyyun ou Círculo Iyyun (חוג העיון).247 Seus autores continuam a tradição pseudoepigráfica do Hekhaloth e do Sepher Bahir, mas não na forma de Midrashim. Eles compõem folhetos sobre o nome de Deus, sobre os trinta e dois caminhos da sabedoria e sobre o conhecimento da realidade mais elevada, bem como orações cabalísticas nas quais expõem seus pontos de vista particulares. Embora Isaac, o Cego, e seus discípulos escrevessem e se apresentassem com seus próprios nomes, sem que entre eles se notassem tendências pseudoepigráficas, as coisas são completamente diferentes com os autores deste grupo. Já não é possível identificá-los; tudo o que podemos dizer é que alguns de seus escritos chegaram a Castela, onde encontraram almas gêmeas. Na verdade, é bem possível que alguns destes escritos não tenham sido escritos na Provença, mas em Castela, em Burgos ou em Toledo. Em particular, Jacob ben Jacob Cohen de Soria parece ter estado em contacto direto e pessoal com membros deste círculo, pois é nos seus escritos que as inclinações espirituais deste grupo são continuadas de forma mais direta. Ele se preocupa com a interpretação, embora não os tenha citado nominalmente. Seu professor, um hassid anônimo de Narbonne, provavelmente pertencia ao Círculo Iyyun.
Os escritos desses supostos autores são bastante diversos. O Ma'yan ha-Hokhmah ("A Fonte da Sabedoria") é, depois do 'Iyyun, de especial importância; pretende ser a comunicação de um anjo anônimo a Moisés.248 Diz-se que uma teoria cosmogonia detalhada, proposta na estrutura de uma interpretação do Tetragrama, deriva de um "Midrash de Simão, o Justo".249 As "Orações de Unidade", isto é, orações dirigidas a Deus em sua unidade nas diferentes Sephiroth, são atribuídas aos professores tanaíticos Nehunya ben Haqqanah e Rabban Gamaliel.250 Um livro intitulado Moreh Sedeq é atribuído a Hananiah ben Teradion.251 Uma polêmica contra a ideia, difundida entre os hassidistas alemães, da criação do golem é citada em uma obra intitulada Livro Bittahon, ("Sobre a confiança em Deus") atribuída a Yehudah ben Bathyrah, um tannaíta do primeiro século.252 As respostas sobre os Nomes de Deus e outras questões são falsamente atribuídas, com um salto no tempo dos Tannaitas até o último dos geonim, até Hai Gaon.253 Esses escritos místicos foram atribuídos aos autores acima mencionados, em parte porque as pessoas nomeadas haviam realmente se expressado sobre os nomes de Deus e assuntos semelhantes, como fez Hai, por exemplo, em um responsum genuíno sobre o Nome Divino de quarenta e duas letras, o Nome Divino de quarenta e duas letras cuja tradição “é conhecida na academia”.
Nada menos que quatro textos diferentes dão os nomes dos trinta e dois caminhos, mencionados no início do Yetzirah, a fim de enumerar as luzes intelectuais ou poderes angélicos que são as forças fundamentais da criação.254 Dois destes textos são anônimos; os outros dois são atribuídos aos “sábios da Mishná” e a R. Ishmael, o herói do Hekhaloth. Outros tratados deste grupo são anônimos. É o caso de um comentário sobre o Tetragrama; 255 uma exposição do nome de setenta e duas letras que desempenha um papel importante na tradição mágica e que aparece em justaposição ao Nome de quarenta e duas letras; 256 um “Livro da Verdadeira Unidade”, posteriormente atribuído a Eleazar de Worms;
e outro “Livro da Unidade, que cabe a todos os sábios confirmar e corroborar”, cujo título já exemplifica o uso literal da fraseologia da antiga paráfrase de Saadya.257 Este texto, bem como outro intitulado Sod wi-Yesod ha-Kadmoni ("Mistério e Fundamento Primordial [da Criação]"), são interpretações dos dez Sephiroth no espírito deste círculo; o último dos dois pode já pertencer a um estrato posterior ao outro, mas ainda está completamente imbuído dos seus conceitos e das suas formas de pensar.258
Finalmente, as duas responsa do gaon fictício R. Yehushiel da Alemanha também pertencem a este grupo; eles estão evidentemente relacionados com as fontes das quais Isaac Cohen, irmão de Jacob Cohen, extraiu suas teorias sobre demonologia e as hierarquias dos espíritos das trevas. Nestes textos os esoteristas de Worms, Corbeil, Lunel e Marselha parecem unir-se.259 O “Mistério do Conhecimento da Realidade” (Sod Yedi'ath ha-Mesi'uth), um comentário sobre Ezequiel 1 precedido por um longo prefácio, deve ser contado entre os últimos produtos deste grupo.
Nesta estranha e confusa mistura, experiências e contemplações baseadas no misticismo da luz estão aparentemente associadas a adaptações literárias de materiais derivados de teorias e especulações cosmogônicas. Nenhuma relação com um contexto histórico claramente delineado pode ser discernida, a não ser por meio de uma análise da origem dos diversos conceitos. Aqui e ali, especialmente em diversas passagens da “Fonte da Sabedoria”, percebe-se uma ligação clara com ideias e imagens encontradas no comentário de Isaac, o Cego, ao Yetzirah. Mas as especulações sobre o mundo das Luzes Divinas carecem de qualquer referência à doutrina do homem e à sua culminação no ideal do debhequth.
Em alguns desses escritos, no entanto, é discernível alguma conexão com o misticismo da oração do kawwanah,261 mas na maioria deles isso também está faltando. O tema central em todos os lugares é a descrição do mundo superior. O elaborado misticismo da luz ocupa lugar preponderante; ao lado encontra-se, como em Isaac, o misticismo da linguagem e, sobretudo, um interesse pelas especulações teóricas sobre os Nomes Divinos. Os nomes místicos, que no gnosticismo Merkabah serviram como ajudas técnicas para a concentração e para garantir o caminho da alma na sua ascensão, tornam-se aqui os repositórios de mistérios especulativos, que os autores procuram desvendar. Aqui também as luzes e potências místicas são elas próprias Nomes. Neste espírito, Jacob Cohen, que devia estar familiarizado com muitos destes escritos, disse que “os nomes no mundo superior são eles próprios substâncias e Potências Divinas, e a sua substância é a da luz da vida, mas mesmo os nomes dos seres terrestres os homens, se os observarmos de perto, revelam-se idênticos às substâncias.”262 Já em um texto Merkabah como o Alfabeto do Rabino Akiba, os nomes místicos são considerados colunas de fogo que ardem diante do trono de Deus. Esta concepção, que identifica as luzes com os nomes, foi herdada sobretudo do Grupo Iyyun e no devido tempo tornou-se propriedade comum da Cabalá espanhola.
Estes escritos são mais antigos que os da escola de Gerona ou datam do mesmo período? Para decidir esta questão é necessário analisar a relação entre os escritos de Iyyun e os de Azriel, sendo estes últimos os únicos desta escola que apresentam ligações claras com o Grupo Iyyun. Só ele compartilhava da predileção deles por frases solenes, tão comuns nesse círculo, e usava a mesma terminologia neoplatônica.
A favor da prioridade dos escritos provençais de Iyyun, poder-se-ia argumentar precisamente a incerteza dos seus autores, sublinhada anteriormente, na interpretação dos conceitos e dos nomes que usaram, bem como a sua vacilação no que diz respeito às relações entre as Sephiroth no um lado e as potências do novo Merkabah, por outro. Essas hesitações não existem mais para Azriel. O processo inverso de dissolução nos escritos de Iyyun de um esquema já fixado seria muito mais difícil de encaixar no quadro cronológico desta evolução e, em essência, muito mais difícil de explicar. Uma linha de desenvolvimento que vai da Provença à Espanha, como pudemos mostrar tão claramente no caso da Cabala de Isaac, é muito mais plausível do que uma que vai na direcção oposta, de Espanha à Provença, para a qual não vejo qualquer base histórica. A hipótese mais provável é, na minha opinião, que o mais importante dos escritos de 'Iyyun se originou entre 1200 e 1225, paralelamente à atividade de Isaac, o Cego, e numa época apenas ligeiramente anterior à cristalização do centro em Gerona.
Alguns textos parecem ter sido compostos ainda no período entre 1125 e 1240.263 No entanto, a linguagem neoplatônica usada pela especulação cabalística é combinada com uma concepção que, em contraste com a teologia negativa dos platônicos, poderia ser caracterizada antes como teosófica positiva. Isto está sem dúvida relacionado com o caráter geral do platonismo medieval. Um texto como o "Livro das Cinco Substâncias", que foi atribuído a Empédocles, exibe em suas partes existentes a mesma tendência para uma descrição teosófica do mundo superior que os escritos de 'Iyyun.264 Nos escritos do círculo 'Iyyun, as Sephiroth passam por uma transformação: cada uma, na verdade até mesmo cada um dos trinta e dois caminhos da Sophia, torna-se um mundo autônomo no qual o teosofista mergulha.265
Na verdade, até mesmo a grafia mística do Nome Divino com vinte e quatro pontas, que Pseudo-Hai transmite aqui e que sem dúvida remonta às fontes orientais da magia judaica, é interpretada desta maneira. A grafia obviamente imita o alfabeto mágico e os caracteres que são freqüentemente encontrados em amuletos e que, na magia judaica,266 são encontrados, por exemplo, nos antigos “alfabetos dos anjos”. 267
As vinte e quatro pontas ou estrelas desta escrita correspondem, segundo o autor, aos vinte e quatro livros do cânon bíblico, que talvez sejam tecidos deste "Nome oculto".268 O autor instrui o iniciado que cada um desses pontos em si representa um mundo inteiro. Este uso do termo “mundos” para diferentes níveis de ser é, sem dúvida, neoplatônico. Ele penetrou pela primeira vez na literatura cabalística no Círculo Iyyun. Como vimos, Isaac, o Cego, fala do "mundo de separação" abaixo das Sephiroth, mas parece que ele ainda não tomou a decisão de considerar as próprias Sephiroth apenas como muitos mundos. O mundo superior doravante não é mais o das inteligências separadas, como foi para os filósofos e nos fragmentos de Isaac sobre a cosmogonia, mas o próprio mundo das emanações Divinas. No “Livro da Unidade” de Pseudo-Hammai é dito que antes da Criação todos os poderes estavam entrelaçados e escondidos em Deus;
"até que chegou o momento da vontade do primeiro Ator, e eles emergiram da potencialidade para realidade espiritual, e a emanação do mundo superior emanou para a da décima pedra fundamental que é chamada, na linguagem dos sábios dos mistérios, a 'Luz condensada', 'Aur abh. Por causa de sua condensação, eles também a chamam de 'trevas mistas', pois todos os poderes das chamas 270 estão misturados nela, mas também são diferenciados nela, e é a base de todos os mundos espirituais e corporais. . . e o último selo de todos os (outros) selos (emanados nas Sephiroth superiores)."
Assim, as Sephiroth são aqui concebidas como mundos, mas também como selos, como selos cunhados de toda a realidade - assim como os platônicos falam das ideias como selos - mas são também os “espelhos luminosos” da Divindade através dos quais sua luz é transmitida. refletido em toda a realidade.271 Alguns textos especificam, assim como o “Livro das Cinco Substâncias”, um “mundo da vida” distinto, que se distingue do mundo do intelecto e daquele da alma na hierarquia do ser.272 Ayn-Soph como nome do Deus oculto em sua transcendência ainda é desconhecido nesses textos, sugerindo que eles precederam os escritos do círculo de Gerona. Mas eles também fazem uso prontamente de frases adverbiais do tipo que já discutimos com relação ao Infinito e muitas vezes falam da “luz cuja sublimidade não tem fim”. O fato de o nome Araritha ter sido usado para designar o ser primordial e transcendente, como mencionamos, prova que os escritores sentiram a necessidade de encontrar algum nome para a unidade absoluta, que é acima de todos esses "mundos", o "Aquele onde tudo origina, onde tudo tem sua existência e para onde tudo retorna." A ausência do nome Ayn-Soph não pode, portanto, ser acidental.
Concepções Fundamentais deste Círculo: O Éter Primordial – Luz – e Linguagem-Misticismo.
Em quase todos os escritos mais importantes deste grupo, a noção do éter primordial, 'awir qadmon, ocupa uma posição de destaque, embora o seu papel nos diferentes sistemas não esteja claramente determinado.
A noção foi sem dúvida desenvolvida a partir do comentário de Saadia sobre Yetzirah, onde é feita uma distinção entre o éter material perceptível, o ar, e o Éter sutil e imperceptível. Dentro deste último, diz Saadia, a vontade do Criador se desdobra, movendo-a como a vida move o corpo. Este éter sutil, awir daq, é para ele idêntico ao kabhod, que preenche tudo: "e a nação o chama de Shekhinah, e o autor do Livro da Criação o chama de pneuma do Deus vivo".273 Mas entre os cabalistas estas noções não permaneceram sinônimas e nos escritos do Iyyun podemos observar várias possibilidades de diferenciação entre elas.Às vezes, o éter primordial é considerado a primeira Sephirah e identificado com a "coroa mais elevada" do Bahir, ou o pneuma primordial que emanou dele é até identificado com o Nihil. A Shekinah é considerada, como no Bahir, a última Sephirah. Onde a doutrina das Sephiroth não é mencionada, como no fragmento do livro Moreh Sedeq, o pneuma primordial é descrito como uma potência infinita inerente à Causa Primeira, mas ao mesmo tempo uma potência autônoma e uma luz autônoma, “e precisamente essa é a Shekhinah”, que é representada como o fundamento primordial de todos os poderes ativos e formativos. O próprio Sepher Ha-Iyyun não faz nenhuma menção ao éter primordial, a menos que este último esteja oculto no conceito da escuridão primordial.
No entanto, desempenha um papel importante na “Fonte da Sabedoria”. Este pequeno livro sempre foi considerado pelos cabalistas como uma das obras mais enigmáticas da sua literatura. Baer de Mezritsch ainda se vangloriava para seu discípulo Salomão de Luzk de ter estudado este livro com o fundador do hassidismo, Israel Baal-shem que, disse Baer, explicou-lhe palavra por palavra. Consiste em duas partes. A primeira preocupa-se em grande parte com o Nome Divino YHWH, a maneira pela qual foi engendrado pelos processos de linguagem-misticismo, seu poder maravilhoso e o papel do éter primordial na origem de todo movimento da linguagem. Aqui parece que a ideia da palavra falada ficar “inscrita” no ar, saindo da boca de quem a pronuncia, foi aplicada aos processos primordiais da Fala Divina Criativa. Na segunda parte são feitas sucessivas tentativas de desenvolver uma cosmogonia.
O Nome de Deus – assim começa o livro – é a unidade do movimento da linguagem que se ramifica a partir da raiz primordial. Este movimento surge do éter primordial, na forma dos treze pares de opostos que são ao mesmo tempo as treze Middot do Governo Divino. O autor procura mostrar como o nome de Deus procede do movimento do Aleph, o sopro puro. Os detalhes desta explicação são muito obscuros. Em todos os nomes e, portanto, em todos os elementos da linguagem, o Aleph continua sendo o princípio mais íntimo que, como o “índice de equilíbrio da balança” (de acordo com Yetzirah 2:1), é no fundo um ponto de indiferença.
Do “princípio primordial” que, não originado, persiste em seu movimento, procedem as luzes das chamas que então se separam de sua origem e, em sua diferenciação, dela se afastam cada vez mais. Estes são basicamente as Treze Middot que agem por meio de oposições. Num símbolo audacioso derivado da figura da letra hebraica Yod, o mundo da linguagem nasce das asas do Yod, que se desdobram a partir de sua origem – ou seja, do movimento do Yod Primordial. Não podemos deixar de nos perguntar se se pensa que a letra Aleph contém dentro de si o Yod como suas asas. Este Yod é representado como a “fonte borbulhante” do movimento da linguagem, que após diferenciação e ramificação no Infinito retorna novamente ao seu centro e origem. O princípio do movimento cíclico em todos os processos cosmogônicos reaparece repetidamente nas mais diversas formas em nosso texto e parece ter exercido um fascínio peculiar para o autor. Sempre que estes processos se desenvolvem plenamente, eles giram em meia-volta e, num movimento cíclico, retornam à sua origem.
Quem é capaz de se colocar na raiz deste movimento da linguagem abarca de fato toda a linguagem e todas as expressões da essência essencial e, portanto, torna-se um mestre de todos os efeitos maravilhosos, aqui descritos no melhor estilo mágico. Mas, ao mesmo tempo, no final do seu caminho o homem permanece “em perfeita clareza, com uma mente estabelecida (Yishubh ha-Daat)” e “habita no pensamento supremo, que (por sua vez) reside no éter primordial, acima do qual não há grau superior." Temos aqui assim a ideia de que a dissolução do pensamento místico no mahshabah de Deus, onde se obtém o conhecimento Divino, torna-se por um movimento inverso a perseverança do mestre dos nomes que, "com a mente assentada" e sem se perder, leva seu pensamento à raiz e o implanta ali.
Em todos estes símbolos o éter primordial é descrito como a “identidade indiferente” dentro da qual todas as coisas se transformam e se tornam oposições. Aparentemente, é considerado o substrato do mundo onde todos os poderes são “arredondados”.274 Tal como entre os antigos filósofos naturais, este éter primordial é concebido como um fogo espiritual no qual tudo se funde – o autor utiliza a imagem da fundição do metal para ilustrar a função unificadora do éter primordial. Os poderes do éter são aquecidos e nesses círculos aquecidos eles se fundem em uma única unidade. Do éter primordial se espalha, como chamas de brasas, a cadeia de caminhos de que fala o Sepher Yetzirah. Dá origem a figurações que regressam ciclicamente ao seu fundamento primordial e são descritas em símbolos que parecem estar ligados ao início do comentário de Isaac, o Cego, sobre o Yetzirah.275 Mas sobretudo duas fontes brotam uma após a outra, ou, como em outros escritos deste círculo, lado a lado. Primeiro existe uma fonte de luz infinita que se dispersa muito rapidamente, como as faíscas de uma forja; depois segue-se outra, uma fonte de escuridão, que, no entanto, supostamente contém três tipos de luz e "crepúsculos matinais". O próprio éter é aquilo que não pode ser apreendido através do questionamento e, nesta determinação, é idêntico à escuridão primordial no Sepher Ha-Iyyun.
Em outros lugares, e de uma maneira ligeiramente diferente, sugere-se que as duas fontes de luz e escuridão brotam da escuridão primordial. Tendo-lhe sido recusada a penetração contemplativa nos mistérios deste éter primordial, Moisés contenta-se com a contemplação destas duas fontes, das quais tudo o que está abaixo agora flui e passa a existir.
Esta cosmogonia da segunda parte, em que o misticismo da linguagem aparece apenas incidentalmente e onde tudo se baseia nas luzes místicas, considera a escuridão primordial do éter de onde tudo veio como o "Antes" inexplorável da Divindade, como aquele aspecto daquilo que é “antes” da Criação. A partir daí, isto é, desde a “parte traseira” que contém também a glória e a plenitude do poder de Deus, tudo é cognoscível. Moisés descobriu que do processo das duas fontes (que não são expressamente identificadas aqui com as potências do Merkabah, embora tal identificação possa muito bem estar implícita) procede um poder que aqui e em outros escritos é chamado de lihluah, a umidade primordial. A princípio, o jato de água que sai das fontes torna-se, de fato, cada vez mais fino, fino como um fio de cabelo, até que só escorrem pequenas gotículas; mas estes expandem-se com imensa força, e da sua combinação surge esta humidade, que se torna cada vez mais límpida e purificada. Como espuma sobre a água, dela emerge, como em Gênesis 1,2, o Espírito Santo, que por sua vez se diferencia em muitas potências. Esta espuma primordial brilha num jogo de cores em que o vermelho e o branco se alternam, mas estão intimamente ligados entre si. O Espírito Santo é então representado da mesma forma que a natureza do Chokhmah é descrita por Isaac, o Cego, sem, no entanto, qualquer menção a este conceito.
"É algo que vem da escuridão primordial e que indica forma e criação e alteração de forma e criação. Esta forma sofre transformação permanente, como algo vertical que é dobrado,276 e é ao mesmo tempo centro e periferia e está no início e suga (desde sua origem) o poder de todos e é contado com todos, e tudo flui e procede dele sem que ocorra semelhança ou diferenciação dentro dele."
A partir destas e das seguintes exposições sobre as dez luzes, fica claro que o autor conhecia a doutrina das Sephiroth e que, sem nomeá-la, ele combinou esta doutrina com o sistema cosmogônico concebido independentemente dos quatro elementos primordiais. Ele associou as concepções de Isaac, conhecidas por ele por meio de seus comentários sobre Yetzirah ou por meio de fontes orais, com suas próprias meditações sobre o misticismo da cor - e da luz. A suposição oposta, de que a “Fonte da Sabedoria” poderia ser mais antiga que a teoria de Isaac, parece-me ser descartada pela consideração dos textos.
A menos que assumamos uma conexão com a doutrina da Chokhmah de Isaac, a passagem não faz qualquer sentido; com tal conexão é perfeitamente compreensível. Mas parece-me igualmente claro que toda esta teoria do éter e das fontes primordiais e suas luzes deriva de uma tradição diferente daquela da teoria aceita das Sephiroth, à qual estava apenas artificialmente ligada.
As cores provenientes das fontes primordiais, que originalmente eram apenas vermelho e branco (muito provavelmente símbolos do Severo Julgamento e da Graça), são diferenciadas no decorrer de desenvolvimentos posteriores, primeiro em cinco e posteriormente em uma infinidade de jogos de cores. A fonte da escuridão não é considerada, como seria de esperar, uma “escuridão” uniforme, mas como derivada de uma mistura de verde, azul e branco. Esses jogos de cores são "como a chama que emana do éter" - uma imagem que mais tarde passou para o Zohar 1:5a, na descrição no início do livro do início primordial da Criação.
(Zohar l:5a)
Na transformação deste princípio-forma supremo que irrompe da escuridão e do éter, surgem dez formas e jogos de cores que se refletem uns nos outros. De dez tornam-se cem e, tendo atingido sua potência mais elevada, finalmente retornam à sua unidade original.
O autor então enumera os nomes das dez luzes, que provavelmente formam um paralelo com as dez Sephiroth. Eles carregam nomes que frequentemente reaparecem nesses escritos, mas são parcialmente identificados de uma maneira totalmente diferente, como “Aur mufla”, luz maravilhosa; "Aur nistar", luz oculta; "Aur mithnoses", luz cintilante; "Aur sah", luz clara; "Aur bahir", luz brilhante; "Aur mazhir", luz radiante, etc. As dez luzes estão situadas abaixo da escuridão primordial (da superesse? Ver nota 233 aqui), que não está incluída em seu número. O autor promete explicar cada uma dessas luzes, mas nosso texto existente não cumpre essa promessa. Em vez disso, ele retorna à explicação da fonte primordial, que para ele representa evidentemente a unidade das duas fontes acima mencionadas e é chamada de “luz da fonte”, “Aur ha-mabbua”. Esta fonte também é chamada de “a luz que é escura demais para brilhar” – mais uma vez uma imagem que serviu de modelo hebraico para uma das expressões usadas nas passagens iniciais do Zohar, 278, que já mencionamos. Esta luz é de fato chamada de trevas, não porque seja realmente escura, mas porque nenhuma criatura, nem anjo nem profeta, pode suportá-la ou agarrá-la. É a plenitude da luz que cega os olhos. Evidentemente estas definições da “luz negra” concordam com aquelas do Nada que já encontramos entre os cabalistas. Em qualquer caso, a idéia permanece em patente contradição com a doutrina das Sephiroth, pois o que é dito ali da Sephirah suprema, kether, como sendo o "Nada", está relacionado aqui com a fonte que vem da escuridão primordial, que é o éter. Isto concordaria bem com o início do Zohar 1:15a, aparentemente influenciado por este texto, mas não corresponde à explicação usual das Sephiroth.
Em nosso texto, o autor procede então a uma explicação da luz maravilhosa, que ele separa, de forma bastante surpreendente, da luz que "se retira", ou mith'allem, a "escuridão ofuscante". Em outros textos que emanam deste círculo, os dois são idênticos. Esta luz é descrita como o espelho que recebe todas as formas ou cores, mas não possui nenhuma própria - uma metáfora para o "hyle" que é posteriormente mencionada em textos que aplicam as imagens deste círculo à doutrina das Sephiroth, e mais particularmente por caracterizar como "hyle primordial" uma primeira Sephirah concebida completamente no espírito da doutrina de ibn Gabirol.279 Parece, portanto, que as especulações encontradas neste texto baseiam-se na dissolução da concepção filosófica sobre a qual originalmente se baseavam. Nesta visão, o próprio hyle era naturalmente considerado como o substrato de toda diferenciação e o recipiente de todas as formas, e é neste sentido que é apresentado, por exemplo, numa interpretação da primeira Sephirah num antigo comentário sobre as dez Sephiroth pertencentes ao círculo Iyyun, ou pelo menos diretamente influenciadas por ele.
Na “Fonte da Sabedoria”, por outro lado, essas determinações são dilaceradas. O espelho que recebe todas as formas não é outro senão o Aur Mufla, mas recebe as diferenças da “luz ofuscante” que está acima dele. em vez de se situar acima dessas diferenciações, como corresponderia ao sentido original da ideia. As determinações que na verdade pertencem a uma única esfera, nomeadamente o hyle, estão agora distribuídas por duas esferas. Aparentemente faltava ao autor uma concepção clara das fórmulas filosóficas que utilizava para suas meditações sobre as luzes celestes.
No final do texto, o autor apresenta outras variações do mesmo processo primordial, como se sentisse que deveria continuar a esclarecer uma intuição original por meio de repetidas tentativas de explicação, embora se contradissessem em questões de detalhe.
É no decorrer destas considerações que a primeira fonte de escuridão é diretamente identificada com o próprio éter primordial. Era um fogo puro, "um fogo que consome o fogo" - uma reminiscência da descrição de Jacob Böhme de Deus como o "fogo central" - e consistia em dezesseis olhos, que estavam em movimento e passavam um para o outro. É somente no decorrer de outros processos que, com o éter primordial se dividindo em dois, duas outras fontes irrompem dele. Aprendemos então que a segunda destas fontes corresponde ao hashmal do Merkabah. As luzes desta fonte inundam o mundo e do seu movimento emerge um som. Este motivo reaparece em todos os escritos deste círculo. Todos mencionam o choque dessas luzes que produz, por assim dizer, um “grito de luzes”. Isto estabelece uma ligação, de outra forma bastante difícil de reconhecer, com a teoria da criação fundada nos quatro elementos primordiais, tal como é claramente exposta noutros escritos do círculo Iyyun e que discutiremos em breve. O livro termina com um ponto surpreendente retirado da esfera dos nomes místicos de Deus: a primeira das duas fontes é identificada com o nome primordial יוהא, a segunda com o nome de três letras יו ה, formado a partir das consoantes do Tetragrammaton.
Até agora resumi as idéias principais deste tratado, baseando-me nos textos dos manuscritos e sem entrar nos detalhes muitas vezes totalmente obscuros de pontos particulares, especialmente onde estes estão entrelaçados com o misticismo das letras. As contradições encontradas dentro de um mesmo texto podem mitigar nosso sentimento de surpresa diante das contradições entre um texto e outros escritos que emanam, ao que tudo indica, de um ambiente espiritual intimamente relacionado, mas desenvolvendo os mesmos impulsos iniciais em direções diferentes. Visto que não há referência direta às Sephiroth como tais, também não há contradição direta entre as dez luzes e os treze Middot do governo Divino, que aqui estão aparentemente situados acima delas. A doutrina das duas fontes é exposta de forma mais clara e menos contraditória em outros textos. Assim, por exemplo, "Mistério do Conhecimento da Realidade" apresenta um sistema claramente reconhecível de quatro potências primordiais, que reconhecidamente não está de acordo com a sequência clássica das Sephiroth, como Sephiroth; os quatro poderes fundamentais da cosmogonia. Todos têm a sua base primordial num mahshabah que toma o lugar da própria Ayn-Soph.
Ela, e não mais algo acima dela, é a própria realidade de Deus. A primeira Sephirah do Livro da Criação é considerada neste texto como a última coisa que pode ser conhecida sobre a existência de Deus, que está "ligada às raízes do mahshabah".280 Deste mahshabah emana o éter primordial que é ele próprio o pneuma primordial.
Este éter é dividido e dele procedem duas luzes, que são chamadas aqui e em outros textos de Arafel e Hashmal. Arafel representa o crepúsculo das trevas na primeira fonte da "Fonte da Sabedoria", mas também a onipotência e força Divina; enquanto o hashmal é, em sua plenitude transbordante de luz, a segunda dessas fontes, mas também a Graça Divina. Esta primeira tríade tornou-se, no entanto, uma tétrade, pois um segundo pneuma emanou do pneuma primordial, sendo o primeiro identificado pelo autor com a segunda Sephirah.
Obviamente este sistema contradiz a doutrina das Sephiroth nas suas formas recebidas. Os dois pneumata são aqui as duas primeiras Sephiroth do Livro da Criação, o “pneuma de Deus” e o “pneuma do pneuma” ou o “ar do ar”. Entre eles Arafel e hashmal não têm lugar algum; no entanto, eles estão de alguma forma relacionados com as Sephiroth Chesed e Din no esquema do Bahir. De qualquer forma, temos aqui as quatro potências supremas, sendo o éter primordial definido como a “potência ativa” e o segundo pneuma como a “potência passiva”. É apenas a tétrade em sua totalidade que constitui a “realidade do intelecto”, mammashuth ha-sekhel, que, segundo nosso autor, é o verdadeiro homem primordial, Adam Kadmon. A expressão Adam Kadmon aparece aqui pela primeira vez na literatura cabalística, e é deste círculo que veio para os Gnósticos de Castela e para o Zohar.
Esta teoria puramente mística do intelecto como uma potência composta, que aparentemente tem a sua origem em teorias neoplatónicas mais antigas (não necessariamente no próprio ibn Gabirol), continuou a ser expressa neste círculo. Nesta visão, o homem primordial não é a totalidade de todas as potências do pleroma ou do mundo das Sephiroth, mas apenas uma configuração das potências supremas. Eles também formam, pelo menos na primeira parte deste texto, os hayyoth, os “seres vivos” do Merkabah, também definidos ao mesmo tempo, a título de trocadilho, como o hiyyuth, a vitalidade ou, a rigor, a vida. Seguindo estes, encontramos novamente em detalhes muito nebulosos as potências do Merkabah – como o Trono, o Querubim, etc. Mas as raízes de todas as coisas permanecem ancoradas nesta tétrade primordial. Numa versão um pouco diferente da mesma doutrina, o texto também expõe a tese segundo a qual os hayyoth representam apenas potências que emanam do próprio hashmal. Neste caso, a Merkabah propriamente dita aparece em todos os seus componentes – como de facto parece mais lógico – abaixo do domínio do homem primordial que se senta no trono acima dela.
O autor interpreta a palavra Merkabah, que também pode ser interpretada literalmente como "composição", como o lugar onde ocorre a síntese de todas essas outras luzes. As quatro colunas do trono da Merkabah são idênticas aos quatro campos da Shekhinah, que são descritos em grande detalhe, embora de uma forma totalmente diferente da do Sepher HaIyyun. O relato do primeiro desses campos interpola uma exposição completa da lista de sefiroth conforme dada no capítulo 1 do Yetzirah, mas desenvolvida no espírito do misticismo Merkabah, e não no espírito da doutrina recebida das Sephiroth.
A única ligação entre os dois é proporcionada pela identificação do éter primordial com o pensamento divino. Da união da potência ativa e passiva surge, segundo este texto, o hyle, aqui identificado com a umidade primordial, lihluah. Por que o autor rejeita a opinião (que na verdade ele compartilha) do “estudioso” que cita e segundo quem hyle é emanado do Criador? Este ponto permanece obscuro. A relevância das enunciados enigmáticos do autor sobre o tema do nosso problema permanece incompreensível.
Diferente novamente é o sistema de cosmogonia apresentado por Pseudo-Hai em sua interpretação das quarenta e duas letras do Nome Divino, no qual aparecem as mesmas noções, embora em ordem diferente. Aqui o pneuma primordial é colocado no início. Dele fluem duas potências, e entre elas repousa: a umidade, a água primordial ou Bohu, e o Éter primordial ou Tohu. Esta maneira de subordinar o Tohu ao Bohu e o Éter à água é muito impressionante. A estas potências é adicionado o hashmal, que vem diretamente (como anteriormente, o segundo pneuma) do pneuma primordial e produz, por sua vez, os sete arcanjos ou arcontes supremos, bem como a alma inteligente. O hashmal desempenha assim a dupla função de hayyoth e hiyyuth. O Arafel e o pargod (a “cortina”) só aparecem abaixo do hashmal. Da cortina fluem os poderes do Merkabah, dos quais o mais elevado é chamado de “corrente de fogo” (de acordo com Daniel 7,10), da qual as almas dos justos emergem como faíscas. O reino neoplatônico da natureza foi assim transformado no lugar paradisíaco das almas “implantadas no éter da natureza”. O Tetragrama simboliza a concentração de todos esses poderes. A doutrina das Sephiroth não aparece de forma alguma, nem mesmo em alusões simbólicas.
Nos dois diferentes textos intitulados “Livro da Unidade”, as duas tendências possíveis deste grupo são claramente discerníveis. Um dos textos, “O Livro da Verdadeira Unidade”, presta apenas uma atenção muito superficial às Sephiroth, mas está interessado, por outro lado, na enumeração dos poderes da Merkabah; aqui as especulações neoplatônicas aparecem de uma forma decididamente retrógrada, grosseira e obscura em todos os aspectos. O outro texto, no entanto, procura estabelecer uma estreita relação entre os conceitos e imagens destes escritos e o sistema cabalístico das Sephiroth, o simbolismo das Sephiroth, tal como o conhecemos, sendo combinado com estes novos símbolos. Contudo, as fórmulas e a terminologia dos dois círculos tendem a convergir. Assim, é dito aqui que a primeira Sephirah:
"é chamada de 'Coroa Suprema', porque é o poder da verdade e da essência e é algo secreto e oculto. E nela existem coisas secretas, ocultas e preciosas, e são as 620 colunas de luz, de acordo com o valor numérico de Kether.282 E todos estão unidos por um vínculo,283 sem que haja nada defeituoso nisso.
E elas (essas colunas) são o fundamento da unidade de Deus; cada um tem um nome próprio, que indica as coisas Divinas, ou seja, cada um é designado pelo Seu Nome. Eles se abraçam e se unem na emanação do intelecto. E é por isso que os mestres desta ciência chamam esta Sephirah de éter primordial desconhecido, e outros a chamam de 'fonte de probidade', porque tem a forma de uma coroa que repousa sobre a cabeça. É também chamada de 'luz clara', porque nela aparece algo como uma fissura, que muda seu aspecto, até que (o Éter) seja dividido, e nesta fissão o poder de todas as Sephiroth passa a existir a partir da efluência que flui a partir dele. E na impulsão do movimento a unidade se aperfeiçoa."
O texto, continuando na mesma linha, trata de todas as Sephiroth. A Sephirah Yesod Olam, a fundação do mundo, foi movida do sétimo para o nono lugar. É claro que tais declarações são tão estranhas aos Bahir quanto aos fragmentos de Isaac, o Cego, que conhecemos.
No que precede encontramos diversas vezes a imagem da fissão do éter primordial. Esta imagem provavelmente deve a sua origem a outra semelhante na "Coroa Real" de Solomon ibn Gabirol. Numa metáfora poética, Ibn Gabirol fala da fissão do Nada a partir do qual Deus evoca o Ser. Esta imagem foi posteriormente transposta pelo círculo Iyyun, que estava muito familiarizado com a “Coroa Real”, para o éter primordial; por sua vez, o "Midrash de Simão, o Justo" o equiparou metaforicamente ao Nada, de modo que a conexão se tornou perfeitamente clara. Pode ser útil justapor as duas passagens onde este pequeno tratado fala da criação primordial, até porque pode servir de exemplo de um fenômeno que ocorre com frequência: as mesmas ideias são apresentadas em versões paralelas dentro de um único texto. (Eu corrigi as leituras de acordo com a Sra. Munich)
"E é dito sobre este assunto que antes do mundo e de qualquer criatura nele ser criado, o éter primordial era único e, em sua sublimidade, não se inclinava para nenhum lado. E o poder de Deus estava escondido nele, e Seu Kabhod estava totalmente irreconhecível, até que este éter se dividiu e Seu esplendor apareceu e Seu Kabhod foi revelado. Naquela hora, Ele produziu uma potência e a chamou de Chokhmah primordial. O conhecimento do éter primordial e do surgimento de Sua criação não foi revelado nem mesmo ao nosso mestre Moisés."
62b
"Antes de qualquer coisa ser criada, Deus era insondável e ilimitado, único e único (Yahid u-meyuhad),284 capaz de subsistir por Si mesmo na potência da existência (qiyyum)... E Seu poder não era discernível. Então, entrou em Sua mente produzir todas as Suas obras, e Ele criou uma primeira potência e a chamou de Chokhmah primordial, da qual surgiram as outras doze potências (correspondentes as treze Middot). Esta potência corresponde às dez (Sephiroth) na unidade indiferenciada que são as dez Sephiroth do retraimento (no Sepher Yetzirah), e é a isto que (Ecl 7,19) se refere: Chokhmah dá poder ao sábio mais do que dez governantes na cidade. O sábio é Deus e a realidade desta potência, que é o Chokhmah primordial, é uma luz de vida pura e completamente imaculada, inscrita e selada no esplendor da abóbada suprema (Shafrir), que é chamada de Nada desprovida de qualquer noção. E este é o mistério de (Jó 28,12) 'Chokhmah vem do Nada.' É esse poder supremo (aqui, literalmente: lado) que se chama vontade ilimitada. E por que é chamado de testamento? Pois pela sua palavra e pela sua vontade o ser foi produzido do nada. É também chamada de luz radiante ou glória de Deus, da qual se diz (Sl 104,2): 'Ele se cobre de luz como de uma roupa', pois é una em toda a sua luz e esplendor, como a chama que é una em todas as suas cores e que sobe ao infinito. Também é chamado de Um porque precede todos os seres primordiais que emanam de sua maravilhosa unidade. E esta Chokhmah é a mais elevada das dez Sephiroth."
63a
Embora no Fons Vitae de ibn Gabirol o termo sapientia seja geralmente sinônimo de vontade Divina,285 aqui ele está evidentemente situado abaixo daquele éter primordial que é ao mesmo tempo o divino e o Nada. Aqui a vontade aparece claramente como uma potência suprema em Deus, uma potência que se situa, por assim dizer, acima das Sephiroth, que só começam com a Chokhmah primordial. A identidade destes dois símbolos - pois é como tal que os cabalistas os concebem - originados de fontes tão diferentes foi geralmente aceite na Cabala Espanhola depois de 1250, sobretudo através da meditação de Azriel. O que ainda permanece obscuro é a contradição do próprio ibn Gabirol, que, na “Coroa Real”, colocou a sapientia acima da vontade, uma concepção que os cabalistas nunca adotaram.286 Fora isso, porém, o paralelo entre a poesia de ibn Gabirol e as passagens que acabamos de citar é impressionante. A Chokhmah primordial é o primeiro ser, conforme já concebido por Isaac, o Cego. As imagens da “Fonte da Sabedoria” e do “Midrash de Simão, o Justo” explicam, como já observamos várias vezes, o início solene do Zohar. A fonte de luz que irrompe da chama escura "divide o éter primordial que o rodeia e, como resultado da força desta fissão, um ponto supremo oculto é iluminado" - o primeiro logos, que nada mais é do que a Chokhmah primordial.287 Apenas o uso já estabelecido da expressão Ayn-Soph não deriva do círculo Iyyun; todo o resto é uma paráfrase de suas ideias mais vívidas.288
A predileção pelo arranjo de poderes primordiais, de potências autônomas de todo ser – que emanam da Divindade – permeia todos os escritos deste círculo. O “Midrash de Simão, o Justo” enumera oito dessas potências, cuja origem deve ser procurada em algum texto neoplatônico ou em sua reinterpretação. A hierarquia usual de estar entre os neoplatônicos é completada aqui por hipóstases adicionais. O autor fala da potência da unidade, da potência da existência, da potência da divindade, da potência do teste (que se enquadra menos apropriadamente nesta estrutura), da potência do inteligível, da potência do sensível (um termo que aqui , como em Azriel, sempre representa o mundo das almas), a potência do natural e a potência da renovação perpétua, koah hiddush. As explicações que ele dá sobre essas potências são ainda mais difíceis de entender do que os próprios termos e parecem estar relacionadas aos parágrafos mais impenetráveis da “Fonte da Sabedoria”. Estas potências ainda ocorrem aqui com bastante frequência; em outros lugares eles são encontrados quase exclusivamente em Azriel, que frequentemente se refere a eles em seus escritos. Talvez a fonte deva ser procurada em textos latinos, ainda não identificados, da escola de Scoto Eriugena.
Pseudo-Simão não estabelece nenhuma relação direta entre estas oito potências e as dez Sephiroth. Além disso, destes últimos, ele menciona apenas Chokhmah e Kether, que discute longamente. As 620 luzes em Kether, mencionadas em muitos escritos do Iyyun, são as "raízes da Chokhmah Primordial". A palavra Kether é derivada do verbo kathar, “esperar” (uma etimologia devida a Jó 36,2); é, portanto, a possibilidade cujo desenvolvimento infinito na produção de todas as coisas deve ser esperado. Esta parece ser uma referência indireta a Chesed e Din. Aqui, como em vários fragmentos de Isaac, o Cego, parece haver algum jogo de palavras com os derivados da raiz hebraica aman, cujas diferentes modificações aparentemente foram consideradas pelos mais antigos cabalistas da Provença como símbolos das mais diversas Sephiroth desde os mais elevados Omen em Isaías 25,1 para Amon, Amen, Emun e Emunah.289
Texto
O que chama a atenção é a ausência de simbolismo do feminino e da filha em conexão com a décima Sephirah. Está totalmente ausente nos textos mais importantes e é apenas brevemente indicado no comentário Sephirótico do segundo “Livro da Unidade”, onde não é de todo elaborado.
Este antigo motivo gnóstico, tão proeminente na tradição dos Bahir, e que subsequentemente sofreu um desenvolvimento tão poderoso entre os cabalistas espanhóis, carecia de qualquer força vital precisamente neste círculo. Os místicos Iyyun da Provença parecem não ter gostado da ideia de sizígias. A transformação de conceitos e metáforas neoplatônicos em imagens místicas, pelas quais tiveram um interesse tão decisivo, foi realizada por eles fora do mundo das imagens sexuais. A profunda diferença entre as fontes mais antigas da Cabala e o avanço que aqui ocorre dificilmente poderia ser acentuada com maior força. Por outro lado, a concepção das potências Divinas como uma árvore cósmica permanece muito viva, e em muitos escritos de Iyyun algumas dessas potências reaparecem como “raiz, ramo e fruto”.290
Uma curiosa relação com o misticismo Merkabah mais antigo é encontrada na interpretação especulativa do anjo supremo Anafiel, preservada em uma citação muito antiga do livro Iyyun que não aparece em nosso texto.291 Nas partes mais antigas da literatura genuína de Hekhaloth, a posição reservada para este anjo é ainda mais elevada do que a de Metatron.292 Sua posição é agora combinada com especulações sobre a primeira Sephirah, não na concepção cabalística estrita, mas no espírito da definição do Sepher Yetzirah da primeira Sephirah como o pneuma do Deus vivo, que poderia ser entendido metaforicamente como um "ramo de Deus" — na verdade, o significado literal de Anafiel.
No fragmento em análise, diversas determinações se cruzam. A primeira Sephirah é inexplorável porque não tem limites.
Mas é, ao mesmo tempo, também o taw consonantal, uma potência inteligível que se torna um anjo ainda mais elevado que o hashmal, superior, portanto, à potência do Merkabah, à qual tanta importância foi atribuída pelo círculo Iyyun. O anjo supremo da Merkabah, Anafiel é, portanto, ao mesmo tempo, a primeira Sephirah, e ocupa o lugar normalmente ocupado nos escritos deste grupo pelo éter primordial. Mas esta sefirá também é uma imagem primordial secreta, temuná, na figura do Homem; em outras palavras, é o Adam Kadmon que encontramos em um contexto muito diferente em outros escritos deste círculo. Isto está em perfeita conformidade com o misticismo dos querubins dos hassidim alemães. Ezequiel 1,26 está relacionado com Anafiel.
Na verdade, ele é ao mesmo tempo a vontade indivisível e indiferente, rason shaweh, que produz todas as criaturas; como tal, ele também é o pneuma que dirige, no espírito da visão de Ezequiel da Merkabah, o movimento interno dos seres espirituais que emergem dele no processo de diferenciação. Este movimento nasce quando a vontade se volta para a sua origem na “luz maravilhosa e sem nome” acima dela.
De acordo com esta ideia, o “Livro da Verdadeira Unidade” explica Anafiel como o serafim e o anjo postado sobre a unidade, cujo poder se ramifica em sete luzes que “estão diante do lugar da unidade como um fogo ardente” e que são idênticos aos sete serafins enumerados no capítulo 7 do "Tratado de Hekhaloth".293 Talvez esta decomposição do poder luminoso supremo em sete serafins ou luzes deva ser aproximada de certas noções dos cátaros, para quem o Paráclito era sétuplo e que falava das sete animae principales.294 Mencionei acima as impressionantes especulações hyle desses escritos. Apesar de todas as diferenças, os escritos do grupo Iyyun, sem exceção, consideram o hyle como um princípio positivo que tem o seu lugar como hipóstase entre as potências cósmicas. Nunca é concebido aqui como a raiz do mal. Temos assim os mesmos dois elementos que também encontramos em Ibn Gabirol. A depreciação neoplatónica do hyle desapareceu; sua posição, pelo contrário, é cada vez mais elevada. No próprio Sepher Iyyun a emanação era considerada livre de hyle. Foi somente após a emanação das Sephiroth, que brilham acima dele, que o hyle foi criado. Na lista dos trinta e dois caminhos, entretanto, o hyle – designado não como hiyuli, mas como golem – é uma das trinta e duas potências ou caminhos, mas não é nem o mais elevado nem o mais baixo deles. No “Midrash de Pseudo-Simon” a concepção é diferente. Aqui o hyle se encontra no limite da emanação e, voltado para fora, forma seu reverso.
Essa potência das costas, atrás da qual se esconde a concepção do hyle, é o principium individuationis, que primeiro diferencia todas as formas. Em direção a tudo o que é natureza e, portanto, é composto de matéria e forma, flui a força desta potência. Uma explicação muito diferente é encontrada no “Livro da Verdadeira Unidade”, onde o próprio Skekinah está no principium individuationis. O trono — que é o hyle no Fons Vitae de ibn Gabirol — é idêntico à potência da Shekinah, na qual todas as coisas entram sem forma para serem formadas e modeladas e para saírem individuadas através da matéria e da forma. A Shekinah é a origem de toda separabilidade; é a "mãe de todas as coisas vivas". Esta ideia pode basear-se numa concepção do hyle como feminino. As determinações de Pseudo-Simão com relação ao “traseiro”, o lado da emanação voltado para fora, são repetidas aqui, mas agora estão relacionadas a uma potência no próprio mundo das emanações. O “Mistério do Conhecimento da Realidade” rejeita a teoria de certos sábios ou comentaristas segundo a qual o hyle emanou diretamente de Deus como a primeira potência. Esta é de facto a teoria apresentada por Ibn Gabirol no Fons Vitae. Será que o nosso autor tinha em mente ibn Gabirol ou possivelmente fontes mais antigas para esta ideia, mediadas por textos de Isaac Israelita? Esta vacilação é característica da maneira pela qual o círculo Iyyun absorveu concepções filosóficas em seu universo cabalístico.
As Treze Middot, Dez Sephiroth e Três Luzes Acima delas em Pseudo-Hai.
Um ponto final, que não seria de pouca importância para a Cabalá posterior, continua a ser discutido. Como vimos, estes escritos em geral não estão excessivamente preocupados com a relação entre as ideias tradicionais das treze Middot do governo Divino e a doutrina recentemente cristalizada das Dez Sephiroth. Isto não é de todo surpreendente, pois, no geral, os autores deste círculo preservaram uma concepção teísta perfeitamente pura de Deus. As luzes e potências inteligíveis discutidas aqui, bem como as próprias Sephiroth – na medida em que são mencionadas – dificilmente podem ser consideradas aspectos do mundo Divino interior. Este é ainda menos o caso, naturalmente, das descrições dos processos cosmogônicos que ocorrem dentro e abaixo do éter primordial. Aqui está como um autor descreve o éter primordial:
"Por que é chamado de éter primordial? Porque é uma luz nas alturas do 'araboth, céu, e é como uma vestimenta de raios que vem da luz da Magnificência de Deus, o criador dos mundos, e que se estende por todo o kabhod, todos em volta. Sua clareza é excessiva e irradia, por isso é chamado de éter inapreensível, e não porque ali houvesse outras potências que o precedessem."
Para quem escreve desta maneira, nem o Éter primoroidal nem qualquer outra coisa é um elemento ou aspecto do mundo da própria divindade, que está claramente situado acima de todas as outras coisas. O que é descrito aqui não são eventos dentro do mundo da Divindade, mas eventos fora dele, eventos que ocorreram no início da criação do mundo da Merkabah, não importa quão transformado este mundo da Merkabah possa se apresentar aqui para um Pensamento platonizante.
Mas já deve ter havido em Provença cabalistas que conceberam claramente as Sephiroth, na continuação do Bahir e da tradição do círculo de Rabad, como aspectos da Divindade. Conseqüentemente, eles devem ter se perguntado como a suposição das dez Middot Divinas na doutrina das Sephiroth poderia ser reconciliada com a ideia talmúdica mais antiga das treze Middot da misericórdia e governo Divinos. Possuímos uma citação onde tal explicação, sem dúvida antiga, apesar de sua atestação tardia, é atribuída a Isaac, o Cego.
296
É claro que é muito improvável que realmente venha de Isaac, uma vez que seu sobrinho Asher escreveu um tratado detalhado sobre esses treze Middot sem se referir de forma alguma à tradição atribuída a seu tio em sua citação posterior. De acordo com esta tradição, as treze Middot correspondem aos membros do corpo humano, desde o cérebro até aos ombros e aos braços, sem descer mais. A divisão estabelece apenas equivalências parciais às Sephiroth, das quais nem todas as dez são apresentadas, mas apenas as sete primeiras, na ordem do Bahir. As treze Middot são, portanto, modificações desses sete poderes sefiróticos em termos de um simbolismo Shi'ur Qomah.
O problema aparece sob uma luz completamente diferente num responsum falsamente atribuído a Hai Gaon por um personagem anônimo da Provença, provavelmente por volta de 1230. Enquanto a tradição acima mencionada não desempenhou nenhum papel significativo na literatura cabalística subsequente, o responsum de Pseudo-Hai ocupou um lugar importante. lugar importante a partir do final do século XIII e influenciou o desenvolvimento de muitas especulações cabalísticas subsequentes até o século XVI.297 O texto também foi preservado em muitos outros manuscritos cabalísticos antigos. A fraseologia é definitivamente a do grupo 'Iyyun. Os místicos ainda não são chamados de cabalistas, mas de ba'ale reshumoth, como em outros textos da mesma proveniência.298 A palavra mequbbalim ocorre apenas em combinação de adjetivos: “Nossos professores, que receberam dos lábios dos antigos eruditos”, embora a tradição referida seja obviamente esotérica. No texto deste círculo que Moisés de Burgos ainda tinha diante de si, a contradição entre os números dez e treze é resolvida assumindo a existência, abaixo da décima Sephirah, de três potências nas quais manifesta os seus poderes.299 A concepção de Pseudo-Hai é totalmente diferente. Segundo ele existem, acima da primeira Sephirah, na “raiz das raízes”, três luzes ocultas que são chamadas, seguindo uma antiga tradição: a Luz Primordial Interior, ou Aur Penimi Kadmon (אור פנימי קדמון); a Luz transparente (ou: ultraclara), ou Aur Mezuchzach (אור מצוחצח); e a Luz Clara, ou Aur Tzach (אור צח). Os três adjetivos são, no entanto, característicos da fraseologia empregada no círculo Iyyun. A tradução da parte principal do responsum de Pseudo-Hai é a seguinte:300
"A resposta à sua pergunta (sobre esse relacionamento) exige uma penetração profunda. Na verdade, muito antes de nós e antes de vós, esta questão já havia sido levantada nos dias dos nossos antigos sábios. A explicação é longa, nem de um dia nem de dois dias, pois está profundamente ligada à ciência esotérica que estava escondida nos aposentos dos profetas e na tradição dos místicos. É por isso que os caminhos desta resposta são profundos, mesmo que ela só chegue até você brevemente.
As treze Middot de que fala a Torá são ramos e derivações que procedem dos dez graus que são chamados Sephiroth, alguns deles correspondendo a outros, com outros três (graus) ocultos, princípios supremos (literalmente: chefes dos chefes), e mesmo que não sejam encontrados entre vocês, eles são transmitidos aos santos estudiosos de tempos anteriores. As 'derivações' são os modos de ação chamados Middot, qualidades. Mas as raízes, que são os pais, são chamadas Sephiroth – não porque devam ter um número, ou porque elas próprias são números, mas de acordo com o segredo dos dez mundos, que nascem delas. Pois para eles não há determinação numérica, nem caminho para apreendê-los, exceto Aquele que os criou. E Salomão indicou isso, quando disse no Cântico dos Cânticos [6,8]: inumeráveis mundos.301 Por respeito ao seu aprendizado, transmitiremos a vós os nomes das Sephiroth, tal como os recebemos dos nossos mais velhos, embora não estejamos de forma alguma autorizados a revelar-lhe mais sobre a glória oculta. As dez Sephiroth são divididas em sua formação em três primeiras e sete últimas. Os três primeiros são: a Luz Maravilhosa, uma Luz que não pode ser apreendida, mas que corresponde ao 'Pensamento Puro'. A ela correspondem as (duas outras) Luzes do Conhecimento e do Intelecto,302 pois o pensamento governa ambos. Os sete últimos são sete luzes. Três deles são a casca do mérito e a casca da culpabilidade, e o equilíbrio entre os opostos é o perdão (misericordioso) que os harmoniza. A quarta luz deu origem novamente ao mundo das almas, que os místicos chamam de fundação do mundo, mas os sábios do Talmud chamam os justos do mundo. Existe, além disso, uma luz externa, que se chama fogo devorador e cujos braços são o norte e o direito, e representa o fim de todas as luzes e o início de todos os atos. Agora vou indicar-lhe as três luzes supremas acima das dez Sephiroth, que não têm começo, pois são o nome e a substância da raiz das raízes, e o pensamento não pode compreendê-las, para a compreensão e o conhecimento de tudo o que é criado. são muito curtos para isso. Em nome de nossos santos anciões, recebemos seus nomes: a luz primordial interior, a luz transparente e a luz clara, e tudo é uma luz e uma substância, e uma raiz infinitamente oculta...
E quando os místicos dizem isso as Sephiroth são como luzes, não significam que sejam parecidas com a luz do sol, da lua e das estrelas, mas espirituais, sutis, claras e internas, um esplendor que irradia as almas. Empreendemos todos os tipos de investigações com nossos mestres e recebemos dos lábios dos antigos estudiosos, a fim de saber se as três (Luzes) Supremas têm nomes particulares para si mesmas, como aquelas que estão abaixo delas. E descobrimos que todos eles compartilham a opinião de que, devido à grandeza de sua ocultação, seus nomes não podem ser conhecidos, exceto aqueles nomes que lhes são atribuídos como (aquelas Três) Luzes e, portanto, a raiz sem começo também não tem nome conhecido. E o Nome de quatro letras e, ainda mais, todos os outros epítetos [de Deus] estão relacionados especificamente à Glória criada, embora o Tetragramamaton, que é a base de todos os graus (das Sephiroth), esteja escrito na forma, conhecida entre os místicos, de pontos sutis.303 Isto indica o segredo maravilhoso de que eles (os graus das Sephiroth, simbolizados pelo Tetragrama) tomaram matéria e forma espiritual a partir do poder dos três graus que são nome, substância e raiz. A primeira letra (Yod) ascendeu da raiz oculta e se difundiu como uma luz do Pensamento, e eles (?) se expandem na substância da raiz, nela e não fora dela. Delas (as três luzes), a matéria e a forma tiraram o poder do conhecimento (Chokhmah) e o poder do intelecto (Binah) e são o início da criação espiritual oculta. E este primeiro ponto recebeu (desde sua origem na luz primordial) um forte e maravilhoso poder de formação, de modo que nele se formam dez graus da maneira mais sutil. Assim, o seu número aumenta para dez. E da potência deste ponto dez graus também se materializam na forma da letra Hê, que o segue, e são indicados pelos pontos da grafia correta que recebemos de nossos antigos mestres. E todos os poderes estavam escondidos nele (o Hê) como num tesouro espiritual. Do poder desta segunda forma, matéria e forma tomaram as seis 'direções do mundo' (que correspondem às seis Sephiroth e a Binah). Nesta letra Vav (cujo valor numérico é seis), os poderes que estavam ocultos na segunda letra apareceram de forma mais manifesta, e através deles as palavras ocultas começaram a ser conhecidas. É por isso que os sábios das Sephiroth chamam esta Sephirah de Aspecto (mar'eh, literalmente: o tornar-se visível) do mundo oculto. O último ele (do Nome Divino) é a preparação (Tikkun) do efeito, e traz todos os poderes ocultos ao seu efeito completo e é a perfeição de todos os poderes."
Em resposta a uma outra questão supostamente colocada a respeito do significado dessas três luzes, Pseudo-Hai cita a mesma tradição do Texto de R. Hammai. Este “texto” é idêntico ao fragmento acima mencionado do “Livro da Unidade” de Hammai.
304
Diz-se aqui que as três luzes 305 são uma só coisa e uma só substância que “se encontram sem separação e sem união, na mais íntima relação com a raiz das raízes”. Como ilustração concreta de tal ligação, o autor menciona a relação entre o coração, os pulmões e o baço, que têm uma raiz comum com todas as outras partes do organismo. Da mesma forma, dessas luzes primordiais fluem as três Sephiroth supremas de “Pensamento Puro”, “Conhecimento” e “Intelecto”, através das quais todas as “chamas espirituais” adquirem substância, embora permaneçam ligadas ao carvão que as nutre. A continuação do texto é aquela citada acima nas páginas 329-30. As três responsas do Pseudo-Hai, portanto, referem-se claramente umas às outras. Em dois deles é proposta a doutrina das três luzes primordiais; dois deles transmitem a antiga grafia mágica do Nome Divino, postulando uma relação especulativa entre ele e o desenvolvimento das dez Sephiroth indicadas em suas quatro consoantes. As apresentações da doutrina das luzes primordiais diferem na medida em que na primeira exposição, mais detalhada, a "raiz de todas as raízes" não é colocada acima delas como na segunda, mas as próprias luzes (como diz a versão correta) são "nome e substância da raiz de todas as raízes.” Todos os três são eles próprios uma luz, uma substância e uma raiz infinitamente oculta.
As Sephiroth fluem deles como potências supremas que de alguma forma possuem matéria e forma inteligíveis. Esta última ideia não é encontrada em nenhum outro lugar nos documentos mais antigos que tratam da doutrina das Sephiroth e parece-me ter alguma relação com a doutrina de ibn Gabirol sobre a composição de todas as essências inteligíveis da matéria e da forma. A ênfase colocada aqui na repetição dos dois aspectos da matéria e da forma em cada novo nível do processo Sephiroth prova que era, para o autor, mais do que uma mera figura de linguagem fortuita.
O que é verdadeiramente notável em toda esta ideia é, naturalmente, a trindade das três luzes ocultas que fluem sem distinção e sem começo na substância da Divindade, misturam a sua radiação no seu meio e emanam dela nas três Sephiroth supremas. Acima do "pensamento puro" que encontramos no Bahir e ainda mais claramente em Isaac, o Cego, como a Sephirah mais elevada, vemos agora aparecer no meio da própria Divindade a "raiz das raízes", aquela tríade enigmática, que é , porém, distingue-se da Trindade Cristã por um caráter completamente impessoal e pela ausência de quaisquer relações específicas entre seus elementos. O autor destas responsa obviamente não se contentou com a doutrina proposta no Sepher Iyyun e a “Fonte da Sabedoria” dos treze pares de oposições que procedem do éter como potências primordiais; ele os substituiu por uma concepção que é, por um lado, mais simples, mas por outro lado, muito mais paradoxal. A porta foi assim aberta para novas especulações místicas que permitiram assumir níveis ainda mais profundos da Divindade acima do mundo das Sephiroth. Não é de admirar que esta ideia tenha posteriormente adquirido grande importância na doutrina dos cabalistas do século XIV, mas sobretudo do século XVI, no que diz respeito às chamadas sahsahoth, as luzes ultraclaras ou transparentes que formam as raízes do mundo das Sephiroth.
As diversas soluções oferecidas neste círculo para a determinação da relação entre as dez Sephiroth e as treze Middot mostram que não havia interesse específico numa doutrina da Trindade. O segundo responsum de Hai ou Hammai complica ainda mais a solução do problema quando supõe a existência de uma ligação interna entre a “raiz das raízes” e as três luzes, mas não as identifica de forma alguma. A única função destas três luzes é servir como fonte e origem para as Sephiroth supremas que mais tarde revelam tudo a partir de si mesmas. Eles não são pessoas nem “hipóstases” em Deus. Portanto, se por um lado eles podem ser considerados como o último estágio provisório de um processo que começou no mundo Merkabah, e pelo qual os místicos procuram penetrar em esferas cada vez mais elevadas, então, por outro lado, não pode ser descartada a possibilidade de que esta solução específica para a questão do carácter dos treze Middot foi desenvolvida com plena consciência da Doutrina Cristã da Trindade, embora com a eliminação de tudo o que constituía o seu carácter propriamente Cristão. O que resta é uma tríade suprema e inteligível, mais reminiscente das tríades encontradas no universo espiritual de Proclo do que na dogmática Cristã. Poderia, talvez, ser descrito como uma reversão da noção Cristã para um misticismo de luz mais puramente neoplatônico. As próprias Sephiroth, nesta ordem de ideias, são claramente criadas, enquanto a tríade de luzes ilumina umas às outras, incriadas, sem começo, na raiz oculta.
Que os cabalistas não ignoravam uma possível ligação entre estas ideias e a Trindade Cristã é provado pelo testemunho do polemista judeu espanhol Profiat Duran. Em sua obra anticristã "Ignomínia dos cristãos", composta em 1397, ele relata ter ouvido em sua juventude muitos adeptos da Cabalá expressarem a opinião de que os Dogmas Cristãos da Trindade e da Encarnação teriam surgido de uma interpretação errônea da doutrina cabalística. Para ele, Jesus e seus discípulos não seriam apenas grandes mágicos - uma opinião muito difundida no judaísmo medieval - mas verdadeiros cabalistas, "apenas a Cabalá deles estaria cheia de erros".
“A doutrina da trindade, que eles atribuíram erroneamente à divindade, surgiu entre eles como resultado de seus erros nesta ciência (a Cabalá) que estabeleceu a luz primordial, a luz radiante e a luz transparente.”306
Também não faltaram, já na segunda metade do século XIII, oponentes filosóficos da Cabala que, nada sabendo desta tese das três luzes, afirmaram, no entanto, que a doutrina das dez Sephiroth era de origem cristã.307 Esta tese é, como mostrou o nosso relato da verdadeira história da ideia das Sephiroth, tão falsa quanto as suposições infundadas dos cabalistas a respeito dos Dogmas Cristãos. É, aliás, surpreendente que a doutrina de Pseudo-Hai tenha permanecido inicialmente desconhecida pelos Cristãos estudiosos da Cabalá, que só a retomaram depois de meados do século XVI.
(Origins, 309-354)
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Judeus na União Soviética
Os judeus soviéticos não formavam “uma entidade homogênea, compartilhando percepções uniformes de si mesmos e de seu ambiente não judaico”. Embora variações baseadas em antigas diferenças geográficas asquenazes entre litvaks (judeus lituanos e bielorrussos), judeus ucranianos, judeus poloneses e outros falantes de iídiche tenham perdido a maior parte de seu significado para a geração mais jovem, diferenças contemporâneas entre judeus que viviam em cidades como Moscou, Leningrado, Vilnius, Riga, Kishinev ou Odessa certamente desempenharam um papel. Ainda mais ampla e profunda poderia ser a lacuna entre os moradores da cidade e aqueles que viviam em cidades provinciais. Havia também uma divisão entre os judeus “antigos soviéticos” e aqueles que se tornaram soviéticos em 1939 ou 1940. Essa divisão era particularmente palpável nas áreas que se tornaram soviéticas em 1939 e 1940 e viram a imigração de população, incluindo judeus, de outras partes do país.
Junto com os judeus predominantemente asquenazes, isto é, falantes de iídiche e seus descendentes, vários outros subgrupos etnorreligiosos constituíam uma minoria entre os judeus soviéticos: judeus georgianos (mais de trinta e cinco mil), judeus das montanhas ou caucasianos (mais de vinte e cinco mil), judeus de Bukharan ou da Ásia Central (mais de vinte mil) e grupos menores de vários milhares de judeus krymchaks, caraítas e do Curdistão. Na maioria das vezes, havia pouco em comum, além de uma educação e experiência soviéticas, entre eles e os judeus asquenazes que as pessoas em muitas partes do país, especialmente na Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Moldávia, Lituânia e Letônia, conheciam como vizinhos, colegas, colegas de estudo ou até mesmo membros da família, com seu (uso decrescente de) iídiche, nomes familiares e lugar notavelmente visível em vários domínios da vida soviética, como medicina, pedagogia, jornalismo, cultura e ciência. Contatos entre judeus de diferentes subgrupos eram raros, especialmente fora das áreas da Ásia Central e do Cáucaso, onde a maioria dos judeus não asquenazes vivia desde os tempos antigos e eram, via de regra, mais conhecidos pela população local do que os judeus asquenazes.
Poucos judeus e não judeus já ouviram falar de pequenos grupos de russos étnicos, os Subbotniks, que estavam espalhados pelo país, incluindo, como já sabemos, a Região Autônoma Judaica. Essas seitas surgiram mais de dois séculos antes, quando buscas religiosas levaram alguns cristãos a abraçar a Torá, mudando seu dia semanal de oração para o sábado (subbota em russo) e adotando a circuncisão, bem como outras práticas judaicas. Embora geralmente se identificassem como crentes não judeus, também havia alguns que se consideravam judeus e até tinham isso registrado em seus documentos. Presumivelmente, pessoas do último grupo foram contadas como judias durante o censo de 1959.
A partir de 1938, os cidadãos soviéticos foram restringidos em sua escolha de etnia. Daí em diante, eles receberiam a identidade étnica de seus pais. Aplicada aos judeus, essa regra universal significava que se ambos os pais fossem judeus, seus descendentes seriam automaticamente categorizados como judeus. Crianças nascidas de pais de etnias diferentes tinham, aos dezesseis anos, uma escolha binária entre as origens da mãe e do pai. Como resultado, pessoas completamente aculturadas nascidas de dois pais judeus não tinham um caminho legal para a assimilação burocrática completa na forma de classificação legal como, por exemplo, russos, georgianos ou lituanos. É importante ressaltar que as pessoas não podiam se identificar como genericamente "soviéticas"; todos tinham que ter um rótulo étnico que de alguma forma conotasse seu status na sociedade.
Para o número crescente de judeus sem vínculo religioso, linguístico, organizacional ou territorial com a judaidade, a designação “judeu” em seu passaporte, juntamente com seus laços familiares, tornou-se a principal âncora de sua identidade étnica. Era um novo tipo de consciência judaica: uma concepção psicológica mais subjetiva de distinção, com ênfase mínima em critérios religiosos e culturais evidentes. Havia uma divisão clara entre aqueles que carregavam cultura e identidade ativas e aqueles que carregavam cultura e identidade passivas. Judeus da primeira categoria estavam envolvidos na criação e consumo de vários artefatos culturais (livros, comida, celebração de feriados, etc.), enquanto a visão de mundo e a perspectiva cultural dos judeus “passivos” “não eram necessariamente conscientemente étnicas”.
Jews in the Soviet Union: A History: After Stalin, 1953–1967 - Gennady Estraikh
#união soviética#traducao-en-pt#cctranslations#jewsinsovun-as-ge#asquenazes#iídiche#rússia#SocDRel#judaísmo
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El origen del Domingo de Ramos
Los ramos de la fiesta del Domingo de Ramos evocan, como se dijo, la Fiesta de las Tiendas (Succot). Durante esa fiesta judaica, se erigían tiendas elaboradas con alguna planta, preferencialmente ramas de palmeras, muy abundantes en Tierra Santa. De hecho, la palmera era conocida como la reina de los árboles (tal vez por su formato). De hecho, el formato de sus ramas tiene también el sentido de representar la vida como que saliendo del centro.
En la propia representación de Judea capturada después de la destrucción del segundo Templo, ella es representada por una mujer sentada bajo una palmera. Una ciudad famosa de Judea, Jericó, junto a las márgenes del Río Jordán, tiene el significado de «ciudad de la palmera». Con todo, las ramas probablemente fueron cogidas del Monte de los Olivos.
Simbolismo del Domingo de Ramos
El verde de esas palmas (o ramos) del período en que ocurrió el Domingo de Ramos significa la victoria y el júbilo (simbolismo común incluso entre los paganos), de acuerdo con lo que se puede interpretar del Apocalipsis: «Después de eso, es que vi una gran multitud, que nadie podía contar, de todas las naciones, tribus, pueblos y lenguas. Estaban de pie delante del trono y delante del cordero, trajeados con vestiduras blancas y con palmas en la mano» (Ap 7,9). Las palmas pronto se tornaron símbolo de la victoria de la fe de aquellos que sufrían el martirio.
También en los libros de Judith y II Macabeos es posible encontrar la referencia de los ramos a la felicidad (Jd 15,12; 2Mac 10,17). Así, Simón Macabeo entra a la ciudad de Jerusalén «entre aclamaciones y (ramos de) palmas» (1Mac 13,51), como demostración simbólica de homenajes. En efecto, antiguamente se premiaba las victorias en juegos con palmas (o laureles).
El simbolismo de la «Pascua Florida» (otro nombre, como vimos, para el Domingo de Ramos) es que esa fiesta invita a que nuestra vida «florezca», o sea, que hagamos una «procesión» en dirección a la virtud. 6
Ya las vestiduras lanzadas al piso simbolizan la humildad y la veneración, pues la multitud no poseía alfombras para ofrecer, como sería conveniente al paso de un rey. El burrico y las vestiduras (Mt 21,7) colocadas sobre el animal significan esa realeza de Cristo.
¿Fiesta de la alegría?
De acuerdo con Flávio Josefo, la alegría debería ser la característica de la fiesta de los tabernáculos (Ant. Jud., VIII, 4,1; XV, 3,3). Ese carácter festivo es también esencial para el Domingo de Ramos en la liturgia católica. Eso es manifestado por los felices cantos de «hosannas» (que significa algo como «viva» o todavía «ruego que me ayudes» en portugués; en inglés sería algo análogo al «God save the King«). En ese sentido, la fiesta también es conocida como «Dominica Hosanna«.
Tomado de GaudiumPress
Fotos Pastoral Juvenil de Honduras
#domingoderamos #semanasanta #jesús
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Lilith é frequentemente mencionada de diferentes formas. Seus mitos abrangem vários textos antigos provenientes das culturas mesopotâmicas, dos cristianismos e dos judaísmos. Ela também é reconhecida na mitologia grega e romana. Ela empresta seu nome e reputação à ficção, sendo mencionada em diversos gêneros, desde seriados americanos, como Frasier, até anime japonês, como Neon Genesis Evangelion, Trinity Blood e Yami to Boushi To Hon No Tabibito. Ela também aparece nos quadrinhos ocidentalizados; a Marvel Comics tem duas Liliths: uma é a filha vampírica de Drácula e a outra é uma feiticeira demoníaca da série Ghost Rider. A DC Comics retrata Lilith Clay, também conhecida como Omen, como uma jovem vidente, personagem de longa data da série Teen Titans. O nome de Lilith aparece até mesmo nas páginas de jornais e artigos científicos - 1181 Lilith é um asteroide do cinturão principal, descoberto em fevereiro de 1927 por Benjamin Jekhowsky. Entretanto, quais são as origens das construções mitológicas mais antigas a respeito dessa figura? A Lilitu suméria é a mesma Lilith da mitologia judaica, a primeira esposa de Adão? Essas e outras perguntas serão respondidas ao vivo dia 22 de novembro, às 18h, numa aula incrível com Angela Natel. Ative já o lembrete para não perder! https://www.youtube.com/watch?v=YsJopxnr9B0
Em virtude de questões de saúde, a live com a Dra. Tupá Guerra foi adiada e será reagendada posteriormente. Mandem muito amor para ela enquanto se recupera e se prepara para novos desafios em sua vida. Instagram: @tupaguerra
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Shakespear, Kabuki e o Haraqiri.
Por: Fred Borges
Em homenagem a todos que partiram sem se despedir na pandemia
Palavras chave: Kabuki 歌舞伎;Shinjyuu 心中; Aokigahara (青木ヶ原);Seppuku 切腹;wakizashi (Kanji: 脇差 Hiragana: わきざし
Estavam ambos sentados um em frente ao outro. Não se encaravam. Os olhos estavam direcionados as xícaras de chá de jasmim.
Uma névoa( 靄
Moya) provavelmente do calor da água fervente embaçava visão, os óculos e os olhos de um e do outro.
Estavam decididos, decisivo foi o desemprego causado pela pandemia.
O silêncio imperava. Estavam ambos preparados. Como num teatro Kabuki, contrariando o governo, haviam decidido terem dividido a árdua e orgulhosa tarefa do punhal penetrando direto no coração.
A hipocrisia e cinismo social os impedia e os impelia a aludida alusão, desilusão a decisão.
A decisão final, fatal, cabal, da cabala judaica oriental, o shinjyuu, eram desconhecidos, conhecida e reconhecida só a cumplicidade do ato final.
Haviam lido, estudado, planejado todo o início dos seus fins,enfim, todo o processo, do jejum,banho,higiene, ao tipo de arma branca, nunca branda, a lâmina afinada e afiada, a empunhadura, postura,a firmeza, a arte, os cantos que deveriam cantar diante do chá,e da mesa.
O Kintsukuroi (金 kin = ouro | 継ぎ tsugi = emenda) poderia ser a solução,mas a decisão já havia sido tomada.
Jasmim era o chá- Suas propriedades para saúde são muito conhecidas por aliviar o estresse; diminuir a ansiedade, a tensão e a exaustão nervosa.
Ajudaria a combater os sintomas da depressão, é excelente calmante e favorece o sono tranquilo.
Sono eterno.
Sono de sonhos de Akira Kurosawa e pesadelos também.
Estavam determinados, leram a história e os fundamentos do Kabuki, tinham visto os filmes de Akira Kurosawa , tinham visto sua ascenção e declínio, seu drama e direção dos seus filmes,de introdutor do gênero chambara
チャンバラ ou (samurai) no cinema, com temas como a honra acima de tudo.
Da sua biografia,sofrendo de fadiga mental em 1971, tentou frustradamente suicidar-se cortando os pulsos por mais de trinta vezes.
Sabia que Akira e agora( 今
Ima)precisavam e tinham a disciplina de celebrar suas origens culturais, afinal era uma vergonha e uma afronta a honra e dignidade estarem ambos desempregados.
Haviam lido que o primeiro harakiri registrado na história data de 1170, quando Minamoto Tametomo, figura quase lendária do clã Minamoto, suicida-se após perder uma batalha contra o também famoso clã dos Taira.
O suicídio ritual ainda tem e tinha antigamente grande significado para o povo japonês.
Vencendo o medo da morte, o samurai vencia também esse grande enigma da humanidade, "ser ou não ser eis a questão", e destacava-se então das outras classes existentes na época.
É esse mesmo espírito do samurai que levaram os pilotos suicidas (kamikases) a explodirem junto aos seus aviões durante a Segunda Guerra Mundial.
Impensável, imponderável, inadmissível ao mundo ocidental, ao microscópico universo americano.
Inserido a este contexto temos o kabuki (歌舞伎?) ou cabúqui que é uma forma de teatro japonês, conhecida pela estilização do drama e pela elaborada maquilhagem utilizada pelos seus atores.
O significado individual de cada ideograma é canto (ka) (歌), dança (bu) (舞) e habilidade (ki) (伎), e por isso a palavra kabuki é por vezes traduzida como "a arte de cantar e dançar".
Esses ideogramas, entretanto, são o que se chamam de ateji (ideogramas usados apenas com sentido fonético) e não refletem a mesma etimologia da palavra.
Acredita-se, de fato, que o kabuki derive do verbo kabuku, significando aproximadamente "ser fora do comum", donde se depreende o sentido de teatro de "vanguarda" ou teatro "bizarro".
Algo " fora do comum" aconteceu e acontece até hoje na pandemia e suas externalidades.
A sua origem remonta ao início do século XVII, quando se parodiavam temas religiosos com danças de ousada sensualidade para uma sociedade tradicional e conservadora na época e até hoje.
Lá o certo é o correto e íntegro ou moralmente e eticamente coerente.
No ano de 1629, esse tipo de teatro foi proibido pelo governo.
O espetáculo passou a ser encenado então por rapazes que interpretavam papéis femininos.
Contemporaneamente, o teatro kabuki tornou-se um espectáculo popular que combina realismo e formalismo, música e dança, mímica, encenação e figurinos, implicando numa constante integração entre os atores e a plateia de significado cultural.
Logo, os dois, sentados diante do chá, adotaram a pintura de morte e vida divergente e convergente, yin e yang nas suas faces, espelhos e cores azuis foram colocados no pequeno apartamento, um paradoxo universal entre a vida e a morte.
Leram sobre a adversidade causada pelas mulheres no Kabuki, e um se vestiu de vida e o outro da morte,homem e mulher,mas ambos eram homens, ambos tinham o mesmo objetivo e meta- dar fim a vida.
O local estava frio, o chão estava quente, as armas brancas e nunca brandas, suas lâminas estavam preparadas, lavadas com água da nascente do monte Fugi( 富士山) para o ritual.
Não haveria o papel coadjuvante do kaishakunin, não haveria o kimono branco, não haveria glória, seria uma tragédia Shakespeariana aos olhos ocidentais, olhos de um Romeu e uma Julieta, seria a negação da vida, do amor, pela morte.Seria o encontro na posteridade com a paz.
Diria Romeu: “Minha generosidade é tão ilimitada quanto o mar,
Meu amor é tão profundo; quanto mais te dou,
mais tenho, pois ambos são infinitos.”
No lugar disto recitariam o poema da morte dos Samurais:
"Não serei para ti um fardo pesado,
Nem permitirei que se ponham contra mim.
Pai... Veja como eu sangro!
As minhas escolhas levaram-me a perambular
Num labirinto de espinhos...
Todos estes anos eu estive perdido.
Minhas vestes brancas estão vermelhas,
Porém meus punhos e tornozelos
Não serão por grilhões feridos.
Lutei a vida toda em nome da honra
E hoje por meu orgulho fui vencido.
Eu não descansarei em campos floridos,
Serei jogado em terreno incerto...
Lá onde as cadelas vorazes dilaceram os pródigos
E as arvores sangram e choram o pranto dos suicidas.
Pai eu estou sangrando... Pai eu estou ferido!
E logo os meus inimigos irão me encontrar,
Não deixarei que me tomem prisioneiro
Eles não conseguirão me escravizar.
A espada que um dia me salvou
Será a arma que irá me sentenciar,
Adeus ó amigos... Adeus ó pátria
O teu filho a ti não retornará"
Assim tomam o chá e enfiam a katana um no coração do outro, o chão branco fica vermelho, a vida é infinitamente tão frágil...
FIM.
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“Nós não temos direito a este país”
Expulsão dos palestinos pelos judeus há 75 anos
O professor apareceria diante dos alunos e proferiria o seguinte discurso: todos nós sabemos que os judeus não são um povo, mas sim uma comunidade religiosa. A Europa nos cuspiu para fora no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Como nós não podíamos ir a lugar algum, nós usurpamos a terra de outras pessoas, sem perguntar. Por isso os árabes nos odeiam.
Passar a régua e deixar tudo como está?
Existe afinal de contas um povo judeu? A diáspora é apenas um mito que visa justificar a direito à Palestina histórica? Com teses ponderadas, o historiador israelita Schlomo Sand coloca em dúvida muitas coisas óbvias para muitos judeus – seus colegas protestam indignados.
É esse ditado alemão que fascina Schlomo Sand: muitos inimigos, muita honra. “Às vezes eu gostaria de ter menos inimigos, mesmo se significasse um pouco menos de honra” , reflete o historiador israelita em sua sala na Universidade de Tel Aviv. “Mesmo assim, a coisa vale a pena” , afirma o acadêmico de 63 anos.
A coisa, isto é, o livro com o qual Sand desencadeou uma discussão amargurada em sua pátria israelita há dois anos: “A invenção do povo judeu” chama o trabalho que apareceu naquela época em hebraico e desde há algumas semanas, agora em alemão.
A tese defendida ali é polêmica, para muitos até inadmissível: não existe prova científica da expulsão do povo judeu da Terra Sagrada no ano 70 depois de Cristo, escreve Sand. Em conseqüência disto, ele afirma:
– os judeus não são, portanto, um povo que estaria espalhado pelo mundo ao longo de 2.000 anos
– as comunidades judaicas da região do mediterrâneo e Europa são antes de tudo produto de um trabalho missionário dos religiosos judeus
– judeus não são uma etnia, mas sim meramente uma comunidade religiosa, à qual teriam se juntado grupos de diferentes origens.
Em um país onde cada criancinha já sabe que os judeus procedentes da Alemanha e do Marrocos, Etiópia e Iraque têm a mesma herança cultural e genética, isso soa como alta traição.
“Eu perdi um monte de amigos”.
“Eu coloquei em dúvida o mito fundamental da sociedade judeo-israelita”, declara Sand a respeito da avalanche de indignação, que ele ocasionou quando publicou seu livro. A legitimação do Estado de Israel é derivada a partir do exílio onde os judeus teriam vivido ao longo de 20 séculos. “Este exílio nunca existiu, e com isso o sionismo se torna supérfluo”, diz Sand. “Como querem legitimar o ‘retorno ao lar’ dos judeus em sua antiga Pátria, se os judeus nunca deixaram essa região?” Suas pesquisas abalaram “os fundamentos da moderna Israel”, diz Sand convencido.
Mesmo que não se queira ir tão longe: o trabalho de Sand provocou enorme repercussão. Ao longo de 19 semanas, seu livro figurou na lista dos best-sellers da França. Entrementes, “A invenção” foi traduzida em seis línguas, outras 11 edições estrangeiras estão em preparação. Porém, ao orgulho de Sand mistura-se um pouco de melancolia: não apenas por receber milhares de cartas repletas de ódio, com diversas ameaças contra sua vida. “Eu perdi muitos amigos”, diz Sand.
Um motivo para a agitação: Sand aponta seus colegas historiadores como co-responsáveis pela construção de um mito. Sua reação foi respectivamente contundente. Sand deveria ter continuado a se ocupar com a história francesa, do que se meter nas especialidades de outras pessoas. A suposição de Sand que haveria uma espécie de conspiração entre os cientistas judeus em promover um clichê histórico, é “pura fantasia”, escreve Israel Bartal da Universidade de Jerusalém no jornal “Haaretz”.
Um Statement político
O que torna o trabalho de Sand problemático, são as derivações políticas que ele faz a partir de suas pesquisas históricas, escreve um famoso comentarista. Sand conclui que Israel é um país racista e anti-democrático, onde não-judeus são descriminados sistematicamente. Como podem denominar Israel uma democracia, se 2,5 milhões de palestinos dos territórios ocupados não possuem direito para dialogar? “Naturalmente isso é um statement político”, diz Sand, que vê a si próprio como um historiador consciente em boa companhia. “Historiadores produzem o canhão ideológico com o qual se definem comunidades, nossa profissão é política por natureza.”
Alguém ainda pode continuar a ignorar por que a historiografia atual do holocausto judeu ainda deva ser mantida com unhas e dentes? A verdade histórica em torno deste episódio deve ser ocultada, a versão atual dogmatizada, mesmo que isso se faça pela força da lei, em outras palavras, através da censura nua e crua.
E onde estão os inconformados jornalistas, eternos defensores da tão sagrada liberdade de expressão? Quando um ativista político é condenado a 13 anos de prisão na Alemanha , apenas por expressar sua opinião a respeito do suposto holocausto e suas vítimas, onde se encontram os hipócritas defensores dos direitos humanos? Calados, acuados e constrangidos pela pressão imposta da Nova Ordem mundial Sionista – NR.
Auxílio para sua tese, que o judaísmo é apenas uma religião, não uma etnia, ele recebe de diversos assim chamados Novos Historiadores, que se ocupam desde a década de oitenta do século passado em corrigir a historiografia oficial israelita. Tom Segev, um bastante famoso historiador israelita, elogiou o livro como bem fundamentado e relevante politicamente: “Quer disseminar a idéia que Israel deva ser um país para todos seus habitantes – ao contrário de sua identidade declarada como Estado ‘judeu e democrático’.”
O próprio Sand não acreditou que poderia lecionar na universidade e que provocaria um verdadeiro escândalo antes de receber as honras. Como filho de um sobrevivente do holocausto nascido em Linz, ele veio no ano de fundação do Estado israelita, na região costeira de Jaffa com predominância árabe, não distante de Tel-Aviv. Aos 16 anos ele deixou a escola, ingressou no exército e combateu na guerra dos seis dias, depois trabalhou em fábricas. Somente com 25 anos terminou o segundo grau, estudou história e foi para a França, onde pesquisou o nacionalismo francês. Em 1982 retornou para Israel e leciona desde então em Tel-Aviv.
Os judeus não são um povo, mas sim uma comunidade religiosa
O trabalho de Sand alicerça-se na pesquisa moderna sobre nacionalismo, como formulou o cientista político norte-americano: segundo ele, nações são “comunidades inventadas”. Para Sand, a idéia do nacionalismo judeu nasce simultaneamente com a identidade de outros povos europeus por volta de 1850. Ao contrário da Europa, onde a idéia do Estado nacional étnico empalidece, em Israel ela é ainda a estrutura fundamental do Estado.
Sand e seus seguidores defendem a posição que deve ser passada a régua na história. “Nós vemos o que surge daí, quando antigos discursos são desenterrados e pronunciados em alto e bom tom”, diz Sand em referência ao “retorno ao lar” dos judeus para a Palestina. Segundo ele, o Estado israelita deve continuar a existir, os palestinos expulsos ficam onde estão. “Mas o Estado israelita deve reconhecer que leva nas costas a responsabilidade pela catástrofe palestina”, diz Sand.
Aos poucos fica claro o propósito deste artigo da revista do Sistema – Der Spiegel: depois de exterminar a população palestina ao longo de décadas e lhes roubar boa parte do território, a coisa deve ficar como está… Inacreditável!! – NR.
Com seu livro, Sand quer contribuir com um primeiro passo em direção à reconciliação, em direção à paz: “Eu não queria continuar a viver aqui, se ao menos não tivesse tentado modificar o discurso.” Ele tem exatamente em mente, como deveria ser o ensino ideal de história nas escolas israelitas, conta ele em sua sala, onde até o teto se acumulam clássicos de filmes em vídeo-cassete.
O professor apareceria diante dos alunos e proferiria o seguinte discurso: todos nós sabemos que os judeus não são um povo, mas sim uma comunidade religiosa. A Europa nos cuspiu para fora no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Como nós não podíamos ir a lugar algum, nós usurpamos a terra de outras pessoas, sem perguntar. Por isso os árabes nos odeiam.
“Nós não somos um povo, nós não temos direito a estas terras. Se isso for ensinado nas escolas israelitas”, diz Sand, “haverá paz. E eu não preciso escrever mais qualquer livro.”
Os palestinos expulsos devem ficar onde estão, encurralados em sua própria pátria, mesmo que os israelitas não tenham “direito a estas terras”. A velha política hipócrita do “bate e assopra” – NR
Der Spiegel
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Lessico Famigliare (Léxico Familiar) de Natalia Ginzburg
“Nós somos cinco irmãos. Moramos em cidades diferentes, alguns de nós estão no exterior e não nos comunicamos com frequência. Quando nos encontramos, podemos ser indiferentes ou distraídos uns com os outros. Mas basta, entre nós, uma palavra. Basta uma palavra, uma frase, uma daquelas frases antigas, ouvidas e repetidas infinitas vezes, no tempo de nossa infância [...] para retomarmos de imediato nossas relações antigas, e a nossa infância e juventude, ligadas indissoluvelmente àquelas frases, àquelas palavras.”
O trecho acima encapsula perfeitamente o espírito por trás de Lessico Famigliare, livro de memórias da escritora italiana Natalia Ginzburg, publicado originalmente em 1963. Os fatos narrados se desenvolvem ao longo da primeira metade do século XX, período muito conturbado da história da Itália – e do mundo —, mas particularmente conturbado para a família Levi (nome de solteira de Natalia), que tinha origens judaicas e se opunha ao fascismo. Contudo, apesar de situado em um período histórico rico em acontecimentos ainda muito vivos na nossa memória coletiva, Ginzburg não os coloca como centro de sua narrativa. O livro se dedica especificamente a registrar a história da família Levi e de seus amigos como vistos pelos olhos de Natalia ao longo de sua vida. Aliás, a presença da própria autora aqui é discreta: ela se posiciona como um observador silencioso, suas falas, pensamentos e ações são raramente colocados sob os holofotes.
Na obra de Ginzburg, os acontecimentos a nível pessoal recebem maior destaque, de forma que encontramos uma representação da família Levi como qualquer outra família italiana. Ficamos sabendo de anedotas a respeito de diversos parentes, os costumes e hábitos da família, suas piadas internas, suas idiossincrasias, sua forma de lidar com a vida. Além disso, conhecemos, como já mencionado, seu círculo social. É interessante notar que muitas das pessoas que frequentavam a casa dos Levi eram figuras relevantes no cenário intelectual, político e artístico da Itália de então. Entretanto, aqui são apenas amigos da família, representados da forma como se apresentavam na vida comum, cotidiana e doméstica (e, claro, sempre através da perspectiva de Ginzburg).
Ao colocar no papel esses personagens que marcaram a sua vida, a autora se dedicou especialmente a um aspecto: seu léxico, o seu falar, como indicado no título. A linguagem aqui é de extrema importância, e Ginzburg se esforça para que possamos ter acesso ao registro peculiar de cada um dos personagens. Este não se limita ao dialeto (que infelizmente se perde na tradução), mas se manifesta também nos vícios de linguagem, nos ditados, expressões, xingamentos favoritos, jogos de palavras, piadas e trechos de literatura. Esses termos se repetem e se tornam marcas dos personagens, nos ajudando a compreender sua personalidade e a formar uma imagem viva deles em nossa mente. Em geral, essas repetições – que Ginzburg também faz com adjetivos usados para descrever cada personagem – podem acabar gerando um efeito negativo, mas aqui a técnica funciona: ao continuar a chamar a nossa atenção para uma peculiaridade daquelas pessoas (muitas das quais vêm e vão com rapidez na narrativa), a autora faz com que estas consigam brilhar de forma mais forte e duradoura na memória do leitor.
No entanto, mesmo se dispondo a focar na sua família e amigos enquanto indivíduos, os acontecimentos históricos são incontornáveis, dado que viraram o mundo de cabeça para baixo e afetaram diretamente os Levi. Dessa forma, temos acesso a relatos de episódios difíceis para a família, causados pela guerra e pelas leis raciais instituídas durante o regime fascista. O pai precisou mudar-se para outro país, alguns irmãos foram presos, ela, o marido e os filhos tiveram que se esconder em um lugarejo para escapar dos nazistas, lugares que frequentava foram destruídos em ataques aéreos, muitos conhecidos morreram. Contudo, nada disso é narrado de maneira gráfica, a autora não dá vazão às agonias internas daquelas pessoas, não registra, como expresso por Cesare Garboli em uma introdução ao livro, “um grito de angústia, uma palavra, uma recordação dramática e desesperada da perseguição contra os judeus.” Até mesmo ao narrar a morte do marido na prisão e a história dos pais da cunhada, capturados e mortos pelos nazistas, a autora não se demora, usa apenas algumas linhas sóbrias. É evidente que ela opta por um estilo desafetado, leve e bem-humorado, mesmo diante dos assuntos espinhosos que é obrigada a abordar em determinados momentos. Nessas ocasiões, Ginzburg registra o que tem de ser registrado de forma simples e objetiva, deixando o leitor com sua perplexidade digerir o que acabou de ler sozinho. Portanto, é evidente que este livro não é a leitura mais adequada para aqueles que buscam um relato sobre o holocausto ou sobre o regime fascista. Essa é a história da família Levi, tão somente.
Dentre o elenco de figuras excêntricas que permeiam o relato de Natalia Ginzburg, seus pais são certamente os protagonistas e os meus personagens favoritos. Os dois têm personalidades contrastantes: o pai é mal-humorado e vive esbravejando e distribuindo adjetivos pejorativos, mas sua escolha de palavras acaba tornando essas situações bastante cômicas. Seu xingamento favorito é “asino”, e eu, particularmente, me divertia muito toda vez que ele o usava. Já a mãe é uma mulher perpetuamente alegre e portadora de uma aptidão ferrenha para se adaptar às circunstâncias. Irrequieta, ela está sempre procurando novos passatempos para ocupar suas tardes, além de empreender cuidados incansáveis para com seus filhos e netos, movidos por uma “paranoia” típica de mães e avós. Tudo isso, é claro, é narrado de forma bem-humorada e sempre perpassada pelos dizeres que a mãe adorava utilizar, geralmente repetições de coisas que outras pessoas lhe haviam dito e ela achara muito divertidas.
Esse livro me lembrou uma obra brasileira bastante famosa, da qual também gosto muito: Anarquistas, Graças a Deus, de Zélia Gattai. Ambos são livros de memórias escritos com uma prosa bem-humorada e fluida e protagonizados por famílias de origem italiana no início do século XX. Ademais, a família Gattai também se alinhava à esquerda e foi atingida pelas turbulências políticas da sua época, mas não no mesmo nível do que ocorreu aos Levi e seus amigos. No entanto, apesar dessas semelhanças, os livros têm temáticas diferentes, principalmente no que diz respeito ao esforço de Natalia Ginzburg de fazer do registro linguístico daquelas pessoas o ponto central da obra.
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O Medo da Mulher: Mitos, Psicologia e Controle Social
Desde tempos antigos, mulheres têm sido figuras de fascínio, poder e, paradoxalmente, medo. Em várias culturas, surgiram narrativas que projetam a mulher como uma ameaça potencial ao homem e à ordem social. Essas histórias revelam não apenas as dinâmicas de poder entre os gêneros, mas também os esforços históricos de controle e repressão sobre o feminino. Este artigo examina as origens e as manifestações desse medo, abordando como ele moldou mitos, religiões e sociedades.
1. O Medo Arquetípico do Feminino
A Mulher como Criadora e Destruidora
A dualidade entre criação e destruição é central ao arquétipo feminino em muitas culturas:
Na mitologia hindu, Kali, a deusa da destruição, é ao mesmo tempo venerada por sua força transformadora e temida por sua fúria.
Na tradição judaico-cristã, Eva é associada ao pecado original, vista como a responsável pela queda do homem e pela introdução do sofrimento no mundo. Essa narrativa moldou a visão da mulher como portadora de um poder ambíguo: tanto fonte de vida quanto de ruína.
A Mulher Selvagem e Indomável
Em culturas patriarcais, o feminino muitas vezes foi associado ao caos e à natureza indomada. Essa conexão gerou medo, uma vez que a natureza, por sua imprevisibilidade, é algo a ser controlado. A mulher, com sua sexualidade e capacidade de dar à luz, era vista como possuidora de forças incompreensíveis e potencialmente destrutivas.
2. Mitos e Lendas sobre o Perigo Feminino
Lilith: A Primeira Rebelde
Na mitologia judaica, Lilith é retratada como a primeira mulher criada, antes de Eva. Ela se recusou a ser submissa a Adão e abandonou o Éden. Transformada em um demônio na tradição posterior, Lilith simboliza o medo masculino da mulher que recusa controle e submissão. Ela é frequentemente associada à sedução e à destruição, representando um perigo existencial à masculinidade dominante.
As Súcubos e Feiticeiras
Na Idade Média, surgiram histórias de súcubos — demônios femininos que seduziam homens e drenavam sua energia vital. Além disso, mulheres foram rotuladas como bruxas, acusadas de pactos com o diabo e de usar seu poder para manipular e destruir. Essa demonização refletia um medo do poder feminino fora das normas patriarcais.
3. Psicologia e a Construção do Medo
O Medo do Desconhecido
A psicologia sugere que o medo da mulher pode ser parcialmente explicado pelo desconhecimento. A biologia feminina, como a menstruação, gravidez e parto, foi durante séculos envolta em mistério. Sem explicações científicas, essas experiências tornaram-se terreno fértil para superstições e temores.
O Complexo de Castração
Freud propôs a ideia de que os homens, ao se depararem com a diferença anatômica entre os gêneros, podem experimentar o "complexo de castração", um medo inconsciente relacionado à percepção da mulher como algo que falta ou pode ameaçar a integridade masculina.
O Medo da Autonomia Feminina
Na base do medo histórico da mulher está o medo de sua independência e autonomia. Em muitas culturas, mulheres que desafiam normas sociais, recusam submissão ou assumem papéis de liderança são vistas como perigosas. Esse medo é amplamente cultural e reflete a ameaça que a igualdade feminina representa para sistemas patriarcais.
4. O Controle Social e o Medo
Demonização e Repressão
O medo da mulher levou à construção de narrativas e práticas que buscavam contê-la:
Caça às Bruxas: Na Europa e nas colônias americanas, dezenas de milhares de mulheres foram executadas sob acusações de bruxaria. Muitas eram mulheres independentes, idosas ou que não se encaixavam nos padrões sociais.
Regulação do Corpo Feminino: Em diversas culturas, práticas como mutilação genital feminina, restrições ao aborto e controle sobre a vestimenta feminina refletem tentativas de domesticar e controlar o poder percebido das mulheres.
Religião como Ferramenta de Controle
Religiões frequentemente reforçaram a ideia de que as mulheres deveriam ser submissas, criando estruturas que institucionalizavam o medo de sua liberdade. Por exemplo:
No cristianismo, a história de Eva e o conceito de pecado original foram usados para justificar a subordinação feminina.
No islamismo, a insistência no controle do corpo e comportamento feminino reflete a ideia de que a mulher, se deixada livre, poderia causar desordem social.
5. Reflexões Culturais e Contemporâneas
A Mulher Como Fonte de Medo Moderno
Embora em contextos diferentes, o medo da mulher persiste de formas sutis e explícitas:
Misoginia nas Redes Sociais: O aumento do ódio dirigido a mulheres online, especialmente àquelas em posições de poder, é um reflexo contemporâneo desse medo.
Violência de Gênero: A violência contra mulheres, incluindo feminicídio, é frequentemente motivada por uma tentativa de reafirmar controle sobre o feminino.
Resgate do Poder Feminino
Movimentos feministas e estudos de gênero estão desafiando narrativas históricas que demonizam o poder feminino. Há um esforço crescente para reinterpretar figuras como Lilith, Kali e Eva como símbolos de força, autonomia e transformação.
6. Conclusão: Superando o Medo
O medo da mulher é, em sua essência, o medo do poder feminino em todas as suas formas — criadora, destrutiva, autônoma e transformadora. Ao longo da história, esse medo foi usado para justificar repressões, controlar corpos e suprimir vozes. No entanto, reconhecer a origem e os mecanismos desse medo é o primeiro passo para desconstruí-lo.
Na contemporaneidade, há uma crescente conscientização sobre a necessidade de equilibrar as narrativas, celebrar o feminino como força criativa e reafirmar a igualdade de gêneros. Assim, o que antes era visto como algo a temer pode ser reavaliado como uma fonte de transformação e evolução para toda a humanidade.
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TESTES DE DNA REVELAM ORIGENS JUDAICAS DO BRASIL!
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Origens do idioma hebraico
Origens do idioma hebraico O idioma hebraico (עברית, ivrit) é uma língua semítica pertencente à família das línguas afro-asiáticas, o termo semítico determina que bem como o árabe e o persa, sua origem é um tanto desconhecida. As primeiras bases da Bíblia, a Torá, que os judeus ortodoxos consideram ter sido escrita na época de Moisés, cerca de 3.300 anos atrás, foi redigida no hebraico chamado de “Hebraico Clássico”. Embora hoje em dia seja uma escrita foneticamente impronunciável, portanto indecifrável, devido à não-existência de vogais no alfabeto hebraico clássico, os judeus têm-na sempre chamado de לשון הקודש, Lashon haKodesh (“A Língua Sagrada”) já que muitos acreditam ter sido escolhida para transmitir a mensagem de Deus à humanidade. Origens do idioma hebraico Após a primeira destruição de Jerusalém pelos babilônios em 586 a.C., com o retorno dos judeus para a Terra de Israel, o hebraico clássico foi substituído no uso diário pelo aramaico, tornando-se primariamente uma língua regional, tanto usada na liturgia, no estudo do Mishná (parte do Talmude), bem como também no comércio. Sendo que nos dias de Yeshua (Jesus), este idioma clássico ainda era falados sacerdores, levitas, saduceus e os fariseus doutores da lei, mas o povo em geral utilizava o Aramaico como idioma no dia a dia. Após a destruição de Jerusalém no ano 70 DC, os judeus foram aos poucos expulsos da Terra de Israel, os que ficaram sofreram influencia dos muitos povos que dominaram na região e o Hebraico deixou de ser utilizado como idioma nacional, passando ser utilizado apenas em liturgias religiosas. O hebraico renasceu como língua falada durante o final do século XIX e começo do século XX como o hebraico moderno, adotando alguns elementos dos idiomas árabe, ladino, iídiche, e outras línguas que acompanharam a Diáspora Judaica como língua falada pela maioria dos habitantes do Estado de Israel, do qual é a língua oficial primária (o árabe também tem status de língua oficial).Origens do idioma hebraico Hebraico Clássico Hebraico bíblico, também chamado de hebraico clássico, é a forma arcaica da língua hebraica, uma língua semita falada na área conhecida como Canaã, entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo. Hebraico bíblico é conhecido por volta do século 10 AC, e persistiu durante todo o período do Segundo Templo (que termina em 70 dC). O Hebraico bíblico tornou-se eventualmente hebraico Mishnaico que foi usado até o segundo século EC. O Hebraico bíblico é mais bem utilizado na Bíblia Hebraica, a Bíblia é um documento que reflete vários estágios da língua hebraica em sua forma consonantal, bem como um sistema vocálico que foi adicionado mais tarde, na Idade Média. Há também algumas evidências de variação dialética regional, incluindo as diferenças entre o hebraico bíblico falado no Reino do Norte de Israel e no Reino do sul, o Reino de Judá.Origens do idioma hebraico Hebraico Bíblico foi escrito com um número de diferentes sistemas de escrita. Segundo os historiadores, os hebreus adotaram a escrita fenícia em torno do século 12 AC, que teria evoluído como a escrita Paleo-Hebraico. Esta foi mantida pelos samaritanos, que usam o manuscrito Samaritano desde então até os dias de hoje. No entanto, o roteiro aramaico gradualmente deslocou o roteiro Paleo-Hebrew para os judeus, e tornou-se a fonte para o alfabeto hebraico moderno. Todas esses escritas faltavam letras para representar todos os sons do hebraico bíblico, ainda que estes sons são refletidos mas transcrições em grego e latim da mesma época.Origens do idioma hebraico Estas escritas originalmente utilizadas apenas como consoantes, mas certas letras, conhecidas como matrizes de leituras, tornaram-se cada vez mais usadas para marcar as vogais. Na Idade Média, vários sistemas de sinais diacríticos foram desenvolvidos para marcar as vogais em manuscritos hebraicos, dos quais somente o sistema Tiberiano ainda está em ampla utilização. O Hebraico Bíblico possuía uma série de “enfátizações” nas consoantes cuja articulação precisa é disputada, provavelmente palatais, guturais ou falangiais. O Hebraico Bíblico anteriormente possuía três consoantes que não têm suas próprias formas no sistema de escrita, mas com o tempo eles se fundiu com outras consoantes. As consoantes se desenvolveram em alofones fricativos sob a influência do aramaico, e esses sons se tornaram uma marginal fonêmica. Os fonemas da faringe e da glote sofreu enfraquecimento em alguns dialetos regionais, como refletido na moderna tradição de leitura do Hebraico Samaritano. O sistema de vogal do Hebraico Bíblico mudou drasticamente ao longo do tempo e é refletida de forma diferente nas transcrições do grego antigo e latim, sistemas de vocalização medieval, moderna e as tradições de leitura. Hebraico Bíblico tinha uma morfologia típica semita, colocando raízes triconsonantal em padrões para formar palavras. Hebraico bíblico distinguia dois gêneros (masculino, feminino), três números (plural, singular e extraordinariamente dual). Verbos foram marcados para voz e expressão, e teve duas conjugações que pode ter indicado aspecto e / ou tenso (a questão de debate). O tempo ou aspecto dos verbos também foi influenciado pela conjugação, na construção VAV chamados consecutivos. Ordem das palavras padrão era verbo-sujeito-objeto, e os verbos flexionados para o número, gênero e pessoa do seu objecto. Sufixos pronominais podem ser anexado aos verbos (para indicar objeto) ou substantivos (para indicar posse), e substantivos tinham formas de construção especial para uso em construções possessivas.Origens do idioma hebraico Hebraico Mishnaico O termo Hebraico Mishnaico refere-se à dialetos do hebraico que são encontrados no Talmud, exceto citações da Bíblia hebraica. Os dialetos podem ainda ser sub-dividido em Hebraico Mishnaic (também chamado de Hebraico Tanaitico, Hebraico da Lei Rabínica, ou Hebraico Mishnaico I), que era uma língua falada, e hebraico Amoraico (também chamado Hebraico Rabínico Tardio ou Hebraico Mishnaico II), que foi uma língua somente literária. A língua hebraica Mishnaica ou o início de idioma hebraico rabínico é um descendente direto do antigo hebraico bíblico como preservado pelos judeus depois do cativeiro babilônico, e definitivamente gravados por sábios judeus, por escrito, os documentos da Mishnah e outros contemporâneos. Não foram utilizados pelos samaritanos, que preservaram seu próprio dialeto, o Hebraico Samaritano. A forma de transição da língua ocorre em outras obras na literatura Tanaitica datada do início do século, com a conclusão da Mishná. Estes incluem o Midrashim Halachic (Sifra, Sifre, Mechilta etc) e a coleção expandida do material do Mishnah relacionado com o conhecido como o תוספתא Tosefta. O Talmud contém trechos destas obras, bem como material Tanaitico ainda não atestado em outro lugar; o termo genérico para essas passagens é Baraitot. O dialeto de todas essas obras é muito semelhante ao Hebraico Mishnaico. Este dialeto é surgiu principalmente a partir do 2º ao 4º século DC, correspondente ao Período Romano após a destruição do Templo em Jerusalém e foi representado pela maior parte no Mishnah e na Tosefta dentro do Talmud e pelos Manuscritos do Mar Morto, são considerada também as cartas de Bar Kokhba e o Rolo de Cobre. Também chamado de Hebraico Tanaitico ou Hebraico Rabínico Precoce. A primeira seção do Talmud é a משנה Mishnah que foi publicado por volta de 200 DC e foi escrito no dialeto Mishnaico anterior. O dialeto também é encontrado em certos trechos dos manuscritos do Mar Morto.Origens do idioma hebraico Cerca de um século após a publicação da Mishná, o Hebraico Mishnaico começou a cair em desuso como língua falada. No período posterior do Talmud, a Guemará babilônica גמרא, comentários publicados cerca de 500 DC, geralmente na Mishná e Baraitot em Aramaico. (Uma versão anterior do Gemara foi publicada entre 350-400 AD.) No entanto, o hebraico sobreviveu como língua litúrgica e literária, na forma do hebraico depois como Amoraico, que às vezes pode ser visto no texto da Gemara. O Hebraico Mishnaic se desenvolveu sob a profunda influência do aramaico falado em todas as esferas da linguagem, incluindo fonologia, morfologia, sintaxe e vocabulário. Fonética Origens do idioma hebraico Muitos dos traços característicos da pronúncia hebraica pode muito bem ter sido encontrado já no período do hebraico bíblico tardio. Uma característica notável que a distingue de hebraico bíblico do período clássico é acentuação pós-vocálica pára (b, g, d, p, t, k), que tem em comum com o aramaico. Uma característica nova é que a letra M final é muitas vezes substituída por N final na Mishna (ver Bava Kama 1:4, “מועדין”), mas apenas em conotações fonéticas. Talvez a consoante final nasal nestes morfemas não éra pronunciada, e ao invéz disso, a vogal anterior à ela era nasalizadas. Alternativamente, os morfemas podem ter mudado sob a influência do aramaico. Além disso, alguns manuscritos sobreviventes da Mishná confundem as consoantes guturais, especialmente (א) (uma parada glotal) e ‘ayin (ע) (a fricativa faríngea, gutural). Que poderia ser um sinal de que eles foram pronunciados da mesma forma no Hebraico Mishnaico. Bem como nos dias de hoje são pouco difenciados no Hebraico Moderno. Hebraico Medieval Origens do idioma hebraico O Hebraico Medieval tem muitas características que o distinguem das formas mais antigas do hebraico. A Gramática, sintaxe, estrutura de sentença, e também incluem uma grande variedade de novos itens lexicais, que são geralmente baseados em formas mais antigas.Origens do idioma hebraico Na idade de Ouro da Cultura Judaica na Espanha um importante trabalho foi feito por gramáticos para explicar a gramática e o vocabulário do hebraico bíblico, muito disso foi baseado no trabalho dos gramáticos de árabe clássico. Gramáticos hebreus importantes foram Judah ben David Hayyuj e Jonas ibn Janah. Uma grande parte da poesia foi escrita, por poetas como Dunash Ben Labrat, Solomon ibn Gabirol, Judah ha-Levi, haKohen David e os dois Ezras Ibn, em uma “purificação” em hebraico com base no trabalho desses gramáticos, e em árabe metros quantitativos (ver piyyut). Este hebraico literário foi usado mais tarde pelo poetas italianos judeus. A necessidade de expressar conceitos científicos e filosóficos de grego clássico e o Hebraico Medieval motivado pelo Árabe Medieval influenciou a terminologia e a gramática a partir desses outros idiomas, ou a termos de moeda equivalente a partir de raízes existentes no hebraico, dando origem a um estilo distinto do hebraico filosófico. Muitos paralelos diretos em árabe medieval. A família Tibbon Ibn e, especialmente, Samuel ben Judah ibn Tibbon foram pessoalmente responsáveis pela criação de grande parte desta forma de hebraico, que empregaram em suas traduções de materiais científicos do árabe. Naquele tempo, a original judaica de obras filosóficas eram geralmente escritas em árabe, mas como o passar do tempo, esta forma de hebraico era usada para muitas composições originais também. Outra influência importante foi Maimonides, que desenvolveu um estilo simples, baseado no Hebraico Mishnaico para usar em seu código de leis, o Mishneh Torá. Literatura rabínica posterior que foi escrita em uma mistura entre este estilo e o hebraico rabínico Aramaizado do Talmud. No final do século XII e início do século XIII o centro cultural de Judeus no Mediterrâneo foi transferido de um contexto islâmico para terras cristãs. O hebraico escrito usado no Norte da Espanha, Provença (um termo para todo o sul da França) e da Itália era cada vez mais influenciado pela América, particularmente nos escritos filosóficos, e também por diferentes vernáculos (provençal, italiano, etc.) Na Itália, testemunhamos o surgimento de um novo gênero, léxicos filosóficos Italiano-Hebraico. O italiano desses léxicos era geralmente escrito em caracteres hebraicos e são uma fonte útil para o conhecimento da filosofia escolástica entre os judeus. Um dos primeiros léxicos que foi por Moisés b. Shlomo de Salerno, que morreu no final do século XIII. Ele foi feito para esclarecer os termos que aparecem em seu comentário sobre o Guia dos Perplexos de Maimônides. O glossário de Moisés de Salerno foi editado por Giuseppe Sermoneta em 1969. Há também glossários associados aos sábios judeus que fizeram amizade com Pico della Mirandola. Moisés de Salerno também fez um comentário sobre o Guia também contém traduções italianas de termos técnicos, o que traz sistema islâmico de influência do Guia filosófico em confronto com a escolástica do século XIII italiano. O Hebraico também foi usado como língua de comunicação entre os judeus de diferentes países, particularmente para o propósito do comércio internacional. Mencionam-se ainda cartas preservadas no geniza Cairo, que mostram que o hebraico e o árabe influenciaram os judeus do Egito medieval. Os termos árabes e sintaxe que aparecem nas cartas constituem uma importante fonte para a documentação da língua falada em árabe medieval, desde que os judeus em terras islâmicas tendem a usar o árabe coloquial, por escrito, em vez de árabe clássico, que é o árabe que aparece em medievais. Use este conhecimento para aprender novas palavras e construir sua vocabulário Aprender palavras básicas em hebraico pode ajudá-lo a ganhar fluência no idioma. Você pode usar as informações sobre as raízes históricas do hebraico para construir um vocabulário de base e começar a descobrir mais sobre como o idioma funciona. Isso permitirá que você explore os detalhes do hebraico e seja capaz de formar frases complexas. Se você usar o conhecimento da raiz etimológica para estudar hebraico, você pode começar a compreender melhor a morfologia do idioma. Se pensarmos no inglês, por exemplo, seu vocabulário é repleto de palavras que derivam de outros idiomas. Ao olhar para a origem das suas palavras em inglês favoritas, você pode começar a ver onde essas palavras foram construídas e como funcionam juntas para formar frases mais complexas. O mesmo vale para o hebraico - usando conhecimentos históricos e as relações entre as palavras hebraicas, você pode começar a compreender o significado de cada palavra em contexto. Fonte: cafetorah.comTalk and Chalk Talk France Read the full article
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O músico Marcos André Carvalho, de família umbandista e praticante do candomblé, idealizou e promove hoje (2), no Rio de Janeiro, o Dia de Iemanjá no Arpoador à semelhança da festa realizada em Salvador (BA) há 100 anos em homenagem à orixá, ou divindade, africana feminina. Iemanjá é considerada a mãe dos orixás e denominada Rainha do Mar. Com realização do Instituto Floresta e da Rede de Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro, com patrocínio da prefeitura carioca, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, moradores da capital fluminense e turistas ganham assim um Dia de Iemanjá no Arpoador, na praia de Ipanema, zona sul da cidade. A festa será totalmente gratuita e reunirá dez grandes grupos, totalizando cerca de 140 líderes religiosos e artistas, além de filhos de santo e representantes de outras religiões, como a católica e a judaica. O ritual começa às 15h. O cortejo se concentrará no calçadão da praia de Ipanema, junto à estátua do maestro e compositor Tom Jobim, oferecendo ao público apresentações dos grupos Tambores de Olokun, Afoxé Filhas de Ghandy, Afoxé Oré Lailai e Ogan Kotoquinho. Na Pedra Às 17h, casas de umbanda e de candomblé de origens centenárias e artistas de grupos de afoxé, jongo, samba e maracatu seguirão com balaios contendo flores e frutas, presentes para Iemanjá, em direção à Pedra do Arpoador, onde serão feitas as oferendas. Em seguida, será aberta uma Roda de Tambor na areia da praia, com pontos de candomblé cantados pelo Mestre Ogan Bangbala, mais velho Ogan do Brasil e padrinho da comemoração, com 103 anos de idade, e pelo Pai Dário de Ossain, do Ilê Axé Onixegun e mestre de jongo do Morro da Serrinha. Caberá ao cantor de umbanda, Tião Casemiro, entoar pontos de umbanda acompanhado por sua orquestra de tambores. O Jongo do Pinheiral, por sua vez, um dos mais antigos do país, vai representar na festa mais de 100 anos de história do Vale do Café, região de quilombolas e berço do jongo, considerado o pai do samba carioca. O Jongo de Pinheiral subirá ao palco ao lado dos jongueiros do Morro da Serrinha, de Madureira, da Companhia de Aruanda e de Marcos André. Para fechar a roda e a parte sagrada da festa, a Companhia de Aruanda e o grupo Samba Jongo convidarão o público para dançar samba de roda, coco, jongo e cirandas praieiras. O apogeu da festa será uma roda de samba, com início previsto para as 20h, a ser realizada em um palco montado ao lado da Pedra do Arpoador, da qual participarão os sambistas Nina Rosa, Marcelinho Moreira, Hamilton Fofão, Carlinhos 7 Cordas, PH Mocidade, Nenê Brown, entre outros. Durante todo o evento, a Feira Crespa, integrada por afroempreendedores, oferecerá ao público, no calçadão do Arpoador, produtos de gastronomia e moda. Visibilidade Em entrevista à Agência Brasil, Marcos André Carvalho destacou que enquanto o marketing de turismo de Salvador é a baiana do acarajé, no Rio de Janeiro é a Garota de Ipanema. “Não é a origem do samba”, disse. “Tudo nasceu nos terreiros, como o samba; a bossa-nova nasceu do samba; a batida do funk nasceu dos tambores”. O músico explicou que a umbanda e o candomblé são a matriz do samba, da bossa-nova e do funk carioca. “E a gente tem essa dívida, porque não pegou a nossa matriz africana carioca e deu visibilidade para ela, como Salvador fez como estratégia de marketing de turismo há décadas. Hoje, Salvador tem 500 mil turistas no dia 2 de fevereiro. Bate até o réveillon”, garantiu. Por isso, o Dia de Iemanjá no Arpoador “quer dar visibilidade aos terreiros de umbanda e candomblé e trazê-los para uma praia da zona sul, no coração do turismo, em Ipanema”. Marcos André informou que as oferendas conterão somente flores biodegradáveis, não sendo admitidos plástico, vidro nem madeira. “Porque é uma homenagem à Rainha do Mar e a gente tem que manter a casa dela limpa. Os orixás são a força da natureza e a gente tem que preservar a natureza. Não faz sentido homenagear a orixá sujando o mar”. Réveillon carioca A
Roda de Tambor na areia da praia será um momento muito simbólico para as religiões de matriz africana porque vai relembrar o que ocorria nos anos de 1940, quando os terreiros iam comemorar o Dia de Iemanjá nas praias. “Dali nasceu o réveillon carioca, todo mundo de branco, jogando flores no mar, pulando sete ondas. Pouca gente sabe que essa tradição nasceu da presença dos terreiros no Dia de Iemanjá, em 31 de dezembro. Depois, a espetacularização do réveillon acabou expulsando os que criaram a festa nas praias, que foram os terreiros”. Marcos André lamentou que, agora, não dá mais para voltar, devido à interdição das ruas na virada de 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro, pelas autoridades municipais. Daí, escolheu-se o dia 2 de fevereiro para retomar esse espaço sagrado das areias cariocas e, também resgatar um pouco esse mérito dos terreiros na história do réveillon carioca que, hoje, “é a maior festa do planeta, conhecida no mundo todo”. Carvalho comentou que após as oferendas, fazer as rodas de candomblé, umbanda e jongo naquelas areias, 80 anos depois, é “fazer justiça aos pretos velhos e às pretas velhas que inventaram o réveillon carioca. Eu fico muito emocionado com isso”. O músico ressaltou que 30 anos após a espetacularização do réveillon carioca, iniciada nos anos de 1990, os terreiros da Baixada Fluminense, da zona norte e do Vale do Café, “onde tudo começou” vão contar essa história e tomar posse novamente dessas areias. União e equilíbrio A inspiração para realização do Dia de Iemanjá no Arpoador veio para Marcos André durante a pandemia da covid-19. A proposta teve adesão total das mães e pais de santo. Marcos André salientou que, além da parte histórica e cultural, Iemanjá “é de todos; de quem é da religião e de quem não é. Ela é muito forte, muito querida. Ela une. E neste momento, a gente está precisando de união. Vamos nos dar as mãos na beira do mar, cantar e agradecer por ter sobrevivido a essa pandemia”. Dona das cabeças, Iemanjá dá equilíbrio às pessoas. “A gente está pedindo isso para os cariocas e brasileiros: equilíbrio, temperança, respeito mútuo”. O músico reiterou que a orixá une a todos e dá equilíbrio “para a gente poder ser mais ponderado, menos radical”. Economia A celebração tem como parceiros a Riotur, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Secretaria Municipal de Políticas da Mulher, Coordenadoria Executiva de Diversidade Religiosa, Subprefeitura da Zona Sul, Ilê Axé Onixegun, Companhia de Aruanda, Alalaô Kiosk e Hotel Arpoador. Marcos André Carvalho destacou o potencial da festa para a geração de recursos para a cidade. Segundo informou, a festa de Iemanjá em Salvador, de acordo com estudo da Fundação Getulio Vargas, arrecada R$ 400 milhões para o município, em impostos. “Então, nós somos economia também. Nós temos potencial turístico e queremos envolver os hotéis”. Mutirão Ao final do evento, a equipe da produção promoverá, junto com o público, um mutirão de limpeza das praias “para que as pessoas entendam que areia e pedra são as moradas da sereia. Vamos limpar, deixar tudo limpo. Talvez essa seja a oferenda que ela (Iemanjá) mais vai gostar”, manifestou o músico. No ano passado, no dia 2 de fevereiro, a celebração aconteceu nas areias da Praia do Flamengo, marcando a abertura do Festival Multiplicidade, de Batman Zavareze, mas cresceu e, este ano, o axé para Iemanjá ocupará as pedras do Arpoador, em Ipanema. Além de gerar impacto positivo na valorização das tradições cariocas de matrizes africanas e seus fazedores, o Dia de Iemanjá no Arpoador pode contribuir de modo favorável para as cadeias produtivas do turismo e da economia criativa do Rio de Janeiro. Edição: Valéria Aguiar - Agência Brasil
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Diplomacia nazi chegou a preocupar-se com "origens judaicas" de António Ferro
Diplomacia nazi chegou a preocupar-se com "origens judaicas" de António Ferro
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