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Longe de Ser Prático
Recentemente tenho me irritado demais, não porque algo ruim ou mórbido, importante ou chaton vem ocupando meus dias; mas sim porquê vejo, por todos os lados, atitudes repetitivas de corações lesados.
Não são poucas as vezes as quais parei e pensei, comigo mesmo, como seria simples encerrar situação X ou Y. Uma discussão, a procrastinação, uma briga, um divórcio, uma escolha, uma decisão. Sempre vi, na maioria destas situações, um peso de orgulho e arrogance — pois pensei constantemente que tudo se resolveria caso, baixadas as pedras e armas, duas pessoas verdadeiramente ouvissem uma a outra. Ah, se estivéssemos abertos a reconhecer os nossos próprios tropeços, que grande peso isso teria!
Porém.. Pensamos demais e ao mesmo tempo muito pouco. E isso chegou ao ponto onde me vi (logo eu!) sentado sem saber o que fazer diante da minha própria prepotência. Isso não é raro, pois mais comum que errar, é pensar sobre o acerto, tendo (por fim), pensamentos que estão longe de ser práticos
Que direito temos de julgar, quando nem aquilo nós vivemos? Que direito? Qual direito?
No fim, pensamos mais que agimos, ainda que pelo bem.
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Colonização vazia.
Sinceramente? Um povo de confusão vem habitando minha mente. Moram numa caverna e mal sabem. Acham que estão aos céus, mas em relação ao chão, eles estão rente. Eles tentam tocar instrumentos para harmonizar meus pensamentos, mesmo que seja impossível. Tentam arrumar os móveis para parecer um lugar limpo, ainda que as paredes, o chão e tudo mais (incluindo os móveis) estejam mofados. Escuto ecos dos seus passos, de forma semelhante aos ecos angustiantes que escuto do futuro. São horríveis, principalmente porque não pude nem superar os ecos do passado. Vomito reticências e tenho uma interrogação entochada em cada ouvido. Platão tirou todos da caverna, embora eu ainda seja a sombra que passa lá de vez em quando, com saudade. Meus sentimentos não atrapalham meus pensamentos, mas minha razão atrapalha minhas ideias.
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Bolhas sociais.
Falamos muito de tais, mas não mencionamos as individuais, essas que nos fazem pensar mais. Ademais, não ligamos para as vozes pessoais, mesmo que sejam elas as quais nos transformam em canais. Preferimos as vozes dos demais, principalmente, porque sabemos que a nossa vai perturbar a paz. Além do mais, precisamos deixar a mente sagaz para enfrentar a solidão que nem sempre correrá atrás. Na real é bem capaz dela te deixar para trás a ponto de cada gota sua virar uma "carta de jaz".
"Cuidado!", alertam na rádio sobre o perigo de ficar parado ao lado de um beco (pela noite, ocultado). Continuar com a franqueza, tô ficando irritado. De quanto em quanto tempo preciso ser anestesiado? Disso nada falo, pois seria abusado. Mas se não perguntam eu preciso incentivá-los a ficarem incomodados com a falta de nitidez sobre o terror que é um sábado parado, atarracado e tão maçante que dói mais que um calo.
No final, a voz pessoal grita no seu ouvido: "Lixo".
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Recado para quem falta autoestima.
Sou contra a apatia, sou superior a dor. Sou diferente das coisas mundanas. Sim, mundanas, pois considero-me acima das coisas tenras. Faço as pessoas flutuarem e não é atoa. Deixo o céu mais azul e os feixes do Sol menos quente, ao mesmo tempo que os faço ter uma sensação mais gostosa na pele. Faço as risadas soarem tão bem que quase é possível enxergá-las caminhando pela língua e saindo pelos lábios de quem ri. A propósito, eu mesmo proporciono o tal riso que te agrada. A tarde faço a correria, causada pela urbanização, mais amistosa e, de noite, faço suas pálpebras descerem, de forma tão leve que você não sente, durante a quase madrugada, e permito que o sonho (ou, talvez, a negritude profunda) permeie sua mente.
Afinal, o que não faço a fim de que se sinta bem? Não sou eu quem combate sua ansiedade através dos hobbies que você mais gosta? Não sou eu quem faz seu quarto parecer menos aterrorizante? Não sou eu quem te faz ver a beleza até no abstrato? Quem prova que seu esforço não foi inútil e que o dia de amanhã pode ser melhor se você fizer tal coisa? Não sou eu, também, quem ameniza suas discussões através das borboletas que cultivo há tempo no seu estômago? É, sou eu. Mas, ainda que eu quisesse, não controlo tudo que você pensa.
Então, diga-me, se você entende que sou Amor, que faço o impossível, o irracional e o essencial para deixar as cores que te rondam mais afetuosas, por que ainda dá atenção para esse teu pensamento pouco trabalhado que te põe tão para baixo? Por que não me ajuda, cavando o mais fundo possível, a retirar esse descrédito que você tem em relação a si mesmo?
Faça por mim. Faça, pelo Amor.
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O melhor veneno - criado pelo estresse.
Sinto uma pressão enorme sobre mim. O pensamento sobre um futuro, que não está muito distante, continua martelando em minha consciência insuficientemente conservada. Ao mesmo tempo, as consequências de uma decisão pouco bem pensada dançam, de forma triste, bem em frente ao meu rosto.
Consigo ter noção de cada episódio horrível que causei. Tenho, acreditem vocês ou não, ciência de cada um dos prismas que quebrei no interior das pessoas que machuquei, tirando-lhes o prazer, mesmo que por pouco tempo, de usufruir das cores que seus olhos conseguem captar.
É negligente, na verdade, afirmar que foi por pouco tempo. Uma vez que, quando nos afogamos no preto e branco da tristeza e nos profundos badalares do coração envolto por solidão, o tempo não é igual. Seja qual for o ser onisciente que rege o universo, ele tem plena certeza de que perdi a conta de quantas vezes tentei avançar o relógio na esperança de que a dor parasse.
Tem quem diz que a ferida mais ardida é o Amor, o qual tinha todas as características de um grande romance fadado ao sucesso, que acaba por discussões de sentido oco. De fato, negar a dor de tal perda não é algo que pretendo fazer enquanto estou no domínio de minhas faculdades mentais, mas, quem afirma que essa é a maior dor, nunca provou do amargo, corrosivo e cruel veneno que o arrependimento guarda em seu interno.
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Sentimentos com melodia e harmonia.
Uma coisa incrível que precisa ser sentida. Algo que você não pode pegar ou manter preso em uma foto. Algo que afeta seu corpo, mesmo que a metros de distância. Algo que muda sua mente sobre assuntos os quais você precisa refletir. Uma coisa que altera seu humor, que pode fazer o seu dia começar de forma extraordinária, mas, que também pode tornar sua madrugada insuportável, se for na onda certa com os dizeres certos: música.
Algo para ser sentido, amado, suportado, compartilhado, conhecido, que te faz vibrar e desperta toda uma orquestra de emoções. Algo no qual seus ouvidos se deleitam e que seu cérebro entende como uma segunda linguagem que nasceu consigo. Que conecta pessoas, culturas e etnias, que varia de região para região, de tempos em tempos. Algo que você pode guardar nas profundezas do seu coração e nem a mais forte correnteza a tirará de lá. Temos muitas formas de arte e modos para nos expressarmos que até alguns animais entendem, mas entender as engrenagens de uma música? É completa e unicamente humano.
Existem pessoas querendo tornar sua música algo especial para o mundo, algo que não vai ser carregado com o vento, e passam horas e horas trancafiadas num quarto. Um espaço minúsculo demais quando comparado a grandeza de sentimentos, sejam eles bons ou ruins, que o mundo pode te oferecer. Precisamos testar para depois termos a experiência.
Saia para experimentar, produza para se expressar e ouça para sentir.
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Amofinação.
Fiz, não fiz. Arrisquei, desisti, tentei novamente e foi aí que despenquei. Sinceramente, perdi a noção do certo e errado, do que é em cima e do que é em baixo, até mesmo do que é decente ou indecente. Tirei Arrancaram* de mim a noção do perigo, do sentimento, do sentir e do perceber. Nem mesmo a independência do pensamento eu tenho mais. Sei Acho* que está aqui, em algum lugar, uma força sobre humana (talvez sobrenatural) que supera minha psique e converte meu desejo mais profundo em uma maneira diversa de sofrer, pois não é possível ser exterior essa angústia.
Sou eu, o problema, quero dizer. Está interiorizada em mim a fraqueza e o costume para submissão ante complicações que me fogem do controle. Enraizada em mim a costumeira sensação de inferioridade quanto ao resto da existência deste universo, seja numa relação com exercer funções ou ter a capacidade necessária para algo. Sou menor, sou menos. Meu quarto continha certa positividade a qual me tirava da negatividade e me levava próximo ao “zero”, entretanto, aquele já não tem toda essa capacidade. O silêncio confortável que me acompanhava em algumas conversas desapareceu-se, tenho agora comigo o silêncio, inevitável, que traz consigo o pesar de uma decisão importante, ainda que não haja nenhuma a ser tomada.
Ah, esta, minha vida a vida*, é risível. Para ela é comum a desgraça, satisfatória até. Mas não consigo mais ter o prazer que as feridas deveriam me propor, meus deleites com as lesões foram abandonados. Tenho noção de que a vivência adora permear minha garganta com o asqueroso sabor da má presciência, porém, preciso que o faça de forma que não inclua pecados em minha mente, coisa que ela não faz, me dando de presente a ansiedade contínua pelo que nem sequer tem chance de se tornar realidade, e esta é a mais horrenda parte.
Não tenho a mínima vontade de me sentir pequeno aos pés do meu pensamento, ainda que minha vontade não faça mais diferença. Alguns usam terapia, sinto que a terapia me usa. Saio de casa, vejo pessoas, vivo meu dia inteiro, penso sofro* cada coisa ruim que possa acontecer. Erro de novo e erro mais, ando pela rua sentindo olhares sobre mim, percebo o desgosto em alguns e sinto desapego pela minha persona por isso. A volta para meu lar (o caminho, na verdade), é uma leve tortura onde meu bom senso parece não existir, parece ser ignorado e qualquer esforço meu para expulsar maus pensamentos e pensamentos invasores é supérfluo.
Ao chegar em casa, tenho a disposição ao menos 6 horas de puro tormento pessoal em cima de cada respiração que faço. Meu rosto se torna inexpressivo e as falas morrem no céu da boca. As risadas — dadas durante o dia — me parecem crimes de máximo grau e começo a me punir. A propósito, vá por mim, minhas punições trateiam 5 vezes mais do que as de qualquer prisão ou facção. Me martirizo oito horas para cada respiração entre as risadas dadas, 9 para cada tom de riso e 7 horas para cada segundo que não pensei no quão desprezível posso ser ou que sou. Desse modo, garanto mais uma semana de alta densidade emocional. A pior parte é que tudo o que acabou de ser narrado foi uma síntese do que penso às 4:37 da manhã, pouco antes de sair de casa. Apenas previsões do quão ruim meu dia pode ser, mesmo que, para ser honesto, seja sempre pior.
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Tome seu caminho.
Alguns te disseram que o trem era o caminho mais rápido: "só um pouco arriscado". Alguns concluíram que metrô seria melhor: "ainda é rápido, mas é seguro". Tem ainda quem diga que vale a pena ir de ônibus: "Ele vai parar onde você quiser que pare, mas tem um ponto final". Conselhos são ótimos e te mantém a par do que pode ser edificante e/ou estruturador e do que é péssimo e jogará seu tempo fora. Mas... e você?
Já parou para pensar que você pode construir seu caminho usando como base os conselhos dos outros sem seguir vontades que não são suas?
Você é você, e nada mais. Você tem todo o direito de seguir um caminho diferente e até maior! Aceite que você não vai cruzar o oceano com o trem de um ou o ônibus de outro e comece a afunilar as opções até sobrar aquela perfeita para você, mas que te tira da sua zona de conforto. Independentemente do seu medo de altura, você sabe que não vai cruzar o oceano mais rápido de barco.
Transporte ideias, descarregue opções. Tome o seu caminho.
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Janelas embaçadas.
Às vezes, quando estou voltando para casa em um dia chuvoso, ou quando estou indo para algum lugar de van nesse mesmo tempo, tenho uma visão que me faz pensar muito sobre emoções. De vez em quando, ocorre de uma janela ficar embaçada, mas a outra, ao seu lado, não. De certa forma, você tem o mundo como ele é de um lado e o mundo, distorcido por ele mesmo, do outro.
A típica frase “não tome decisões de cabeça quente” é ótima para exemplificar. O mundo continua do mesmo jeito, ele é como é, mas, você não o vê desta forma quando está desfrutando da sua raiva. As pessoas não são mais suportáveis para você e pequenas coisas ganham uma significância enorme. A beleza do mundo está ali e é extravagante, mas ela se revela apenas para quem se rende a olha-la e se oculta para quem endurece o olhar. E, por mais que o mundo tenha sido o culpado pela sua raiva em alguns casos, ele ainda quer que você o olhe. Ele quer que você preste atenção que não são algumas gotas escorridas por um vidro que vão fazê-lo deixar de ser esplêndido.
Isso não serve apenas para a raiva, é claro. Pense só na solidão: Um sentimento que faz você se auto excluir e ver todos os rostos como algo agressivo ou que represente perigo. É uma doença. E você está perdendo não só a beleza do mundo, mas a beleza dos laços sociais que seriam incríveis de se tornarem mais firmes. Perdendo a sensação incrível que é olhar para alguém e sentir que seu tempo de convivência com aquela pessoa não parece ter sido tão pouco.
Não se deixe escorrer com as gotas, pegue um pano e as seque.
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Meio lunático, meio estático.
As vezes meu subconsciente pergunta
O porquê de eu ter vindo para a Lua.
É sempre ruim dizer
Que eu não vim por querer.
“Ah, meu ente, o meu mundo há muito fora destroçado.
Em guerras de fúria, se perdeu,
Em bombardeios de emoções, enlouqueceu
E, executando corações, pereceu.
Ainda que muitos tenham se ferido, pasme:
Eu fui o único abatido.”
É complicado sobreviver a tantas guerras, e por isso fui abatido tão rápido. Às vezes, é necessário combater fogo com fogo, mas, isso apenas queima o lugar ao redor. Não é útil e você queima a beleza em no seu em torno mais do que queima seu problema. Queria ter aprendido isso antes, pois agora me sinto um homem solitário na lua, assistindo os destroços de meu mundo cinza voando em diferentes direções pelo espaço.
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Suplício social.
Estamos no purgatório, pois, convivemos com os juízes. Pode não parecer, mas antes de sermos escravos do dinheiro, do prestígio e da inveja, somos escravos da liberdade.
Sartre, filósofo contemporâneo, tem sob sua autoria esta renomada frase, "O homem está condenado a ser livre". Livre, pois temos o direito a escolher o que fazer e o que não fazer, moldando ao nosso jeito o futuro. Liberto, pois somos responsáveis por tudo o que fazemos.
No entanto, condenados. Sentenciados, pois vivemos em função da visão de outros, tomando ações de formas reticentes. Somos pássaros engaiolados por barras de moderação social, nunca exibimos nosso potencial individual.
Portanto, uma personagem de Sartre, na peça "Entre quatro paredes", dirá "O inferno está nos outros". Não porque os tais nos infernizam, mas sim porque aprenderam a reprimir enquanto eram reprimidos.
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Sonhos afogados em capital.
Vidas monetizadas, nada mais que isso. Vemos “stories” promovendo lojas, e vídeos promovendo sites. Perfis remunerados ganhando em dólar o que equivale a dois salários mínimos por terem fotos com corpos que estão caracterizados, na mente das pessoas, como “bem estruturados”. Ainda por cima, taxamos de cínico aquele que quer seguir sua vida com seu hobbie, pois, para ele, ter felicidade é o mínimo. Músicas que empilham cifrões com letras enormes de significados tão vazios que a mente não consegue discorrer sobre.
Construíram um muro no nosso interior que separa a qualidade do dinheiro, mas não precisa ser assim o tempo inteiro. Escondemos nossos sonhos debaixo do travesseiro de tanto escutar que o importante é o lucro financeiro. O problema é que, diferente de antigamente, quando acordamos ainda vemos aquilo ali, escondido sob tecido, e não uma moeda de um real. Na verdade, sonhos enterrados se tornam terríveis pesadelos que fazem você questionar-se com o perigoso “e se...”.
Indivíduos falando para grupos sociais que o ganho monetário é o principal, um belo artifício que funciona bem com massas alienadas pelo azul da nota de cem e pelos grilhões do capital. Convencemo-nos que esses indivíduos estão certos, mas é tão triste quando descobrimos que estamos mentindo.
Somos o que sentimos, o que fazemos, e o que gostamos. Alguns até dizem que somos o que comemos. “Se você é bom em algo, não o faça de graça”, aconselham, e não discordo. Mas, se você ama algo que faz bem, você com certeza sabe que o dinheiro vindo disso é consequência, e não o principal objetivo.
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Discórdia e ponteiros.
Pedi para o tempo esperar-me e acho que o irritei com isso, pois ele começou a correr de súbito. Gritei para que ele parasse só um pouco, avisando-o que estava cansado, mas ele já estava longe demais para ouvir qualquer coisa que emitisse um som mais baixo que o tiquetaquear feito por seus pés. Seus incrivelmente rápidos pés. Tentei alcançá-lo, ignorando aqueles que diziam para mim que eu estava atrasado, enquanto um novo ruído de tique-taque surgia aos poucos, um tiquetaquear que não era do tempo normal, mas sim do meu próprio.
Antes, eu corria atrás do tempo dito como "natural" e isso era realmente muito exaustivo. Agora, ao contrário disso, comecei a seguir o ritmo do meu próprio tempo, e isso foi ficando cada vez melhor. De repente, não ouvia mais o som vindo do tempo a minha frente, mas apenas o som vindo do meu lado, que estava ficando mais alto a cada dia. Por algum motivo, sinto que isso irritou ainda mais o tempo comum.
Em algum momento desse processo, os dois sons assumiram características ensurdecedoras e eu não podia viver mais com isso. Pouco a pouco, eu os obriguei a conciliar-se. Não foi a coisa mais fácil, mas não se tratava de ser agradável no processo e sim no final. Os dois tempos se juntaram, brigaram, divergiram-se e se harmonizaram ao término de tudo. Logo após essa trégua na disputa para saber quem gerenciaria os meus ponteiros, senti o mundo leve. Não havia mais “tempo comum” e nem “meu tempo”. Havia apenas o Tempo que todos deveríamos ter, e nada mais.
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“Central de reclamações do córtex pré-frontal, em que posso ajudar?”
— Boa tarde para você também. Quero relatar um golpe que sofri por sua culpa.
— Desculpe, mas não estou entendendo.
— Ah, não? Bom, deixe-me esclarecer para você: um sujeito da sua firma veio me oferecer uma “maravilhosa oferta” — disse, com escárnio. — Que tem feito meus dias piores do que nunca!
— Em primeiro lugar, peço sua calma. Em segundo, preciso lhe informar que nenhum de nossos funcionários faria tal coisa, somos seletos quanto a nossa equipe.
— Deveriam ser seletos quanto aos seus serviços também! Mas, você não está se importando muito, né? Sou eu quem estou pagando por isso.
— Controle suas palavras comigo! Se quer reclamar sobre um relacionamento horrível, uma decisão que tenha acarretado traumas ou derivados, o ato de escolher um dia que choveria para sair, entre outros, você tem todo direto. Mas, até o momento, não me disseste nada além de insultos e frases com deboche. Agora, peço encarecidamente que me conte o que houve.
— Ok, ok. Comecemos do início, então. Era manhã, por volta das seis, eu acho. Eu tinha um dia muito corrido pela frente e provavelmente estava enrolando na cama. Me levantei e resolvi que não precisava arrumar a cama, já que só iria no banheiro. Foi quando ouvi alguém bater à porta. A princípio, achei que era alguma “testemunha de jeová” querendo crentes para dar dinheiro a igreja. Mas, não. Ao abrir a porta, vi uma mulher de terno preto, usando um chapéu panamá que combinava com a roupa. Não lembro bem de seu rosto, mas lembro que ela sorria como o diabo. Ela se apresentou de forma muito breve, pois disse que tempo era valioso, que o tempo dela valia uma fortuna e que o meu também poderia valer, com uma condição: deixar ela ficar na minha casa pelo tempo que fosse necessário para explicar-me o plano dela.
— E você a deixou entrar? Isso não é aconselhável...
— É, é, eu sei, mas não estava muito afim de fazer minhas coisas nos próximos dias, então não vi motivo para não a deixar entrar. De qualquer forma, ela se estabeleceu bem e sem problema. Me deu umas dicas de como eu não precisava me importar em fazer as coisas na hora e deveria focar nas minhas áreas de lazer e em tempo livre para pensar. Mas, foi apenas isso no primeiro dia. No segundo, a mesma coisa. Quando percebi que isso se repetiria no terceiro, resolvi mandá-lo embora, mas ela me acusou de dar uma dívida enorme para ela e que me faria pagar uma multa. Depois de muitas discussões, ela disse que iria embora no dia seguinte. Depois no próximo, no próximo e no próximo.
— Mas, nunca ia de fato, né?
— Pois é. Durante esse tempo ela me fez acreditar que nem minhas coisas prazerosas eu deveria fazer, apenas ficar parado. Mas, Deus! Como doía a sensação de culpa quando eu me deitava a noite e percebia que nada tinha feito. O pior é que nem desculpa eu tinha para justificar essas ações. Eu não estava triste, desanimado ou atarefado com outras coisas. Simplesmente me deixei levar por ela, e eu sabia no que iria dar. Horas passavam e eu sabia exatamente o que aconteceria. Semanas passavam e eu em todos os dias delas eu sentia a mesma coisa de noite.
— Ok, ok. Deixe-me ver se entendi: ela te incentiva a largar as coisas ou nem as começar ou te dá a falsa esperança de que você pode fazer depois, certo?
— Certo.
— Ela se recusa a ir embora e você também não consegue manda-lo pois ela te ameaça e faz você achar que é o culpado e de noite você realmente se sente assim, péssimo.
— Isso.
— Enquanto tem plena certeza do que está fazendo, mas não consegue parar.
— Perfeitamente.
— Eu preciso que você mantenha a calma agora, ok? Caso ela esteja por perto, disfarce que você está no telefone e não o deixe ouvir. Você está sob grande perigo, sua hóspede importuna cerca de milhares de pessoas por todo o mundo. Ela tira as esperanças das pessoas e as faz acreditar que é culpa delas. É uma grande dor, sei que parece que tem um buraco no seu peito, mas é exatamente isso que ela quer. O nome dela é procrastinação. Me passe sua localização, converso com um dos donos de farmácia por perto e faço com que te liberem um---
O telefone ficou mudo. A atendente tentou ligar de volta quase 6 vezes. Do outro lado da linha tinha uma pessoa com o telefone residencial na mão, sentada em uma poltrona em um quarto escuro. O fio do telefone pendia, arrebentado. O súbito barulho de tesoura se fechando há poucos segundos foi substituído pelo da mesma tesoura caindo no chão. Um objeto cano longo, com um buraco no meio, foi posto na nuca da pessoa enquanto uma mão feminina acariciou a orelha esquerda dela.
— Você não vai amanhã em nenhuma farmácia vai?
— N-Não. — Gaguejou a pessoa.
— Ótimo, realmente ótimo. Também não vai ligar para a central de novo, né?
— ... — A pessoa ficou em silêncio até ouvir a arma sendo engatilhada — Não.
— Perfeito. Agora, já está tarde vá dormir.
— Mas, eu preciso---
— Shh... Não. Você não precisa. Vá deitar.
— Tá bom.
— E não esqueça de beber o suco do lado da sua cama.
— Tá bom.
O veneno que a mulher chamava de suco matava a pessoa a cada dia. A procrastinação não foi presa em nenhum momento, e muitos confundiam ela com falta de vontade da própria pessoa.
Cuidado, ela pode estar prestes a bater à sua porta.
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Minha história, meu jeito. (Asas de Arrogance - 1/?).
— Quem é o da vez? — perguntou Henry, mal humorado. Odiava trabalhar de madrugada.
— Um homem, segundo a Carla. Não temos o nome dele, mas ele chama a si mesmo de “Arrogance”. — respondeu Rarry. Ele também não gostava, mas era mais discreto em relação a isso.
— “Arrogance?” — perguntou Henry, franzindo o cenho.
— “Arrogância”, mas em inglês. — explicou Rarry — Clichê.
— Eu não sei, não. — Henry jogou a guimba de cigarro na lixeira — “Morte”, “Violência” são comuns. Até mesmo “Traficante 10” eu já vi, mas o nome desse sujeito me dá um comichão estranho. — Pegou a ficha da mão de Rarry — E... ele nem tem foto? Sério? Por que não fotografaram ele?
— Vamos, Henry, é só mais um de vários. — Começou abrir a porta da sala de interrogatório — Além disso, a gente faz todo sábado a mesma coisa e você sempre age como um “viadinho”.
— Você sabe que meus comichões me avisam sobre as merdas que vão acontecer, babaca.
— É, sei tanto quanto o seu vizinho sabe o gosto da sua mulher. — Henry fez uma cara de confuso e Rarry descartou a piada com a mão — Esquece. Vamos acabar logo com isso, essas meias do uniforme prendem minha circulação para um cacete. — Abriu a porta.
Rarry ficou em silêncio quando olhou para o interior da sala. Faziam dois anos desde que o departamento resolveu deixar o interrogado livre pela sala. Agora só podiam entrar com um par de algemas na sala. “Vai aumentar a confiança deles na gente”, disseram o pessoal do Comitê de Decisões. Realmente, funcionou. Mas, naquele momento, não parecia mais uma boa ideia. O tal comichão de Henry que o diga.
Ver um homem magro de frente para a parede, como se estivesse refletindo, não era novidade. A maioria deles eram traficantes e traficantes acabavam usando o próprio produto. Quando chegavam naquela sala, faziam isso para repassar os crimes e toda a sorte de merda que já tinham feito na vida. Tinham os ombros caídos e sempre estavam cabisbaixos com as mãos juntas em frente ao corpo. Mas este não. Esse estava de ombros retos, dorso erguido, olhava para a parede como se fosse dono dela e mantinha o queixo erguido. Suas mãos estavam entrelaçadas atrás de suas costas da mesma forma que um imobiliário faria ao olhar um condomínio. Usava uma camiseta branca esgarçada — não quis abrir mão dela — e a calça padrão dos detentos. O problema, além de sua postura, eram suas costas. Haviam manchas de sangue, agora já secas, na altura das omoplatas. Pareciam ter sido feitas após um corte limpo de faca.
Ao fecharem a porta, Arrogance virou-se para vê-los. Olhos frios, calmos e com as pálpebras relaxadas. Henry, que foi o primeiro a sair do choque, começou a abrir a boca para ele. Iria mandá-lo se sentar — como sempre faz — mas o interrogado levantou a mão de forma suave, mas ríspida, interrompendo-o. Henry não gostou disso, os abusados sempre lhe davam uma sensação estranha e este sujeito já estava fazendo isso o suficiente. Arrogance sentou-se graciosamente, cruzando a perna direita sobre a esquerda e entrelaçou as mãos sobre o colo por debaixo da mesa. Seu rosto, com a barba por fazer se harmonizando com o nariz anguloso, refletia a luz da lâmpada que estava no centro do teto. Abriu um sorriso leve, sutil, convidativo. O mesmo tipo de sorriso que faz o convidado apreciar a visita antes mesmo dela começar.
— Boa noite, senhores. — Disse Arrogance.
Os homens, já sentados, se entreolharam numa pergunta silenciosa sobre quem falaria primeiro. Rarry se arriscou.
— Olá... Arrogance. — mudou levemente o tom ao final da frase para indicar uma pergunta. O interrogado meneou a cabeça em concordância. — Certo. — Pigarreou — Teria outro nome pelo qual poderíamos te chamar?
— Você continuará a me chamar assim e de nenhum outro modo a mais, senhor. — respondeu ele.
— Controle a língua! — interveio Henry com sua voz áspera. Era medroso, mas não submisso com abusados.
— Pois bem... — Começou a sorrir e olhar de forma obsessiva para Henry, uma forma que o perturbava — Os oficiais aqui querem um depoimento meu sobre a “guerra” com a gangue dos irmãos Trentis, certo? — Começou a sorrir de uma forma animalesca ao falar “guerra”. Henry ainda sentia o comichão, mas ele ficava mais forte. — É uma longa história, vocês sabem.
— Somos curiosos e bons ouvintes — assegurou Rarry enquanto abria a caderneta e apertava o botão da caneta — pode confiar. — finalizou com uma expressão suave, tentando passar conforto. Foi para isso que me formei? Para ser bonzinho com bandidos?, pensava ele. Na verdade não pensara em nada mais além disso nos últimos três meses, o período todo em que começou a trabalhar interrogando idiotas que não escolhiam direito o que fazer na vida. Estava se sentindo, pela primeira vez, desanimado e em dúvida sobre o trabalho. Mais que tudo, estava aéreo naquele dia.
A preocupação de Henry aumentava. Tinha algo de errado ali, ah, se tinha. Uma gota de suor começava a trilhar a linha de suas costas. Ele se gabava por ter um “sexto sentido” para esse tipo de coisa desde que previra um assalto à uma cafeteria.
— Policial, contar uma história requer... contextualização. — disse Arrogance.
— Então conte-- — começara Henry, mas foi interrompido.
— Eu contarei, mas do jeito certo. — Arrogance havia elevado a sua voz quase à raiva. Ainda sorria para Henry. Ele estava provocando-o, era óbvio. Seria óbvio para Rarry se ele não estivesse pensando na discussão que tivera com sua mulher na noite passada sobre quem pagaria as contas. Henry sentiu um calafrio subir enquanto o suor descia. Depois, transformou isso em raiva e resolveu ouvir o seu comichão amigo.
— Já chega, vagabundo! — disse e levantou-se, pegando a algema de seu sinto — Merdinhas como você precisam entender que estão na prisão, sob NOSSA jurisdição! — Chegou mais próximo do lado de Arrogance, abrindo a algema e prendendo-a em uma das protuberâncias da mesa que serviam justamente para isso. Quando virou-se para o homem que te tirara do sério apenas com os olhos e boca, ouviu o click.
E viu a arma na mão do criminoso, que apenas deveria estar sob sua jurisdição, apontada para sua mão que ainda segurava a algema.
— Prenda o próprio pulso e sente. Você vai ouvir a minha história, do jeitinho que eu contar.
O policial obedeceu. Rarry despertou com o barulho da arma. Agora sim ele aprendera o ditado de Joe (Pensar na mulher é abrir o peito para levar tiro). Ainda assim, estava imóvel. Não é que ele não estivesse de posse de uma arma, o problema é como ele tiraria ela do lado esquerdo de seu cinto sem que o novo detentor de poder visse. Sua mão esquerda estava com a caneta e pegar a arma com a mão direita não seria nem um pouco discreto.
Arrogance suspirou de forma calma.
— Não façam nada desagradável, não tenham síndrome de herói nem um ego inflado. Sei lidar com isso. — Suspirou uma outra vez — Pois bem... como podemos começar a contextualizar isso? — Pensou por um momento — É, isso serve. — Ajeitou-se na cadeira sem mover a mira nem um centímetro e pigarreou — Eu havia acabado de nascer em um banheiro...
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