#descascada
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dicasverdes · 1 year ago
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10 maneiras rápidas e fáceis de esconder uma pequena mancha de tinta descascada ou outras imperfeições em suas paredes
Você pode ocultar remendos de parede usando as seguintes correções rápidas e fáceis… A casa própria é um dos melhores investimentos que você pode fazer na vida. Nada é melhor do que saber que você está morando em sua própria casa sem ter que pagar aluguel ou cuidar de algumas contas desnecessárias. No entanto, também vem com sua própria parcela de despesas. Você precisa garantir que pode cuidar…
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frutosesaude · 1 year ago
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Descubra as Vantagens das Frutas Sem Casca
Frutas Sem Casca: Uma Abordagem Completa para uma Alimentação Saudável
Introdução
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Benefícios de Frutas Sem Casca
Maior Digestibilidade
Ao retirar a casca das frutas, facilitamos a digestão. Muitas cascas contêm fibras insolúveis que podem ser difíceis de digerir para algumas pessoas. Consumir frutas sem casca pode ser especialmente benéfico para aqueles com sistemas digestivos sensíveis.
Redução de Resíduos Químicos
As cascas das frutas podem abrigar resíduos de pesticidas e produtos químicos usados durante o cultivo. Ao descascar as frutas, reduzimos a exposição a essas substâncias potencialmente prejudiciais, tornando nossa alimentação mais segura.
Maior Sabor e Textura
Frutas sem casca muitas vezes têm um sabor mais suave e uma textura mais agradável. Isso pode ser especialmente apreciado por crianças e adultos que não gostam da sensação de mastigar a casca das frutas.
Opções Populares de Frutas Sem Casca
Maçãs
As maçãs são um exemplo clássico de frutas que muitas pessoas preferem comer sem casca. A casca pode ser ligeiramente amarga para alguns paladares, e retirá-la revela a doçura e a suculência da fruta.
Pêssegos
Os pêssegos são outra escolha popular para consumo sem casca. Sua casca pode ser difícil de mastigar, e a carne macia por baixo é uma verdadeira delícia.
Peras
As peras são frutas que podem ser consumidas com ou sem casca, dependendo das preferências pessoais. Muitos apreciam a suavidade das peras sem casca, mas a casca também é rica em fibras e nutrientes.
Dicas para Preparar Frutas Sem Casca
Agora que você conhece os benefícios das frutas sem casca e algumas opções populares, aqui estão algumas dicas para prepará-las adequadamente:
Lave Bem as Frutas
Certifique-se de lavar as frutas cuidadosamente antes de descascá-las. Isso ajuda a remover qualquer sujeira, resíduos químicos ou bactérias da superfície.
Use um Descascador de Frutas
Para garantir que você esteja retirando apenas a casca e não desperdiçando parte da polpa, utilize um descascador de frutas de qualidade. Isso tornará o processo mais eficiente e seguro.
Armazene Adequadamente
Depois de descascar as frutas, armazene-as corretamente na geladeira para mantê-las frescas e saborosas por mais tempo.
Conclusão
Frutas sem casca são uma opção nutritiva e deliciosa para aqueles que desejam evitar as cascas ou que têm dificuldade em digeri-las. Ao conhecer os benefícios, as opções populares e as melhores práticas de preparação, você pode desfrutar dessas frutas de forma saudável. Lembre-se sempre de variar sua dieta para obter uma ampla gama de nutrientes, e aproveite o sabor puro e suculento das frutas sem casca em sua próxima refeição.
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susinna · 4 months ago
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Me chama de parede descascada e me dá uma pintada ☢️
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jenovascaino · 1 year ago
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lee jeno x reader
inspirado em clube da luta
havia conhecido lee jeno antes de você encontrá-lo e grudar em sua pele como um verdadeiro parasita.
as poucas noites de sono que tinha foram embora assim que virou costume te encontrar na casa que dividia com jeno, seu parceiro num projeto. contigo ali, a insônia voltara. não dormia mais. nem um pouco. o sangue fervia de raiva. ouvia teus gemidos, gritos e grunhidos todas as noites, chamando pelo nome do lee e pedindo para ir mais rápido.
o chão do segundo andar se desfazia acima de sua cabeça. a tinta descascada caída do teto boiava em seu café, e só restava escutá-los fodendo como dois animais selvagens quieto, como se não passasse de um telespectador. um mero narrador.
o gosto forte da bebida tomava a boca e deixava ali um certo amargor, que não chegava a ser tão incômodo quanto o emaranhado de xingamentos que tinha para soltar, mas eram engolidos enquanto rasgavam sua garganta.
tua voz o incomodava de todas as formas. saber que você gastava o tempo e ocupava a mente de lee jeno o irritava. não era merecedora de toda aquela atenção. não mesmo. não passava de uma mentirosa.
sentia o estômago embrulhar ao te imaginar se contorcendo na cama, tocando a bucetinha molhada com agilidade, cheia de tesão. os olhos se reviraram, enojado, ao pensar em você toda abertinha, esperando para ser comida por jeno enquanto tuas mãos famintas apertavam os peitinhos arrebitados. seus joelhos flexionados e quase tocando o colo só para ficar totalmente exposta, com o buraquinho pulsando e escorrendo teu melzinho brilhante, que deslizava até tua outra entradinha. você era desprezível.
não merecia ter o rabinho cheinho de porra ao final da noite, ou ficar com a bucetinha inchada de tanto levar pica. também não merecia ter a boca fodida do jeitinho que gostava, levando leite na cara enquanto gozava nos próprios dedinhos. nem ser comida com metade do corpo para fora da janela, ecoando teus malditos gemidos pela rua enquanto o lee te empurrava sem dó, para que todos ali pudessem ouvi-la.
muito menos merecia ser escutada por ele mesmo nessa madrugada, com a tua vozinha manhosa e irritante estragando mais uma de suas preciosas noites de sono. mas ele sabia que você curtia isso. sabia que queria se mostrar para todo mundo. para qualquer um. seja quem fosse.
sabia disso porque lee jeno também sabia.
não te odiava sem motivos. muito pelo contrário. antes de te encontrar perambulando pela própria casa na calada da noite e saindo pela manhã, havia te conhecido no último lugar que gostaria — se ao menos quisesse ter te conhecido.
pelas manhãs, trabalhava num escritório medíocre e tedioso, mas que pelo menos cobria os gastos de seu apartamento mais medíocre e tedioso ainda. vivia uma vida descartável, e parecia que aquilo lhe tirava o sono. seus dias eram cansativos e nem mesmo à noite podia relaxar. sua mente estava sempre acordada.
com insônia nada parece real.
no entanto, com a descoberta de grupos de apoio, podia dizer que estava dormindo como um bebê pelas seguintes noites. participava de inúmeros grupos, mas seu preferido era o homens remanescentes unidos, criado para prestar apoio a homens com câncer nos testiculos. chorar nos peitos desenvolvidos de jaemin, membro do grupo e antigo fisiculturista que tomou bomba demais, havia sido seu remédio e conforto mais precioso. adorava amassar as bochechas na pele quente, gordurosa, e deixar a marca de suas lágrimas em sua camiseta.
na realidade, não havia perdido suas bolas, ou sequer estava no estágio inicial do câncer como os outros homens ali. quando se está prestes a morrer, porém, as pessoas realmente escutam o que você tem a dizer. não só esperavam sua vez para falar. e mesmo que não abrisse a boca — e aquilo fazia com que os outros pensassem o pior —, sentia-se extremamente acolhido.
ir a grupos de apoio tinha elevado completamente a sua qualidade de vida. as olheiras começaram a clarear, as bochechas a corarem e sorrisos modestos ao longo do dia brotavam em seu rosto. até você aparecer.
você era a doença. com seus malditos olhos irritantes que o fitavam constantemente, como se encarassem sua alma. como se soubessem da verdade.
reparou em você, de fato, naquele mesmo grupo. os peitos fartos de jaemin, seu parceiro no “momento do abraço”, envolviam seu rosto choroso quando os olhos inchados e molhados miraram os seus.
você estava lá, tragando um cigarro enquanto um cara baixinho chorava agarrado em seus braços. logo reconheceu seu rosto inconfundível, e constatou que já havia te visto na sexta à noite, num grupo de apoio à tuberculose. e na mesa-redonda de melanoma, às quartas. também na segunda à noite, no grupo de leucemia. e no de parasitas sanguíneos. também no de cerebrais.
você era uma mentirosa. uma turista.
e não que ele não fosse, também. mas claramente eram casos diferentes. precisava daquilo. e precisava muito mais do que você. disso tinha certeza.
não conseguia fingir com outra pessoa fingindo. com alguém de fora o olhando. naquele momento, sua mentira refletia a dele, e então formavam uma grande mentira em meio a verdade daquelas pessoas.
tentou te convencer. te implorou para que largasse os grupos. para que fosse embora para bem longe e esquecesse da existência daquelas pessoas. contou que aqueles grupos eram importantes para ele, que necessitava daquilo para sobreviver, e que precisava que você saísse dali. mas de nada adiantou. afinal, de que te interessava? não tinha nada a ver contigo.
então negou, e ao ser ameaçada de ser exposta para todos como turista, ameaçou fazer o mesmo com ele, e isso iniciou uma longa discussão sobre a futilidade da vida e o merecimento. e então como vocês estavam em barcos diferentes nesse quesito. brigaram e brigaram, e o maluco te perseguiu por toda a rua. no final, chegaram a acordo nenhum.
e a partir dali, ele passou a remoer um ódio profundo por você. não passava um dia de sua vida sem descontar toda a raiva e frustração que sentia em sua figura, mesmo que em segredo. queria te ver destruída, acabadinha. do mesmo jeito que você o deixou, por mais indiretamente que fosse.
com o tempo, você descobriu seu verdadeiro nome. lee jeno, como havia se apresentado num sábado à noite, nos fundos de uma loja nunca alugada. parecia finalmente ter deixado aqueles papos estranhos para trás e dado uma chance para conversarem civilizadamente.
seu rosto estava machucado e suas roupas sujas, como se tivesse participado de uma briga de rua. um dos olhos estava roxo e na boca escorria uma fina faixa de sangue seco. os punhos estavam mais feridos ainda e os nós dos dedos manchados e sujos. mantinha um sorriso sacana nos lábios enquanto tragava um cigarro, te analisando de cima a baixo. então prensou teu corpo sobre a lataria velha de seu carro, apoiando o antebraço ali para se inclinar até você. o hálito de nicotina acertou seu nariz quando lee jeno disse que estava a fim de destruir uma coisa bonita.
e então você riu, sem graça, e acabou caindo em seus encantos. não se importava se há menos de dois meses ele era um cara metido que chorava em grupos de apoio como um bebezão mimado. tudo o que importava para você era o quanto ele te fodia bem nas madrugadas.
por isso estava mais uma vez em sua cama, em cima dos lençóis empoeirados daquela casa de paredes apodrecidas, tendo os joelhos forçados contra o colo pela mão forte do homem a sua frente, que esfregava o pau na tua intimidade coberta pela calcinha.
jeno adorava brincar com a tua bucetinha coberta, como se fosse revelar um tesouro ao arrastar tua calcinha molhada para o lado. puxava o tecido para cima, partindo tuas carnes enquanto a peça se enterrava entre os teus lábios. também puxava para o alto e descia, esfregando a peça para um lado e para o outro sobre o teu pontinho sensível.
podia brincar desse jeito contigo por horas. gostava de ver tua buceta ficando cada vez mais molhadinha, descendo o teu mel até tua outra entradinha e melando toda a calcinha. aquilo o deixava duro pra caralho, e o pau latejava na cueca só em te ver assim.
o lee adentrou tua calcinha com o pau babado sem se importar em tirá-la do teu corpo. queria sentir o pano sobre o próprio caralho também, apertando vocês dois ali. escondeu o membro dentro do tecido e esfregou a cabecinha no teu buraquinho, aproveitando para lubrificar ainda mais o resto da tua buceta. começou a estocar teus lábios, deixando a vulva toda meladinha e escorregadia. pelos movimentos descuidados, às vezes o caralho grosso escorregava para fora da calcinha, lambuzando tua barriga, e logo depois voltava a se afundar ali dentro. a pontinha do pau molhava a peça todinha, que agora tinha uma mancha formada pela porra de vocês dois.
você gemia arrastado, barulhento, ansiando por mais. tua voz manhosa se misturava com o barulhinho molhado que saia da tua calcinha, tomando conta de todo o quarto.
sem avisos, jeno tirou o pau dali e te deixou sentadinha na cama. a peça molhada incomodava tua partezinha sensível, mas aquilo só te excitava ainda mais. o lee enfiou com tudo o pau babado na tua boca, entrelaçando os dedos entre teus fios de cabelo e os puxando.
— chupa gostosinho o meu pau, princesa — enterrou seu rosto lentamente sobre a pélvis. — e eu te fodo do jeito que você gosta depois.
com o lee enterrado em sua boca, tua bucetinha pingava ainda mais. chupava o caralho grosso desajeitadamente, encharcando todo o comprimento com a tua baba. tua língua rodeava a cabecinha e tua boca ia e voltava num movimento que deixou jeno impaciente.
— caralho, garota — empurrou você para trás pelos cabelos, tirando o membro da tua boca. — nem um pau tu sabe mamar direito? tá de sacanagem.
e você estava, sim. não fazia esforço algum quando o assunto era chupar o lee. queria ter a boquinha esfolada, cheinha de pau e dolorida. estava doidinha para ser fodida por ali, e aquilo sempre funcionava. irritar jeno era a melhor das opções.
o homem puxou teus cabelos e se enterrou mais uma vez na tua boca com tudo. o caralho grande ia e voltava, tocando a tua goela e deslizando pela tua língua. metia até o fundo, te fazendo engasgar inúmeras vezes. teus pelinhos se eriçavam quando a pontinha do pau parecia tocar tua garganta, e os biquinhos sensíveis dos peitos já estavam durinhos.
fodia a tua boca sem delicadeza alguma, afundando o pau ali enquanto seus quadris se moviam de forma agressiva. no entanto, achava que assim fazia um esforço que você não merecia. então te puxou pelos cabelos e enterrou tua boca ali até a base do pau, teu nariz quase tocando a pélvis, e as bolas pesadas quase encostando no teu queixo.
os cantinhos dos teus lábios já doíam e estavam escorrendo tua própria baba. mesmo assim, o lee continuava, arrombando a cavidade e machucando o céu da tua boca. você adorava isso, e sentia a calcinha encharcar ainda mais. esfregou a bucetinha coberta nos lençóis e teus dedinhos foram rápidos ao deslizar até ali.
no entanto, jeno foi mais ágil ainda ao impedir seu movimento. empurrou tua cabeça para trás e tirou o pau dali, deixando com que teu rosto voltasse para frente e fosse lambuzado pelo caralho babado, que balançava e te melava a bochecha.
um tapa ardido acertou o teu rosto, e seu típico olhar de desprezo te atingiu mais uma vez.
— porra, isso é tudo no que tu consegue pensar? — te empurrou sobre a cama, te puxando pelos joelhos até ele. — quer ser fodida em todos os buracos, princesa? caralho, tu é uma putinha mesmo.
empurrou tua calcinha para o lado, enfiando o caralho grosso na bucetinha molhada. forçou novamente tua boca para abri-la, cuspindo em tua língua e deixando o fio de saliva que se esticava conectar suas bocas entreabertas.
— engole.
você prontamente obedeceu, e logo sentiu o pau começar a invadir tua bucetinha pulsante. os quadris do lee se moviam violentamente, e suas bolas batiam com tudo na popa da tua bunda. a cabecinha do pau ia e voltava no teu abdômen, e aquilo o deixava ainda mais duro. jeno relaxou a própria boca, deixando-a abertinha até sua saliva começar a pingar sobre o teu corpo. você deslizou dois dedos até a pele babada, esfregando-os na saliva e assim os levando até sua boca, chupando tudinho.
— porra, piranha — soltou uma risada soprada, observando seus movimentos.
logo cuspiu novamente em você, dessa vez pertinho da tua boca só para te ver tentar alcançar a saliva com a língua. depois foi a vez de cuspir no teu monte de vênus, deixando a baba escorrer até o teu pontinho e se perder entre os teus lábios.
— a única coisa que tu pensa é em pau, não é? burra pra caralho. pelo menos é gostosinha. — você ao menos deu-se ao trabalho de responder. estava bobinha demais com o caralho grosso de jeno dentro de você. — só serve pra guardar a minha porra. uma piranha do caralho.
tirou o pau da tua buceta, o que logo foi reprovado com um resmungo seu. pegou tua cintura e te virou de costas para si, erguendo teus quadris e roçando a cabecinha do caralho nas tuas duas entradinhas. você imediatamente se empinou, deixando os buraquinhos bem expostos para ele.
— fica doidinha assim só pra levar pau — forçou o caralho no teu rabinho. — porra, aposto que todo mundo já te fodeu.
empurrou a pontinha do pau para dentro do buraquinho apertado, sentindo tuas paredes pulsantes esmagarem todo o seu tamanho. tua entradinha já estava vermelhinha e babada, prendendo o caralho ali.
— vou te deixar larguinha pra quem for te comer depois, então — estocou o pau no teu canalzinho. — vai ficar com o rabinho cheinho com a minha porra. será que vão gostar do presente, princesa?
e depois de uma boa foda você apagava. só acordava no outro dia, quase pela manhã, e encontrava lee jeno na cozinha, bebendo seu café. não te dirigia sequer uma palavra, como se não lembrasse da noite que passaram juntos. de tudo o que fizeram.
e então, sob aquele maldito olhar de desprezo, você ia embora da casa. mas com a certeza de que voltaria na noite seguinte.
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maximeloi · 6 months ago
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𖹭 starter with @kretina
¸ prompt: o grimório perdido.
terceiro capítulo.
⭒  ๋࣭ 𖹭  ๋࣭ ⭑ bater a estufa de cima a baixo, procurar no chalé dez, checar na biblioteca, nada daquelas tentativas conseguiram fazer com que maxime encontrasse o que procurava. seu grimório precisava ser atualizado hoje junto com algumas anotações que pegou com natalia, novos significados para algumas ervas que ele não conhecia tão profundamente quando começou a escrever aquela coletânea de receitas. o único problema é que não sabia onde diabos deixara o grimório. sua irritação começou a deixar o cabelo com algumas manchas vermelhas nas raízes, a raiva passando a tomar conta de si. tão chateado com o sumiço, tão bravo de ter que vasculhar aquelas gavetas da estufa pela terceira vez, não notou que já não era mais a única pessoa ali dentro. a mão direita bateu sem querer na madeira e uma das unhas partiu-se; aquilo estava acontecendo com tanta frequência que suas unhas normalmente tão bonitas e bem feitas, agora estavam partidas e sem conseguir segurar bem o esmalte. a cor azul estava descascada hoje. “ ━━━ merda.” resmungou, balançando a mão para espantar a dor e só assim se virando, notando então a presença da filha de éris. “ ━━━ hm, ei, katrina, tudo bem? precisa de alguma coisa? eu posso….” o semideus parou no meio da saudação, os olhos azuis fixos no que a garota segurava. “ ━━━ onde você encontrou isso?”
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homeamy · 5 days ago
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cidade metal
agora a cidade é um cinema com febre abro bem os olhos mas sou uma menina quebrando tudo o que não esqueço me esquarteja você foge pra dentro de um verso e eu ardo de saudade difícil aceitar a estrada que nos transformou nisto perco você e as palavras entre as avenidas de metal e mentira
e entre estas, o silêncio se espalha como ferrugem nos ossos as luzes piscam, morrendo devagar, enquanto a cidade projeta nossos fantasmas nas paredes descascadas.
eu corro atrás de sombras que não respondem, meus passos ecoam em becos sem saída você se dissolve em linhas tortas, em versos onde não consigo entrar
fico parada, com o peito aberto como uma porta sem tranca, sentindo o vento frio atravessar memórias
a cidade sangra neon e concreto, e no brilho febril da tela, eu entendo: perdi você para sempre.
resta-me apenas o escuro, e a película fosca, queimada, do que fomos.
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arclariam · 7 months ago
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Sentado nos escombros das ruínas, enquanto o eco do fim apático da nossa pequena eternidade ainda grita pelos cantos de paredes descascadas e trincadas. Hoje me perguntei em qual trago daquele cigarro caro ou em qual dose daquela bebida quente tudo se tornou frio e vazio.
- Arclariam
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allebasimaianunes · 12 days ago
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deus é um círculo ✞ padre charlie mayhew & megan duval
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one-short ✞ pt version. entre a angústia & o desejo reprimido.
também está publicada no wattpad, caso preferir ler por lá :)
i don't fear god, but i fear being rotting myself (inspo playlist)
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notas da autora: meus caros leitores, essa história de capítulo único nasceu enquanto ouvia minhas músicas, misturado a uma vontade de explorar possibilidades dentro das personagens de Grotesquerie - no caso do Padre Charlie Mayhew & Megan Duval. com isso, comecei a escrever "Deus é um Círculo", como não só uma homenagem a esses personagens tão icônicos quanto também para treinar mais a minha própria escrita, explorando ao máximo o trabalho de desenvolver diálogos e ações em uma história. inspirada principalmente na música God Is a Circle, do cantor Yves Tumor, essa história que conta com mais de 10k palavras dialoga sobre passados, medos, crenças e descrenças. 
para quem for ler, desejo uma ótima leitura! críticas construtivas e comentários são sempre muito bem-vindos <3
contagem de palavras: 10k e uns quebrados ao todo.
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 A casa fedia a morte.
Algo apodrecendo, impregnado na madeira descascada do piso, emanando pelas ranhuras da tinta descascada na parede. Mosquitos zuniam ao redor do mofo que se alimentava da umidade nos cantos. Era tudo tão deprimente, a frágil luz daquele belo dia dominical parecia perder forças dentro daquela casa morta. 
Pilhas de resto de comida do jantar da noite anterior ainda estavam na mesa – pratos de porcelana amarelados com rastros de molho de tomate pastoso, pedaços de carne moída sendo comidas agora pelos mosquitos, lenços sujos dobrados, uma vela derretida jogada no meio daquela zona pitoresca. Havia uma garrafa de vinho com a rolha mal encaixada pela metade no canto da mesa, onde no lençol rendado que era para ser alvo mas agora era um tom de amarelo envelhecido, manchas irregulares de vinho traçavam um caminho por toda a mesa de seus lugares.
Charlie respirou aquele ar azedo, indigesto, sentindo certo arrependimento em ter aceitado estar ali. Porém seu coração empático e seu senso de justiça falaram mais alto quando a velha senhora o cutucou logo após a missa matinal, há uma semana atrás, lhe chamou para um cantinho e contou-lhe uma triste história de vida que tocou bem no ponto frágil de sua alma: a história familiar, a parábola do filho pródigo moderno que saiu de casa e quando voltou pedindo perdão, se arrependeu do berço que nasceu, se revoltou e largou mais uma vez todos e tudo para sumir no mundo. Uma história de dor, separação, perdas. O esposo doente que não aguentou o ressentimento de ter criado um filho ingrato, um filho infeliz com a vida simples, ambicionando por tudo, uma neta querida que perdeu as paixões pela vida e agora estava beirando a morte. Sozinhas, aquela aparente doce senhora rogou para que Charlie tomasse suas dores, fosse visitá-la e desse a extrema unção a neta que parecia uma doença desconhecida. Na hora nem passou na mente do jovem pároco a possibilidade de questionar se ela passou por consulta médica, se estava tendo algum acompanhamento profissional ou algo similar, tudo que ele fez foi suspirar profundamente descarregando o peso do mundo de seus ombros, olhar profundamente nos olhos velhos daquela mulher, segurar com leveza seu ombro e confirmar que estaria visitando-as logo mais. 
Uma semana passou desde então, ele quase se esqueceu da visita, mas ao revê-la entre a paróquia, sua mente foi impelida pelas palavras dela, o pedido e sua honra em cumprir a própria palavra. Então no final da Missa ofereceu para levá-la para casa, assim iria aproveitar para cumprir com a promessa. Pegou sua maleta em couro preta, com tudo que precisava para a extrema unção: o óleo e água benzidos, sua bíblia e um conjunto de velas finas e brancas que gostava de ofertar à família como um incentivo do que ele chamava da “não perda da fé”: com a vela, os membros da família do enfermo, até mesmo o próprio dependendo da sua situação, eram encorajados a acender a vela e rezar durante seis dias, em busca do perdão e da cura. Ao sétimo dia o descanso viria como forma de regozijo e alívio da tensão pela espera. 
Havia também um terço e uma toalhinha, uns folhetins com Ave-Maria e Pai-Nosso nos versos e uma caixinha com balinhas de menta que ele adorava mastigar quando estava ocioso. 
O trajeto foi silencioso, ouvia-se o ronco suave do seu chevrolet vegas preto. Na realidade a senhora ficava murmurando o que ele supôs ser uma oração, ou algo próximo a isso, tornando a viagem através da rodovia um tanto quanto… curiosa. O máximo que ela disse foi que tinha que acordar cedo e deixar a neta à sua própria sorte para pegar o ônibus até a igreja. A sua igreja. Com aquela informação, Charlie encheu-se de questionamentos que colidiram com a curiosidade acerca daquela senhora, apenas meneando a cabeça mantendo a concentração na estrada que se abria à frente deles. Enormes árvores nas laterais antes de uma longa extensão de pasto, fazendas, milharais e moinhos abandonados. 
A casa da senhora ficava em uma estradinha que cortava a estrada principal  à direita, de terra batida, mato alto, levando-os até uma propriedade antiga, média, parecendo uma antiga fazenda que estava parada há anos. Um celeiro grande estava mais aos fundos da casa de madeira, dois andares, uma enorme árvore centenária se retorcia ao lado da casa, envolvendo-a em um abraço sombrio. Apesar do sol acima deles, a propriedade em si emanava uma escuridão própria. Ambos caminharam até a entrada, e pela porta-dupla com a tela transparente ele já notou a situação da casa.
E lá estava ele, parado naquela sala esquisita emanando um odor rançoso de vinagre com gordura pastosa, molho de tomate e vinho acidificado. Estranhamente a senhora estava cheirosa – desde o dia que ela lhe puxou para o cantinho até o dia de hoje, ela lhe chegou exalando à banho tomado, uma fragrância da pele morna e limpa, shampoo e uma borrifada de perfume atalcado. 
A mão enrugada e gelada da senhora segurou a sua mão livre, o puxando levemente para a direção do lance de escadas a sua frente:
— Siga-me Padre!
Deixando-se levar, as pernas longas de Charlie caminharam incertas pelos degraus da escada de madeira que rangia debaixo dos seus pés calçados em botas de couro pretas. Subiram as escadas, Charlie contou doze ao total, chegando no segundo andar da casa que era um corredor retangular com três portas dispostas em cada lado e uma no meio, todas fechadas, uma janela fechada acima do lance das escadas, um papel de parede listrado em cor âmbar, o piso de madeira com algumas ranhuras. 
— O quarto dela é o do meio…
— Você não irá me acompanhar? —perguntou o homem ao ver a senhora dar meia-volta em seus calcanhares, prestes a descer, ela ergueu seu olhar para ele, havia uma mistura de medo com uma leve ironia pendendo no seu olhar cansado. Sorrindo, as rugas ao redor de seus lábios craquelando mais ainda, ela lhe respondeu num sussurro: — Esse momento cabe apenas a você e a Micaella.. Deu de ombros, descendo a escada. Charlie se virou para frente estarrecido com aquela resposta, suspirando profundamente antes de virar e encarar a porta onde a enferma repousava.
Micaella.
Agora havia um nome para mencionar a pessoa adoentada. 
Passos lentos o levaram até a porta onde num gesto automático, ele se pôs a dar três batutinhas na porta, esperando uma resposta. Nada. Apenas um profundo silêncio. Ele tentou mais uma vez, colando sua orelha para escutar melhor algo além da porta – nada. Sua mão foi até a maçaneta de ferro fundido, pesada e gelada, rodando-a para a esquerda abrindo a porta, olhando pela pequena fresta metade do lado direito do quarto: papel de parede floral cor rosa-queimado, uma janela de madeira bege-claro fechada, cortinas de algodão com uma estampa floral completamente branca aberta, permitindo que a luz amarelo-claro vindo de fora penetrasse pelos retângulos da janela embaçada, produzindo um rastro de luz pelo chão. Ao abrir a porta toda, com os olhos atentos e vasculhadores, logo se deparou com a cama de casal em dossel, com um tecido transparente fazendo uma cabana ao redor da figura que ele conseguia observar um contorno. Uma pequena cômoda ao lado direito de madeira escura, com pés entalhados num estilo que remetia ao estilo barroco com ondulações, onde havia uma jarra de vidro com água, um copo com metade do líquido na beirada, uma caneca com uma vela derretida pela metade e uma caixinha de madeira no outro canto. No lado esquerdo havia um guarda-roupa, uma cadeira e outra janela entreaberta que dava para a enorme árvore onde a ponta de alguns galhos arranharam na janela, provocando um ruído chatinho ao fundo. 
Charlie pigarreou para chamar a atenção da mulher por trás da manta, mas não houve nenhum movimento. Receoso, ele caminhou até a cadeira isolada no canto, pegando-a, para levar ela até a lateral direita da cama onde uma fresta do manto permitia ele olhar a mulher acamada. A primeira coisa que ele viu foi um braço estendido, pálido, dedos finos quase ossudos, unhas cortadas. A manga da camisola branca abraçava metade do seu braço com um detalhe em renda e uma fita de seda rosa que o apertava na pele. Subindo seu olhar, a pele exposta era muito pálida, quase sem cor, a clavícula muito funda entre a pele, manchas vermelhas e roxas pela ao longo da pele, onde com a outra mão ela segurava seu próprio peito. No pescoço um colar com pérolas pequenas, do tamanho de uma ervilha, onde na sua ponta pendia um crucifixo prateado. Charlie ergueu o olhar, pescoço, queixo, lábios ressecados, nariz, olhar que o encarava, testa suada, cabelo jogado. Olhar. Seu peito ardeu quando encarou novamente aqueles profundos olhos de pupilas dilatadas, opacas, lentas, distantes. Engoliu palavras que vieram até a ponta da sua língua, observando-a como um todo: seu rosto remetia a Pietá de  Bouguereau, com uma profunda dor concentrada naquele par de olhos fundos, olheiras vermelhas, cabelos muito espessos ao redor do rosto magro formando um véu.
— Micaella.
— ....
Levantou as sobrancelhas com seu silêncio. Sorriu amistoso a mulher, colando sua mala na cadeira para virar nos seus calcanhares e caminhar até a janela fechada, onde com um tranco ele conseguiu abrí-la:
— O ar fresco irá ajudar a te refrescar! — Voltou-se para ela, respirando o ar que invadiu o quarto pela janela, balançando de leve as cortinas ao seu redor, tudo sendo observado pelo olhar de Micaella que não esboçou nenhuma reação. Charlie colocou as mãos na sua cintura, caminhando até ela: — Você se importa se eu abrir aqui um pouco? — Apontou para o tecido que tampava sua cama. Micaella negou com a cabeça após uma longa pausa, Charlie tomou aquilo como um movimento positivo vindo dela, mantendo o bom-humor que repentinamente lhe pareceu ser uma boa tentativa, ele abriu um pouco daquele tecido para que a luz natural e o ar fresco pudessem banhar o corpo de Micaella melhor, além de afastar um pouco aquela sensação estarrecedora de abafamento que sentia só de olhar para sua cama. 
Tirou sua maleta da cadeira, se sentando nela:
— Sou o Padre Charlie Mayhew, fui convidado por sua avó para estar… — Olhou-a repentinamente, mesmo inexpressiva ela o encarava no fundo de sua alma, ouvindo cada palavra dele que pigarreou tomando cuidado com suas próprias palavras: — te vendo, te abençoando, quem sabe conversando…
— Eu te conheço.
— Oi? O que você disse Micaella? — Pego de surpresa, a voz da mulher soou como um sussurro raspante. Micaella finalmente se mexeu – havia vida por todo seu corpo –, apoiando os cotovelos na cama, erguendo-se um pouco até ficar levemente inclinada em três travesseiros que apoiavam seu corpo deitado. Ela apontou para o copo d’água, indicando para que Charlie o pegasse, que foi o que ele fez, entregando-a com uma profunda perplexidade. O toque de dedos fez algo estremecer todo seu corpo – uma onda gélida, um precipício que o encarava de volta, a morte rondando-o diretamente. Micaella bebeu água com uma sede de quem não via um copo d’água há dias. Água escorrendo pelos cantos, pingando no seu colo do peito, na manta que cobria suas pernas. Entregou-lhe o copo, limpando a boca com as costas da mão, esboçando um sorriso tímido. Charlie pegou o copo, colocando-o de volta ao seu lugar com cuidado. 
— Eu já fui em algumas missas que você celebrou. Há uns meses atrás… Minha avó te adora!
— Oh — as bochechas do homem ficaram vermelhas, esquentando seu rosto repentinamente: — fico enormemente lisonjeado, porém devemos adorar apenas Deus Nosso Senhor! — Uniu as mãos, sorrindo abertamente, tentando trazer um leve humor engraçado para o quarto. Micaella o olhou de cima para baixo, acenando com a cabeça, as mãos agora unidas em cima de seu colo. Ela perguntou:
— O que te trás aqui mesmo, Padre?
— Eu vim a convite da sua avó. Conversar um pouco com você, rezar pela sua situação, te benzer…
— Extrema unção, seria isso?
Charlie parou de sorrir, ficando sem jeito de rebater a jovem. Poderia mentir, era óbvio que ele poderia abrir a boca e tecer mentiras reconfortantes pois ele se colocava numa situação hipotética onde ele, na idade dele agora – ainda muito jovem – naquela situação de quase morte, enfiado em uma cama, num quarto abafado, no meio do nada, apenas ele e sua avó… Seria de partir seu coração caso um padre estranho chegasse no seu quarto e simplesmente lhe dissesse que estava ali para ministrar uma extrema unção, dando-lhe um voto incerto de cura ou de morte. Porém mentir iria contra seus princípios, tudo que aprendeu nos longos anos como seminarista, iria contra as crenças pessoais dele que sempre traziam a verdade como uma das principais ferramentas de sua evangelização. 
Era difícil permanecer convicto com seus princípios quando se encarava uma situação tão delicada quanto aquela… Pobre criatura de Deus! Imaculada pela pureza, açoitada pela doença da carne. Refletiu enquanto ponderava a melhor resposta. Quando movimentou os lábios em uma inflexão do queixo para respondê-la, Micaella o cortou:
— Eu sei que é uma extrema unção Padre, não precisa fugir do óbvio. 
Charlie a olhou com dúvida, uma repentina surpresa pela franqueza da mulher que continuou, guiando os olhos opacos em direção a porta fechada, como se enxergasse além da mesma:
— Eu os ouvi ontem durante a janta… Eles quase gritavam que eu estou perdida, sem rumo, sem Deus no coração e é por isso que fui amaldiçoada… Deus me puniu com a doença da carne que apodrece sem motivo aparente, como uma maçã que cai do pomar e não é consumida, largada a`relava, a própria sorte — lágrimas brotaram de seus olhos, pequenos rios que nasciam vindos de uma dor intrínseca: — eles berraram para eu escutar que eu vou morrer, que esse pecado que nasceu comigo nunca será arrancado de mim — suas mãos foram até o peito, na direção do coração: — mesmo que eu já tenha tentando arrancar de mim, não há nada que eu possa fazer. Nada que eu poderia tentar fazer… Minha morte já estava anunciada desde que eu nasci, minha avó por mais que me ame e tente me proteger do mundo sabe que minha existência é tão finita quanto a dela. Eu temo por ela porque não sei se ela aguentaria enterrar outra pessoa que ela ama tanto novamente… e eles continuaram a rir e a dançar e a festejar. Até invadirem meu quarto, me puxar da cama, me forçar a dançar e a beber vinho para celebrar a vida. A vida deles, e a minha morte. Minha morte, Padre Charlie, minha morte! — Seus lábios tremiam, era assustador que mesmo chorando rios grossos com ossos transvertendo, a voz dela se mantivesse calma, quase uma linha perfeita sonora que penetrava na alma de Charlie que estava petrificado na cadeira apenas a escutando.
— Eles me querem morta porque eu sou a ovelha negra da família, a má anunciação, o mau presságio, o apocalipse e o dragão de sete cabeças que veio para atormentar eles. Eu sou o mau, a morte, o anticristo… para eles. Então ontem eu fui obrigada a dançar em cima do meu próprio caixão e beber do sangue sagrado antes que eu morra. Morra por uma doença que veio do nada, que está me consumindo, me deixando fraca, frágil, sensível, que está impregnando a casa com morte e a todos com um humor deprimente. Você se sente estranho Charlie? Se sente estranho por estar aqui agora?
Arrebatado pelo rosto angelical de Micaella que se contorcia em dor e rancor, franzindo o cenho da tez lisa enquanto os olhos molhados tomavam um brilho rancoroso, os lábios dela abriram em um sorriso desalento. Uma mão invisível pegou o núcleo de sua alma e a puxou para perto de Micaella. Ele perdeu a razão por segundos antes de engolir palavras confusas e um choro que surgiu do seu âmago antes de tomar uma consciência estranha do seu corpo como nunca antes. Percebeu que o quarto cheirava a mel, incenso e vinho fresco, e uma cheiro de suor adocicado emanava de Micaella misturado a um óleo de mirra e argan, seu hálito era muito fresco e seu corpo tremia por inteiro, arrepiando após as palavras dela pinicarem ele por um todo. 
Sua cabeça zuniu e rodopiava em círculos de pensamentos mórbidos e palavras que Micaella lhe disse. 
Ele se sentia estranho?
— Não. 
A resposta simples, monossilábica pareceu pegar a mulher de surpresa que se afastou puxando essa alma dele agora conectada à ela consigo. Ele ergueu os olhos pra cima querendo enxergar além da parede cimentada. Murmurou:
— Deus está nos observando agora Padre. 
— Creio que sim —
— Isso não foi uma pergunta, Charlie — olhar afiado atravessou ele: — é uma afirmação. Deus está nos observando, sempre especulando nossas vidas, mas ausente o suficiente para não me salvar. Isso não é egoísmo, Charlie?
— Creio que estamos atravessando os limites de uma conversa saudável Micaella, olha eu vim para te trazer inspiração e te benzer para uma cura — com uma repentina pressa, Charlie buscou sua maleta, abrindo-a num clique, remexendo seus pertences, puxando o frasquinho de um óleo ungido junto a sua bíblia. Sentiu a mão gelada de Micaella envolver sua mão que segurava os objetos, a carne macia sobrepondo a dele, quente e frio se misturando. Ergueu o olhar assustado, dando conta que ela se aproximou dele, o corpo pendendo curvado para seu lado:
— Charlie, eu não quero conversar com o Padre. Eu quero conversar com você, Charlie. 
— Micaella —
— Por favor — ela agora havia empurrado seu corpo mais para frente, as pernas saindo do lugar onde ela sentou em cima dos tornozelos, uma clemência imediatista vindo de seu rosto: — por favor. Eu te imploro! Estou cansada de ter que dar satisfações à médicos, enfermeiros, psiquiatras, padres… Eu só preciso de alguém com quem conversar antes de morrer. 
Charlie suspirou, exalando um peso incômodo que comprimia seus pulmões. Se ele se despisse do seu papel como pároco ali, no meio do nada, ao lado de uma doente terminal, ninguém iria saber… bem, ao menos essa conversaria ficaria entre eles, as quatro paredes florais e o Onisciente Divino. E Deus não iria castigá-lo caso uma vez em toda sua vida ele finalmente se ausentar da sua batina e expusesse seu lado que guardava apenas para si mesmo, seja nos pensamentos falhos ou nos momentos imerso em profundo silêncio e escuridão de seu quarto, seria um alívio conversar sendo apenas o Charlie Mayhew sem o peso do Padre antes do seu nome, uma forma de expor seus sentimentos contidos e os medos humanos que ele como sua figura de pastor não deveria em hipótese alguma expressar a seus fiéis. Seria algo que Micaella levaria consigo para o túmulo – assim como ele. Um segredo que se perderia a sete palmos do chão.
Deus não me julgará por ser honesto e fraco uma vez na minha vida. Às vezes a miséria e ignorância são dádivas divinas.
Acenando positivamente, Charlie anunciou sua resposta deixando a mulher aliviada, que desfez seu aperto na mão do homem que estranhamente sentiu algo vago quando ela se afastou, voltando a se acomodar nos seus travesseiros enquanto Charlie deixava a bíblia e o frasquinho na cômoda. 
— Você não desistiu completamente de me ungir, né?
— Vamos fazer o seguinte — Charlie arrastou a cadeira para perto da cama, até seus joelhos de suas pernas cumpridas ficarem comprimidos contra a madeira da cama de Micaella, ele encarou-a sério: — iremos conversar o que você quiser, sem máscaras ou qualquer outra coisa, eu sendo Charlie e você a Micaella. Então, quando terminamos, eu te darei a extrema unção e você será curada. 
— Combinado. Apesar de eu ter certeza que nada nesse mundo poderá me curar. 
— Como pode afirmar algo assim Micaella? Sua falta de fé me intriga. 
— Porque… bem… Já tentamos de tudo. Tudo mesmo, até esses tratamentos alternativos, minha avó gastou uma pequena fortuna, quase arruinou a herança da nossa família. E nada resolveu. Como te disse isso está dentro de mim de uma forma que só com a morte será capaz de ser arrancado. Exterminado. Sinto muito em te decepcionar e ser honesta que nem sua reza poderá me curar. 
— Milagres existem Micaella. — Ele rebateu, cruzando os braços encostando-se na cadeira, erguendo ambas sobrancelhas para a mulher que sorriu desafiadora. Charlie viu uma chama vivaz acender nela e isso acendeu nele uma sensação prazerosa de entretenimento. Quanto mais ele pudesse fazê-la se sentir confortável e viva, ele se sentiria bem consigo mesmo, com a sensação de missão cumprida. 
— Eu duvido.
— Então você duvida de mim mesmo.
— Como assim? — Curiosidade iluminava seu rosto, ela se sentou completamente na cama, todos ouvidos a Charlie que meneou a cabeça segurando um riso. 
— Eu sou um milagre. Um milagre vivo, se assim você quiser pôr! — Abrindo os braços com um sorrisinho pomposo em seu rosto, seu rosto tomou uma luz que acendeu no peito de Micaella que o encarava curiosa. Tomando seu súbito silêncio como um espera que ele prosseguisse com sua história:
— Tudo começa antes mesmo de eu nascer. Minha amada mãe casou muito cedo, acredito que era bem mais nova que você… Quantos anos você tem?
— Vinte e quatro. Em julho eu completo vinte e cinco.
— Pois então! Ela era bem mais jovem que isso, tipo uns dezesseis anos… Então ela engravidou de mim, isso há vinte e cinco anos atrás também, e ela muito jovenzinha morando no meio do nada com meu pai, um homem bruto e ignorante, de pouca fé, foi uma vida miserável e difícil. Uma gravidez muito difícil. Quase sem acompanhamento médico, afastada da família, em um casamento infeliz… Então eu vim à vida. Numa noite em plena primavera — sorriu nostálgico quase com certo orgulho do próprio nascimento: — e foi um trabalho de parto muito, muito longo. Então eu nasci. Mas nasci com o meu cordão umbilical enrolado no meu pescoço, sendo sufocado por mim mesmo — Charlie levou as duas mãos até o pescoço, apertando levemente: — minha mãe me contou que estava roxo já. Ela ficou desesperada, sem rumo, a parteira que eles conseguiram chamar com muito custo teve que agir rápido, fazer uma manobra para me reviver enquanto meu pai chamava a ambulância. Imagine a demora para os socorros chegarem… Então minha mãe começou a orar. Ela dobrou os joelhos, mesmo tendo acabado de dar a luz, e rezou. Rezou com toda sua fé, com sua alma e todos seus órgãos… E Deus a escutou. — Sua voz agora ela um sussurro, seu olhar estava tão escuro e sério que Micaella mal piscou, completamente compenetrada no abismo dos olhos do padre. Charlie sorriu:
— Ele a escutou e quando ela menos esperava ela ouviu um chorinho lá da sala, bem fraquinho. Mas sabia que eu havia sobrevivido. Que eu, seu filho, seu primogênito havia sobrevivido. Um milagre! 
— Ela fez alguma promessa?
A pergunta repentina tirou Charlie do seu fluxo de ideias, imediatamente ele piscou sete vezes antes de focar totalmente no rosto de Micaella que o olhava com as sobrancelhas erguidas. Sua voz saiu confusa:
— Como assim? Promessa?
— Sim, uma promessa! Tipo, em troca da sua vida ela nunca mais cortou os cabelos, parou de beber álcool… Ou até mesmo te prometeu ao seminário. Meio que te colocando nessa posição eternamente…?
— Não. — Ele negou com a cabeça veemente, reafirmando mais uma vez: — Definitivamente não….
— Então o que te fez querer ser um padre?
— Você está tentando desviar do assunto principal mais uma v—
— Não Charlie, eu entendi o que você quis dizer com essa emocionante história sobre nascimento e sufocamento. Tudo bem, milagres podem existir, mas você não faz ideia da gravidade do meu caso, e espero que nem queira saber. Eu só estou curiosa com o motivo que o levou até a batina… — Seus olhos desceram pelo rosto dele, tomando cada detalhe de seus traços como a testa larga, a cicatriz que formava um vinco na pele, o nariz fino e arrebitado, os lábios levemente grossos, o queixo e maxilar quadrados, o rastro de barba recém-feita no buço e queixo, o pescoço liso onde o pomo-de-Adão subia e descia enquanto ele falava, o colarinho da camisa preta, a clérgima em plástico branco indicando sua profissão. 
Pelo tamanho de seu tronco e pela forma que a calça agarrava nas pernas, Micaella deduziu que Padre Charlie Mayhew era um homem robusto. Suas mãos eram grandes, dedos longos e finos, unhas aparadas e limpas. Eram macias ao toque, como um novelo de lã morno. Ele tinha um cheiro de incenso amadeirado que a remetia ao cheiro da casca da árvore molhada que ficava ao lado da sua janela, um cheiro quase terroso e confortável, misturado a roupa limpa, sabonete de lavanda e um frescor vindo do hálito que parecia uma balinha mentolada adocicada. Ela ficou mais tempo perturbadoramente observando cada detalhe dele, desde  o olhar profundamente escuro feito a terra batida quando era cavada, até a forma que as veias trançavam sua jugular e as costas das mãos como linhas de um mapa ligando pontos do que compenetrada no que ele tinha a falar com ela, com aquela voz rouca e macia que acariciava um ponto dentro desconhecido dela.  Mas era gostoso o suficiente para ela se sentir confortável. 
O homem se mexeu na cadeira, franzindo o cenho, organizando os pensamentos. Molhou os lábios como se isso fizesse as palavras saírem de forma melhor, cruzou as pernas, cruzando as mãos em cima do joelho ele finalmente quebrou seu silêncio:
—  Bem… Eu apenas senti que era minha vocação. Algo natural de mim, um chamado que veio do fundo da minha alma como algo que eu deveria realizar. Um caminho inato a seguir. Deus é esse caminho. — A convicção que derramava de sua voz fazia seu peito encher de orgulho de si mesmo; ele tinha uma certa vaidade quando o assunto era sua designação, sua vocação que ele julgava ser algo predestinado à ele. 
Micaella molhou os lábios com a língua, unindo seus joelhos magros contra o busto fazendo com que a saia de sua camisola subisse um pouco, repuxada nas extremidades das coxas, revelando um palmo de pele lisa e imaculada numa palidez estranha. Seus pés eram finos, ossudos, as unhas dos dedos cortadas rentes a linha da carne. Detalhes que foram devorados pelos olhos de Charlie que lentamente voltou-se a olhá-la no rosto cumprido, uma indagação formando uma interrogação em seus lábios antes dela questioná-lo:
— Se Deus é o caminho, então por que escolher o mais sinuoso? 
— Sinuoso…? O que você quer dizer com isso? — Curioso com o uso da palavra, o homem se curvou para frente, mãos unidas em cima de seu colo, uma interjeição vincada entre as sobrancelhas repuxando a cicatriz da sua testa. Ela sorriu com um orgulhoso por trás dos dentes de esmaltes cinzentos, como se a cor estivesse desbotado ao pouco, vindo de dentro para fora:
— Charlie, os padres fazem votos de castidade. Têm uma séria de regras a cumprir… Restrição, punição, rezas e mais rezas. A busca pela castidade e virtuosidades eternas… Isso não te cansa? Principalmente sendo tão novo?
— Hmn.
Foi a primeira resposta que ele conseguiu formular vindo do fundo de sua garganta, parando para ficar ereto na cadeira, as mãos se soltando enquanto ele relaxava. Coçou o queixo com o polegar, analisando a forma como o papel de parede estava velho e começando a descascar nas extremidades do batente da porta, procurando uma resposta honesta àquela questão. Voltou a olhar para a mulher, sentada com o mínimo de vida que ela se agarrava para continuar tendo aquela conversa fiada. Sorriu com os lábios colados, doces memórias retrocedendo à sua mente como um filme antigo sendo rebobinado.
Sua voz não passava de um tom vago e distante enquanto seu olhar perdia-se no de Micaella:
— Eu deveria ter uns treze ou quatorze anos quando me apaixonei pela primeira vez. Sempre julguei o amor romântico, por que lá no fundo eu sabia que com a vocação que eu iria prosseguir na minha vida, eu não poderia sequer cogitar cultivar esses tipos de sentimentos carnais por alguém… Mas foi uma paixão tão arrebatadora, algo que ultrapassou a mim mesmo que perdeu o controle e eu acabei ficando obcecado por essa pessoa. Profundamente. Passei doze meses atrás dela como um maluco, porque eu nunca vivi um sentimento assim então para mim, naquela idade, se eu o perdesse de vista eu nunca mais iria ter de volta aquela explosão de sentimentos bons que cultivei por essas pessoas. Doze meses obcecado pois eu só sei amar assim: com toda a profundidade de mim mesmo. E doeu. Como doeu… Passar as férias distante pois se tratava de alguém da escola, tendo que ouvir meus colegas compartilharem histórias de verão onde a metade havia perdido a virgindade e outra metade havia experimentado algum alucinógeno em algum festival de música… E eu enfiado no meio do nada, assim como você — apontou para ela, molhou os lábios mais uma vez, suspirou fundo tentando conter o passado dentro de si: — eu passava todo o verão na fazenda com meus pais. Por um lado foi bom porque eu aprendi a valorizar os momentos de solidão e solitude, a me manter centrado no meu propósito, a rezar e ser grato pelo pão de cada dia que Deus nos permitia fazer… A estar perto dos meus pais. Mas era óbvio que a tentação de ir para a cidade grande e curtir com a maioria desses meus colegas e reencontrar essa pessoa especial falavam mais alto. E eu acreditei que ficar longe de todos naquele verão seria bom iria me ajudar… Quando retornei às aulas os sentimentos estavam piores. Mais aguçados, mais pesados, mais… Conturbados. — Piscou. As lembranças que atingiam sua mente dançavam entre cenas de um Charlie adolescente sorrindo para os colegas que tiravam sarro de seu “estilo caipira demais” e para momentos em que ele chorava escondido no banheiro da escola. 
Olhou para o lado onde a jarra d’água ainda estava pela metade e o copo havia um dedo do líquido que provavelmente estava morno. Mas o pegou, virando-se para ficar de lado, evitando o olhar da mulher em si tomado pela vergonha. Através do véu que com uma rajada gélida de frio desceu um pouco, Charlie se sentiu em um confessionário. Sua mão grande segurou o copo com água, bebendo-a em goles grandes, sorvendo o sabor alcalino da água misturado à saliva de Micaella que estava na borda do copo. Um beijo indireto. 
Quando terminou continuou a segurar o copo entre as pernas, apertando-o como um alívio de tudo que comprimia sua alma. 
— E eu era motivo de chacota dos meus colegas de sala, tudo porque eu andava de um jeito “caipira” demais, falava diferente, me vestia com roupas simples. Alguns até mesmo falaram que eu fedia a esterco. Isso acabou comigo, então todas as noites eu rezava para Deus, para que ele tirasse de mim minha mácula em ser quem eu era. Para eu parar de gritar todas as noites, acordar de um pesadelo com a cama inundada de xixi e principalmente para eu parar de gostar de quem eu estava completamente apaixonado. Até que um dia as coisas ficaram realmente infernais… — Respirou profundamente enchendo o peito com a coragem que lhe faltou para encarar aqueles fatos há anos: — Estava com quinze anos. Disso me lembro bem. Franzino, um rapaz do meio do mato indo para o Baile de Inverno. Minha mãe conversou com uma irmã dela que morava na cidade, para eu ter um lugar para passar o final de semana sem ter que voltar para casa altas horas da noite pelo ônibus intermunicipal… Então lá estava eu, sozinho, terno e gravata, cheio de ansiedade… Até eu vê-lo chegar com seu par e eu ficar completamente triste, com aquele sentimento íntimo de perda de algo-alguém que eu nunca tive…
— Ela deveria realmente ser linda para você ficar tão afetado assim. — Constatou a mulher olhando-o pelo véu. Charlie ergueu a cabeça que estava abaixada, os olhos fixaram nela, eram um par de vidro que revelava seu lado mais íntimo de sua alma. Sua voz saiu macia quando ele respondeu:
— Ele. Ele foi o ser mais lindo que eu já pôs meus olhos — parou, olhou-a com profundidade: — até então. 
Micaella ficou em silêncio, tomando aquela inesperada resposta para si, associando as coisas. Quis fazer um comentário malicioso sobre o assunto – até pejorativo, mas manteve-se calada. 
Charlie estava se abrindo para ela como jamais nenhuma outra pessoa a permitiu ter tamanha intimidade, seria tolice desperdiçar tal chance sendo uma completa idiota. O pároco tomou uma coragem estranha que emergiu junto àquelas memórias: se levantou e adentrou na cama da mulher, sentando-se à sua frente, igualando agora as posições, mantendo a hierarquia entre eles nas suas mãos. Agora, de dente a dente com ela, olho a olho, sobre o véu que deslizava com o vento fresco que cada vez mais puxava as nuvens cinzentas vindas do horizonte para cima deles, Charlie se sentiu em paz para segregar sua vida:
— Eu fui chorar no banheiro mais uma vez, e ele foi atrás mais uma vez. Preocupado, ele pensou que eu estava triste porque não havia nenhuma companhia, o que de um todo não era mentira, mas o que ele não fazia ideia era que essa companhia que eu desejava era ele. Suas palavras sempre foram tão reconfortantes, feito os Salmos Bíblicos que eu sempre li em busca de consolo. Suas mãos eram macias e secavam minhas lágrimas como a mulher que secou os pés de Cristo com os cabelos, e sua presença era um raio quente de Sol que me fazia acreditar na bondade do homem. Na bondade infinita de Deus e seu Filho Salvador à nós… Naquela noite ele estava tão lindo, um anjo! Os cabelos com um gel penteado para trás, o terno branco, o sorriso sereno. Ele estava tão próximo de mim que eu não aguentei a tentação — parou de repente, um brilho no seu olhar fez com que o coração de Micaella saltitava, um sorrisinho surgiu nos lábios dele: — eu mordi a maçã. E devorei com fome e ele fez o mesmo e tudo se tornou uma só coisa, meu espírito… era como se meu espírito saísse de mim e fosse aos braços dEle… O Deus, como eu amei aquele momento. Até que a porta foi aberta e vozes vieram para cima, logo socos e chutes e palavras horríveis contra nós. Um pandemônio. Meu coração foi despedaçado assim como eu por inteiro, saí de lá com uma fratura séria na costela, uns dentes que tive que fazer próteses de prata no fundo da boca, essa cicatriz medonha na testa que como uma chaga de Jesus Cristo. Meu estigma de quem eu sou. Da minha história. 
— Uau. Nossa Charlie, isso é realmente — Micaella nem soube buscar as palavras corretas, sua resposta foi segurar na mão de Charlie apertando-a com carinho. Quente e gelado, morto e vivo. O pároco sorriu com ternura, sobrepôs sua mão em cima da mulher, acariciando-a:
— Está tudo bem, eu já paguei pelos meus erros do passado, estou quite com Deus… E isso já não doí mais… Não como doeu naquele dia e nos próximos anos.
— Você — ela começou incerta. Parou, as palavras na ponta da língua, mordeu o lábio inferior. Charlie deitou a cabeça, seu olhar incentivando que ela continuasse. Micaella desembuchou:
— Você tem contato com ele…?
A pergunta curiosa poderia desfazer daquele momento de ternura e carinho entre eles, porém Charlie sabia separar as coisas e a menção ao seu primeiro amor aparentemente não o afetava tanto assim. Com um simples aceno ele lhe deu a resposta curta e grossa da realidade: não. 
Micaella acenou com a cabeça, tentando imaginar quem seria o tal rapaz que aquele belo homem um dia amou. Provavelmente era tão mais bonito que ele. Imaginou-o como a imagem que uma vez viu, a um tempo atrás e que ficou gravada na sua mente de Davi e seu melhor amigo e alma gêmea Jonas. Encaixou então nessa nova reimaginação Charlie Mayhew com seu topete, alto e robusto, olhar penetrante e postura de um guerreiro da fé ao lado de um belo homem que andava ao passo da moda da época: cabelos cumpridos nos ombros, calça boca-de-sino, um colete expondo um torso nu definido, a pele bronzeada e o olhar doce de quem era muito amado. Estranhamente sua mente não deixou de desenhar a imagem da amante e uma das esposas favoritas de Davi, genitora do sábio dos sábios Rei Salomão como a sua própria imagem. Estando saudável e corada, ela tinha um braço envolto ao seu esposo enquanto se via nua, banhada no óleo de canela e água de flor de damasco como na primeira vez que Davi a viu e ficou enfeitiçado. Seria possível Charlie Mayhew ficar enfeitiçado por ela?
— Mas infelizmente não controlamos nosso coração e eu me vi em tentação novamente. — Aquela repentina confissão a arrancou de seus devaneios acordada. Seus olhos pousaram imediatamente nos do homem que negou com a cabeça repetidas vezes algo, antes de esfregar as sobrancelhas vigorosamente. 
— Foi um erro enorme. 
Micaella olhou para Charlie assustada com a nova revelação que caiu em seu colo e explodiu em mil fragmentos de dúvidas. Aquele servidor de Deus estava a surpreendendo. Charlie por sua vez sorria envergonhado da sua própria história, pedaços de memórias rasgando seu cérebro, dilacerando a carne macia, expondo os podres do seu passado. Uma massa cinzenta podre. Podre, ele já foi podre um dia. Coçou com o polegar o canto do queixo:
— Eu estava no seminário, jovem e imaturo. Inconsequente dos meus atos, mesmo com tudo que me aconteceu desde o… infeliz incidente — dentes cerrados, uma amargura transparente na expressão revelando um nojo de si mesmo: — eu ainda estava aprendendo a lidar comigo mesmo. Com a besta interna que sempre me perseguiu, que sempre me fez seu refém: a besta da tentação. Estava servindo à Deus, meu único refúgio, quando de repente fui transferido para um convento temporariamente devido a problemas estruturais no seminário que eu vivia. Lá eu conheci uma freira. Mas velha que eu há uns cinco, sete anos… Experiente. Muito bela, seu rosto me fazia relacionar aos anjos que via pintados nas capelas. No início foi tudo muito polido, muito formal entre nós, ela sempre se demonstrou muito solícita a minha educação, segundo ela como a mesma era professora de filosofia e de catequese para jovens da comunidade poderia me ajudar com os meus estudos. Eu vislumbrando com sua bondade e sua beleza me deixei levar pela oratória dela… E passamos a estudar às noites no meu quarto improvisado. Sempre com a porta aberta, com horário para ir dormir e despedidas formais, é claro. 
Pausou, suspirou, o indicador destro foi até a clérgima no colarinho que parecia estrangular seu pescoço, puxando-a levemente para fora. 
— Até o fatídico dia que ela nos trouxe vinho. Nunca havia bebido vinho na minha vida – não como ela queria que bebessemos. Eu poderia ter simplesmente recusado… Ter dito não. Mas eu aceitei, de braços abertos. Tolo, frágil, manipulável… — Charlie parou, a voz diminuindo gradativamente enquanto seus olhos pararam no rosto de Micaella, suas pupilas dilatadas quase consumiram a íris das órbitas: — Você me faz lembrar dela. 
Aquela frase incendiou Micaella com uma chama que percorreu por todo seu corpo. Sentiu-se sendo queimada viva, o sangue fluindo pelo corpo frágil, revigorando a podridão que sentia em si, dilatando suas pupilas, umedecendo os lábios, corando as bochechas magras, respirando pesado fazendo os seios subirem e descerem em movimentos lentos, suor quente brotando na testa. Pequenos detalhes de vida na carne fresca dela devorados pelos olhos nostálgicos do Padre. 
Charlie engoliu as palavras que contavam obscenidades causadas pelo vinho e pela luz baixa daquela noite. Engoliu o desejo da carne macia entre os dentes, das unhas cravadas na pele quente, do suor que colava corpos e de toda união entre criatura e verbo que aconteceu naquela noite. Suas lembranças eram um emaranhado de corpos se fundindo onde o rosto da freira que lhe desvirtuou não surgia com nitidez para si. Apenas fragmentos feitos com osso quebrado na sua mão, como a costela de Adão sendo retirada de si para criar Eva. Ele se feriu para criar a partir dele a sua Eva. 
Sentiu uma dor pontuda na própria costela direita. Uma reação da matéria diante o pecado cometido. Um aviso permanente que tinha sempre que era assombrado pela sua falta de castidade. 
— O que aconteceu depois…? — Micaella sussurrou apoiando as mãos em cima dos joelhos que esmagavam as coxas entre si, os dedos amassando a boca carnuda. Charlie virou sua cabeça quase a deitando em seu próprio ombro, um ar de compaixão distante na voz:
— O Bispo ficou sabendo das visitas frequentes da Irmã nos meus aposentos em horários suspeitos, armou uma tocaia, a pegou saindo do meu quarto e… — Ergueu a cabeça, sério com a imagem do homem velho surgindo do meio das sombras, olhar hostil segurando a mulher pelos braços, mesmo assim Charlie não conseguia definir seu rosto, não passava de uma mulher sem face nas suas memórias, que chorava enquanto se debatia para sair do aperto do homem. Sua voz tomou uma acidez que repuxou seu rosto em uma careta ao cuspir as palavras: — bem, terminou com tudo. Eu recebi uma nova chance, fui transferido e desde então me foquei completamente na penitência e rendição mútua a Deus. 
— E ela?
— Não existe ela. 
A resposta seca arrancou Micaella do estado de fogo, pondo-a de volta naquele estado gélido e vazio. 
Aquele silêncio perpétuo deles foi interrompido quando ouviram leves batidinhas na porta, para logo ser aberta e a cabeça branca da senhora surgir na fresta. Sorrindo tímida, a senhora abriu mais a porta segurando uma enorme bandeja nas mãos velhas, tremendo levemente com o peso. Charlie lançou uma olhada séria para Micaella antes de se levantar da cadeira num pulo indo acudir a senhorinha que sorriu em agradecimento anunciando:
— Parece que o senhor vai se demorar um pouquinho mais na conversa com Micaella, e já está na hora do almoço, então achei de bom tom trazer um almoço feito agora para vocês dois — olhou para a jovem através do véu, reforçando as palavras entredentes: — é para comer viu Micaella? Não adianta alimentar a alma se o corpo padece! Não é mesmo Padre?
— Com toda certeza, Sra. Silas. 
O olhar do homem focou na garrafa de vinho, olhou para a senhora desconfiado, a mesma sorriu:
— Um pouco de vinho não fará mal a ninguém! Agora se me dão licença, irei terminar com meus afazeres… 
Deu as costas. Antes de sair do quarto, parada na porta com a mão na maçaneta, lançou um olhar cheio de tristeza e peso para Micaella, voltando-os para Charlie parado no meio do quarto com a bandeja nas mãos. Sorriu pesarosa:
— Aproveitem! E fique a vontade Padre, o senhor sempre será muito bem-vindo no nosso lar.
Saiu antes que Charlie pudesse agradecer. 
— Eu nunca bebi vinho. 
A voz de Micaella falou atrás dele. Charlie se virou para ela, confusão no seu rosto para logo suavizar tentando resgatar o bom-humor que ele trouxe consigo nos primeiros minutos de conversa com ela:
— Bem, sempre há uma primeira vez para tudo, Micaella! 
Charlie se serviu de pão quente e vinho morno, levemente avinagrado, mas palatável. Micaella o olhou receoso com o copo com sua metade preenchida pelo líquido alcoólico roxo, observando-o beber do vinho com vontade. Uma sede desesperada que vinha do fundo da sua vontade. 
Micaella ficou parada com o copo de vinho na mão. Assim que Charlie terminou seu longo gole, bebendo metade do vinho, seus olhos brilhantes de serenidade causados pelo sabor da bebida olharam para a mulher diante de si. Erguendo uma sobrancelha perguntou curioso:
— Não vai beber seu vinho não?
— Eu estava pensando aqui… se eu o beber, seria como o sangue de Cristo?
— Não — Charlie negou com a cabeça, um sorriso orgulhoso pela pergunta surgiu iluminando todo seu rosto, aquele era de longe um dos tópicos que ele mais gostava de debater.
— Então eu não quero beber deste vinho! — Micaella impôs, estendendo o copo para o homem à sua frente. O pároco apenas revidou aquela ação com um olhar divertido:
— Não vai beber nem se eu o transformar no sangue dEle?
A pergunta capciosa pegou algo do centro da alma moribunda de Micaella. Algo ascendeu novamente nela, uma sede repentina secou-lhe a garganta, a simples menção de beber o sangue puro e divino provocando nela um êxtase de espírito. Sorrindo largo, ela acenou positivamente. Charlie pigarreou, puxou a bandeja para o centro da cama, esvaziando-a dos itens que estavam em cima dela para colocar os dois copos com vinho, a garrafa de vinho no centro e o pratinho com pães caseiros ao lado. Ele sabia que não estava no melhor ambiente para fazer a transmutação divina, porém diante as situações delicadas, realizar aquele ritual soava como uma forma de trazer o Salvador para dentro daquele lar fadado a apodrecer. 
Sua voz saiu de sua boca com suavidade:
— Quando nós falamos em transformar o vinho em sangue — apontou com uma mão solene o copo: — e o pão em carne, nós não estamos fazendo uma simples metáfora. Mas sim de uma realidade, algo místico e que resume bem os mistérios da nossa fé. De fato estamos consumindo Jesus Cristo. Corpo e alma, em nossas bocas, sorvendo em nossas línguas, saliva, carne. Bebemos da divindade e mastigamos de seu perdão infinito. Fundimos nossas carnes e nos tornamos um só. Um só corpo, um só espírito. Esse é o significado da eucaristia — suspirou profundamente, fechando seus olhos, pegando o pedaço de pão entre suas mãos: — é através dela que comemos Jesus Cristo, Deus, tudo e todos. E nos tornamos algo infinito. 
Micaella estava extasiada com as palavras do sacerdote, sentindo o peito encher de graça e paixão que queimava sua alma, tocada pelo verbo. Charlie tinha um dom – a forma como ele se expressava eram profundamente extasiadas para qualquer criatura viva. Ouví-lo disseminar seus conhecimentos deveria ser motivo de se sentir honrado. 
— Então Jesus Cristo tomou o pão e dissestes: eis aqui o meu corpo, tomai todos e comei. — Ergueu o pedaço de pão, olhando-o fixamente, murmurando palavras que eram ruídos incertos aos ouvidos de Micaella. Depois de morder um pedaço, mastigando-o e engolindo, ele repousou o pão de lado, tomando o copo de Micaella (que estava mais cheio) em mãos, o erguendo e pronunciando: — Tomais todos e bebei, porque isto é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados… — Ergueu mais ainda o copo acima deles, murmurando mais uma vez as palavras incertas: — Fazeis isto em memória de mim!
Com isso ele bebeu do vinho. 
Bebeu do sangue de Jesus Cristo.
Olhou para a mulher oferecendo o copo:
— Beba do sangue de Nosso Salvador, minha irmã. 
Envoltos em um clima único que os abraçava entre o vinho e o vento gelado que assoviava lá fora, Micaella pegou o copo, posicionado exatamente a borda onde os lábios do homem envolveram, beijando-lhe mais um vez, bebendo dele e de Jesus, sentindo o sabor doce alcoólico e levemente avinagrado do vinho descer pela sua garganta, sentindo que agora seu corpo estava se fundindo aos dois – tanto a Padre Charlie quanto a Jesus Cristo, fazendo parte de algo bem maior que ela poderia cogitar pertercer. Um filete de vinho escorreu do cantinho de sua boca, traçando uma linha fina até seu queixo, pingando no colo de seu peito, sendo perseguido pelos olhos escuros do padre. Num gesto sôfrego, Charlie passou o polegar no queixo de Micaella, vendo a pele manchar com o vinho. Seus olhos estavam conectados, ela terminou de beber vinho mas ainda estava bebendo dele. Charlie então levou o polegar molhado com o vinho que saiu dos lábios dela, tocando-o contra os seus lábios endossando aquele beijo divino. 
— Comungamos de nós mesmos, Padre. 
Micaella sussurrou, observando-o se afastar dela. 
Com passos lentos e pesados, a mente perdida em devaneios, Charlie foi tomar um ar na janela aberta onde o vento fazia as cortinas balançarem. Micaella desceu os olhos para o corpo de Cristo mordido pelo pároco, pegando sua outra metade, mastigando-o e engolindo com gosto terminando a sua ceia celestial. Uma sensação de saciedade tomou-lhe o corpo, preencheu lacunas no seu espírito, ceiar com Charlie sozinha provocou nela uma sensação de pertencimento. Pertencimento à ele. A Ele. 
Charlie parado diante a janela, as mãos na cintura, observou as nuvens escuras carregadas d’água se aproximarem acima dele. Raios estouraram logo a frente, o vento sibilava que uma tempestade se aproximava. 
— Droga, vou ter que esperar o temporal passar. 
— Bom, pelo menos você está seguro — comentou a mulher, chamando a atenção de Charlie que a olhou curioso: — comigo. Conosco, aqui em casa. — Sorriu para ele. O padre sorriu em retribuição, concordando com um aceno de cabeça, sentindo respingos d’água contra seu corpo. Lá fora uma chuva grossa começou a cair, pingos roliços açoitavam o batente da janela respingando nele e no chão. Com um solavanco ele desceu o painel da janela pela metade, interrompendo a pequena inundação. Atravessou o quarto fechando a outra janela. Seus passos eram meticulosamente observados pelos olhos de Micaella que sentia uma sensação de leveza e de vazio na sua mente. 
Quando Charlie se sentou na cadeira mais uma vez, pegando seu copo, arrancando a rolha da garrafa de vinho com os dentes, enchendo seu copo de vinho – quase esvaziando a garrafa –, deixando o resto no copo de Micaella, ele comentou após largar a rolha na bandeja:
— Está se sentindo bem? Com o sangue em forma de vinho?
— Hmnnn — Micaella pegou seu copo, erguendo-o contra a luz: — é realmente gostoso! Não sabia que Jesus poderia ser tão gostoso assim!
Charlie riu. Micaella o olhou com um sorriso orgulhoso por fazê-lo rir com vontade. 
— Meu Deus, que pecado! — Comentou tapando a boca: — Mas eu concordo. É uma delícia! 
Ambos beberam de seus copos, sorridentes. Um silêncio agradável entre eles pairando naquele quarto, que parecia para o homem agora tão mais familiar quanto o dele próprio. 
— Charlie — 
— Sim? 
— Você acredita em amor, reencarnação e na vida após a morte?
— Pergunta muito específica. Você acredita?
— Minhas crenças hoje são as suas, padre. Suas. 
Aquela palavra reverberou na mente de Charlie, como as gotas que pingavam repetidas vezes na borda da janela, um torpor gostoso de domínio preencheu sua alma, ele gostou de ouvir aquilo. Ter em mãos as crenças de uma outra pessoa o levaram a sensação de domínio e vaidade que ele tentava lutar contra todas as vezes que estava diante do púlpito. O sorriso vaidoso escapou entre o copo de vinho que ele bebeu mais um gole, antes de respondê-la:
— É lógico que eu acredito. Em algum grau de credulidade… Eu acredito em algo. 
Seus olhos eram carvões em chamas. Seu sorriso era sereno, ele tinha plena convicção no que falava. Micaella queria mais. Mais dele. Queria que sua voz a envolvesse e de certa forma sua alma fosse abraçada por sua sabedoria etérea:
— Como você explicaria essa crença a um leigo, Charlie?
— Bem — começou, coçando o queixo com o polegar, buscando com o olhar algum ponto para descansar os pensamentos: — eu explicaria que sem o amor somos apenas sacos vazios rodopiando ao vento. Que sem a crença na ressurreição, não acreditamos num dos principais mistérios entre a carne e a alma humanas. E sem a credulidade na vida após a morte — seus olhos repousaram na figura frágil de Micaella: — não há justificativas para nos mantermos alinhados a Deus. 
— Como assim? — Ela questionou, um brilho nos olhos vidrados em Charlie: — “Não há justificativas para nos mantermos alinhados à Deus”? 
— O que eu quero dizer Micaella, é que sem um credo nós não iríamos andar na linha da civilidade humana. Sem um deus nós seríamos apenas animais racionalizados brigando um pelo outro por causa de um pedaço de osso duro e podre. Entende? 
— Entendo… — Murmurou de volta, reflexiva. Ele conseguia enxergar através daqueles enormes olhos assustados o momento em que as engrenagens se encaixam e tudo pareceu suavizar e fazer algum sentido na sua mente. Charlie olhou pelo ombro, através do vidro da janela, pela forma como o céu carregado e nublado estavam, a chuva que caia e crepitava contra a madeira velha da casa, o cheiro do quarto se tornando fresco e vivo misturado ao odor de terra e mato vindo de fora, tentando constatar quantas horas eram. 
Suspirou virando-se para a mulher. O silêncio entre eles poderia ser constrangedor, porém para Micaella era agradável o suficiente para a mesma lançar um sorriso cheio de dentes perolados para Charlie que se surpreendeu por ambos não serem minimamente amarelados. Em um movimento reflexivo, o mesmo passou a língua por cima dos próprios dentes lembrando-se das inúmeras vezes que a mãe o botava na camionete velha da família, enfrentava horas de estrada até a cidade grande apenas para levá-lo até o dentista, investindo um dinheiro considerável para o tratamento bucal do filho; segundo ela – e isso foi um ensinamento que o mesmo carrega consigo até os dias de hoje – “dentes saudáveis são a porta para uma vida longínqua!”. 
Mexeu a cabeça para afastar a voz da mãe, olhou com carinho para Micaella, um sorrisinho em seus lábios provocando na mulher um curiosidade:
— Que foi? — Ela perguntou, sorrindo para ele também. Charlie meneou os ombros comentando com a voz leve:
— Nada… Só acho que eu já falei muito sobre mim e escutei nada sobre você — abriu os braços: — que é o principal motivo de eu estar aqui! 
— Oh Padre! Não tenho muito do que falar de mim… — De repente uma vergonha tomou conta da mulher que se encolheu, capturando uma mexa espessa de seus cachos ruivos em seu dedo o enrolando lentamente. Com os mesmos olhos gentis, Charlie ergueu sua mão para que com o indicador e o polegar pegasse e erguesse o queixo da mulher, nivelando seus olhos, sussurrando com entusiasmo:
— Isso já é um começo, minha querida! Sou todos ouvidos à você agora, fale-me qualquer coisa.
— Qualquer coisa? — Repetiu, sentindo as bochechas esquetarem com o toque leve e os olhos negros fixos nela. Charlie abriu mais ainda seu sorriso, acenando um sim com sua cabeça, repetindo:
— Qualquer coisa, Micaella.
Micaella viu diante de seus olhos as poucas memórias que ela realmente julgava valer a pena serem compartilhadas. Eram um punhado de cenas onde ela era a protagonista da sua própria história – como as dos livros que ela vivia lendo na biblioteca pública nas tardes que passava na cidade grande. Na maioria das vezes ela sempre se enxergava na vida das outras pessoas, colegas de sala que eram convidados para os bailes ou os momentos que era apenas uma sobra na vida do pai omisso. Não seria difícil contar ao Padre os momentos que ela tomou para si o holofote e viveu algo interessante. Charlie afastou seu toque, provocando na mulher uma sensação de vazio contra sua pele. Mas ela decidiu tomar a coragem e deixar que sua voz tomasse a forma dos pensamentos que queriam sair de si:
— Eu já fui beijada uma vez — olhou de rabo de olho para o Padre que ergueu as sobrancelhas, uma sombra de sorriso nos lábios, uma genuína curiosidade em seu rosto, ela continuou: — mas não foi um beijo beijo! Foi mais só um selinho. Algo tão breve que eu nem senti direito… Infelizmente. Mas foi quase uma amostra, um gostinho do Paraíso. — Sorriu sonhando com o quase beijo acordada. Era estranho que agora sua mente apenas projetava um cenário onde ela e Charlie estavam selando seus lábios em um beijo. O homem pigarreou ao fundo acordando-a de seus devaneios:
— Então você pensa que beijar alguém é o mesmo de ter um “gostinho do Paraíso”? — Fez aspas, perplexo com a ligação da mulher. Micaella afirmou com a cabeça, veemente. 
— Bem, curioso — disse, desviando seus olhos da mulher. 
— Você não acha isso Padre? Não foi isso que aconteceu no seu pri–
— Não exatamente Micaella — rapidamente ele cortou a mulher: — infelizmente não tive meu momento de ascensão até o Paraíso… O que é triste para mim, visto que sou um servo de Deus. — Riu seco, fazendo graça de si mesmo. Micaella tentou o acompanhar porém não sentia a mesma graça, na realidade sentiu uma grande desolação vinda dele.
— E eu duvido que eu terei mais uma chance de viver como qualquer pessoa normal, Charlie. A última vez que tive uma experiência mundana, eu fui com uma amiga minha, a única na realidade, para esses boliches e foi tão bom! —Seus olhos brilhavam em animação: — Eu juro por Deus que se têm algo que eu mais anseio é ir em algum lugar onde servem comida bastante gordurosa, tenha música agitada e alta e onde eu poderei rir, dançar e jogar bolas pesadas contra negócios de madeira, uma vez atrás da outra, até meus braços não aguentarem mais!   
— Isso soa maravilhoso, Micaella! — Pousando uma mão generosa e quente sobre as mãos da mulher, Charlie sorria caloroso, querendo transmitir paz para a jovem. Lá fora o temporal suaviza, na medida que o Sol descia no horizonte, indicando que já entardecia. Eufórica e se sentindo acolhida, mais uma memória surgiu nas lacunas da mulher que voltou a falar, mais enfática:
— Eu também tenho uma boa lembrança de quando eu era menor! Foi em um dia ensolarado com meu pai, quando atravessamos a cidade para irmos no lago. Foi uma tarde tão boa, eu lembro dos patos nadando, das outras crianças brincando enquanto meu pai me ensinava a nadar. Foi uma das únicas vezes que tivemos algo assim… — Encolheu os ombros, desviando o olhar para longe.
Charlie percebeu o quão sensível ela ficava quando citava o seu pai, como uma ferida aberta que ela não gostava de cutucar. Olhou por cima do ombro, na direção da janela, já percebendo que o véu da noite recobria o céu. 
— Como o tempo passou rápido… Uau, isso que foi uma conversa interessante, minha querida! — Comentou juntando as mãos, sobre os olhos atentos de Micaella. Sorrindo com doçura ele se levantou, as mãos na cintura, direcionando seu olhar gentil para ela:
— Antes de eu ir embora, eu realmente gostaria muito de lhe oferecer a unção, jovem. Para eu ir em paz sabendo que eu te abençoei. 
 — Tudo bem — ela confirmou, serena. Já havia aceitado sua própria sina aparentemente, deitando-se na cama, olhando para o teto, aguardando ser ungida pelo homem que compartilhou seus segredos mais íntimos naquele dia atípico de domingo. Charlie suspirou, pegou o frasco de óleo ungido, amarelo ocre gorduroso, na sua maleta abrindo-o, sentindo o cheiro gostoso de oliva misturado a mirra subir pela sua narinas, deslizou a ponta do polegar no gargalo do vidrinho o entornando contra o dedo, umedecendo o dedo com o óleo, aproximando do corpo da mulher. 
Sobre a luz do quarto e o ângulo que ele estava notou através do tecido o volume dos bicos dos seios dela, o formato dos seios e um leve vinco entre as pernas; desviou imediatamente os olhos, começando a rezar para que Deus o ouvisse;
—... que essa jovem possa encontrar Sua luz, meu Senhor! Seja curada de todos os males, que sua carne e espírito sejam purificados para que a mesma encontre na vida, os pequenos prazeres que Vós nos deixou — fez o sinal da cruz na testa dela, deslizando o polegar sobre a pele lisa e levemente amarelada de Micaella. Estava curvado para ela. Antes que voltasse a ficar ereto, a mão da mulher agarrou firmemente seu pulso o travando naquela mesma posição, nariz com nariz, olhos com olhos, lábios com lábios. Ela respirou forte o suficiente para o hálito quente e doce tocasse o rosto do homem que franziu o cenho, realmente confuso com o movimento.
Ela então murmurou, clemente:
— Padre… Charlie… Você poderia me conceder um último desejo?
— Sim, claro Micaella — sussurrou de volta sorrindo tenso. O aperto em seu pulso ficou mais firme de forma que ele teve que usar o outro braço de apoio, ficando quase deitado por cima dela. Micaella fechou os olhos para que a coragem lhe tomasse as últimas palavras:
— Você poderia me beijar?
A pergunta simples porém perigosa acertou o homem como uma lança em seu peito. Diante aquele quadro onde a mulher acamada, com óleo ungido secando na sua testa, olhos grandes cheios de desejo e medo pela vida e pela morte, com os lábios entreabertos ansiando para serem tocados uma última vez… Oh, Deus, me dê discernimento., clamou na mente fechando seus olhos. Novamente mais um pedido sussurrado:
— Por favor, Charlie. Eu só quero ser beijada por você.
Charlie levou sua mão livre para o rosto dela, pegando-o feito uma maçã podre, pálida porém com a carne apetitosa em seu veneno proibido, passou a língua nos lábios secos, engoliu aquele sentimento amargo, lamentou mais uma vez a Deus: Deus, não deixe eu cair na tentação, me dê um sinal. 
Quando percebeu a mão da mulher subia seu braço alcançando seu ombro, seu pescoço que arrepiou-se diante o toque da palma fria, acolhendo seu maxilar. Estavam tão próximos que suas respirações e pensamentos já beijavam-se. Os lábios estavam quase se tocando, os hálitos já fundiam-se quando Charlie repentinamente desviou a direção do beijo contra a testa dela. Um beijo lento, demorado, sorvendo o sabor da pele levemente suada misturada ao óleo ungido. Havia deus e ela naquele beijo tão carinhoso. 
Se desvencilhou do toque dela, a olhou uma última vez sorrindo com serenidade, pegando sua maleta e dando meia-volta. Na porta antes de fechá-la, ela a olhou uma última vez:
— Que Deus te cure, Micaella. 
Foi embora, fechando a porta atrás de si.
Engolido pelo silêncio do seu próprio quarto, imerso no escuro e nos pensamentos caóticos, Charlie Mayhew só conseguia pensar no rosto angelical em sua morte anunciada de Micaella. Com uma dor dilacerante no coração, como se uma coroa de espinhos o envolvesse, ardendo na febre de uma paixão avassaladora, em lágrimas ele se ajoelhou na sua cama, unindo palma contra palma para rezar mais uma vez, em clamor do perdão e da salvação da alma daquela pobre criatura de Deus. 
Confuso com os delírios daquela febre imaculada, ele sentiu o medo. 
Eu não sinto medo de Deus, sussurrou para si mesmo naquela escuridão vazia do seu ser, mas sim de eu apodrecer por inteiro. 
— Padre Charlie? — Irmã Marie surgiu na porta do seu escritório naquela segunda-feira normal da sua vida, faziam sete dias desde o dia que foi visitar a jovem Micaella e desde então não houve notícias – nenhuma ligação, carta ou presença da sua avó nas missas durante a semana. Olhou para a freira que segurava um papel em mão, sorriu caloroso:
— Sim Eunice, com o que posso te ajudar!?
— Telegrama para você! — Se aproximou dele estendendo-lhe o papel com um recado impresso, ele agradeceu, esperando que ela saísse para ler o que tinha sido escrito para ela.
Seus olhos leram com atenção o recado:
“Senhor Mayhew,
Sua benção! Aqui quem vos fala é a Sra. Silla, avó da Micaella. Queria apenas te agradecer pela sua visita e unção! A minha garotinha presenciou o milagre da vida e amanheceu faz poucos dias completamente curada! Até mesmo o médico está sem acreditar na melhora repentina dela, porém eu sei que foi por causa de você com sua fé que a curou! Louvado seja tu, Padre, e louvado seja Deus! Se quiser conversar com a minha garotinha, vou deixar nosso telefone registrado. E você sempre será bem-vindo à nossa humilde casa, Padre. 
Novamente, seremos eternamente gratas pela sua misericórdia e seu milagre operado! Que Deus continue te iluminando meu jovem. Micaella disse que foram as suas palavras que a resgataram da morte iminente. 
Atenciosamente,
Sra. Silas.
Telefone: x-xxx-xxx-xxxx.”
Charlie ficou sem acreditar. Leu mais uma vez em voz alta, sentia o coração bater acelerado com uma alegria que nem ele sabia ser capaz de sentir. Olhou para o telefone fixo do seu escritório, leu novamente o texto, pegou o fone do gancho, discando os números com pressa.
Tum… Tum… Tum… 
Ele já ia desligando quando a linha parou por segundos, logo um chiado surgiu sendo seguido de uma voz serena o sobressaltando:
— Alô, Micaella Silas na linha, com quem eu estou falando?
— Micaella… 
— Charlie, é você?
Silêncio. Ela repetiu a pergunta mais uma vez, confusa. Charlie suspirou antes de finalmente deixar as palavras saírem de seu coração:
— Sou eu sim, Micaella. Agora eu consigo compreender os sinais de Deus… E eu não preciso mais temer nada. — Seus olhos ergueram-se no quadro de um Jesus Cristo crucificado na sua frente: — Pois agora eu tenho certeza que você será o meu milagre da minha podridão.
FIM. (...)
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serdapoesia · 1 year ago
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O pai cavando o chão mostrou pra nós, com o olho da enxada, o bicho bobo, a cobra de duas cabeças. Saía dele o cheiro de óleo e graxa, cheiro-suor de oficina, o brabo cheiro bom. Nós tínhamos comido a janta quente de pimenta e fumaça, angu e mostarda. Pisando a terra que ele desbarrancava aos socavões, catava tanajuras voando baixo, na poeira de ouro das cinco horas. A mãe falou pra mim: “vai na sua avó buscar polvilho vou fritar é uns biscoitos pra nós”. A voz dela era sem acidez. “Arreda, arreda”, o pai falava com amor. As tanajuras no sol, a beira da linha, o verde do capim espirrando entre os tijolos da beirada da casa descascada, a menina embaraçada com a opressão da alegria, o coração doendo, como se triste fosse. Figurativa, Adélia Prado
In: Bagagem (1976)
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amargurasdoamor · 1 year ago
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Conheci o amor e quis esconder todo o lado escuro do meu ser.
Conheci o amor e quis que ele enxergasse só coisas belas e me amasse por isso.
Conheci o amor e tentei me mostrar o mais perfeita possível, assim ele ficaria e se sentiria em casa.
Mas o amor é teimoso e fez questão de quebrar a camada da perfeição. Quis que eu me mostrasse e dissesse sobre todo meu ser.
Achei que o amor partiria, mas teimoso ele se apaixonou ainda mais pelos meus defeitos.
Acolheu a insegurança, a angústia e os medos.
O amor fez morada mesmo com a casa toda capenga. Com alguns buracos no chão e a pintura descascada.
O meu amor, tem a paciência e a calma para lidar com as minhas dores.
E o meu amor, é a escolha diária mais linda da vida.
Cartas de amor a você - G
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srtamg · 2 years ago
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Nossos monstros dançam juntos
Sempre dançaram
Numa melodia limiar
Sedentos por razão
Longes da verdade
Nossas feridas descascadas em fúrias dialogais
Meu espírito ferido pela sua flecha obscura
Julga-me alimentando a sua própria Fera
Desordens sentimentais
Palavras cruciais
No mesmo ritual interno de amor e ódio eterno
@srtamg
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henleblanc · 1 year ago
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𝐀𝐍𝐒𝐖𝐄𝐑: 𝑳𝒐𝒗𝒆 𝑴𝒚𝒔𝒆𝒍𝒇
loving myself might be harder than loving someone else, let's admit it the standards you made are more strict for yourself
alguns dias depois da festa.
música referência
LeFou pareceu muito preocupado com Henri após uma ligação de vídeo, alguns dias já tinham se passado após a festa e todo o caos causado por Charming, ainda sim, o rapaz carregava fortes sinais da violência em seu rosto e em seu corpo, o pequeno aliado de Gaston não hesitou em simplesmente surgir na porta da academia, montar uma pequena mala para o Henri e levá-lo de lá, podia até mesmo ver um sorriso nos lábios do rapaz como um sinal de que estava fazendo certo. São apenas algumas horas de viagem até que chegue no seu destino, mas sabia que, independente das consequências que pudessem vir a seguir, LeFou não iria se arrepender de tomar essa decisão.
Aquele pequeno vilarejo ainda existia, o mesmo em que Gaston amava se exibir com novos animais para ser empalhados, novas histórias e novos desafios entre todos os homens igualmente estúpidos como ele. E, não muito longe dali, ficava um pequeno chalé perfeitamente confortável, aquecido e muito decorado onde vivia LeFou, e muitos diziam que era onde ele dividia alguns segredos de Gaston, a maioria era boatos, a única verdade absoluta estava colocando os dois pés no interior daquela moradia humilde, pois foi ali que Henri foi deixado nos braços de Gaston, e que passou a maior parte da sua vida.
Dois dias foram o suficiente para que a energia de Henri mudasse, mais sorrisos e menos lágrimas, tinha uma rotina que amava que consistia em pão caseiro pela manhã, sempre com uma receita nova, café moído na hora e o famoso croissant que Henri simplesmente amava. A tarde, sempre que o rapaz estava por perto, LeFou arriscava um pouco da culinária coreana, as vezes conseguia e em outras ocasiões, apenas desistia e acabava preparando o que já sabia mesmo. E não foi diferente nesses dias, Henri estava começando a enjoar de japchae, ainda que tenha amado o sabor daquele prato.
Depois de alguns dias tão bem aproveitados, no fim da tarde daquele dia quente e ensolarado, LeFou estava descascando algumas batatas para o jantar quando Henri apareceu, até as roupas dele pareciam diferentes ali. A bermuda de tecido tão leve sempre lhe pareceu confortável e cobria as suas pernas até alguns dedos abaixo do joelho, além de ter alguns números a mais, a camisa ele sabia que pertencia ao seu ex, mas continuava sendo a sua preferida por ser muito confortável, já estava um pouco surrada de tanto usar a peça. — Eu pensei que tivesse se livrado dessa camisa. - Ouviu o homem falar quando se posicionou no seu banco preferido, ninguém ousava se sentar ali, porque sabia que era o cantinho do Henri. "Nah, eu gosto dela, você já lavou tanto que ela passou a ter apenas o meu cheiro, então ela é minha agora"
LeFou sorriu enquanto terminava com uma batata grande, os olhos seguiam do legume até o rosto do rapaz e logo retornava ao legume. — Está pronto para tirar essas marcas do seu rosto? - A pergunta pareceu derrubar um pouco a energia do corpo de Henri, fazendo o rapaz se desfazer do sorriso e da postura relaxada de maneira imediata. - Não precisa responder. - O homem enfim disse enquanto afastava a vasilha de água com as batatas descascadas mergulhadas nela, limpou as mãos com um pano e pegou a própria carteira, colocando um cartão preto sobre a bancada. - Pois amanhã vamos tirar isso da sua cara, gastar o máximo de dinheiro que o seu pai tem...
"Por que quer fazer isso? Estou bem do jeito que estou..."
— As vezes é importante sentir a dor, ela nos ensina muita coisa... posso te dizer com propriedade sobre isso - Henri calou naquele momento e apoiou as mãos no assento do banco, o corpo sendo jogado para frente, deixando o peso com as palmas que pressionava contra a madeira, só para manter a cabeça baixa, deixando o silêncio daquele lugar invadir o cômodo junto com a brisa deliciosa que chegava ali, só para que a voz de LeFou fosse a única a ser ecoada no ambiente. - Mas eu acho que essa dor específica... não dá mais pra você sentir. Eu sei o que o Gaston te disse, também sei que o seu encontro com o Lowell não foi muito bom, não precisou me contar nada para saber disso... Ainda teve a situação com as brigas, que eu aposto que descontou toda a raiva e frustração que sentia naquele momento em pessoas que você mal conhecia - LeFou tinha uma diferença de altura significativa se comparado com o Henri, sendo que o rapaz não tinha esforço algum para se acomodar em seu banco, enquanto o francês precisava dar saltinhos e as vezes até usar de um apoio para conseguir se acomodar sobre o dele. - Mas você não pode se definir através disso, meu querido.
[...] Quando eu decidi não sofrer mais pelo o que eu sentia pelo seu pai, eu ouvi de uma pessoa que eu era bom, que eu deveria me amar mais e que isso faria boas coisas serem direcionadas a mim. Você sabe quem me disse isso...?! Sem a Sra. Potts talvez eu estivesse ainda encobrindo todas as safadezas de seu pai sem hesitar... Bem, é a minha vez de dizer isso a alguém, e eu acho que você deveria se desvincular mais de seu pai, esquecer essas idiotices que ele te diz e ser mais você. - LeFou suspirou, enquanto a mão deslizava na nuca do rapaz, toda a fala foi dita no caminho que LeFou fazia de seu lado da bancada até o lado em que Henri estava, agora os seus olhos estavam focados no rapaz e apenas nele. Por ser baixo, o francês conseguia ver os olhos marejados de Henri sem dificuldade nenhuma, mesmo que ele estivesse praticamente encolhido contra o banco de madeira. - Não quero que ame ninguém mais além de você, se coloque em primeiro lugar e só depois coloque quem você acha importante, chega de se levar e de ouvir essas coisas horríveis que estão dizendo sobre você... Só você sabe quem você é, e se existem pessoas que dizem exatamente isso a você, então essas pessoas que devem ser mantidas na sua vida. Não é porque ele é seu pai que você tem alguma obrigação com ele.
"As vezes, eu acredito nele... ou talvez... concordar com ele seja a única forma de sofrer sozinho, como se tivesse um motivo para isso... eu cometi muitos erros com as minhas escolhas, perdi muito de mim... estou exausto... papa"
— Eu sei meu filho, por isso estou aqui... você tem amigos para te ajudar com isso... mas alguém para estar ao seu lado pra sempre? acompanhando o seu crescimento? nesse caso, você tem a mim... e nada no mundo vai me tirar do seu lado. Eu quero o meu Henri iluminado, cheio de sonhos e apaixonado pela vida de volta, eu sei que são muitas feridas, mas a gente pode cuidar disso juntos. - LeFou soltou um som baixo após ouvir alguns pequenos soluços do mais novo, dando um beijo na lateral de seu rosto enquanto secava as suas lágrimas, voltou a erguer o rosto dele em uma altura que conseguisse vê-lo melhor. - Só não desiste ainda, tá bom?! vamos ressurgir das cinzas e fazer todo mundo admirar você de novo. E, de quebra... - Pegou o cartão e ergueu na altura dos olhos dele. - Dá um enorme prejuízo para o desgraçado do seu pai.
now let's forgive ourselves our lives are long, trust yourself when in a maze when winter passes, spring always comes
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boatsandgods · 1 year ago
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        ───  MERCY HAS A PRICE  ───
                                       ❝ Ruthless is mercy upon ourselves. ❞
Desde sua não tão feliz infância Calista tinha em mente que a solidão não era algo a ser temida, não era uma punição em todos os casos, tão pouco era algo a ser facilmente rejeitada, a solidão era, para todos os efeitos, apenas mais uma forma de amor. Afinal quando homens dizem que seus corações são solitários o que querem dizer se não que lhes falta a companhia do amor? Algumas pessoas amavam tão intensamente que a solidão as matava como a falta de sol e água matam as flores campestres que insistem em florescer em locais que não lhes pertencem. Calista, por outro lado, sempre florescera entre os solitários, uma flor que não precisava de luz ou água para sobreviver, deixando suas pétalas guardadas de qualquer um que fosse tentar as segurar, a solidão da falta de amor nunca lhe foi uma inimiga, até porque pouco conhecera do tão temido amor que todos sussurravam poemas sobre. E então ela tinha se tornado uma mulher. Linda, desejada, disputada, e a solidão tinha a ensinado que não há melhor companhia que não fosse a sua, não havia nada mais puro que o amor que sentia por seu próprio reflexo, ela amava o que o escuro de um quarto vazio podia trazê-la.
Grande parte de sua vida fora envolta da crença de que a solidão era sua aliada, uma companheira silenciosa que a fortalecia e lhe concedia a liberdade de florescer sem depender das interações mais sagradas a todos, alguns diziam que isto era um sinal de seu parentesco divino, um testemunho ao que Hades tinha de melhor, o isolamento emocional de anos de rejeição como uma camada de proteção que precisava ser descascada delicadamente sem alarde algum. Dentre todos os presentes divinos, dentre todos os seres que nadavam na imortalidade do olimpo havia apenas um do qual seu pai e madrasta lhe alertavam: Eros. The cupid. O deus da paixão, do amor romântico, do amor devastador que lhe consome como doença dedo após dedo, unha por unha, cabelo por cabelo, lágrima após lágrima.
Afrodite era perigosa, ela sabia disso, o amor, a beleza, o redemoinho que leva os humanos a insanidade em busca da perfeição, mas até Afrodite conhecia limites, limites estes que não apresentara a seu filho alado. E quando Calista chamara a atenção do cupido não demorou para que toda sua construção fosse derrubada como uma casa de palha diante de sopro de um lobo. Primeiro viera Dominico, ele e suas mãos exigentes, seus sussurros pedintes, seus gemidos imprudentes, Dominico e suas palavras nuas e cruas que sempre diziam exatamente o que queriam, Dominico e suas mãos em suas coxas e seios, seus lábios em suas mãos e boca, sua cabeça em seu colo e seus dedos em seus dedos. E então Myrine havia aparecido, com seus olhos claros, seus cabelos escorridos e um sorriso charmoso que mais parecia esconder suas presas que demonstrar felicidade, Myrine e seus dedos ágeis, sua boca exigente, suas coxas que prendiam Calista ao lugar, suas palavras doces que levavam a filha de Hades a fazer o que fosse por ela e seus olhos cruéis que deixavam Calista rendida. O amor que sentia pelos dois tinha a mantido viva por muito tempo.
A presença de outra pessoa trouxe uma nova dimensão à sua vida, a solidão, outrora sua aliada, se tornara um espaço longínquo que não havia mais a necessidade de ser habitado constantemente. De repente havia em sua vida uma luz calorosa, preenchendo os cantos escuros que Calista nunca soubera que existiam dentro dela. Flores contornavam seus sorrisos e floresciam dentro de seus pulmões dificultando sua respiração, apenas os lábios alheios podiam aspirar o conteúdo lhe trazendo oxigênio. E então seus filhos vieram, primeiro Selene, nascida sob a luz do luar com apenas Myrine e Dominico para presenciar o milagre dos deuses que era sua pequena menina, nascida com os cabelos loiros, um olho verde que parecia conter os mares e um olho azul que parecia refletir o mais lindo céu. E então viera Julius, adorado pelo reino, um herdeiro para o trono, ainda que nenhum de seus três pais parecesse entender porque subitamente todos falavam sobre sucessão quando Selene já estava ali para ser rainha. O casamento, o nascimento de seus filhos, seu reino, todas aquelas coisas haviam trazido a promessa de uma vida sem o vazio que lhe criara.
Ainda assim a promessa havia lhe levado ali. Junto de Myrine na sacada de seu castelo, o vestido preto caindo com leveza sobre seus ombros quase como uma extensão do vermelho que adornava o corpo esbelto de Myrine. O ventre inchado de Calista era cuidadosamente acariciado com uma de suas mãos enquanto via Dominico se afastar cada vez mais em direção ao porto. ❝ Is this what we have become to him? One to rule, one to bare children. For what? To watch while he sails after we got everything we wanted? Not even a proper goodbye in sight. ❞ Sua voz não trazia tristeza e sim ódio, uma raiva que crescia dentro de si desde a primeira conversa sobre a maldita guerra. ❝ How are we supposed to stay behind and explain and justify a war that is not even ours to be fought? ❞
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amor-barato · 1 year ago
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Observei a imensidão da cidade. O que seria feito daquilo tudo...? Não era possível que depois de uma história cheia de guerras, pestes, invenções, a raça humana terminasse num abandono completo. Era ridículo. Esperei. Nada. Voltei a pensar na possibilidade de estar morto. Antes de virar pó, percorria espaços guardados na memória. A cidade. Os animais. Não. Não era possível. Eu nunca tinha ido ao Aeroporto de Cumbica. Eu o via claramente, não poderia estar imaginando, muito menos estar morto. Não. Ter entrado numa outra dimensão do tempo também não era possível. Os animais se mexiam normalmente. Se por acaso eles estivessem também paralisados, seria uma hipótese forte: o meu tempo, o de Mário e o de Martina estaria superacelerado, dando a impressão de tudo parado. Mas não. Os animais, a poeira, os relógios, contestavam esta teoria. Então, que merda estava acontecendo?! Uma meia dúzia de cachorros andando juntos atravessaram a pista lentamente. Estavam calmos e despreocupados. O último deles era um filhote, que pulava, brincava com os outros, parava e corria para alcançá-los. Eles não sabiam o que estava acontecendo. Fiquei com inveja deles. Encontrei Martina deitada no sofá, com um livro na mão.
- Por onde você andou?
- Por aí. Examinando a cidade. Está abandonada, vazia...
- Seu amigo ainda não apareceu - disse irritada.
- Daqui a pouco ele aparece. Ele precisa disso: ficar sozinho.
Era verdade; eu conhecia Mário como ninguém.
- E, mas a gente tem de ficar junto!
Ela estava mesmo irritada. Me sentei na sua frente, estiquei as pernas sobre a mesa e relaxei. Pausa.
- Você ouviu algum avião a jato sobrevoar a cidade hoje? - perguntei.
- Não - respondeu sem tirar os olhos do livro.
Será que imaginei aquilo? Suspirei de cansaço; muito cansaço. Martina parecia atenta ao livro, ou pelo menos fingia muito bem. Pausa. Ela não estava muito a fim de papo. Mesmo assim, perguntei honestamente:
- Você acha que morremos?
Percebi que o dia estava rendendo mais. O tempo demorava para passar e, pior, não tinha muito o que fazer. A vista da janela parecia uma pintura: estática. Fui dar uma volta. Passou a ventar umidamente. Em seguida, pingos grossos começaram a batucar no cape. Chuva. O ritmo mecânico dos limpadores de párabrisa me mantinham atento. Eu gostava de chuva principalmente quando estava dentro de um carro. Dirigia com cuidado para não ser surpreendido por carros largados no meio da rua. Parei em frente ao edifício do Nariz, um traficante que fazia ponto no cursinho da Bela Vista. A chuva aumentou escondendo o enorme prédio com formato de um “S“, um agitado cortiço. Não tinha nada para fazer. Peguei o machado, abri a porta e corri até o hall me desviando dos pingos. Não cheguei a me molhar muito. Olhei ao redor; não havia ninguém. Um forte cheiro de mijo por toda parte. As paredes estavam descascadas, pichadas com vários palavrões. O lixo, amontoado no chão. Um agitado e sujo cortiço. Caminhei até o elevador chutando uma sandália perdida. Era um vício: chutar coisas perdidas no chão. Subi até o décimo andar e procurei o apartamento do Nariz entre dezenas de portas. Não me lembrava do número, mas não seria difícil, já que a maioria dos seus fregueses deixava recados escritos em código no batente da porta. Nariz era batuqueiro da Vai-Vai, escola de samba vizinha ao cursinho. Ficamos amigos por causa do seu ofício. Era um bom profissional, diferente dos outros mal-humorados traficantes da região, que trabalhavam sempre apressados e nervosos, como se houvesse um policial escondido em nossos bolsos. Nariz servia a sua clientela diferentes tipos de maconha e deixava experimentar sem nenhuma pressa. O estranho era que ele próprio não sabia avaliar a qualidade da mercadoria. Se eu dissesse que era bom, ele me segurava nos braços e dizia orgulhoso:
- Você sabe, Alemão, que só trabalho com coisa boa.
Mas se eu dissesse que era ruim, ele concordava. Se desculpando, afirmava que havia uma tremenda crise no mercado. Engraçado é que eu também não sabia avaliar se era bom ou não. Era inexperiente. No entanto, sempre chutava: um dia dizia que era bom, outro, que era ruim. E tudo bem. “Alemão“ era como ele chamava os que não eram negros. Uma vez fomos fumar no estacionamento. No meio do baseado, pintou não sei de onde um Tático Móvel. Engoli aquele cigarro aceso. Eles desceram do carro de arma na mão.
- Mão na cabeça, os dois! Quietinhos...
Sentiram o cheiro, examinaram nossos olhos, mas não encontraram nada.
Onde é que está o bagulho? - perguntou um deles rindo.
Não sabíamos de nada, já ouvimos falar de maconha, tá bom, já fumamos, uma vez, não, não conhecíamos nenhum traficante, éramos estudantes do cursinho, estávamos ali passeando, temos família, sim senhor, não, não somos vagabundos, não senhor. Documento, claro, documento. Nome, pai, mãe, RG, data de nascimento, sim senhor, não senhor... Ficamos um bom tempo naquela situação. Eu cagava de medo. Nariz era rude com os caras, falando no mesmo tom, declamando alguns chavões de Direito. Um deles não se conformava. Queria dar um pau na gente ali mesmo. O filho da puta me dava chutes na canela. Doía demais. Era um covarde, filho da puta. O que parecia ser de patente mais alta era o mais calmo e objetivo. Sabia que não tinha provas contra nós. Fez um longo discurso moralista; pedindo para não nos envolvermos com traficantes ou drogas, que deveríamos estudar para o bem do Brasil. Nos ameaçou caso nos encontrasse mais uma vez naquele ponto. Finalmente foram embora, depois de o inconformado me dar um último pontapé na canela. Filho da puta!
- A partir de hoje, você é meu sócio - declarou Nariz apertando a minha mão.
Sabia que o termo “sócio“ não queria dizer que iríamos repartir os dividendos do seu negócio. Sócio era a categoria que adquiria o direito de filar alguns baseados sem pagar. Era o segundo escalão nesta estranha ligação: consumidor e vendedor. Encontrei a porta do meu “sócio“. Dei uma machadada na madeira e consegui entrar. Fácil. Não havia ninguém dentro do apartamento. A sala tinha uma TV em cores, um jogo de sofá de plástico imitando couro e um enorme poster do Palmeiras na parede. Fui até a cozinha procurar a panela de pressão dentro do forno. Era onde ele guardava a mercadoria (o lugar ideal, pois qualquer problema, era só ligar o forno). Na panela havia de tudo: quase um quilo de maconha, vários pacotinhos de cocaína, uns comprimidos e ampolas. Enfiei tudo dentro de um saco e fui embora. Descendo de elevador, me assustei com um raio que caiu por perto. A luz foi enfraquecendo até apagar. Tudo escuro. Merda! Apertei os botões do painel, mas nada aconteceu. Bosta! Forcei a porta até abri-la. Estava parado entre um andar e outro. Não era meu dia. Com um pulo consegui alcançar a saída de emergência e ficar na parte de fora do elevador. Tudo escuro. Apalpando, senti a porta pesada de um andar qualquer. Enfiei o machado.
- O Mário apareceu? - perguntei entrando.
- Não! - respondeu secamente Martina, sem tirar os olhos do livro. O mesmo livro. Subindo a escada, ouvi quando perguntou:
- Onde é que você esteve?
Numa noite, ficamos com a sensação de que de um momento para o outro a porta se abriria e Mário, com um enorme sorriso, iria nos explicar as razões do que estava acontecendo. Mas nada dele. Martina lia. Vez ou outra eu provocava:
- Vamos jantar fora?
Ela ficava parada, concentrada nas páginas do livro. Tentava enxergar através de seus olhos. O que estava pensando? Eu tinha mania de fazer isso. Imaginar o que os outros estavam pensando. No fundo, no fundo, meu grande sonho era ser telepata. Desses que dão shows na TV. Entraria com uma belíssima assistente loira. Ela vestida com uma roupa transparente, sexy. Eu, de fraque e cartola. Ela circularia pela platéia, escolheria um espectador e perguntaria: “Mestre Rindu, o que esse homem está pensando?“. E eu responderia e acertaria na mosca. Aplausos. Eu me inclinaria e adivinharia outros pensamentos. Este foi meu grande sonho. Para falar a verdade, eu queria mesmo era saber o que os outros pensavam. Eu era tão confuso. Pensava em quinze coisas ao mesmo tempo, embaralhava as idéias e era difícil de tomar decisões. Se eu soubesse o que as pessoas pensavam, eu diria as palavras certas, as palavras que elas queriam ouvir. Um dos meus maiores problemas era que nunca dizia as palavras certas, na hora certa, com a pessoa certa.
Mas isso faz muito tempo.
Marcelo Rubens Paiva – Blecaute
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belaspalavras · 2 years ago
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Amor Simples
E se eu simplesmente esquecer você? E se eu achar outra pessoa que roube minha atenção, claramente sem o seu talento, mas com o tempero certo. O que farei? Mesmo sabendo que essa conexão que nos entrelaça não acharei em mais ninguém, não quer dizer que eu não possa amar outro. Eu tenho medo de um dia aceitar menos do que você oferece, por tanto tempo longe, talvez por acaso a distância e o tempo, faça eu esquecer aquela sensação unicamente divina. Falo com sinceridade em minhas palavras, que você sempre será o amor da minha vida, mas infelizmente, isso não é o bastante para termos os nossos felizes para sempre. 
É romanticamente triste, pensar em você todos os dias, sem dar pausas para feriados, é complicado, não diria que isso me sufoca, pois você é o motivo de eu ter conhecido um lugar de mim mesma que nunca achei que poderia saber antes, a paz interior. Com você, sinto que estou num lugar longe de problemas, um lugar que fala sobre coisas boas, deixando as ruins em segundo, terceiro ou por último plano. 
Eu imagino deitada no meu quarto, eu contando a você a minha história para o Rio de Janeiro, queria que soubesse o quanto eu fui feliz, e também no quanto eu pensei naquele diálogo, que você disse que iríamos juntos. Eu sabia que aquilo era um faz de conta de nós dois, ou melhor, nosso sonho secreto que fingimos ser verdade para que a realidade parecesse mais doce. 
Fazíamos planos, mesmo sabendo que tudo aquilo não funcionaria e que não poderia acontecer, um amor proibido tem dessas. Saber que pensamos um no outro como forma de força para seguir em frente, é loucura, estamos falando de duas pessoas que se conheceram num cenário com nada de especial, sem músicas românticas ou algo que prevalece o amor. Mas mesmo assim, nossas almas se escolheram como em outras mil vidas anteriores, isso não é loucura? 
No terceiro dia que nos conhecemos, jogamos fifa no videogame, você ganhou de mim como toda vez, foi a melhor partida que eu já joguei, com certeza por ter sido com você.
Mas o que eu mais lembro desse dia, era que nós nos olhávamos, intensamente, havia momentos que o tempo parecia parar, e seus olhos eram hipnotizantes, azuis, tão azuis. Era um pouco cômico, o jeito que sentimos a vontade de se encarar, sem falar uma palavra, simplesmente admirava você, e você me admirava também. Lembro tão claramente do meu pensamento enquanto observava seus olhos oceânicos, “nossa que lindos, eu com certeza conseguiria observá lo pela eternidade e nunca me cansaria”. 
Ontem eu pintei as unhas, e me perguntei se você elogiaria ela se visse, como fazia com todas as outras, o jeito que dizia que elas estavam bonitas mesmo desbotadas, e descascadas, era tão você.  
“    -      Agora elas não estão tão bonitas
Mas eu entendi a essência, entende?"
E é claro que eu entendo.
Mesmo não estando comigo, eu sei que seria meu companheiro, escutaria comigo as novas músicas do Harry Styles, falaria sobre os filmes da Marvel e o quão bonito é o capitão américa, sei que escutaria eu dizendo teorias sobre filmes, casais e tudo que eu gostasse, palavra por palavra, sem esforço, apenas por me amar. 
Apesar de tudo isso me fazer ser melhor, e eu acreditar no amor de novo, eu volto com a pergunta do começo. E se eu simplesmente esquecer você? E eu pergunto isso, não no sentido de esquecer o seu jeito e nossos momentos, e sim esquecer nós como uma alma só. 
Eu nunca esquecerei do garoto que conheci tão poucas vezes, mas que nessas vezes fui mais eu do que tantos anos. Nunca, de forma alguma, conseguirei esquecer de seus olhos brilhantes, e seu jeito único comigo, jamais. 
Porém, se eu conhecer alguém que eu goste, cuja pessoa seja fácil, disponível para mim, não vou fugir. Sendo assim, a pergunta que me atormenta, é que se eu esqueceria de nós juntos, da força que realça ao nosso redor com poder de afastar as negatividades, e que se esquecendo, eu poderia encontrar alguém que eu ame, mas com um amor comum, verdadeiro e simples, sem mais.
Será que eu conseguiria viver esse amor simples mesmo tendo vivido o seu? 
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amantesdopensar · 2 years ago
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Tangerina, manga
Clichê, seu sorriso surge a cada 6 pensamentos meus. Involuntário, necessário, súbito; como o desejo de te ver mais uma vez, confortável em meu sofá, estendendo a mão por sobre a minha, em um aperto suave de afeto e gentileza.
Aquele sentimento, simultaneamente brando e abrasador, de quem se vê no outro; aquela luz sadia que é emitida pela sua voz grave e calma. Sofro dessa patologia extraterrestre que busca satisfação de uma vida inteira no antídoto destilado nesses lábios doces. É visando essa doçura viscosa que desejei te ver próximo a mim, acariciando meu antebraço com a ponta dos seus dedos indicador e médio.
Seu quê de complacência, sereno, demonstra a evidência de um carinho real. Um fato que admito não ser idêntico ao meu, mas não conto com isso, afinal, se igual, desejo o mesmo ao avesso.
Desejo lhe oferecer meu amor aberto, como uma tangerina descascada, exposta, aguardando para que seja debulhada e, enquanto você se apetece do doce azedo único, eu assista amando aberto, ao seu modo doce viscoso – como só você parece conseguir, em um laranja amarelado vivo, que escorre pelos dedos em abundância.
Nesse laranja amarelado, sinto os dedos úmidos no doce caldo, no branco deleite que se funde ao calor solar do fruto; é no conjunto, que desce pela sua garganta tão efemeramente, que deliciosamente me permite admirar o momento, em observação. O toque no copo de vidro que serve de receptáculo para esse prazer tremendo é que me vejo apegado; é ser como o copo, tocando teus lábios, em instante vivaz de puro regozijo.
Quando será possível ver-te deliciar-se no suco? Virão meses, dia após dia, de espera intensa por algo-o-que-?, incompreendido por mim.
É no amor exposto, fora da casca, seja no doce abundante ou no azedo açucarado que desejo ver sua boca amarrar; quero ver o líquido escorrer, sujando sua face, em ânsia perene, contínua, com sabor de quero-mais; em pedido por uma segunda experimentação – então terceira, quarta, infinitas – em suco, vitaminado ou chutney, se quiser. Te ofereço até geleia, sou bom em te oferecer, mas é necessário que você aceite e, se porventura, for doce demais, peço que me diga. Posso reduzir mais o sumo, o açúcar será o mesmo, mas posso comer junto de ti para tornar mais tolerável; eventualmente, posso oferecer um acompanhamento, uma pitada de sal, ou quem sabe aquele leite de coco que muda tudo e que sua mãe sempre usa o frasco todo a cada receita.
Quero que você se torne tão bom em aceitar que não seja mais necessário oferta; que com o tempo meu braço não se estenda mais que metade do caminho para encontrar o seu, que também trilhava o percurso.
Esse texto não trata de frutos.
– L.R.S
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