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Coração gelado
Esta é uma série que realmente gosto, já estou lendo outro livro da mesma. Não é o primeiro que leio dessa série, a história tem ligação com os diversos outros livros e com certeza nos da um novo significado para o filme.
Mesmo que intenção seja mostrar "o lado dos vilões" acaba não inocentando-a no final. Gosto bastante da forma que todas as ações foram colocadas, e acaba não mantendo o que é dito no, não muito conhecido "cinderela 2". Vemos cinderela, e principalmente seu pai, de uma forma bem diferente aqui.
Nota: 10/10⭐⭐⭐⭐⭐
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Era uma vez um pescador morto por uma baleia no ano de 1900 nas águas da Bahia. E os ossos seu único vestígio na areia da praia de uma ilha deserta muito longe dali. Esse, o fato verídico. Agora, a lenda é pura invenção. De um jovem escritor que viajou para desbravar essa história através da imaginação e lhe deu um nome: A Ilha do Pescador. Sua fonte de inspiração, um recorte de jornal. Da época. O próprio pescador e seu barco de pesca artesanal. E na memória do garoto de outrora a imagem do avô, também pescador. Seu ídolo e herói.
Carlos Aranhos
Em memória ao meu avô.
A Ilha do Pescador
A Ilha do Pescador: uma história de aventura, sonho e fantasia
por Flávia Vasco
Cansado da vida desencantada da megalópole, André parte numa viagem rumo ao desconhecido, carregando na bagagem apenas a imaginação, em busca de um passado perdido, de encontro às estórias de mar e de pescadores.
Roteiro
Cena 1: um velho, aos 92, em farrapos, afunda revolto sob a forte sucção da água no oceano, morto, em meio aos destroços de um naufrágio. (Fade out)
Cena 2: (Fade in) (Plano aberto) a câmera sobrevoa o mar. No centro, o homem, aos 69, é rodeado por uma baleia e dois filhotes, ao lado de um barco à vela.
Cena 3: (Plano médio) os personagens brincam.
Cena 4: (Plano Americano) o homem, barbudo, chapina água contra os cetáceos. A baleia borrifa na fria atmosfera o ar quente e úmido, condensado em gotículas de água.
Cena 5: (Primeiro plano) rosto do homem. Feliz e sorridente.
(J Cut. Trilha sonora de suspense)
Cena 6: o ataque do tubarão:
***
1924. Ao longe, uma barbatana dorsal é vista. O alvo é Sancho. A fuga é instantânea. Auxiliada pelo homem, que de volta ao barco, se interpõe entre o caçador e a caça. Arma rápido uma bocada de isca fresca pra atrair o grande peixe. O tubarão caiu. Com o arpão feriu-o nas brânquias. Com fúria, o animal atirou-o fora do barco. Na queda, perdeu os sentidos; mas, logo se recuperou, à superfície. Outra investida estava reservada contra ele. Foi quando mergulhou fundo e desferiu um golpe certeiro na altura do focinho, com uma faca que levava junto ao cinturão. Um segundo golpe foi tentado na altura dos olhos, mas passou só perto. Foi aí que apareceu em cena, a baleia-mãe para ajudar. Com uma cabeçada estonteante, combaliu o que restara do tubarão, livrando o pescador de um novo ataque. Recolhido, o tubarão recuou. Mas, não por muito tempo. Bastou que o valente homem retornasse sem fôlego ao barco, para que a fera desse meia volta e, sem piedade, desferisse uma mortal mordida sobre a cauda de Sancho. O pequeno animal logo esvaiu em sangue que tingiu toda a água. Tentou sobrenadar sem escapar à luta, mas foi em vão. O tubarão vencera. Caiu morto, sem recurso. Terminando devorado pelo temível predador. A mãe aflita, nada podia ou pudera fazer. Recuou com o outro filhote, mais velho, para além de sua jornada, a fim de pelo menos garantir a sobrevivência de ambos. O Pescador ... assim, o conheceríamos, somente observou o êxodo dos pobres amigos, com os olhos cheios de água.
(Smash cut)
Título: A Ilha do Pescador
Sinopse: um jovem fascinado por estórias de mar e de pescadores sai em busca de inspiração para escrever a sua própria história. O que encontra são pistas, e a partir daí descobre que não tem mais nada com que contar senão com a própria imaginação.
Num mundo desencantado,
onde não há mais segredos,
é preciso inventar.
Primeira Parada: A Ilha do Farol – A Partida
O espetáculo das baleias. O que sobrou de um passado de glória, que sucumbiu à submissão do poder do homem, esse ser predatório da natureza. Espetáculo (!) porque se deve a ações conservacionistas mais recentes que garantem a perpetuação dessa espécie, e deslumbram os olhos dos turistas em busca de uma foto. Mas, essa é parte de uma história que eu já sei. Como é contar uma história que ainda não sei?
Acordei hoje cedo pensando que estava na vila. Queria fazer meu próprio café, mas estava na pousada. Contrário a todas as minhas expectativas e fantasias, ali não era tão comum ser diferente e se contentar -- caso encontrasse -- com uma autêntica casa de pescador, e pretender fazer parte daquele cenário, buscando novas amizades. Não, sem chances. E eu não vinha pra ficar, estava de passagem, e sequer era pescador. Meu mundo era outro, e como OUTRO que eu era, embaçava-se minha vista de como deveriam ser as coisas na realidade: a vida na vila. Ainda assim, impregnado de estrangeiro, vindo da cidade grande, esperava me encantar com a minha viagem. Fosse com as estórias do lugar, fosse com os passeios fora do guia de viagens, fosse com a falta mesmo do saber.
Assim cedo demais acordei. A escuridão lá fora, bem cerrada, me dizia que em dias normais não era hora de levantar. Eu me antecipara em uma hora ao despertador do relógio de pulso, pousado sobre a cômoda do lado da cama, ao alcance da mão. Precisei ir ao banheiro, tateando no escuro, e logo voltei a me deitar, e cochilei. Permaneci em estado de vigília com medo de perder a hora. O barco sairia assim que o sol apontasse os primeiros raios; assim instruíam os moradores aos turistas. Quando acordei de vez, lembrei de desprogramar o alarme, e me sentei na beirada da cama pra tomar um gole d’água fresca da moringa, de barro, fria. Despejei o líquido na caneca de estanho, com alça, e tomei. Agora, algum ruído eu ouvia que vinha da cozinha, as primeiras panelas do desjejum dos madrugadores. Não demorou muito, sentado à mesa, senti o aroma de café abrindo minhas narinas, confrontado meu hálito quente do primeiro gole com o ar gélido da manhã. Eu trocara minha roupa de dormir por um cardigan azul marinho, com detalhe vermelho-branco no bolso e na barra da cintura ... dotado de gola v, abotoado na frente sobre uma camiseta branca. Com uma calça jeans, combinando com meu sapatênis casual zípper, vermelho e azul também.
Não tive pressa. Desfrutei do ócio, me entregando completamente à cadeira, quase deitado contra o costado de estrado de madeira, com os braços cruzados. No quarto, praticamente intocada, minha tralha era só uma “big” mochila com um bocado de coisa dentro: um pulôver branco e preto ziguezagueado em duas listras delgadas, vermelha e branca, no peito e na cintura; um conjunto moletom blusa bege siri e calça preta 100% algodão, fechado; duas bermudas com bolsos laterais: uma marrom e uma azul marinho; uma regata branca; uma camiseta 100% algodão branca e uma preta também; uma camisa branca de cambraia, conjunto com uma calça também branca, do mesmo tecido; uma sandália de couro, marrom claro, de dedo; um chinelo havaiana branco; e, um pijama meia malha azul anil, com fecho em botões pretos. Pouco menos que um look versátil meu na metrópole nos dias de trabalho: suéter azul marinho, camisa branca, relógio dourado, cordame bege e marrom no outro pulso, calça de brim preta, e mocassim marrom.
Pra completar os acessórios: snorkel; óculos escuros; boné; toalha branca; um punhado de blocos de anotação; algumas canetas pretas; nécessaire com artigos de higiene bucal, mais cosméticos como shampoo, condicionador, 5 sabonetes, 3 tubos de protetor solar; 5 cuecas; 2 sungas; 6 pares de meias socket: 3 brancas e 3 pretas; e 2 pares de meias de lã grossa: uma branca e uma preta.
No bolso lateral esquerdo: o celular Iphone, última geração, com o Power bank possante, apropriado pra viagem. Enquanto, num dos bolsos falsos, guardara o certificado de mergulho e o ticket de translado até as praias. No outro, um bocado de dinheiro em espécie.
*A cinta elástica de pano trazia amarrada junto ao corpo, por dentro da roupa, pra provisionar algum valor a mais. E a carteira de couro preta com poucos tostões, documentação pessoal, e cartões do banco, levava normalmente no bolso da calça ou bermuda.
Ademais, o pé de pato ia dependurado no ombro, num estojo de pano. Também o tripé. Assim como uma mochila menor, de apoio, com o notebook, 14 polegadas, compacto, com boa portatibilidade, junto a uma Canon Eos com lente EF 50 mm, munida de filtros de cores primárias, e um estoque de rolos de filme preto-e-branco e colorido.
Uma relíquia me fazia companhia pra onde fosse desde a adolescência. A foto de meu tataravô emoldurada em vidro de presente do meu avô. Nicolau. Também presente dele eu levava a tiracolo uma foto de meu bisavô ainda bebê tirada pela mãe Emma, além de um desenho dele já velho feito por meu avô. Tudo emoldurado. Era com a minha baleia de pano que ele brincava comigo fazendo truques e traquinagens de fantoche. E me enchia de estórias de pescadores da Bahia, de onde vinha, e onde era casado com uma baiana. Minha família descendia por parte de pai de artistas. Minha tataravó, seguiu a profissão do pai que era fotógrafo profissional, mas de forma amadora. O avô dela era um homem de renome nos primórdios da fotografia na França. Emma era o nome da minha tataravó e o que se sabia dela é que tinha sido abandonada pelo meu tataravô e corria uma mágoa amarga sobre ele. Guardei os retratos e o desenho na mochila de mão.
Comi e bebi pouco. À mesa, uns pães de sal, café de coador na cafeteira preta, umas fatias de queijo muçarela e presunto, leite frio de saquinho servido na vasilha de plástico própria dele, umas bolachinhas sortidas e uma única banana. Só. Eu estava acostumado a um desjejum mais farto ou singular em outras estadias standard, de boas pousadas três estrelas das cidades do patrimônio histórico e paisagístico, de Minas e do Nordeste, no caso Recife. E também com o requinte dos cafés franceses e italianos, sem falar no brunch americano. Mas, não escondia minha predileção pelos mineiros nas primeiras horas do dia: fosse o pitoresco acervo gastronômico, material e natural das fazendas rurais tradicionais e rústicas, na minha hora mais feliz do dia -- a aurora da manhã --, fosse o refinamento, estilização, padronização e simplificação das pousadas na cidade.
No primeiro caso (o café pitoresco mineiro) pra falar a verdade muito ou pouco do que era servido não era uma questão: não se tomava por medida. E sim a qualidade da experiência. A mesa farta ou não, não contava. O lugar grande ou pequeno, com pouca ou muita atração, também não. O que contava mesmo era a natureza da coisa vivida, capaz de impregnar nossa experiência de memória. Sempre me refugiei nesse canto da essência pra fugir à morte imposta pelo cotidiano, pela rotina e pela repetição. Sempre tentei não sucumbir aos devaneios deletérios, drogas e surtos psicóticos de uma vida monótona, me refugiando nessas experiências do passado e dos sentidos, que moram na nossa imaginação. Pra não fugir à realidade em desespero, me impus a disciplina de um espírito livre, e desde pequeno me apeguei ao sonho, pra me salvar do massacre e amortecimento das HORAS. Viciantes e “nonstop” (na falta de uma palavra melhor, em português), ELAS sempre correndo, se fartam nos engolindo, sem condição de salvação. Ou, de restauração da psique ou do corpo. Nos consomem sem dó, em stress e cansaço. Esgotando nossas forças. Alimentando todas as doenças da alma. Nessa pressa. Nesse Vazio. Damas do aprisionamento, diabólicas. Assim ELAS galopam incessantes, sem páreo, ou descanso, cedendo à repetição desarrazoada e absurda de um Tempo sem sentido já há muito vivido abaixo da abobada celeste pelos seres humanos.
Desfrutei por vezes junto à “mesa” caipira, rica e simples, de momentos inesquecíveis. A cozinharia mineira integrada aos processos naturais de preparo dos alimentos, tantas vezes demorados, não era separada do entorno de delícias junto à natureza, entre bichos e seu habitat. Vivi um mundo de volições dos sentidos. Vivi outro tempo e modo de vida.
Numa dessas vezes, lembro do leite da vaca, quente, tirado na hora, que meu organismo fraco do sedentarismo e artificialismo da vida moderna exigiu ser fervido antes, pra evitar a contaminação por bactérias, dado meu organismo sem defesas. Mesmo assim, o bigode branco da espuma e o calor da bebida me marcaram. Tanto quanto o gosto forte e gorduroso do lácteo, estranho ao meu paladar, e contraditoriamente rejeitado e deleitado ao ser descoberto. Lembro de ter feito uma careta de nojo, e sentir ânsia de engolir por me parecer sujo e anti-higiênico. Falta de um contato mais íntimo com a natureza e seus processos vitais. Já, para os antigos, bastava um esguicho forte tirado da mole, lisa, tépida e pegajosa teta da vaca (pra mim enervante) pra, assim espremida contra a boca, sair quente ou morno o líquido, sem risco de fazer mal à saúde. Podia mesmo uma canequinha ir a reboque pra entornar o primeiro reforço da manhã. Aquilo, espumando, era misturado, muitas vezes com o sal ou a cachaça, pra servir de fortificante e despertador. O caboclo virava aquilo de um gole só, garganta abaixo, e estufava o peito, revigorado, nutrido horas a fio, numa explosão de energia, pronto pro trabalho pesado das primeiras horas do dia. Era ótimo pra curar ressaca.
Outra vez, na fazenda da minha amiga era costume passar o mel no pão. Nunca tinha ouvido falar nisso. Eu era menino. Tinha crescido na cidade grande à base de manteiga. Melhor, margarina. Cedo, antes de irmos ao curral tirar leite, fomos ao apiário. O irmão dela, apicultor, todo paramentado em vestimenta própria, máscara com véu contra picadas, luvas, botas de galocha, todo de branco, foi até o tambor da colméia, e de longe vimo-lo fazer toda a operação. Com cuidado, examinou a produção das abelhas, e tirou lá de dentro um torrão de favo, pingando o néctar. As abelhas em polvorosa o assediaram. Ele tirou o tanto quanto havia da cera fabricada, e estocou-a num contâiner de plástico, transparente, vedando-o, em seguida. Estávamos extasiados. O zum-zum nos chegava, e enquanto ele vertia o própolis no vidro esterilizado, sonhávamos com a hora de prová-lo. O favo mesmo foi posto na mesa da cozinha para chuparmos a seiva do mel de dentro da cera. Como esquecer! Eu pouco acostumado, achei que fosse me fartar, atraído e desvairado, com a pureza do experimento inédito. Tirei com a faca um pedaço de caber na boca, e logo enjoei, de tão doce. Quase me decepcionei por não poder mais. Então era assim, nem tudo que é bom demais, pode se ter em demasia. Às vezes basta degustar. É o caso do mel. Pelo menos pra mim. Mas, jamais saiu da minha cabeça o gosto da cera.
Nesse dia foi só isso o café da manhã: leite, pão e mel. E uma profusão de cheiros a me invadir o nariz, a bosta de vaca, a grama orvalhada da manhã, lá fora, o pêlo suado de cavalo - lembrando a textura da crina e do couro liso depois que o alisamos e distribuímos o sal na estrebaria -, o cheiro do chiqueiro dos porcos rosados, roncando enlameados, entre o roer das espigas de milho granadas, e restos de lavagem. E outro cheiro tão característico! A titica de galinha, dessas que ficam entre os galos garanhões, ciscando no chão do terreiro o milho encruado e a quirela, jogada de mãozada ... enquanto, nos poleiros, as teúdas e manteúdas chocam nos ninhos seus ovos de pintos. E cacarejam, cá e lá, batendo em vôo raso as asas, aqui e ali, depenadas.
Chegavam ali à cozinha, numa sinfonia, todas essas peripécias, batendo no olfato virgens suas essências.
Na cachoeira, pós-café, a macilenta argila escorregadia sob os pés e entre os dedos melequentos, estourando borbulhas minúsculas, e puns indecentes, apareceu marrom, como na gamela da fruteira, e na caneca de cerâmica, sobre a mesa da cozinha, lado ao lado com o copo de latão reluzente. E as panelas de argila queimada no fogão a lenha de alvenaria singela guardada de segredos, borbulhavam sobre a trempe de ferro fundido, o feijão preto colhido no roçado, fumegando a todo vapor, à combustão da lenha rachada, alimento do fogo avivado pelo sopro, espalhando a cinza das aches, em meio ao negro rastro de fumaça queimada, dos tições em brasa.
De outra vez, não esqueço, puseram-me na boca salivante o queijo mofado, maturado na dispensa úmida e fria, sob condições artesanais de preparo e cuidado. Um quartinho escuro, mal iluminado, com estantes de tábuas de madeira velha, onde descansavam os queijos redondos cobertos por uma fina camada de casca de fungo, eram protegidos por um véu de tule, a cair do móvel, pra livrá-los da ação indesejável de moscas, mosquitos e varejeiras. Um cheiro acidulante e azedo, penetrante, enzimático e lácteo, subia pelas paredes do cubículo, sintetizando a microbiótica e o ambiente. Mereci levar um exemplar desses pra casa, e casei-o com o doce de leite, figo, cidra, goiabada e o melado nas compotas cheias tiradas do tacho de cobre gigante da propriedade.
Na cidade, na pousada (no segundo caso, em que se tem o café refinado), a refeição matutina era um banquete de encher a boca d’água. Diversidade de pães doces e salgados: à base de ervas e farinhas de todos os tipos; bolos; biscoitos; bolachas; broas; queijos; requeijão; pão de queijo; torrada; café expresso, para além do de pano da vovó, e o de coador; leite; chás; sucos naturais de mamão, laranja e melancia; iogurte; coalhada; mel; geléias; frutas como melão, mamão, melancia, banana e abacaxi; ovos mexidos; fritada de cebola, tomate, presunto, queijo e cebolinha (ou omelete, irmã gêmea, com recheio a gosto); panqueca; waffle; salsicha ao molho; cereais; achocolatado; e uma mesa de doces.
Agora, tratava-se de pernoite. Não esbanjara na estadia. Local simples, seguro, bem localizado, módico. Do porto logo ali do lado partiam os barcos de passeio para as praias do litoral da Bahia. Meu pacote incluía um percurso que cobria quatro delas em cinco horas. Com direito a permanecer por dois dias na última para aproveitar mais a viagem. Dali, era por conta de algum inusitado curioso, ir além e, nos confins do mar, muito além da orla praieira de Cabo Coral, combinar com o canoeiro, personagem envolto em mistério da Ilha Perdida, ir até a mítica Ilha do Pescador. Lugar remoto, de todo perdido no horizonte das rotas de pacotes turísticos paradisíacos. A ilha inspirava assombro e mistério, para os que dela se aproximavam com suas estórias de pescadores, e antigo porto baleeiro.
Eu tomara o cuidado de separar o que achava necessário para além da travessia, guardando aquele vestuário para os dias frios da noite e o calor intenso do dia. Fora precavido. Ficaria uma tarde na misteriosa Praia dos Sambaquis na Ilha do Pescador, eventualmente visitando outras praias, quando o barco de volta me recolheria para a cidade mais próxima, muito além da laguna, a milhas e milhas de distância.
Na cidade, junto à baía, as ruas de pedras lisas cobriam o entorno do centro histórico, ramificando-se tortuosas e estreitas, entre as casas, solares e sobrados coloridos, que ora descortinavam nas treliças de seus avarandados e sacadas, tapetes patchwork álacres, feitos pelos artesãos locais, arejados nos dias de faxina, ensolarados. Uns chegavam a ser tão bonitos que não passavam despercebidos ao olhar sensível de um fotógrafo, pronto a revelá-los em suas cores vivas e puras, contra o fundo preto-e-branco de uma fotografia.
Era em contraste com essa paisagem quase térrea, encimada e engolfada pelo céu imenso, que subindo por ladeiras até a parte mais alta dos principais bairros que davam uma vista privilegiada do contorno de toda a orla praieira, que se podia ver bem mais além a quase perder de vista, como um ponto branco, sob um rochedo na imensidão do mar, a partir dos arredores do cais, o Farol, referência da principal praia da baía, destacando-se acima da plataforma do forte, na arrebentação das ondas, solitário e hirto, acalentando os navegantes necessitados de orientação, e estampando toda sua tradição nos cartões postais da costa do continente.
A pousada ficava ali, entre a parte baixa e a parte alta, não sem contar com transporte à mão para os deslocamentos entre as duas. A distância até os barcos era irrisória, de uns dois quilômetros, podendo ser feita a pé. Mas, devido a algum desconforto da bagagem, desencorajava o percurso. Sendo inevitável contar com um Uber para checar nas baias numeradas do ancoradouro, as placas de metal ou pirogravuras de madeira, com o desenho do barco e seu nome de batismo, para o embarque. Eram acorrentadas nos mastros de amarração dos barcos. Cada uma parecia como um bom cartão-postal à base de maçarico. Obras de arte popular, fruto do trabalho artesanal anônimo.
Saindo da porta da Pousada dos Diamantes até a Galera do Albatrozes, mais à direita do ancoradouro, não se levava mais do que cinco minutos. Assim, André, contando com tempo, mas não querendo correr nenhum risco de atraso, antecipou-se na saída, ainda atrás do sol, para evitar tumultos e imprevistos.
Desceu na terceira plataforma, sobre a esteira de ripas longitudinais, rijas, compactadas e grossas, suspensas do ancoradouro, tendo visto ao longo do caminho conjuntos de pontos de luz tremeluzentes das lanternas dos celulares, esparsos, dos grupos de turistas, que iluminavam a baixa noite, enquanto aguardavam a aurora. Contava que, dentro em breve, os tons mais claros do céu desceriam, anunciando a manhã e com ela o sol, previsto para brilhar aos 25 graus Celsius, às 10 horas. À sua frente, as silhuetas dos companheiros de viagem resplandeciam contra o amarelo ocre da luz dos pequenos holofotes, e o marulho das águas ao fundo trazia um dejà vu, sobre a sombra flutuante do breu das embarcações, cobertas de frio pela brisa, e sereno da madrugada. Havia poucos tocos de madeira, e algumas pedras do mar, que serviam de assento, junto à cerca lateral. As mulheres e os mais velhos se revezavam à espera da partida. Ainda era pouca a conversa. Nenhum contato, quase. Tudo era silêncio, murmúrio e quietude. Apenas um homem andrajoso, em seus avantajados anos, comido pela calvície, em meio aos fios brancos despenteados, e a dura barba rala por fazer, permanecia andando de um lado pro outro, inquieto, a fumar um cigarro de palha, e a bater contra a coxa uma velha boina puída, marrom. Vez ou outra passava a mão na cabeça, o olhar cabisbaixo, aflito. Mal esperava pra sair do lugar, parecia. Os demais, poucos em pé, com as mãos nos bolsos, ou braços cruzados e, mais além, algum outro sob a fumaça enevoada de um cigarro, ou ainda algumas crianças, entre seis e dez anos -- encolhidas no chão e com as mãos nos joelhos --, davam a idéia de seres bem comportados, íntegros, limpos, bem vestidos, bem agasalhados, bem nutridos e bem protegidos. Longe das cenas torpes e sujas dos pederastas de cais, que inspiravam um Jean Genet, envoltos em decrepitude nos arredores dos becos, escuros e fétidos, da cidade baixa. Ou dos bares e puteiros a la Charles Bukovski, que podiam servir de um imaginário marginal nas proximidades das zonas de decadência, fosse esse o caso da nossa cidade costeira.
Não devia haver muitos mais a aparecer, já que a tripulação deveria ser pequena, pois o barco não era muito grande. A essa altura, não se constatava excitação alguma, apenas rostos pendentes, entre o sono e bocejos, conquanto felizes, por embarcarem numa relaxante e contemplativa aventura.
Em pouco tempo mais gente apareceu. Até que a luz tomou no céu os seus primeiros contornos de rosa, lilás e anil, convocando o dono do Albatrozes a fazer soar o apito, ensaiando um primeiro sinal de que já era hora de embarcar. Uma fila se formou, sob a orientação de um ajudante de ordens, que checou toda a documentação. Embarcou um a um, junto à prancha que subia até o piso do barco. Em seguida, foi dada a partida nos motores, e cinco minutos depois, soaram dois avisos sonoros, graves, para anunciar a saída. Estávamos todos a bordo.
O sono se dissipara. O ar dos pulmões se renovava a pleno vapor. O timoneiro era o próprio capitão, sob o comando de seu próprio navio. Era um tipo reteso, enegrecido, boa-praça, de boa estatura, barba grisalha, com pinta de marinheiro, trajando uniforme branco impecável, e um quepe da Marinha de fato, mas em vez do cachimbo “de poppye,” trazia na boca uma cigarrilha, quase sempre acesa, como companhia. No peito vinha o patuá. A fé no Guia. O cordame de Ogum. Azul, verde e branco. Aliás, o capitão tinha por apelido, esse mesmo nome capitulado: todos o chamavam Capitão, somente. Sua história era cheia de audácia. Tão acostumado a estender seus sonhos por outros mares e praias, acabou por fim, por se recolher na rota do passeio turístico, de curta duração, só pra não se aposentar. O Albatrozes era homenagem a uma travessia que fez à Antártica em meados de 1980, num outro barco especialmente construído para isso: o Escuna Extremo Sul I. Ele, o Capitão, foi “presenteado” no inverno, sob forte vento, por uma maciça presença de albatrozes em mar aberto. Isso registrou na mente dele o significado do infortúnio por que passou, na ocasião. A escuna passou por uma travessia perigosa, e encalhou num bloco de gelo, embicando de quilha, sobre ele, criando assim dificuldades para se desprender. Foi necessário esperar por uma movimentação das placas de gelo, o que durou cerca de uma semana. Nesse intervalo, temeu-se que ambos os tripulantes, ele e o companheiro de aventura, sofressem um naufrágio, caso houvesse alguma avaria, assim que solto o veleiro. Foram dias tensos, em que pouco se podia fazer, apesar do uso de ferramentas especiais para tentar abrir trincas no gelo. Por fim, a sorte os recebeu, e uma nova acomodação do gelo abriu caminho para içar velas. O casco intacto.
Mais tarde, como nos contou, ele mesmo diria: “Ainda que esses breves momentos de angústia não superassem tantos outros piores na história da navegação, ainda sim a presença dos albatrozes com seus guinchos era reconfortante naquele isolamento acústico, só quebrado pelo eco do ar gélido escalando as altas paredes das calotas polares; ainda sim, era reconfortante a presença dos albatrozes naquele referencial inerte, em que tudo se movia, menos nós, entediados de centro, envoltos em puro azul e branco, entre céu e mar, dia e noite. Só mesmo o bico preto das aves, cruzando o ar, para nos livrar da monotonia, e nos fazer brincar de novo; ainda sim era reconfortante, porque não estávamos de todo sozinhos, apartados da civilização. Havia sinal de vida. Era bom tê-los. Simbolizava na pior das hipóteses, que tudo ia bem. A vida seguia. Não era mau agouro. Apenas uma lembrança do infortúnio, em meio ao qual ficou uma lembrança boa deles.”
Essa e outras histórias faziam parte do currículo de vida do navegador e aventureiro, que explorou toda a costa atlântica brasileira, e parte da pacífica onde as águas banham países da América do Sul. Realizou, aí, inúmeras transações comerciais via o transporte náutico, e se rendeu ao ardente desejo de desbravar novas experiências, tanto no continente quanto em alto-mar. Saíra bem jovem da Bahia, e a ela retornava próximo ao fim da vida, sem nenhuma ambição, apenas a de descansar e deslumbrar-se com o vai-e-vem dos turistas, e das embarcações. Nos últimos três anos, chegado à terra natal, registrava diária e secretamente em seu íntimo, sob olhar atento e amiúde, as mudanças havidas desde seu tempo de menino. Já não era mais constante o desfilar sábio dos fenômenos naturais. Eles já não seguiam uma ordem própria, consoante a harmonia com o Todo. O ritmo da natureza estava quebrado, e não havia volta. Isso todo mundo sabia. O mar continuava um mistério, mas tinha perdido o encanto.
O sol frio ameaçava pairar sobre nossas cabeças, e não havia esperança de que o vento se aquecesse tão cedo. Levaria um tempo até que os motores fossem reduzidos a uma potência mínima, e o mormaço nos alcançasse trazendo à tona os cardumes de peixes. Chegada a hora, o Capitão, então, nomeou-os um a um. Também fez questão de dar uma idéia do ecossistema subaquático marinho, sem se esquecer de pontuar as principais ações dos órgãos de preservação do Santuário das Baleias: os CPFA (Centros de Pesquisa e Fiscalização Ampla), e suas subdivisões segundo as especialidades técnicas de cada órgão, tanto em terra quanto em mar; e, os CPFR (Centros de Pesquisa e Fiscalização Restrita), igualmente subdivididos segundo as especialidades de cada área técnica, vinculadas aos respectivos órgãos, voltados para as comunidades praieiras no entorno do Projeto Piloto, e ações específicas a se desenvolverem no controle da qualidade do mar e sua orla. E presidindo essas duas chaves principais do organograma com suas subdivisões, estava o NPSB (Núcleo Preservacionista do Santuário das Baleias), que com base no seu Projeto Piloto, subdividido em áreas do entorno de preservação, integrava ambos os centros já mencionados, mas com interface para o Turismo. E como estandarte simbólico mantinha a mínima gestão de operações na pedra do Forte, onde ficava o Farol. Com atenção para o que se passava próximo, no mar. Assim, havia uma equipe de salvamento e primeiros socorros, e de controle da área de turismo (manutenção da infra-estrutura de banheiros e trilhas, gestão do museu da baleia, suporte à equipe de mergulhadores e apoio ao comércio ambulante). Havia uma parceria com a Marinha, no controle da entrada e saída dos barcos, não podendo exceder em 345 os visitantes com acesso à pedra. Disso se estimava o número de barcos a acederem ao Farol.
Mais uma vez forçados os motores, o atraque no nosso destino era breve: questão de vinte minutos; até lá, vídeos e fotos flagrariam a passagem dos golfinhos, não prevista no script. Tempo para risos, chats e conversas. Grupos de casais, amigos, familiares e empedernidos solitários, como eu, ali, confabulavam, enfim. Não podia faltar, contudo, o Capitão. Imortalizado, mais uma vez nas tantas imagens.
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Mostra de Cinema Infanto Juvenil da Ilha apresenta programação gratuita no Cinema Sesc Deodoro
O público poderá desfrutar de pipoca e refrigerante gratuitamente nos dias 10 e 11 de outubro
A primeira edição da Mostra de Cinema Infanto Juvenil da Ilha anuncia sua programação aberta ao público, oferecendo uma experiência cinematográfica gratuita nos dias 10 e 11 de outubro, no Cinema Sesc Deodoro, em São Luís – MA. As sessões terão início às 18h30 em ambos os dias, e os ingressos serão disponibilizados gratuitamente na bilheteria do cinema. O local está sujeito a lotação. Além disso,…
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Câncer infantil: diagnóstico precoce é fundamental
O Instituto Nacional do Câncer estima que, a cada ano, mais de 8 mil crianças e adolescentes sejam diagnosticados com câncer no Brasil. Atualmente o índice de cura é elevado, principalmente pelo avanço nos tratamentos de quimioterapia, radioterapia e transplante de medula ��ssea. Entretanto, apesar desse avanço, as neoplasias representam a primeira causa de óbito por doença, entre pessoas de 1 a…
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Confira esta postagem… "[Review] O gênio do crime (livro) - Divagando Sempre ".
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Vinte apresentações na agenda de Natal do Coral Infantojuvenil Arte Maior
Depois de encantar um público de 38 mil pessoas na Abertura do Natal de Joinville, na noite de domingo, 12, o Coral Infanto Juvenil Arte Maior afina as vozes para um roteiro de quase vinte apresentações, nos dois projetos que o grupo preparou para este fim de ano. Desde 2014, o coral, ligado ao Instituto Arte Maior, ajuda a espalhar o espírito natalino por Joinville, participando de eventos em…
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"O anjo bom e o anjo mal. Um pousado à direita e o outro à esquerda do meu ombro. Enquanto um me dava carinho, o outro me seduzia. Nessa encruzilhada, tomei pela primeira vez um caminho que ainda iria repetir várias vezes na vida. Entrei o que poderia dar certo e o que certamente iria acabar mal, escolhi a tentação do erro.
Às vezes acho que no fundo a gente gosta de sofrer. Talvez estejamos mais preparados para isso do que para amar. A gente é criado ouvindo tantas músicas sobre romances fracassados, vendo filmes cheios de desencontros, lendo histórias repletas de amores sofridos, que acaba acreditando: se um dia a felicidade vier, será no final. Um belíssimo happy end que ponha fim às nossas trapalhadas. Se o amor estiver por aí, na ponta do nariz da gente, pronto para ser apanhado, não tem graça. Ele tem que ser caçado, conquistado, como uma paixão avassaladora."
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Os 10 Melhores Livros de História Infanto-juvenil
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A Novata (on Wattpad) https://www.wattpad.com/story/158672461-a-novata?utm_source=web&utm_medium=tumblr&utm_content=share_myworks&wp_uname=Lady_coruja&wp_originator=8MZSefrOAsHbq%2B2nJhHc7NfAndv5O3dh5y0oBlyP4cEW94qNHd8tel2%2FbEUd1NAgnV3tWAcgdshaFVP16o3dLQFyIuP4ojlUnRPXZhlJQzmtv%2BCqa2K%2BiZ%2FWmqGtC8%2FI ESTE LIVRO, É DEDICADO A MINHA FAMÍLIA E AMIGOS. ESPECIALMENTE, A MINHA MÃE E MEU FALECIDO AVÔ, QUE SEMPRE ME APOIARAM. ♡ E MEU AMADO GATO PERSEU QUE SEMPRE ME ACORDA PARA ESCOLA. Dedicado a todos aqueles que sonham e escrever um livro, mas, todos nos sabemos que não é tão fácil assim, colocar no papel as ideias que surgem em nossas mentes... me desejem sorte. A partir do capítulo nove o formato da escrita e narrativa pode mudar, pois não seria mais a mesma pessoa. Garota de 13 anos vs garota de 20. Qualquer sugestão, críticas construtivas são bem vindas, não hesite em mandar mensagem. Obrigada! ♡
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⚠️Alerta de spoiler⚠️
Um spin-off do livro que inspirou o conhecido filme dos estudios gibli, castelo animado. Se passando anos depois, somos guiados por Charmain, uma garota que não tem muita experiência em nada além de leitura. Ela é obrigada por fatores externos a sair e aprender se virar sozinha, pelo menos por um tempo, na casa de seu quase tio avô William que por acaso é um mago. Em algum momento do enredo ela acaba dividindo a casa com um garoto, também mago e parece ser disléxico. Alguns dos personagens antigos da autora aparecem, Calsifer, Sophie, howl- transformado no garotinho Faísca- e o filho do casal 🥹, encontam Charmain por acaso, em meio a um trabalho.
É uma jornada de crescimento perfeita para seu público, embora assim como outro livro da autora, eu tenha achado um pouco simples e com muitas coincidências durante o enredo. Embora seja uma jornada de crescimento a personagem não parece ter crescido no final. Não dá muito foco a história dos personagens, mas não parece ser um problema aqui, como se a autora só quisesse contar os acontecimentos. O universo acaba ficando limitado a visão de Charmain. O livro acaba enrolando muito para no final só resolver tudo de uma vez, o que parece um problema da autora.
⭐️⭐️⭐️ 6/10
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SEQÜÊNCIA 13 - A ILHA DO PESCADOR
Bateu à porta. Uma lua cheia guiou-o pelo caminho. E na fina réstia iluminada das frestas vinda do interior da moradia, achou esperança de chegar em boa hora.
Saulo apareceu. De novo, a cuia. Só que dessa vez cheia de carne de baleia e farinha de mandioca passada na água, fazendo um pirão. Juntou entre os dedos um punhado, e deu uma bocada. Fez sinal pra André entrar. Lambeu os dedos, fechando a porta com o cotovelo. Foi até o cabideiro horizontal, suspenso na parede, e dum lado do alforje tirou uma cumbuca de bambu, dentro da qual distribuiu mais alimento, tirado da tigela à mesa, para servir André.
Este comeu a contrafeita. O primeiro gosto do pitéu contraiu-lhe o estômago, entendido agora porque a carne não era apreciada na mesa civilizada, como se lia no diário. Teve a impressão de ter lido em algum lugar serem os japoneses uma exceção. Enrugou a cara sem demonstrar. O engulho cresceu demasiado sem a careta.
Farto o desjejum, os preparativos para zarpar deram na beira d`água. Tatuís esperavam enterrados na areia. Também ali, num furinho, foi ter Saulo, com um cano de bambu, de onde saiu um corrupto, afundado no bater das ondas. André se admirou.
Percorreram mais a beira da praia entapetada de pequenas conchas, que foram aqui e ali coletadas num “saco” de vime, e jogadas enfim num grande baú de couro de crocodilo, cheio da água do mar, aonde iam parar as demais iscas. Em meio a esse trabalho, surgiam aqui e acolá, siris no vai-e-vem da maré, indo lá os catadores de conchas ao encontro deles.
A essa cata, para o primeiro pescado, seguiu-se a manobra para içarem as velas, sob o frio da manhã ainda nascente. Saulo desfez o nó da quilha, da corda atada, na outra extremidade, ao pino de pau tosco sob a areia, e com a ajuda de André deslizou o casco até as espumas, espargidas sob os pés descalços, e ondeadas, até a altura da canela. Num impulso, ele venceu, com destreza, a baixa rebentação, saltando o costado. Estabilizado o balouço, imitou-o André. Meio desequilibrado.
Um tronco de jangada acabou de embalar a saída pra longe do banco de areia. Saulo fez esse movimento de empurrar e tirar a verga da água, até não mais dar pé. Na esteira de Saulo, agachado à popa, André arrastava do fundo, com um arado rudimentar, um lodaçal de algas verdes, despejando-o num balde ripado de madeira, usado pra fazer argamassa. Uma vez lançados ao mar, enfrentaram a suave vagação, à força de remo, até o ponto de lançarem a rede. Velas recolhidas, eles plainaram na brisa e na ondulação, protegidos pelas blusas de frio e calças compridas. O blusão de Saulo, imitando as mantas alérgicas amarronzadas, de outrora, usadas nas casas dos avós de André -- cheirando a mofo, e finamente espessas --, vinha tal qual salpicado por diminutas pintas vermelhas, verdes, amarelas e brancas, encimando a blusa de linho cru, trazida sempre aberta no peito. A alpercata de couro preto, trançado, compunha o resto do seu conjunto, com o linho da calça. André destoava dele com a regata por baixo da blusa de moletom, junto com a calça de cambraia, e a sandália de dedo.
O primeiro arrasto trouxe junto a pequenos peixes, camarões – um marisco fortemente atrativo para uma grande quantidade de peixes. Na sua esteira, um pouco além, veio um molusco, lulas. Trazido a bordo, antes da passagem de um cardume inesperado de sardinhas. Acumulados em boa quantidade, garantiam uma série de batidas. Mais à frente, se precisassem tinham ainda, nos costões, os mexilhões para serem iscados.
Passaram o resto da manhã sem palavra, apenas moxixos, entre um comando e outro da pescaria. André, sempre de olho, pegava a manha de botar uma isca na pesca do peixe certo. O primeiro a ser pego foi um pampo. Na boca do qual foi morrer um tatuí. Que atraiu o peixe pelo seu movimento, preso no anzol pela carapaça. Depois foi a vez do sarnambi dar o seu show: a conchinha. Também, balançando, com um toquinho de seu corpo só pra fora do anzol, fez-se apetitoso para o seu predador. André viu Saulo preparar a isca: este pegou do molusco, espetando-o no anzol, por cuja ponta passou trançando-o três vezes. Fixou-o então na parte superior com uma linha, para que não escapasse fácil. Esse cuidado com a fixação também era exigido na hora de iscar o siri, que tinha o corpo muito mole, retirada a casca bem dura. Outro segredo, que descobriu André, foi esfregar bem o corpo do camarão contra a linha do anzol para liberar seu cheiro, e aguçar ainda mais o interesse de seus admiradores. A lula, por sua vez, tinha fama de não se soltar fácil do anzol. Mas, era preciso prepará-la: primeiro, com as mãos extraía-se a cartilagem enrijecida, em suas costas, que retinha a tinta em seu interior: a “pena”. Segundo, ainda com as mãos, arrancava-se os tentáculos. E, por último, com uma faca faziam-se anéis de 0,5 cm de espessura, da sua parte superior, transformando-os em seguida, em filamentos, deixados um dedo pra fora do anzol.
Entre um turno e outro em que Saulo chamava os peixes, André tinha tempo de espiar no diário, mais um registro. De início, Saulo, estranhou o atrevimento do menino de trazer consigo um objeto tabu do Pescador. André confessara ter bulido em suas coisas, e que planejava inventar uma história com base no que descobrisse ao longo de sua viagem. Sem entender direito aquilo, Saulo deixou de lado a repreensão, e voltou a ter com suas prendas.
André leu:
Morei 52 anos nessa ilha. Percorri cada palmo de terra e braço de mar e de rio. Desvendei todos os seus segredos com sua gente sábia e encantada. Mirei a ponta da minha lança no meio da cabeça de cada baleia que abati, até os primeiros dez anos, após minha chegada aqui, não mais para manchar-me de ambição irrefletida e maldade insana do sangue emplastado delas no meu condenado juízo, mas para alimentar a quem precisasse.
Noutro trecho, a página virada mais atrás dizia:
A Festa da Baleia, em fins de setembro, quando se encerrava a temporada de caça, na armação da baía, era comemorada na minha rua - a principal do povoado - junto aos pescadores, com grande pompa, como um carnaval. De dia, a igreja era invadida por fiéis, e de suas escadarias saía uma enorme baleia rosa, confeccionada de estrutura em arame, revestida de isopor, e envolta num panejamento propriamente costurado para conferir-lhe a feição devida. Vinha cheia de fitas e lantejoulas, coloridas, até o mar, onde era lançada em grande algazarra, numa jangada.
... Na ilha, a cerimônia era muito mais singela: era servida a sopa da carne de uma baleia, quentinha, com pão, pra agradecer a fartura, e render a esses cetáceos, sagrado apreço e mimos, enquanto verdadeiros totens do mundo à nossa volta, em que a jubarte reinava incólume desde tempos imemoriais. Ali, a caça era sem tempo, mas conhecia um único propósito: alimentar os aldeões. O dia da oferenda coincidia com o de maior afluxo dos vários espécimes que faziam da ilha o local de passagem para águas mais quentes.
Posto isso, de repente, num assomo de incredulidade, postou a meio palmo de André a visão do andrajoso. Veio calmo, e sentou-se ao seu lado. Tirou a boina, como da outra vez, e olhou o diário, dizendo:
- Vou lhe contar uma história:
Nem sempre essa ilha foi um refúgio de paz. Houve um dia em que tudo desmoronou. Após uma tempestade fatídica, sobre ela se abateu um verdadeiro massacre. 1947. Foi o ano. Com a bonança, no dia seguinte, vieram os navios baleeiros prontos pra matança. Sacha era uma baleia jubarte sob a mira dos canhões. Como milhares delas. Com a diferença de que ela nutria por um homem uma amizade sincera. E vice-e-versa. No dia em que foi alvo dos ataques, ela tinha 50 anos. Ele, 92. Se conheceram em 1912. Ele na altura dos 57, e ela na altura dos 15. Estava a caminho de dar cria ao seu segundo filhote: Sancho. Na ocasião, Tico, o mais velho, de apenas 1 ano, encalhou na praia, e foi salvo pelo seu benfeitor -- o tal homem -- com a ajuda de todo o vilarejo. Sacha nunca esqueceu o gesto daquele homem, o mais devotado de todos, que agiu como se não contasse com mais ninguém. Administrou as bandagens por todo o corpo do baleote, para evitar queimaduras do sol, e manteve controlada a temperatura com intermináveis banhos de baldes de água do mar. Até que a providência maior mandou uma maré mais alta, e o desenganado, conseguiu desvencilhar-se da areia, deslizando pelo mar adentro. Continuaram os contatos entre eles ano após ano, com momentos muito felizes. Em 1924, no entanto, uma tragédia deu cabo à vida do outro filhote, Sancho. Novamente o homem tentara salvá-lo -- como ao outro --, dessa vez do ataque de um tubarão. Mas, foi em vão. Em contrapartida, foi ele mesmo, salvo pela baleia que, milagrosamente, livrou-o dos dentes do assassino. Daí, por diante, suas histórias se entrelaçaram, ainda mais, e todos os anos pelo resto de suas vidas, renovaram os votos de camaradagem, à presença de Tico, o mais velho.
No dia em que chegaram os baleeiros, o mar estava calmo. As ondas domadas. Quase não havia marola. O homem sem prever a calamidade, botou-se a desenhar à ponta de um lápis-carvão o animal que tanto o admirava. Desenhou-lhe a cauda, marcando em cada traço a sua característica. Uma digital. Não demorou dois minutos, o tempo de guardar o esboço numa caixa, os sanguinários abriram fogo contra os cetáceos, com seus arpões de lanças explosivas, a partir de canhões. As jubartes eram os principais alvos. Poucos da espécie submergiram vivos.
Num ato heróico, o homem intercedeu a favor de Sacha, e a meio caminho dela e do baleeiro se interpôs para evitar que fosse atingida por um arpão. O barco em que estava não agüentou a força das águas insurgentes a reboque do grande navio, e virou, naufragando no oceano, depois de ser destroçado no impacto.
Não sobrou alma viva pra ressuscitar o homem. Esse morreu, no fundo do oceano, sem salvar sua amiga e companheira, que também soçobrou depois de ter os miolos estourados pela ponta de um arpão explosivo.
André não sabia o que dizer. A presença daquele velho o perturbava. Ou fosse o que fosse. Saulo parecia não notá-lo. Claro que não. Ou teria se virado, dito algo, esboçado reação. Não fosse mesmo uma aparição, o outro o perceberia. Mas, por que André? André começava a duvidar de suas faculdades mentais.
Num ato impensado para se ater ao mundo real, recorreu ao diário, folheando a esmo algumas páginas. Perturbado, deu num esboço de um desenho. Olhou bem, e quase não acreditou: era a cauda de uma baleia. E no lado, a descrição dizia: Sacha.
Se o tal homem da história, era o Pescador, o que o andrajoso teria a ver com ele? Como sabia da tal história? E se sabia, como explicar sua aparição? Ele tinha que ser real, de alguma forma.
Quando se voltou pra fazer as perguntas, já não havia mais ninguém lá. Mas, uma cena mudou todo o seu semblante. Atrás de um grupo de jubartes, não muito longe dele, um indivíduo seguido de outro em seu rastro, exibia uma série de posições na água. André, capturado pela rara exposição, empunhou a câmera, em zoom, e registrou o cetáceo em várias modalidades de salto. Repassou as fotos pra ver, e o padrão que viu na cauda, não lhe passou despercebido: era o mesmo que a pouco conferira nas linhas do desenho. Sem acreditar, garantiu, era mesmo Sacha.
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Sexta passada teve abertura de exposição na Gibiteca com os desenhos originais da Márcia Széliga para o livro 'O mundo assombroso', de Luiz Antônio Aguiar. Teve distribuição do livro com direito a autógrafo e rolou uma oficina de desenho com caneta esferográfica no sábado.
A Márcia é uma inspiração pra mim como ilustradora de livros infanto juvenis, desde a época da faculdade quando usei o livro 'Ouvidos dourados', ilustrado por ela, como uma de minhas referências para a monografia, então passei a conhecer e admirar seu trabalho. Sobre a oficina quero dizer que foi muito legal voltar a desenhar com caneta esferográfica e receber dicas preciosas!
A parte mais difícil é ter paciência (eu já saio querendo riscar tudo) e lembrar de limpar a caneta, senão borra tudo 😰.
Desculpem o textão, mas eu queria muito falar um pouco da Márcia, fiquei muito feliz em conhecê-la, embora não tenha conversado com ela porque sou uma siriema (segundo o meu marido, pois só observo de longe e corro se aproximarem 😅).
É isso 😊 (em Gibiteca de Curitiba)
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A importância do diagnóstico para o câncer infantojuvenil
O câncer que acomete a criança e o adolescente, até 19 anos de idade, é considerado raro quando comparado aos tumores que afetam os adultos. Cerca de 1% a 3% de todos os tumores malignos na maioria das populações ocorrem em crianças e adolescentes. “A principal diferença entre o câncer infantil e o câncer de adultos, são os tipos de células afetadas e a velocidade de progressão. O câncer…
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#atentas aos sinais#brasil#câncer infantil#câncer infanto-juvenil#diagnóstico#diagnóstico precoce#neoplasias#Notícia#oncologista pediátrica#sintomas
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Ainda não consigo fazer isso, mas vou conseguir porque eu quero e estou treinando, e tudo na vida é uma questão de vontade e de treino, foi a vovó Purpurina quem me disse.
Fanny Joly em Angelina Purpurina (p.10)
#Fanny Joly#Angelina Purpurina#livro#frase de livro#infanto-juvenil#história#engraçado#ritadcsc#perseverança#não desista#Milk Shakespeare
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"Tudo que eu queria era me sentar e ler um livro"
Essa é a frase num cartão que veio junto com o terceiro livro do box Castelo Animado, da editora Galera Record. O livro é escrito por Diana W. Jones e é uma ótima leitura para fazer na viagem. É muito agradável de ler, assim como o Castelo Animado, e tem uma dose de mistério que anima o leitor a continuar lendo a cada capítulo. Esse livro vai fluindo até que você vê que chegou ao fim e você fica com aquele gostinho de satisfação. Recomendo muito a leitura, tanto desse livro em específico, quanto do box inteiro. São livros lindos e bem acessíveis.
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