Tumgik
#godriguesteixeira
godrigues · 6 days
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O precipício é sempre maior visto de cima.
Guardo bolachas nas gavetas debaixo da televisão e achei que já não me incomodava. Jogo tetris no frigorífico entre tupperwares e cincos tipos diferentes de queijo embora não os assalte diariamente. Tenho um caderno azul na mesa de cabeceira a lembrar o meu punho que já gostou de escrever a caneta. Agora cansa-se. Canso-me. De ver as caixas de cartão e todos os bonecos e letras dos jogos que acumulo sem poder ao certo receber a casa. Receber em casa. Já fui do povo, agora não sei a quem pertenço. Se ao familiar vento que arrebata o mar contra a capela, se à novidade dos caminhos que são mais difíceis de encaixar. Estamos gastos pelos dias que deixamos de contar. Como as cruzetas no guarda-fatos, que até é grande. Comprei mais gavetas, daquelas que se penduram. Não contam se não tocarem no chão. Capitalismo. Consumição. Gosto de ver as diferentes cores dos diferentes bonecos das diferentes memórias que me constroem, diferente. Recuso-me a estragar mobília neste espaço temporariamente mais extenso que o planeado. Ainda não larguei os planos. Ainda não aprendi. Talvez não seja tão inteligente como me ache ser. Ou não seja o que ache saber.
Fui do povo. Agora já não sei, mas ainda o tenho. Comigo, nas peças que espalham a boa nova pelo mundo. Nas sementes que se multiplicam pelos genes. Nas metas cruzadas anunciadas no privado de uma cumplicidade ainda nua. Celebra-se a nudez da alma. Não há pudor, apenas a dor que partilhamos. Apenas o amor que celebramos. O que desenhamos na nossa forma geracional de contrariarmos a corrente. Contrariarmos o que nos foi deixado. Aceitamos a herança, mas reconhecemos as rachas por onde entra a humidade. Não fechamos os olhos. Isso não demonstra respeito. O orgulho leva-se ao peito, e não pelos sussurros nos bancos de jardim. Não ao preconceito.
Abro o esterno. Escorre o sangue, interno, e dou mais um pedaço para o povo morder. Serei ainda do povo se não confiar que não o vou perder?
13 | 09 | 2024 | sótão
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monstrosemcompanhia · 10 years
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you are wow in a world of blah.
Godrigues Teixeira
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godrigues · 13 days
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falta
Um barco sobre a corda A boia a navegar Laranja, de branco salpicado Diamantes pelas ondas a contrastar.
O vento entre as folhas Areia, terra e lama no chão. Raízes castanhas agarram-me Perco a força, entrego o coração.
Um mergulho sobre as linhas O cloro desencanta a gaveta Apneia azul do corpo esticado Costas, livre, borboleta.
Uma montanha sobre a noite Atenta sem adormecer O amarelo do grilo fugido E a cigarra a cantar, como se a sofrer.
Tenho as teclas e a luz no ecrã, Anseio a floresta, o monte, praia, piscina e mar. Consegues juntá-los num novelo? Na minha mão, pode ir até ao cotovelo. Mas não deixes nenhum faltar. Pois qual deles me quer mais não consigo decifrar.
06 | 09 | 2024 | sótão
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godrigues · 20 days
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É estranho.
A ânsia da adrenalina compensada na balança pelo tremor intrínseco como a febre interior que tanta fama tem. Como cão que ladra. Não cheguei ao ponto. Mas cheguei a um ponto. Foi para isto que trabalhei. Todas as peças trouxeram-me a esta praia, e recuso-me a morrer nela. Ainda é cedo, embora a sensação é que estamos sempre no atrasado. Sempre tarde. Uma passadeira veloz a qual subestimamos o passo, e o quão difícil é sair dela quando já te habituaste ao ritmo. O quão agressivo é lutar contra o instinto de te manter a correr, pois já sabes as linhas do chão e o padrão da intensidade. E todos te dizem para o fazer. O crime de não continuar. Como julgar um rato na roda. Sem queijo. Volto ao vício lutando por me desvincular dessas vontades. Não são minhas. O plano era este, e ao mesmo tempo custa voltar a ele. Como uma curva apertada a subir o monte. Mete-se a primeira. Não há espelhos. Confirmo os atacadores apertados e salto. Era esse o tempo que queria recuperar. Retomar. Manifestar como meu e dos meus sonhos. Dos meus planos. E dá medo. Tenho medo do tempo que me parece agora possível de conquistar. Deixar a passadeira como a ferramenta que precisei, e tirar-lhe o holofote. Fechar os olhos ao público. Não preciso das palmas. Não para isto.
E é agora. É a curva. Aperta-se e não sabes se vem contramão. Do mar agradeces as correntes, mas as ondas da areia enganam-te o pé. Respiras fundo. Abraças o sal. De tão perto que o adiei não parece real a mudança. É maior o receio em acreditar. Em deixar-me convencer que toda a energia que acumulei desde criança tem agora permissão para existir. Que se fodam as burocracias. Autorizo-me a existir e respirar. Não tenho patrão da minha palavra. Permito-me o tempo. Desejo-o. Olho em frente.
E entranho.
30 | 08 | 2024 | norte [original de 02.07.2024, gabinete 15]
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godrigues · 27 days
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em honra do homem que já não está, e dos lugares com sabor a nostalgia.
Quero sentar-me a ouvir os pássaros. Não fica bonito chamar-lhes assim, mas nunca soube o nome deles. E os grilos. Aquele som constante que predomina no calor nas manhãs de verão. Cigarras? A vista do terreno seco pelo sol. As figueiras à espera do homem viúvo de noventa anos que os vá recolher. Os gatos vadios a dormitar pela refeição de restos que recebem todas as noites. O mar ao fundo, apesar de não tão perto. Sempre ali, à distância encurtada pelo sentido. E o cheiro a mar. O cheiro a verão. Quero que os prédios que me rodeiam sejam substituídos pelas árvores, pelas casas brancas do sul, pelas ruas estreitas e tortas, todas com o mesmo nome. Quero a calmaria de um concerto natural, pessoal e porém público. Quero sentar-me no terraço da habitação que me viu crescer com a televisão a preto e branco, o sofá-cama e o chuveiro sem pressão. As formigas no chão. Pleno o sol a pintar-me o coração.
23 | 08 | 2024 | sótão [original, praticamente inalterado, de 07.03.2016, word]
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godrigues · 1 month
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Como desempacotar catorze anos de expectativas, e outros truques.
Um degrau deixa de ser degrau se nos demorarmos nele? Quem o define como plataforma? Como chão? Meta? É quando desistimos de avançar? Ou é quando a vida nos proíbe pela sua mão final óssea e magra a tocar-nos a última inspiração? Temos data de expiração? Controlamos a respiração se aguentarmos a apneia? E é apneia se não voltarmos a respirar? É degrau se não voltarmos a andar? Depois de quanto tempo deixamos de o saber fazer? Está definido? Há estudos? Bibliografia para consultar e comprovar que continuo a saber andar mesmo que anos tenham passado sem um único passo eu dar? Não nessa direção, pelo menos. Não o suficientemente satisfatório para o meu ego não estranhar agora o reencontro. O desconforto de enfrentar um velho amigo que já não sabemos reconhecer. Caminhei na plataforma. Na superfície. Madeira, betão, cimento. Areia. Muitas vezes areia a arrastar um passo atrás por cada dois ao lado. Em frente apenas se me virar de costas. Era um degrau para onde? No início parecia estar tão ali. Ser tão já. Tão amanhã. E catorze anos depois chegou por fim esse sol da madrugada. Ou parece querer chegar, sendo que lhe apenas vejo as cores bonitas do céu. Ainda não há estrela. Nem redonda. Nem coração. E eu vejo-me perplexo. Cínico. Seriamente limitado em acreditar que o consigo ouvir abafado ainda no peito. Tum-tum. Mas bate. Tum-tum. Bate e aguenta incerto se fará o corpo andar para sair por fim deste chão. Um degrau também é chão, ou só se nos esquecermos que ali não queríamos ficar? Tum-tum. Não me esqueci. Aqui estou, a custo. O sonho limado em arestas redondas pelo tempo que me obrigou a perder pedaços de mim. A lixa sobrepondo-se na textura do agridoce que tenho receio ter azedado. Eu que em pequeno comia limões. Será que um pássaro também faz caretas se provar o citrino? Um pássaro também tem medo se lhe abrirem a gaiola? Hesita, ou avança em voo fundo? E se nunca tiver sabido voar? Se nunca o tiver provado? Se nunca tiver conhecido outra forma de existir no chão? De tantas voltas regressei ao ponto. O fim do degrau que afinal era enorme, curto outra vez. E o próximo em frente. Como uma caixa cheia de memórias que encontramos ao mudar de casa. Ao arrumar o quarto. Cada limpeza uma viagem. Cada objeto um dia perdido em prol dos anos vividos. Cada cumprimento como um abraço quente de retorno a casa. Retorno a mim. Retorno a partes que afinal ficaram guardadas, junto à dobra. Junto ao passo. Só para me dar a mão e ajudar-me a subir. Ajudar-me a acreditar que não estou a dormir. Era este o plano. Aqui cheguei. Era este o plano. E é para continuar. É este o plano. Já sinto o pé no próximo degrau. É este o plano.
Mal posso esperar.
16 | 08 | 2024 | gabinete 12
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godrigues · 1 month
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contagem.
Conto os pontos do chão como as constelações do meu pescoço. Cada um a ameaça de umas sardas que não tive, e um olho atento na premeditação de uma meta adiantada. Protejo-as sabendo que as linhas que se formam não têm dono, nem artista designado à sua mão. À sua imaginação. Nunca consegui ver os desenhos que me dizem que elas compõem. Preferia as nuvens. Preferia a mesa branca de pedra junto ao arco-íris pintado em azulejo, nas janelas que davam para o refeitório. Perto do corredor onde os alunos fumavam. Escondidos entre os arbustos, mas à vista do povo. Como quando me deitava na mesa a criar figuras no céu. O vento a levá-las. A transformá-las. Só eu, elas, e quem me fizesse companhia nesse dia no deleite inocente de desaparecer nelas, à frente de todos. No sótão são poucas as nuvens pela janela. Se a abro, fazem-me companhia as melgas e varejeiras que fogem também ao bafo a assaltar-me o conforto. Se a fecho, filtrado está o quadro pelos dejetos de um fado inevitável na vida de uma claraboia. Um suspiro. Duas divisões. Três dias que me faltam deste degrau. Não parece real, ainda. Como o nervoso baixinho da noite de natal. Mesmo não acreditando nele continuava-me a arder a curiosidade do esforço que os meus pais colocavam em manter a magia viva de um amanhã que nos merece. Um ontem que nos consome. E um hoje que ainda tenho dificuldade em gerir mas que não me impede de avançar. Será algum dia, fácil? Perdoemos o capitalismo. Foquemos a emoção da vontade.  
Os dias são como os sinais da minha pele. Quando os termino de contar, surge mais um. E ainda bem. Se o sol manda na minha tela, eu mando no que fazer com o tempo dela.
09 | 08 | 2024 | sótão
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godrigues · 2 months
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dá-lhe gás.
A montanha russa continua e eu ainda incerto se é pelo calor ou pelas pegadas que me foge o coração. Mordeste-o? Sinto-o trincado. A lembrança dos dentes nele aquecem-me a carne sem acumular os graus que tanto evito. Mais uma subida. O estômago encolhe-se para trás. Não sabe se sobe, ou se desce. Não sabe se se prende às costelas, ou acompanha a bexiga que se espreguiça. E a cabeça boceja mas não quer dormir. Esticar-me na espreguiçadeira não evita a preguiça de fantasiar um abraço nela pela tarde dentro. Um ménage. Eu, o livro, e a cigarra que embeleza a música que deixo baixinho. Não quero sobrepor a natureza. Reduzo o artificial de tão natural que é a forma como o decoraste. Não há grilos. Esses cantam de noite, e de noite há melgas. Não te quero magoado. Ferram-te? Berram no concerto, e a carruagem avança. É pior assim. A expectativa. O “nunca mais”. Nunca mais chegamos. Nunca mais voamos. Nunca mais me submeterei às barras de o manter escondido. Fendido, o coração. Não fica com cicatrizes, consegues ver? Essas guardo na pele. As linhas que formam os mapas de tudo o que ainda tens por descobrir. De tudo o que ainda tenho por sorrir. Continuo a subir e a cada click das engrenagens vejo pior o cume. Será nevoeiro ou estou distraído nas linhas da tua pele? Um mapa sobre o meu, e a água à espera. A água que refresca tudo menos o coração. O desassossego de pensar. Não há planícies grandes o suficiente para o tamanho dos meus sonhos. Prados em que caibam os meus planos. Quintais que alberguem os meus futuros. E vai acontecer. Um deles. É para isso que nos mantemos nela. É por isso que não saltamos. Já lá estamos. Já cá ficamos, e andamos, e avançamos, pois só assim mantemos o foco.
Abraça-me. Não desisto. Abano corpo e enfrento a altura. Não sei quanto mais vai demorar. A montanha russa sobe mas eu sei que vai acontecer. A adrenalina. A dopamina. A satisfação do vento a passar por mim. O fim deste desassossego para um novo desafio. Vá, só mais um pouco. Uma curva. Uma volta. Um percalço. Só mais um esforço. São mais de mil pés.
Agarra-me o coração. Anda. Morde-me outra vez.
02 | 08 | 2024 | gabinete 12
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godrigues · 2 months
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somer.
O ar abafa-me o sótão, porém o vento expulsou-me da varanda que não é minha. Aborreço-me com a portabilidade da efusão, mas a fixação pela minha verbalidade derrete-me os ossos. Derrete-me os pensamentos. Deixei a frincha pela janela. O sol já não entra mas envia o seu odor. O calor. O leque não abana partículas suficientes para compensar a energia gasta na contração dos miócitos. E a ventoinha acumula o pó de um fresco que também não consegue cicatrizar, despedido está o condicionado à sua condição de desempregado, acima do móvel que se desenquadra na divisão. Por fora condiz a cor, por dentro revela o sabor da minha gulodice. Tenho a dispensa no quarto. Parte dela. Tenho a marquise. Tenho o quarto, e dos fundos, a sala, e até janto, não mais pois confino o lume à cozinha. Chega de fogo cá em cima.
Fico frustrado fantasiando o futuro. Foda-se. Fico fantasiando a frustração fora do fogo. Fora de mim. Desencanto estratégias para me enganar a viver. Planeio arestas que se limam para encaixar em peças. Listas de compras online. Caprichos de controlo. Uma bacia de água fresca nos pés. Já o fiz. Quanto tinha mais janelas do que estas e, porém, pareciam tão mais pequenas. Tão mais gaiola do que a gaiola em que vivo agora.
Agradeço. Sem o peso religioso ou influenciável de uma rede social, mas com a frescura de uma banheira pelos tornozelos, e um formato que me deixa assentar nela a bochecha. Nas costas o azulejo frio. Ao colo o portátil cujo teclado me faz sentir, por alguma razão macabra, mais em casa nas suas teclas do que o novo amarelo que tanto gosto. Foi um gosto. Fui a gosto. E é quase Agosto.
A logística cansa-me, mas o sol não me vê aqui. Não lhe contes que me escondo do seu toque, quando de tantos anos o procurei sobre a areia. Que fujo do seu calor quando desde pequeno o senti como abraço da terra de todos os garves. Que quero tudo o que me de direito e para ontem. Estou cansado de esperar. Estou cansado de ter paciência. Estou cansado deste calor que me esconde na banheira, como um amor que já não consigo tolerar. Não crescemos afastados, mas confinas-me. Iludes-me com o teu jeito ondulado e salgado. Os gelados no congelador. As gordices que sabem a verão. A ilusão de te ter livre. Como dantes. Três meses de louco êxtase culminados numa relação à distância, mas perto de mais. Tenho o teu calor, mas não te tenho a ti. E é de ti que sinto falta. Não do número que preveem. Não das percentagens de te ver fugir.
O ar abafa-me o sótão, mas eu fujo da janela. Sento-me aqui de pés em molho, e ignoro a dormência das bochechas. Faz-me rir. Acalma o fogo. Deixa-me voltar a gostar de ti.
26 | 07 | 2024 | banheira no sótão
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godrigues · 2 months
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divertidamente.
Há uma certa tranquilidade na noção de controlo, mesmo que falsa. Não exatamente sobre os outros, mas sobre as outras coisas. Sobre aquilo que se nos relaciona. Nos afeta. Nos condiciona e condizem ou contradizem as expectativas que determinamos. O nosso grau de felicidade está dependente disso. Do cumprimento daquilo que esperamos atingir. Aquilo que esperamos ser. Então gera-se esta noção de tranquilidade quando nos enganamos a achar ter tudo sobre controlo. Quando achamos saber controlar e contrabalançar o caos da existência e de todos os oito biliões de humanos que se entrecruzam. Como se apenas os humanos ditassem as consequências de existir, e como se não houvesse todo um efeito borboleta, de ações menos dramáticas que um tufão, mas não desprezáveis, que nos fogem da mão.
Controlamos a rotina. As limpezas domésticas e as refeições que adiantamos. Prevemos o tempo para usar a roupa certa, e saímos mais cedo para o trabalho na eventualidade do trânsito. Desfazemos as tarefas complexas em degraus para sentirmos a dopamina de os indo completando, e priorizamos as mais pequenas, alternando as dificuldades. Como um malmequer. Uma fácil. Bem-me-quer. Uma difícil. Mal-me-quer. Até termos despedaçado toda a flor num deleite egoísta e infrutífero de saber se nos gostam.
A teoria tranquiliza-nos. Sabemos o plano. Temos as ferramentas. Mas o caos sobrevive-nos. Ultrapassa-se na sua força e avisa-nos que não mandamos. Que listas e cores bonitas em tabelas de excel não o impedem de existir e atirar três mudanças de vida significativas para o mesmo ano. O mesmo mês. O mesmo período numa época que parecia estar a equilibrar-se, mas que sabíamos ter fim. Calibramos a balança apenas para continuar a chover pesos que só sentimos quando nos tocam os braços. E ajustamos a postura. E curvamos antes de o conseguir fazer. As dores que colecionamos enquanto temos de validar as dos outros.
Deparo-me com a dificuldade em separar o medo da ansiedade. Pela primeira vez em algum tempo estou entusiasmado com a ideia do futuro, no entanto sinto-me paralisado por uma sensação que me assoberba a cada olhar de esgueira que lhe faço no canto da minha mente. E o coração palpita. A mão treme. Os pés não querem andar, e os dedos não querem escrever apesar de ser isso o que mais quero na minha vida.
Sou roxo. Sou laranja. Sou verde. Sou de todas as cores que esta segunda puberdade me compõe. E me desfaz. E me tranquiliza enquanto reorganizo as cores do meu excel de novo à desfeita das tarefas por passos. Um de cada vez.
Ou todos ao mesmo tempo.
19 | 07 | 2024 | gabinete 15
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godrigues · 2 months
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promessa
Esqueço-me das contas que se faz E de outras coisas que me apraz Enquanto aprendo a existir, Não fosse o sonho da lua cheia Refletida ao mar na hora e meia Amaldiçoar-me com a nostalgia de querer fugir.
Não sei se as nuvens flutuam com o frio, Ou se a estrada de alcatrão estraga o rio Que desagua na água salgada do mar da palha. São duas as vezes que o refiro, Serão saudades ou só suspiro, De um futuro que o meu rumo atrapalha?
Escolhi sem saber a cor das toupeiras, Castanhas em manchas ou de outras maneiras. Influências dos desenhos animados, Como os arbustos que aparam quedas, Ou os prados em que me deito e as moedas Que nunca faltariam nas carteiras dos necessitados.
Esqueço-me também da resiliência Será astúcia, talento ou persistência Ou simplesmente a ânsia da fuga, Ou a falta de areia entre os dedos, O sal na língua e o esquecimento dos medos Daquela paixão que me cabe tão tuga?
O futuro vejo-o de perto nalguns dias, Noutro esconde-se, difuso, nas enguias De um oceanário que me faz sentir de novo com seis. Esperanças de uma ingenuidade singela Que me deixa mais tranquilo a espreitar a janela Mesmo que apenas veja prédios e torres sem reis.
Não percebo o que não sei, e peço. Perco-me no que não quero, e endereço As minhas vontades ao que importa, ao objetivo. E tento um passo de cada vez Tão depressa anda o chão debaixo dos meus pés As léguas, os quilómetros, de lés-a-lés Tentando não perder a linha de vez E no desespero me sinta pronto, talvez, Focado em força, inspirado nas marés Nem que seja ao murro e pontapés Não esquecer o prometido, De não aceitar uma vida sem sentido.
12 | 07 | 2024 | sótão [original de 07.10.2020, word, sacavém]
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godrigues · 3 months
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Se existissem linhas a mostrar todas as relações que formamos, que desenho ficaria visto do espaço?
De início pondero se é um carro. Por vezes é difícil distinguir o tiro do escape do tiro das armas que felizmente não tive ainda o gosto de enfrentar. Mas então percebo que vem do céu. O avião com o seu som atrasado. É como uma má ligação à internet. O lag natural e em direto do estrondoso ruído da sua passagem nos chegar umas boas léguas atrás da sua cor. Do desenho do céu. Uma limitação da natureza. Uma limitação da física que tão pouco percebo. Nem de léguas. Nem de sons.
Os pássaros continuam nos afazeres. A persiana estendida protege o sol de se magoar com a minha cara. No estore as linhas do desenho que ele faz até chegar à janela. Um artista incompreendido a inovar o seu trabalho habitual de pintar os corpos. Tatuador do moreno e dos sinais preocupados. Preocupantes. Mas apenas quando a garantia já tiver passado.
Pelo corredor as vozes de quem está só de passagem. Ou só doente. Ou só. Curiosas formas de nos enganarmos para enganar a solidão. Aprendemos com aqueles que nos incomodam a descobrir novas formas, ou aceitamos o esquecimento de cair pelos mesmos passos quando as décadas forem mais do que os dedos que temos numa mão?
Repetem-se. Sobrepõe-se. Um trator parece resolver as suas obras num dia que ameaça longo. A ofensa da existência em simultâneo. A rede que se cria pelas interseções de todas as visões que compõem o espaço geográfico de um pedaço de ar. A cada complexidade multiplicada pelos fatores que se exponenciam sem dividendos. Como uma teia que se cola à pele e ao suor do calor que se exalta e que junta toda a malta que se cruza sem se ver. Que se conhece sem identificar. Uma sensação de deja vu que se justifica por o cérebro ser mais rápido que a própria luz a chegar a ele. A luz das feições. Negando que a nossa memória conhece mais gente do que nós.
Somos mais do que sabemos. Somos todos os momentos que esquecemos mas que ficam em energia arrumadas em gavetas ou esferas pouco inteligentes entre as quais as mais brilhantes que apelidamos de “core”. O núcleo. O cerne. O âmago de nós. O caroço e o miolo que juntamos no pão de queijo ao lado para o acompanhar. Não nos desperdiçamos. Não os queremos esquecer, e por isso vivem em nós mesmo que na lembrança não fique mais do que um cheiro. Mais do que uma sinapse. Menos do que uma vontade. Por isso gosto tanto de as tatuar em palavras. Aqui, ou em árvores processadas.
De tantas que tento articular talvez um dia me tomem como escritor.
05 | 07 | 2024 | gabinete 16
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godrigues · 3 months
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rotina
À segunda choro cebolas, para mais tarde poder refogar. Será estrugido, como a vibração de um telemóvel que parece alertar apenas nas horas mais inoportunas. Pela terça o esforço enluva-se numa jornada que se agradece às contas. Não há alhos. Só caralhos, e o arrastar de um arrependimento de não ter lido os rótulos para perceber que nem todos os verdes são verdes. Alguns são detergente. Alguns nem são gente. Alguns juntam-se na quarta tentativa de descanso, ou de halteres sobre o peso que evita o peso, sendo que nunca foi sobre os números da balança mas a formas e onde elas encaixam. Onde devem encaixar. Em que caixa. Esquecendo a flexibilidade da causa e a dimensionalidade de que existimos fora dos dois planos. São três. Quatro. Teorias de uma quinta que traz o descanso. O horário reduzido. A ilusão de um dia comprido pela régua circular. Um compasso a circunferenciar a rotina de um mar longe, um sótão quente, e um abraço vazio. Um abraço cheio de promessas. Cheio de memórias, essas de festejos de sexta-feira em pães de forma ou bolas de queijo. Mais um filme. Mais um jogo. Já não há o frango nem a piza de micro-ondas. O pé transformou a roda, e o país é pequeno, mas nunca pequeno o suficiente para se recuperar o sábado. Retomei-o. Roubei-o. Egoísta vontade de sentir que o tenho mesmo que pela mentira contada de um plano B. Um plano C. Um D de domingo que parece nunca ser completo o suficiente para cobrir todas as necessidades de uma semana repetida. De uma incógnita por cicatrizar. De um amanhã por decidir. Sabendo que tanto ficou por fazer. Tanto por viver. Sabendo que nem todas as facas passam pelas minhas mãos. Apenas o queijo. E esse como. As lâminas escondo-as no guarda-fatos. Aguardam a fuga. Estão entre as toalhas, os jogos de tabuleiro e os talheres de coleção. À espera que mudem a canção. Prometida intenção de que amanhã o coração baterá diferente. Segunda terei um novo respirar. E mesmo assim, sei que as cebolas estarão lá para me fazer chorar.
Sem falhar.
28 | 06 | 2024 | gabinete 16
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godrigues · 3 months
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Ter novas crises existenciais de meia-idade significa que a minha esperança-média-de-vida está a aumentar?
[sobre “stop being hard on yourself for creating a timeline as a child, when you had no idea what living like an adult was” de autor desconhecido]
Se calhar é um título demasiado grande, mas ao mesmo tempo encaixa tão correto no limbo em que me encontro. Talvez seja por ele que tantas últimas criações estejam relacionadas com a incerteza de existir. De como existir. Da falta de manual de instruções. Quando eu era pequeno disfarçava pior a minha cautela. Passava um dia quase inteiro sem me atrever pelas atrações aquáticas, deixando a minha irmã servir de cobaia àquilo que me era desconhecido, para, só então, aceitar aventurar-me por elas. Até nos jogos não me incomodava o papel de observador na subjugação de irmão mais novo, pois quando pegava no comando conseguia aplicar no imediato todo o conhecimento adquirido e evitar os erros e as falhas que haviam sido cometidas por quem o explorava pela primeira vez.
Faz tu primeiro.
É essa a batalha. Aceitar que crescendo se perde as oportunidades de fazer rascunho. Crescendo obriga-me a enfrentar a minha carne exposta na ferida de poder não correr bem, e afogar-me na compreensão de que não faz mal. Não há mal em ser o primeiro e falhar. Ser o primeiro “A” falhar. Mas não quero repetir-me na redundância. Acho que agora em crescido o tenho conseguido disfarçar mais. Ou pelo menos desafiar. Aceitar o novo, o diferente, o inexplorado, ao mesmo tempo que tento readaptar os objetivos que podem não fazer mais sentido. Ou pelo menos o cronograma. Curiosamente, nunca gostei de os fazer.
E se calhar é bom ter novas crises existenciais. Não pela ilusória vontade de estender a vida, mas porque significa que estamos em constante mudança. Nada se perde. Tudo se transforma. Abraçamos o caos e naufragamos em rochas voadoras à volta de estrelas como os mosquitos atraídos pelas luzes numa noite de verão. Só assim sabemos que somos parte do universo. Sendo como ele. Sem planos ou linhas para nos guiar.
Um pouco de tudo, um tanto de nada, e a incerteza de sermos infinitos.
21 | 06 | 2024 | sótão
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godrigues · 3 months
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aporia
Anda cá Não me consigo mexer. Não sei se pelas ondas que nunca me assustaram, Se pelas linhas que nunca se pintaram, Ou pela constante ignorada consciencialização de que posso morrer.
Anda cá, Dá-me a mão. Inspira comigo a maresia atropelada pelas buzinas, Uma troca de luzes apressada sem colinas, Evoluindo para a fotossíntese de transformar calor pela existência da multidão.
Anda, Quero o teu cheiro. Não me prendas, mas preenche-me os pulmões com o teu odor Respira-me o suor, crueza, o aperto das lágrimas e da tua dor, Que carrego sem saber como te chamar, companheiro.
Vem, Aguenta comigo o vento. Se o tenho casa, ensino-te as linhas dos seus esquemas, Para nos mantermos hirtos, não por medo ou pelos problemas Que evitamos ao culpar os outros do nosso tempo. Existimos no contratempo.
Fica aqui, Só mais uma ronda. Também sentes o tremor do carrocel que viaja em frente? O desábito do toque, a força, a pele, a energia incoerente Que nos atravessa sem frio, num arrepio como uma onda? Enfrento a corrente?
Não vás embora já. Só mais um copo. Jola, fino, príncipe ou qualquer outro nome imperial. Não deixemos que a gramática, sintaxe nos deixe mal. Já nos chega as linhas cruzadas da base ao topo.
Voltarás amanhã? De novo o compasso? Adeus, então. Sem saber ao certo o que devo fazer, Proíbo o ar que te leve o aroma, Absorvo o álcool do teu idioma, E espero aqui amanhã, outra vez, pela tua mão. Por quantos mais anos conseguirei enganar a solidão?
Não saio do sítio. Já não sei correr. Anda cá. Não me consigo mexer.
14 | 06 | 2024 | sótão
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godrigues · 3 months
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paradoxo.
Quando era pequeno alimentava-me por vezes no deleite de imaginar uma catástrofe, e de como eu reagiria a ela. Pelos mundos da internet que continua o seu crescimento exponencial, percebi que nem esse traço me tornava especial. Oito mil milhões de pessoas na existência, e eu crente que conseguia ser único nalguma coisa mais do que ser apenas “eu”. E ainda assim me questiono se não haveria um ator mais apto a desempenhar o papel. Imaginava nem sempre a morte, mas o caos. Um terramoto. Um incêndio. Uma ruína do prédio onde estudava. Uma onda gigante que de facto acontece, ao contrário do simulacro de mil novecentos e noventa e nove que englobou a minha avó a correr em cima de uma toalha, um náufrago francês, e o meu primo a estragar surpresas de aniversário. Curioso perceber que já nessa altura os jogos de computador faziam furor. Quando era pequeno pensava nesses acontecimentos e em como eu me desenrascaria neles. Como qualquer expectador a ver um filme de zombies e a acreditar que não seria o primeiro a morrer. Pois além do sentimento de narciso, entra o nacionalismo português a mostrar a medalha do desemerdanço. Porém, mestrado no assunto, mais velho, imaginei catástrofes piores. Mais reais. Pessoais. Imaginações privilegiadas de quem de facto não as toma, e a culpa de as ver como uma justificação para mudar o rumo. Não é curioso o mecanismo de fuga no ponto que chega para nos dizer baixinho em forma de sussurro disfarçado que não estamos na vida que queremos, e que esta é só uma? E não parece. Porque o conceito em si, quando somos pequenos, de que a vida é só uma, não tem mais peso que um disco externo estragado e perdido com todas as memórias fotográficas. Não pesa mais do que um cágado que decidiu treinar as acrobacias e afogou-se de barriga para o ar no seu aquário em forma de abacate e com uma palmeira de plástico no meio. Perceber o conceito que a vida é só uma, talvez obrigue uma maturidade mais concebida, mais a meio, quando vários passos já foram tomados e perdidos, e olhámos para trás percebendo a complexidade de toda a teia de relações que se entrelaçaram para o futuro que se tornou presente. Perceber que a vida é só uma, talvez seja o que causa noventa e três por cento das crises existenciais da meia-idade. De todas e mais que uma, não fosse esse conhecimento se dar ao luxo de ser esquecido pelo mecanismo de defesa orgânico de saber viver. Para acontecer outra vez. E outra vez. Até não termos mais memória para o fazer. De que outra forma conseguiríamos continuar, senão esquecendo? Quando era pequeno, naquelas conversas de isto ou aquilo, debati-me sobre a possibilidade de saber a data e hora exata da minha morte. Se o conseguiria digerir, ou se iria preferir a ignorância. E lembro-me de no momento não ter dúvidas sobre a certeza de o querer saber, confiante que não me abalaria a vontade do próximo acordar, mas antes me traria a justificação para realizar tudo aquilo que mais me fazia falta cumprir, e deitar o plano pré-definido ao chão. Porque aí teria justificação. O plano muda quando sabemos o fim. Gostava de ter capacidade de o mudar antes disso. Porque se souber o fim, é sinal de que está próximo, e não me cabem todos os meus infinitos nesse limite tão certo e apertado. O paradoxo da vontade. O paradoxo de existir. Fantasiar a morte para que se consiga viver?
Ainda me sinto pequeno. Mas já não me cabe a imaturidade de dizer que não passaram por mim. Uma ou duas. Talvez mais. Sempre na esperança de conseguir evitar a próxima. Ou pelo menos esquecer-me dela por tempo suficiente.
Seremos felizes no paradoxo, se não soubermos dele?
07 | 06 | 2024 | sótão
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