#godriguesteixeira
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godrigues · 2 days ago
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autor.
Tenho-te num abraço. Culpo-te das cores que se escapam das linhas que desenhei ao mesmo tempo que me ensinas a ajeitar o papel. Não são de lápis, mas mostras-me que a caneta sobreposta não invalida o desenho ou a arte. São como as cicatrizes na pele. Cada traço rabiscado acrescenta um ponto à história que sem darmos conta já estava começada. Não nos apercebemos do prólogo porque nos distraíamos com a comida e a sopa passada. E as batatas. E porque eu não estava pronto para ler. Folheei o livro sem ver as letras. Aceitei o olhar desfocado sobre as formas que as palavras desenhavam, mas evitava pedir-lhes significado. Ainda sangrava do último livro que tinha lido. Mas a história existe mesmo que fujamos com olhar e agora sinto que já o consigo ler apesar do medo dos próximos capítulos. E ao reparar no sorriso que persiste enquanto aprimoramos o encaixe das peças percebo que não estamos nas mãos de nenhum autor com intenções secundárias de valor de choque. Não há pena mágica a derrubar a tinta. Figura divina do destino a comandar as tropas da pontuação.
Quem escreve somos nós.
14 | 02 | 2025 | espinho
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monstrosemcompanhia · 11 years ago
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you are wow in a world of blah.
Godrigues Teixeira
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godrigues · 9 days ago
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infinitos.
[sobre “It's our infinity and it might be small, but I'd rather have this than nothing at all”, de Whim]
Há certas músicas que são medicação. Mais rápidas do que um comprimido, penetram-se na pele como cetorolac endovenoso a acalmar a dor de engolir. A ansiedade faz isso, além das palpitações ao peito e dos suores a escorrer na pele, com uma dor diferente e uma medicação díspar também. Não é o ponto. Fujo sempre ao ponto dificulto-me no caminho para regressar, pois desde o início que não sei ao certo onde quero ficar. (reprise)
Há certas músicas que me servem de medicação para acalmar a ansiedade da mudança, sendo que mudar é existir, e existir é transformar. Transformo as notas aos ouvidos em mundos que me pausam o conselho técnico responsável pelas minhas funções cognitivas. Dou-lhes folga. Uma pausa para café, ou só para respirar, pois também não concordo que socialmente se aceite mais facilmente uma pausa para fumar do que para respirar apenas ar. Patrocínios à dessaúde há por todo o lado.
Esta música em particular reorienta-me as vontades, entre outras que podia nomear (de memória a “There Is a Dark Place” do Tom Rosenthal, ou na verdade mais de metade da obra dele). Como uma bússola a reencontrar o norte, ou um farol a avisar da costa, e a proposta da solidão ser algo que fabricamos pela falha na comunicação com o mundo. Afaga-nos o medo. Faz-nos companhia nos pensamentos que pubertariamente assumimos ser nossos apenas. Erradamente. Somos únicos ao mesmo tempo que somos banais. Somos unicamente clichés. E o quanto isso ajuda para encontrar alguém que saiba organizar melhor as palavras do que nós, sobretudo num momento em que estamos atropelados por elas! Doidas. Fugas. Chuvas.
É o que me traz esta música em particular. Que há infinitos maiores do que outros (obrigado John Green), e que aquele que criamos, aquele em que existimos, não perde valor por ser menor.
O que crio. O que construo. O meu lar. A minha história. É meu. É nosso.
07 | 02 | 2025 | espinho
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godrigues · 16 days ago
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excesso de sinapses.
Quando o barulho acalma e a mente acorda o grito para se ouvir, concluo que não sei o que quero ser. Tenho uma ideia, como os últimos capítulos de um livro que tenho adiado inadvertidamente de o terminar, mas não o tenho ao certo definido. As regras mudam, e os planos parecem um conjugado de folhas a lápis meias apagadas pela borracha, meias desbotadas pelo tempo. A tinta dos recibos não sobrevive para os devolver. Mas ao mesmo tempo tento ser várias coisas. Não tudo, mas o suficiente para justificar o cansaço, e para justificar a procrastinação paralisante de não saber em qual pegar. Como se cozinhasse vários pratos na expetativa de poder escolher o melhor quando os terminar e as visitas chegarem para jantar, podendo justificar a falta de melhor qualidade com a enorme variedade do que produzi, e que me foi incumbida por mim mesmo, nunca ao certo me especializando em nenhum tipo de carne.
Já não cozinhava há um mês, e entre os tropeços que me assustam na toca sinto a liberdade em voltar a fazê-lo, ao mesmo tempo que me apercebo da felicidade… não, da necessidade de o fazer e ser elogiado. Um narcisismo egocêntrico de validar o tempo que lhes dedico. A comida. As palavras. A criação. E a tentativa fugaz de o tentar evitar. De o produzir para mim enquanto aceito que esse pensamento de independência da crítica poderá não trazer nenhum público para consumir a carne que emprato, ou então encontrar a estrelas certas no céu para iluminar o brilho do sal em crosta.
Tenho que fazer mais, escolhendo menos, e realizar menos, concretizando mais, sem a pressão de produzir. Quero reproduzir. Quero respirar. Quero o equilíbrio entre o conforto da vida que criei sem afogar a determinação que luta por não ser ignorada. Quero parar de me mudar e ao mesmo tempo sinto que ainda não achei o meu lugar.
Com que idade deixa de ser aceitável ter um sonho? Há quem diga que sonhos são aqueles que nunca atingimos, e há quem diga que são apenas coisas impossíveis que as crianças querem ser antes de perceber como o mundo funciona. Sinto que ainda não o percebo na totalidade, e parece-me cada vez mais evidente o abismo crescente entre duas fações enquanto os verdadeiramente culpados da sua profundidade observam do alto, na bancada, como treinadores de sofá a comentar o futebol e a colocar as equipas uma contra as outras. Acumulam as notas em leques para abafar o calor que produzem, mas apontam o dedo a quem troca as águas no campo, e ao árbitro. E em casa aceitamos, acesos no desabafo de poder culpar alguém em grupo. Fugimos ainda, em adultos, ao estar sós.
Seja qual for a idade para parar de sonhar, ainda não lá cheguei. Ainda os sinto em mim.
31 | 01 | 2025 | espinho
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godrigues · 1 month ago
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eremita.
Sinto a inquietude a ocupar-me o espaço. Rude, constringe-me o diafragma de uma perna que não descansa o tique e a falta de um abraço. Um mesmo aperto a abrandar o fôlego. Uma vontade que se assoberba com o medo. Um humano com medo, que é necessário e que nos valoriza o passo. Paralisa e fujo montes. Fujo para futuros pintados e arrumados em sacos e caixas de papel. Sinto-me como as minhas coisas. Ofegante ar que não se liberta do amasso. E coloco um laço. Será masoquismo as vontades que me orientam a direção em que cresço, como um mapa que exploro em todos os cantos e objetos interativos falhando a habilidade para cumprir os objetivos secretos da lista? Desisto da lista?
Li que em todo o processo existe a lei dos terços e de como esse equilíbrio é essencial à consciência de nos sabermos no caminho certo. Um terço do tempo a sentirmo-nos bem e inchados, noutro ficamos incertos na neutralidade do que avançamos, e num último de ego destruído em que não nos sentimos nós. Curioso como em tempos tentei organizar-me pelas cores de uma tabela de excel para o vigiar sem saber ao certo o que procurava, e a conclusão equilibrada a que me lembro de ter chegado.
As palavras que vomito e encaixo como um jogo de estética alternativa acalmam-me a respiração e a inquietação, mesmo que ainda perdure até atar as pontas.
Há atacadores mais difíceis do que outros. Pode ser que este não se demore muito mais.
13 | 01 | 2025 | silvalde
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godrigues · 1 month ago
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relva.
É um comboio que nos persegue na buzina de sabermos todas as estações em que perdemos oportunidade de sair, ou entrar. É lutar contra a instituição monocromática que nos chocalha os pés como a areia a gritar na invasão da onda que tentar abraçar-nos os pés. Não posso pensar em todos os passos que não dei, com o risco de desvalorizar os poucos bastantes que retomo. Que recupero. São enormes, senão pelo peso do atraso de tudo o que não cheguei a criar. De tudo o que não cheguei a trabalhar. E é difícil visualizar a torre de legos para a tentar desmontar sem arriscar o jenga. Uma torre de macacos acrobatas que culpamos na sorte dos dados, seguindo as linhas, e evitando a vergonha da visibilidade alheia. O coração aberto. A carne exposta, viva, crua, feia antes de se tornar carvão. Antes de o poder usar para pintar e desenhar e delinear o caminho com as mãos. O pontilhado a indicar onde cortar. Onde abrir para veres a cor que me compõe por dentro. E a buzina mantém-se, repetida. Os horários trocam e parece que andamos sempre na berma do que queríamos atingir, mas venderam-nos como um sonho de trazer pela gaveta e não como as calças que trago nas pernas. E é esta a minha roupa. É esta a minha verdade. As cores, os traços, as sílabas e as promessas de uma estima que se recupera para que me possam ver nu sobre elas. É essa a diferença dos outros? Fizeram por acreditar, e fizeram por fazer. Aconteceram sem pedir a permissão da promessa. Apresentam-se como aquilo que são, ora se não somos aquilo que exigimos ser, e durante tanto tempo me ensinaram a não fazer grandes exigências. Que seria mais fácil, mais certo, mais seguro. É exigir, viver? É exigir, aceitar que o feio percurso que vemos em pedaços lentamente e tão perto é tão válido como a história pregressa dos outros que lá chegaram?
Se a relva será mais verde do outro lado da vedação não importa ao certo o que farei com a minha, senão torná-la precisamente nisso. Um reflexo desavergonhado de mim.
04 | 01 | 2025 | silvalde, primeiro do ano
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godrigues · 2 months ago
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radicis.
Poder olhar para trás é saborear o privilégio de nos sabermos continuar numa permanente metamorfose. Mutando. Mudando. As luzes que não levantei este ano ao vermelho festivo sinalizam o caminho como o medo que sentimos nos novos passos. Novos sapatos. Só assim avançamos, com as questões que crescem daninhas e procriam com os passos de dança dos outros que pouco sabem dançar, na verdade. Talvez com outro instrumento, mas não ao som das melodias que ouvimos e somos obrigados a decorar a letra. Nunca percebi de tons, apesar de namorar um piano que não tenho. E tento saltar mais um passo em branco. Só assim sabemos ser nossa a linha que traçamos e não o molde da fábrica de origem. Não rejeito a etiqueta, mas apelo a reclassificação de uma função que não me foi premeditada, como detergente da loiça para tirar nódoas da roupa. Descasco-me daquilo que já não reconheço e aceito os pilares e os mal-estares que me permitiram aqui chegar. Aqui mudar. Aqui arriscar na instabilidade do fruto que semeei.
Enquanto sonho ser árvore, talvez chegue a brotar um arbusto, sabendo-me feliz por não me ter impedido de aspirar ser mais do que uma folha.
Despeço-me para uma nova raíz.
20 | 12 | 2024 | do sótão, até já
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godrigues · 2 months ago
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Será entusiasmo o comprimento Do cumprimento De amanhã?
Trago-te no vento um bolso de palavras Promessas Avessas Travessas.
Leva-me o calor à bússola do Norte Evita-me a morte Dá-me sorte.
��s a minha sorte.
13 | 12 | 2024 | arrumando o sótão
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godrigues · 2 months ago
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sobre palas sem cavalos.
A cada mês pareço descobrir um novo canto do mundo que não fazia ideia existir. Mesmo com a abrangência da internet, sofremos vítimas de um algoritmo que nos ajusta as palas ao lado dos olhos e nos dá do mesmo, numa luta difícil de contrariar, mesmo apagando as bolachas. E eu não sou bom a fazer doces. Então encaro estes furos de otimismo e estranheza de braços abertos e convidativos, tentando manipular a artificialidade a servir-me mais variedade na mesma, mas ela escolhe apenas um novo prato, e repete as doses. Há tempos descobri que havia competições oficiais federadas de salto à corda, imagine-se. Outros não acharão estranho, mas para mim que venho de um mundo de voleibol e outros desportos mais tradicionais, saber que um dos motivos com que se criava gargalhadas à minha volta quando era mais novo por eu gostar e até ter jeito de o fazer, se transformou numa modalidade respeitada, traz-me não só alegria pelo progresso da sociedade em entreter-se, que de tantas coisas negativas costumamos ter a bola de cristal cheia, como o fascínio que tantos outros desportos ou hobbies ou grupos de atividades e lazer existam e que desconheço. Admirável a variedade e complexidade que todas as combinações que formamos geram mesmo que em clusters focais e mais recônditos. E ainda me perguntam porque é que gosto de ouvir música menos conhecida. Não é pelo valor de fuga ao mundano que acham que procuro, mas antes por todos os outros cantos que se descobrem com um menor peso da seleção refinada do menu do dia. Não é uma questão de qualidade que padecem, mas de mil fatores abraçados num embrulho de sorte, que nem todos os artistas conseguem manifestar verdade, em qualquer tipo de arte.
Hoje descobri que existe uma competição de ciclismo sincronizado. Foi isso que despoletou este pensamento que tanto cozinhava em temperaturas baixas, mas nunca consegui por ser dar por formado. Terminado. Aqui tento, com tanto ou menos jeito na minha própria arte.
No meio de tantas possibilidades, é reconfortante a ideia de que haverá sempre um lugar para o qual consigamos fazer parte.
06 | 12 | 2024 | sótão
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godrigues · 3 months ago
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crises.
O que raio faço se a máquina padece com a mordida no sítio certo? É pão que amasso, ou repenso duvidando se a cicatriz encaixa, no paralisante medo de perder? Não é competição, mas a acusação mantém-se pela imagem que ficou sem nos apercebermos que já vão seis, treze, vinte e um anos. E são só números. Controlamos a magnitude da existência pintando a essência do que queremos valorar. Vestir aquilo que queremos ser torna-se num lema inesperadamente certeiro ao degrau que se apresenta, acoplado à terapia que continuo a culpar no mar. Monto as mudanças como legos para não sentir a queda da torre, do não, e culpo o signo da perfeição. Da luta contra a insatisfação constante de o rever, como uma peça de roupa que tanto nos deixa de dizer sem alterar em si as suas características. Como as pessoas. Mudamos e deixamos de fazer sentido nas histórias dos outros, e isso não nos tira valor, nem aos outros. Nem aos desenhos que fizemos juntos. Mas revejo-me no egoísmo de os querer manter como peças de roupa num guarda-fatos que não abro há dez anos, mas que pode vir a ser útil. Ou as caixas de cartão. Até ao pico de energia que me abate. Até à preguiça de comprar abacate mas gostar do guacamole, no receio de nunca o vir a saber fazer, e continuar sem tentar. Do que raio falo? De tudo o que me chega num abalo que vou aguentando como quem troca de perna ao segurar paredes. É verdade que a mente fica mais vazia na estagnação? Até certo ponto. Até o balanço que nunca se sabe certo dirigir os ponteiros na conta certa de me deixar livre e prudente. Producente. Eloquente dentro do caos que vendo como assinatura (vamos ver se dura), e continuo a absorver. Sempre fui bom a seguir regras, mas também a aprender. E voltei a ler.
Só mais um tropeço, dobro a vida num laço, e vejo o raio que com ela faço.
28 | 11 | 2024 | sótão
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godrigues · 3 months ago
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“Se tiver que morrer, morro, olha.”
Devia ter treze anos quando fiz esse comentário. Uma mistura de desabafo com a bêbada vontade de querer ser mais e melhor e determinado. Destemido. Mas talvez eu não mentisse, de facto. Talvez, e aposto, eu não tivesse sequer pensando no assunto até então e, na primeira reflexão e avaliação, tenha concluído que, se súbito, morrer não me traria fastio ou preocupação.
Curioso como o tempo nos torna nesta plasticina ressequida  de dúvidas e  planos e aspiração e covardia. Ou talvez seja coragem. Talvez viver independentemente disso  seja o verdadeiro significado  de o ser. Destemido.
22 | 11 | 2024 | sótão [texto integral de 11.01.2018, caderno azul]
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godrigues · 3 months ago
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o google não traduz overthinking
Aguardo que a espuma acalme as ramificações que me prendem aos passos que não dei. Prometo aprender com o descrédito de perder as horas sobre sinapses que não se cansam pelo potencial neurológico. Desligo as vozes, não são mais que não os diferentes tons das minhas cordas, cada canto com a sua nota, mesmo eu não percebendo de dominós, nem réguas de medir. Poderei satisfazer-me com a triagem de um caminho que pareço sempre tropeçar? Não quero voltar, mas revejo as marcas do ouro que preenchi nas rachas de tudo o que me partiu. E tudo o que deixei partir. Sou egoísta. Sou avarento. Sou todos os pecados e mais um, governados pela inveja de todos os passos que não tomei. De todas as vidas que eu poderia ter e que não são minhas agora. Não neste momento. É de momentos que sobrevivo, e aceito a tranquilidade de avançar. Vou sempre a tempo de mudar, mas até que ponto fará sentido? Até que ponto tenho as ferramentas que preciso para restaurar a mobília que já cede ao tempo como rugas?  Controlo o que gasto no consumo da dopamina fugaz e que não alimenta, mas a balança desequilibra-se com todas as mudanças que me vi atravessar.  E agora mais uma.  Será essa a minha sina? Procurar a diferença e exigindo de mim todas as cores de um camaleão? Até quando? Até onde?  Até já.
Treino-me para tentar não me afogar em todos as braçadas que não dei. Mais, neste momento, não sei.
15 | 11 | 2024 | sótão
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godrigues · 3 months ago
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bolha.
Luto para me consciencializar que é tudo temporário. Que nada se define senão com um fim, e a incerteza da sua proximidade pode ser ocasionalmente assoberbante. Assustadora. Incapacitante. E retorno à procrastinação de um motor parado que corre neuronalmente a uma velocidade que me recuso a arriscar na autoestrada. Sou cuidadoso. Penso o passo. E com o medo voltamos às origens. Voltamos à essência que nos compõe. Os hábitos entranhados que tanto treinamos para suavizar e que na cova do lobo nos salta como uma mola a aliviar por fim a pressão de todos os anos que não a deixamos existir. Se dizem que em cova de lobo não há ateus, nas que entro há de tudo. E é fascinante compreender o quanto os traumas de cada criatura (e a sua ausência) se transformam na visão personalizada e complexa que projetam no que ouvem e no que veem. Nas prioridades que tomam. Em qual a verdadeira necessidade que está na base da pirâmide da existência. Acreditando não haver discussão sobre estima quando não se garante as necessidades fisiológicas, perdemo-nos logo no segundo degrau. Qual se sobrepõe? A segurança pessoal e familiar ou a segurança económica e laboral? Estão entrelaçadas? Podemos proteger uma ameaçando a outra, e se sim, qual deve ser priorizada? Acho que a distância adubada pelos algoritmos da chuva de conteúdos e informações aumentam apenas a divisão de Moisés sobre o mar vermelho. Seria de todo o sangue daqueles que ficaram pelo meio? Assusta-me a desumanização da vida como um número, um negócio populista onde tudo vale para chamar a cruz, mas aguento a pressão esperando que a própria democracia não se permita à exaustão. Assusta-me a vocalização de violência como sintoma de uma liberdade vingada, como uma criança que se acha triunfante com uma frase decomposta e sem sentido. Não há bússolas que aguentem a profanação proclamada que validam na defesa daquilo que está nas entrelinhas. Ignora-se as linhas? Ou estamos a querer testar a teoria da cova dos lobos? Tolerabilidade não é liberdade total inconsequente, senão a quebra de tudo o que a ameaça. E sinto-me ameaçado. E não tenho solução. Apenas medo. Que se espalhe como a pandemia e se torne o novo normal. E aos poucos não saibamos quantos passos já demos atrás. A calibração da balança não é universal, mal não fosse pela singularidade de tudo o que nos compõe como sociedade, e espero que seja pelo melhor. Pelo progresso. Pela aceitação do outro na sua existência humana basal.
Estou assustado, entre todas as outras decisões de vida que me obrigo a estudar, e tento não me esquecer que é tudo temporário. Até o próprio medo. Até chegar o fim. E, portanto, continuo a negá-lo, um dia mais. Um dia a menos.
08 | 11 | 2024 | sótão
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godrigues · 4 months ago
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a quem de direito,
[sobre “Something breaking and I don't know what to do, am I breaking down, or am I breaking through?”, de Cinders]
A diferenciação será sempre o grande dilema da catarse de existir em caos. É como duvidar se “está a funcionar” ou se “estou a fazer funcionar”, com as respetivas e pesadas implicações de cada uma das conclusões. De uma forma dir-se-ia que o importante de ambas é que o outcome é atingido de qualquer forma. Mas a que custo? O que sobra no final do passo? Um de cada vez. Dito e repito. Um lema que me é tão presente e que regressa num novo momento de tamanha necessidade. Continuo sem saber o que amanhã trará, mas revejo ainda mais agora a importância de o enfrentar com calma, pois a vida mantém-se irrepreensivelmente rápida para os meus pés. E eu até tenho voltado a fazer exercício. O ponto é chegar ao fim da corrida, ou importa mais o estado em que chegamos? Então adio. Protelo coisas na tentativa de abrandar o tempo para que algo não chegue. Mesmo que eu o queira. Tenho medo da expectativa que criei, pelas cicatrizes que colecionei do passado e, no entanto, perco tempo nessa procrastinação viciada para chegar ao mesmo lugar. Com menos feito. Com menos efeito.
Quando era pequeno fazia isso com os autocolantes para os cadernos. Nunca achei a oportunidade ideal para os usar sem desperdiçar. Então anos mais tarde dei-lhes por fim uma casa: o lixo. Este ano quase fiz o mesmo com os chocolates da páscoa, mas os que ainda sobram foi mesmo por me esquecer daquele canto do sótão. Daquela prateleira de coisas a fazer que pousei e não retornei. Já me indaguei se é patológico, mas não sei se quero saber. Não sei se mudaria alguma coisa. Então foco-me noutras, como a páscoa ser um excelente esquema de marketing, entre outras razões senão pela principal de vender os chocolates que sobraram do natal e do dia dos namorados antes que se estraguem com o calor do verão. Calor que se tem esticado no seu espreguiço a cada ano, ou tenho memória curta? Sei que ainda é outono, mas estamos quase no fim de outubro e ainda durmo de cuecas. Boxers. Importa? Está a funcionar?
Se estás a fazer funcionar, continua, mas não negues o presente. Um dia deixarás de ser ambos, e as coisas não deixam de ser verdade só por não serem para sempre.
01 | 11 | 2024 | sótão
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godrigues · 4 months ago
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aporia, parte II
Anda cá, Tentemos outra vez. Aperta-me as dores das aftas que me destroem a cada bocado, Ignora o sol, a chuva da janela, e deixemos o mar de lado. Estou à vista em todas as letras das sílabas que não lês.
Anda cá, Sente a minha pele. Atópica, macia, descuido-me na temperatura que não regulo. Reflito o conforto pesado em todas as memórias que manipulo Ingenuamente adiando cada passo na expetativa de algo que mais me apele.
Anda cá. Não me deixes sozinho. Se eu aprender sobre a construção de silabas fonéticas dos poemas Esdrúxulas graves e agudas vontades, sem dilemas, Prometes ficar só mais um bocadinho?
Já vais, novamente? Não falemos sobre as dores Articulações, artroses emocionais de uma aventura pelo país Pedaços que sobram nos restos da metamorfose que já não condiz Como a suculenta que morre no meu parapeito. Nunca tive jeito com flores. É de jeito?
Já sais? Espera, Do teu lado ainda há luz? Não peço promessas, incomoda-me os quebrados Sou mais inteligente que isso, são os meus bravados Morde-me o nome, é isso que me seduz.
Não estás, mas voltas. Somos aves, soltas, há procura de um biscoito. Desdobro os degraus, celebro a vitória contra os minutos. Reajusto a rota dos planos adaptados, substitutos, E volto ao lema dos dezoito.
25 | 10 | 2024 | sótão
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godrigues · 4 months ago
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Se fosse um pássaro, cansar-me-ia de voar?
Estou cansado, mas continuo a arranjar novas formas de me cansar. Será masoquismo? Talvez seja esse o novo basal de ser adulto. Acoplar o trauma à personalidade e assumir funcionalidade no arco-íris das emoções. Um dia achei ser adulto era só ser triste, mas hoje percebo as expectativas e consigo apreciar o sol. Um sol. Apenas mais uma estrela no meio de tantas outras que não apelidamos da mesma forma por estarem mais longe. Que idade tinhas quanto percebeste que o sol não passava disso? De uma estrela? Foi um choque para mim. Igual a todas as outras que não consegues ver na cidade. Compõe desenhos mal-interpretados, mas com nome. Nós e a obsessão em querer dar nome a tudo. É assim que compreendemos as coisas. Então porque demoramos tanto a dar um nome a nós? Aceitamos a certeza de ser incertos e ignoramos a astrologia que nenhum acredita. E mesmo assim invejamos as luzes do céu que visitam o monte. A magnitude que nos proporcionam. Vastidão. Imensidão. Palavras que não descrevem a grandiosidade do que existe, sem nos impedir de tentar. E, portanto, temos o infinito. Uns maiores do que outros. E inventamos matemática. Imaginamos números. Criamos condições para validar a existência do impossível, tentando definir o sempre que acaba por falhar. E o nunca a acontecer num dia de só-nunca-de-manhã enquanto a vaca canta, ou tosse. De tarde não. Sou mais pássaro que madruga do que mocho que atormenta as nuvens à noite. E as estrelas. Não tenho a classe mística de uma coruja. Serão familiares? Sempre as confundo, mas se fosse pássaro não sei se parava de voar. Quanto tempo passaria até me aborrecer da liberdade? Quanto tempo até perder o gosto, invejando o mar? Podem os pássaros comer queijo?
Estamos abençoados com a condenação de existir. Condenados com a bênção de continuar. Qual o que se aplicar melhor a nós, ainda estou para descobrir.
18 | 10 | 2024 | sótão
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