Um blogue com músicas, filmes, livros, desenhos, sublinhados e sonhos
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A tua casa, sendo o local onde lês, pode dizer-nos que lugar ocupam os livros na tua vida, se são uma defesa que pões à frente para manteres afastado o mundo exterior, um sonho em que mergulhas como numa droga, ou se são pontes que lanças para o exterior, para o mundo que te interessa tanto que queres dilatar e multiplicar as suas dimensões através dos livros.
Italo Calvino, Se numa noite de Inverno um viajante
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Dentro dela ainda mora a menina medricas que chora de medo… Essa menina não cresceu, continua ali, amedrontada, a chorar… implora que a deixem em paz, que não a assustem, porque ela tem medo. Tem medo de si, tem medo da família, tem medo dos amigos, tem medo dos conhecidos, tem medo dos desconhecidos, tem medo do mundo, tem medo da vida.
*Já pensei em dar-lhe um cão, mas não vale a pena porque também tem medo de cães.
NB
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Vivo neste pedacinho de casa do tamanho de um polegar. É aqui que invento todas as minhas ilusões. É também aqui que as perco. Será este o meu lugar?
NB, 2010
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"Mindfulness"
Aqui tudo é calmo, sereno e liso. As nuvens brancas desenham esqueletos a perder de vista no céu azul. Aqui, há muitas florezinhas brancas. Parecem malmequeres minúsculos. Esforçam-se tanto para se manterem de pé debaixo deste sol escaldante. O sol pica, arde, magoa os seus pezinhos vulneráveis... NB
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«Anteontem encontrei uma elegante, hoje foi uma definitiva. Conhecem o género, não é verdade? Há muitas mais ou menos definitivas. Esta sempre o foi totalmente, sem a menor hesitação. Para ela, o filme que foi ver é horrível ou ótimo, o livro que acabou de ler excelente ou péssimo, a última pessoa que conheceu um amor ou detestável. Esta definitiva que hoje encontrei não receia, nem ao de leve, enganar-se, não duvida nem um bocadinho da sua possibilidade de julgar. É uma criatura feliz. O passará a vida a cair do último andar das suas certezas no chão empedrado da realidade? Mas não, creio que nunca chegou a cair. Quando vem no ar, aquece o problema e segue em frente, esvoaçando. Quando aterra, a sua certeza é outra qualquer, mas certeza também.»
Maria Judite de Carvalho, Diários de Emília Bravo, Lisboa, Minotauro, 2019, Vol. VI
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“‒ Em que é que acreditas? ‒ perguntou Reiter. ‒ Em poucas coisas – respondeu a rapariga depois de meditar um segundo sobre a sua resposta. – Às vezes até me esqueço das coisas em que acredito. São muito poucas, muito poucas, e as coisas em que não acredito são muitas, muitíssimas, tantas que conseguem ocultar as coisas em que acredito. Neste momento, por exemplo, não me lembro de nenhuma. – Acreditas no amor? – perguntou Reiter. – Não, francamente não – respondeu a rapariga. – E na honestidade? – perguntou Reiter. – Uf, menos do que no amor – disse a rapariga. – Acreditas no pôr-do-sol – continuou Reiter –, nas noites estreladas, nos amanheceres diáfanos? – Não, não, não – respondeu a rapariga com um gesto de manifesto nojo –, não acredito em nenhuma coisa ridícula. – Tens razão – disse Reiter. – E nos livros? – Menos ainda – disse a rapariga –, além disso na minha casa só há livros nazis, política nazi, história nazi, economia nazi, mitologia nazi, poesia nazi, romances nazis, obras de teatro nazis. – Não fazia ideia de que os nazis tivessem escrito tanto – comentou Reiter. – Tu, pelo que vejo, tens ideia de muito poucas coisas, Hans – comentou a rapariga –, a não ser de me beijar. – É verdade – disse Reiter, que estava sempre muito disposto a admitir a sua ignorância.”
Roberto Bolaño, 2666, Quetzal, 2009
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"O meu estado não é infelicidade, mas também não é felicidade, não é indiferença, nem fraqueza, nem lassitude, nem qualquer outra coisa, mas então o que vem a ser?"
Franz Kafka, Antologia de Páginas Íntimas, Guimarães Editores, 2002
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