#marcus málico
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O Sonho do Príncipe
Abri os olhos. Os acordes da banda estavam afinados e aguçados na noite de coroação do príncipe. Um tempo em tom de cavalgada para as percussões animava a festa dos beberrões, gritalhões e dançantes naquela noite de lua plena.
Olhei para a frente e vi o reflexo do espelho. Um rapaz esbelto me encarou de volta. Estava elegantemente arrumado, seu cabelo curto quase militar aplicava um caráter de seriedade em conjunto com suas vestes elaboradas, uma calça preta de linho, com uma sútil estampa de detalhes bordados em dourado que seguia ao longo do comprimento pelas laterais, e uma casaca vermelha de botão, coberta por uma longa capa preta que se misturava em preto e vermelho. Instintivamente olhei para o topo de sua cabeça e constatei a ausência de uma coroa.
Encarei meu reflexo nos olhos. O jovem príncipe tinha uma expressão séria, dura, carregada de deveres e preocupações, mas vacilou por um segundo e abriu um largo sorriso carregado de amor intenso, transformando-o em outra persona. Olhou para os lados checando se havia alguém se aproximando, constatou que não, então pousou o indicador sobre os lábios para que eu me mantivesse em silêncio. Enfiou a mão no coração atravessando seu peito e retirou um grosso cilindro preto de cera. Sorriu novamente, revelando dessa vez um grau de malícia na sua personalidade, ergueu-o à frente, com a palma das mãos. Fechou os olhos e assoprou lentamente na ponta, então reabriu e lambeu os beiços. A chama da vela acendeu vagarosamente, isso o deixou muito sorridente, com as pupilas dilatadas.
- Mantenha o fogo aceso por sete dias. Para abrir os caminhos! - o reflexo guardou a vela de volta no plexo e deu três tapinhas no peito sobre o coração. Olhou mais uma vez para trás, assustado, então sorriu uma última vez e voltou a ser o sério monarca.
Olhei para trás na tentativa de entender o que tanto aflige meu reflexo, e me assustei com um vulto me observando de perto na noite escura do meu quarto lugubremente iluminado por poucas velas posicionadas na janela, na mesa de centro com a imagem da coruja de pedra ao lado da cama e na prateleira próxima ao espelho posicionado na parede. Esbocei uma fala e tentei me levantar, mas fui parado pela mão pesada do rei regente sobre meu ombro. Ele acendeu sua própria vela branca na vela acima do espelho, e a grudou ereta no pires que segurava com sua mão direita. Quando a luz se acomodou, pude notar o inconfundível brilho vermelho que se manifestava nos olhos do rei regente nos poucos momentos em que, em fúria, trocava olhares por muito tempo.
- Marcus Málico... - disse meu avô e atual regente do Império Málico com ódio no olhar. Ele ergueu a mão esquerda e revelou a pesada coroa dourada com diamantes vermelhos encrustados que trazia consigo. Nas suas costas, uma legião de fantasmas mortos por lâminas nos encaravam, melancólicos. - O poder e responsabilidade agora são seus para conquistar! - comecei a me sentir ansioso e me desesperar. Olhei para o chão engolindo doses enormes de mágoa na tentativa de não chorar, sentindo minha garganta se fechar a cada segundo, como se mãos invisíveis a estrangulassem. Em um movimento esperançoso olhei para trás, para o espelho, e não vi nada além de mim. A água começou a descer, libertando minha a voz, senti o salgado das minhas lágrimas. Me encarei fundo e lembrei da minha missão. "Tenho uma chama dentro do meu plexo... e preciso mantê-la acesa por sete dias!". Ainda tremendo devido ao fluxo profuso de humores em minhas veias, me ergui intencionando a raiva no olhar. Me aproximei ao ponto de sentir o hálito do rei regente, olhei para sua íris clara e soltei o grito entalado em minhas cordas vocais.
- EU NÃO TENHO A SUA AMBIÇÃO! - rugi ofegante. Meu avô arregalou os olhos incrédulo por alguns segundos, surpreso com minha escolha de palavras. Então reagiu da única forma que poderia arrematar minha cólera. Abriu um sorriso sínico e começou a gargalhar, palhaço, em um misto de desdém e exagero até que retomou sua expressão feroz e vociferou:
- Ridículo! - a palavra ecoou como um feitiço. Gargalhou alto novamente, os fantasmas o acompanharam no riso. Eu sentia minha cabeça perder o foco enquanto minha pressão baixava. Não consegui mais olhar nos olhos de meu avô, mas também falhei em engolir meus sentimentos. Reuni todas as minhas forças e gritei o mais alto que consegui.
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Quando senti as gotículas de chuva na minha nuca decidi levantar e procurar um abrigo. Apoiei minhas mãos na frieza da calçada de pedra em que estava sentado e me levantei. Fui rapidamente para a parte interna do passeio, sentindo a chuva engrossar nas minhas costas. Quando finalmente alcancei a esquina sem ter achado um teto para me proteger, estaquei na dúvida de escolher meu caminho.
Não sei quantas vezes olhei para a frente, para trás, para a esquerda e para a direita tentando decidir meu destino. Eu estava ali, paralisado no centro da Rua, todas as possibilidades pareciam ser bastante promissoras e eu nem sentia mais o encharcamento que a chuva me causava.
Minha camisa se fundira com meu peito quando uma senhora pequena cruzou meu caminho. Não sei dizer de qual direção ela veio, mas me encantou com sua personalidade. Vestindo os trapos rasgados pretos da sua vida de rua, mantinha a poderosa elegância de uma mestra antiga exalando um cheiro peculiar de perfumes baratos misturados com um hálito de aguardente, que bebia na garrafa em sua mão direita. Ela cambaleou para a frente e me olhou nos olhos com uma seriedade aterradora, segurando com a mão esquerda uma lâmina que dança no ar. Rasgou um pedaço de suas vestes no movimento vertiginoso que fez, pousando a ponta de sua lâmina furtacor na minha garganta inerte.
- Você não tem voz? - uma voz doce, grave e saudosa me mergulhou nas sombras do infinito, eu me preparei para o corte. Fechei os olhos.
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Contos do Efêmero - Impulso
Marcus Málico foi puxado de um sono profundo. Ainda entorpecido, esboçou levantar-se da cama quando foi surpreendido por batidas em sua porta.
- Príncipe Málico! Príncipe Málico! - Marcus ouviu os gritos de Felipe, guarda imperial da primeira linha do exército de Klaus Málico, o rei regente; uma das poucas pessoas em que Marcus confiava. - Você já está atrasado para a reunião sobre os preparativos da sua coroação! - a última palavra despertou Marcus para a realidade. “Não acredito que só falta uma semana!”, pensou. - Vou dizer que está a caminho. - o som dos passos de Felipe foi ficando cada vez mais distante.
O coração de Marcus estava em disparada. Desde a súbita despedida de sua mãe e seu pai quando ainda era uma criança, o dia de sua coroação estava anunciado e prometido. Desde sempre Marcus fora treinado e instruído pelas mentes mais brilhantes de todo o Litoral, selecionadas a dedo e capturadas pelo rei regente para servir ao Império Málico, para o momento em que assumiria o trono. O que Marcus não esperava é que esse dia realmente chegaria. Levantou sobressaltado, se aprumou em suas vestes usuais, sua calça de linho caramelo e sua camisa de algodão azul escuro com mangas longas, amarrada por cordões no plexo; jogou uma bacia de água em seu rosto e se olhou no espelho. Quando mirou seus olhos, notou que estava com suas íris avermelhadas, lembrou-se instantaneamente do sonho que teve na última noite. “Tenho uma chama dentro do meu plexo… e preciso mantê-la acesa por sete dias!” Olhou no fundo da pupila de seu reflexo tentando entender as mensagens enigmáticas contidas no sonho que tivera na última noite. Sorriu e saiu de seus aposentos, mas não em direção à reunião no palácio.
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Nicole estava encapuzada andando rapidamente pelas ruas de Santa Conquista, cidade sede que abriga o palácio do Império Málico; há sessenta e dois anos a pequena cidade era conhecida como Flora, palavra que significa Vida ou Floresta no idioma falado pelas pessoas nativas da cidade sobre a serra, antes de ser conquistada colericamente pelos exércitos da família Málico; os comerciantes gritavam suas ofertas há plenos pulmões, “Manga, Caju, Limão, Cajá, Banana, Mandioca!”, ou “Calça de linho pra criança! Calça de linho pra criança!”, forneciam obstáculos agilmente desviados por Nicole em sua investida, esta não estava na cidade para vender ou comprar nada, tinha um propósito e caminhava a passos largos em sua direção. Veio de longe para encontrar uma pessoa muito importante e precisava se comunicar. Virou à esquerda e adentrou uma rua vazia e menos abafada. Agora estava próxima do local marcado; o ar continha o cheiro fétido do lixo despejado a céu aberto originado da Casa dos Gládios, onde homens bravos apostam sua vida em momentos de glória selvagem; sentiu um toque em seu ombro.
- Tem uma moça por baixo desse capuz? - sussurrou o homem que tinha poucos dentes, um hálito podre e acabara de mexer com a pessoa errada. O capuz de Nicole caiu e revelou sua face caramelo, seu cabelo encaracolado curto preto como a noite e seus olhos determinados.
- Tem alguém brincando com a sorte? - Nicole empurrou o homem contra a parede e apoiou uma pequena adaga afiada contra sua garganta. Olhou fundo nos olhos vazios do bebum que agora tossia. O movimento fez um breve estrondo que chamou a atenção de uma pessoa que estava observando a rua de dentro de um casebre no fim da calçada.
- Não, minha senhora! Que isso! - balbuciou - Só não vejo uma pessoa com cabelos como os seus há muito tempo! Você veio de longe, não é?
- Some daqui! - Nicole o despachou com chutes e pontapés. Arrumou seu capuz e atravessou a rua, chegou na frente do estreito casebre cinzento onde fora convocada, a portinha de madeira se abriu sem que precisasse bater.
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Marcus Málico estava absorto em pensamentos enquanto andava até a masmorra que abrigava o seu melhor amigo, Téo, professor de línguas, história dos reinos e matemática oriental. Téo foi capturado por Klaus Málico há vinte e um anos em uma de suas viagens pelo oriente, segundo o rei regente, Téo se fez valioso por ser fluente em diversas línguas de todo o mundo. Agora sua alimentação é garantida até seu último dia de vida, tal qual sua obrigação de viver permanentemente em Santa Conquista sem a permissão de sair livremente e de atender a absolutamente qualquer trabalho que lhe seja demandado pelo Império, dizia para Marcus que era como um escravo de luxo; há quase dezenove anos foi incumbido de ensinar Marcus a ler, escrever, calcular e pensar criticamente. Depois do sumiço de Maria Málico e Luan, Téo se tornou a figura mais afetiva na vida de Marcus.
Marcus conseguia sentir o cheiro forte de incenso desde o início do corredor escuro. Conseguiria atravessar aquele corredor de olhos fechados, tamanha sua afinidade. Quando entrou pela porta, já estava inebriado pela densa e cheirosa neblina; quando Marcus chegou, conseguia ouvir as notas misteriosas do alaúde que Téo tocava encantando a atmosfera com as palavras e melodias que cantava.
- Areias que voam. Mares que soam. E o cheiro do seu tempero. O sol brilha diferente, e o azul do céu é mais cintilante. Talvez eu sinta sua falta. Praia na beira da floresta. Um lugar pra chamar de lar. Correr livre pela costa. Olhar para o céu e imaginar. Como é bom poder sonhar. Um lugar pra chamar de lar. Água salgada, doce aventura. Um lugar pra chamar de lar.
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A masmorra que Téo habitava era a maior de todo o palácio.
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