#literatura portuguesa
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Esquisso
A: Não te conheço, nem sei quem és, ao certo. B: Já me tinhas visto antes. A: De ti, tenho apenas uma impressão. Um eco de algo que se perde no ar. És como um delírio - um desses sonhos que se desfazem mal acordamos. Apenas uma imagem vaporosa, sem corpo nem peso, que me escapa quando tento agarrar os seus contornos. B: Hei de nascer e crescer, à medida que me fores escrevendo. Eu espero. A: E eu sinto-te. Num assomo confuso de entusiasmo e ansiedade. B: Entusiasmo? Ansiedade? A: Entusiasmo, porque ainda és uma nuvem dispersa de possibilidades. Ansiedade, porque, ao dar-te forma, é como se te estivesse a matar. Cada palavra uma lâmina que te prende, que te limita. Escrever-te será uma violência. Uma aniquilação. B: Sim. Gostamos tanto de retratos, de fotografias, de molduras. Mas esquecemo-nos de que somos volúveis e passageiros como as imagens de um filme. A: Tu escondes-te nos contornos imprecisos de um esboço. Um rascunho mal definido. Ainda assim, eu sinto-te. B: São os teus olhos de escritora. Habituados à fantasia, ao não dito, ao que está por existir. É neles que eu me vejo viver. É neles que sei o fim que me darás. Os teus olhos são o meu destino, o meu livro. A: Ou será que o que sinto é apenas o meu reflexo? Será que tu não passas de uma secreta autoimagem que guardo de mim mesma? Talvez sejas a minha sombra, a projeção de um desejo em que me vou sonhando a mim própria. B: Como aquele homem que sonhava ser borboleta e, no fim, já não sabia ser era uma borboleta a sonhar ser homem. A: Talvez. Mas isso não importa. O que importa é a bruma em que nos perdemos. Vou saboreando essa névoa, essa incerteza, porque é nela que tu vives. É nela que te liberto. Não te quero compacta, sólida, una. Quero-te no movimento difuso dos pensamentos, numa dança em que cada gesto é ao mesmo tempo criação e fuga. Apetece-me a rebeldia do ambíguo. B: Já me acusaram de ser incoerente. A: Porque tu não cabes nas histórias que nós tanto gostamos de contar. Quando se é capaz de vogar na própria impermanência, sem temer o caos, é impossível ser massacrado pelos nomes ou pelas descrições. B: A incoerência é absurdamente ampla, espaçosa. A: Agora vejo-te. À contraluz, sentada a uma janela que fere a manhã soalheira e morna, que fere o oceano lá fora. B: Adequo-me à cena? A: Não consigo perceber bem os teus traços. És como um espectro trémulo, diáfano. Dissipas-te no fumo do cigarro que fumas, nos raios de sol onde navegam corpúsculos de pó. Dispersas-te na maresia, no tempo que se desfaz. B: E agora? A: Agora? Olha. O fogo rebola no céu. Pum! Bate no horizonte. O mundo enternece-se no lusco-fusco, as colinas do deserto brilham sob a lua, e as ondas continuam a murmurar no seu vaivém noturno. És tudo isso. E nada disso. B: Continuarei à espera. Enquanto te escreves em mim, eu vou vivendo em ti.
@martacasamorim
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Quand je mourrai je reviendrai chercher Les instants que je n’ai pas vécus près de la mer.
Sophia de Mello Breyner Andresen, La nudité de la vie - Inscription (Inscrição)
VO :
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
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O êxtase do ar e a palavra do vento Povoaram de ti meu pensamento. Passagem, Sophia de Mello Breyner Andresen
In: Mar novo (1958)
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Cansado de ver Machado de Assis flopando nas enquetes gringas? Eu criei esse blog pra ter uma ideia melhor do gosto literário da comunidade brasileira (ou lusófona) do tumblr e compartilhar recomendações, fazendo enquetes apenas com livros em português.
Atualizado 3 vezes por dia e moderado por @merricatnip
Regras para enviar sugestões
Você deve enviar suas sugestões pela caixa de perguntas e indicar o título do livro e nome do autor.
Serão aceitos livros de ficção e não ficção, contos, peças, livro de poesias, graphic novels e gibis (indique uma edição específica). Casos que fujam a essas categorias serão avaliados pela moderadora.
O livro não precisa ser de autoria brasileira, mas deve ser publicado originalmente em português. Autores moçambicanos, angolanos e portugueses são bem vindos.
Livros em fila e postados
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mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados. pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.
a dor de todas as ruas vazias.
al berto
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“(…)Sou chama e neve e branca e misteriosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!”
Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
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(Acima: Porções do Livro do Zohar encontradas na Biblioteca Pessoal de Fernando Pessoa que evidenciam o seu envolvimento na sabedoria da Kabbalah, as porções referidas são Safra de Tzniuta; Idra Rába e Idra Zuta via Biblioteca Privada Fernando Pessoa - The kabbalah unveiled)
Isaac Newton, o renomado cientista e matemático inglês, famoso por suas leis do movimento e da gravidade, também se interessou pela Kabbalah (Cabala). Ele estudou textos cabalísticos e procurou conexões entre a ciência e a espiritualidade. Johann Reuchlin, um humanista e estudioso alemão do Renascimento, foi um dos primeiros a introduzir a Kabbalah na Europa Ocidental. Seu trabalho “De Arte Cabbalistica” contribuiu para popularizar a sabedoria cabalística. Johann Wolfgang von Goethe, o poeta, escritor e filósofo alemão, também explorou a Kabbalah em sua busca por conhecimento espiritual. Sua obra “Fausto” contém elementos cabalísticos. Além disso, o poeta português Fernando Pessoa, conhecido por sua multiplicidade de heterônimos, também se envolveu com a Kabbalah que vem a se tornar mais evidente nos seus escritos de natureza aparentemente poética. Giordano Bruno, o filósofo renascentista italiano, estudou a Kabbalah e a alquimia. Suas ideias sobre a infinitude do universo e a unidade de todas as coisas refletem influências cabalísticas.
📌Gostaria de saber mais informações sobre essa sabedoria?
Inscreva-se ou siga o canal do Youtube
https://www.cursosdecabala.com.br/
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Uma espécie de pré-neurose do que serei quando já não for gela-me corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me de dentro. Numa névoa de intuição, sinto-me, matéria morta, caído na chuva, gemido pelo vento. E o frio do que não sentirei morde o coração atual.
-Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
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Os Lusíadas, de Luís de Camões
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A morte é a curva da estrada,
A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
Fernando Pessoa, Poesias
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António Franco Alexandre (1944)
Fica dentro de mim, como se fosse eterno o movimento do teu corpo, e na carne rasgada ainda pudesse a noite escura iluminar-te o rosto. No teu suor é que adivinho o rastro das palavras de amor que não disseste, e no teu dorso nu escrevo o verso em pura solidão acontecido. Transformo-me nas coisas que tocaste, crescem-me seios com que te alimente o coração demente e mal fingido; depois serei a forma que deixaste gravada a lume com sabor a cio na carícia de um gesto fingido. – António Franco Alexandre in Duende (assírio & alvim, 2002)
Nasceu em Viseu, Portugal, em 1944. Estudou matemática em Toulouse, na França, entre 1962 a 1969, terminando sua graduação nos Estados Unidos. É doutor em matemática pela Universidade de Harvard e doutor em filosofia pela Universidade de Lisboa, onde leciona na Faculdade de Letras. O poeta estreou em livro com Distância, uma pequena edição de autor de 1969, mas ao recolher todo o seu trabalho ao fim da década de 90 escolheu não incluir este livro. O próximo livro seria Sem Palavras nem Coisas, em 1974. A estes seguiram-se Cartucho (1976), Os Objectos Principais (1979), Visitação (1983), A pequena face (1983), As Moradas 1 & 2 (1987) e Oásis (1992), reunidos em Poemas (Lisboa: Assírio & Alvim, 1996).
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Fotografias
Ainda hoje, ao abrir a gaveta da escrivaninha e encontrar as tuas fotografias, sinto renascer em mim um desejo antigo, quase visceral, de querer ser outra pessoa. Porque eu fui tantas, tantas! E, no fim, deixei-me reduzir a uma só. Acho que é por isso que, passados tantos anos, as imagens que guardas – ou talvez que libertas – continuam a maravilhar-me. Cada uma é uma história, um mundo inteiro em suspensão, a mesma mulher a multiplicar-se em versões tão diferentes, tão inesperadas, que me levam a perguntar: como pode tudo isso caber num único ser humano?
Eu, por outro lado, quando perdia uma rotina, perdia o mundo. Sem as linhas que os dias desenhavam, desfaziam-se os contornos do meu universo. Tudo ficava amorfo, indistinto, e eu já não sabia onde começava ou terminava o quê. As regras do quotidiano, essas linhas tão finamente traçadas, davam-me limites. Delimitavam-me. E, por mais que me queixasse da sua rigidez, eu agarrava-me a elas como quem se agarra à margem de um rio furioso. Elas diziam-me quem eu era, ou pelo menos quem eu deveria ser. Diziam-me como falar, como me apresentar, como existir. Porque tínhamos uma linguagem comum, não é? Uma linguagem onde não havia muito espaço para mal-entendidos, mas também nenhum para a Poesia.
E foi isso que percebi tarde demais: a Poesia não cabia naquele mundo que eu conhecia. Ela era o meu outro eu, o meu eu escondido, sussurrante, tímido. Um eu tão distante que parecia inexistente. Mas era eu. Era eu mais do que todas as outras coisas que eu tinha sido. Porque nesse eu cabiam todos os outros eus, os eus que nunca permiti que emergissem, que se mostrassem, que gritassem. Todos os eus que me habitavam e que, se eu não tivesse sido tão cobarde, poderiam ter reescrito a minha história.
E então, olho para ti. Para as tuas fotografias. Para o que elas revelam. E percebo: tu foste capaz de fazer aquilo que eu nunca fui. De dar corpo aos teus outros eus, de os deixar viver, de os imortalizar. Há uma coragem feroz em cada imagem tua, uma audácia que eu só agora consigo nomear. Porque tu te recusaste a ser uma só, enquanto eu, por medo, aceitei a abreviação de mim mesma.
Quem me obrigou a isto? Quem me estreitou, quem me encaixotou nesta forma reduzida? Foram eles? Fui eu? Talvez nunca saiba. Mas agora, olhando para ti, sinto que ainda há tempo. Talvez nunca recupere o que não vivi, mas talvez ainda consiga resgatar o que me resta. Ainda há tempo para devolver espaço à Poesia. Ainda há tempo para me multiplicar. Porque o que me dói não é o que vivi; é o que deixei por viver. E isso, talvez, ainda possa ser resgatado.
@martacasamorim
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Un jour je serai et la mer et le sable, À tout ce qui existe je vais m’unir, Et mon sang entraîne en chaque veine Ces bras qu’un jour je vais ouvrir. Alors je recevrai dans mon désir Tout le feu qui demeure en la forêt Et que je connais comme en un baiser.
Sophia de Mello Breyner Andresen, La nudité de la vie - En tous les jardins (Em todos os jardins)
VO :
Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.
Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.
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Sophia de Mello Breyner Andresen (1969)
Direção: João César Monteiro
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levanta-te e obedece à criança que foste
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