#diálogos da fé
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stand1ngn3xtou · 5 months ago
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| and all at once, you are the one
— player! yuki ishikawa × OC
— gênero: fluff, sugestivo, um pouco de angst
— conteúdo/avisos: galerinha menor de 16 anos, vamos passando por favor! Os diálogos que estão em itálico são em inglês.
— word count: 7,5K
— nota da autora: pense numa luta de escrever algo sobre esse homem. Um baú pela fé! Mas acredito eu que tenha ficado bom e condizente com o que vejo da personalidade dele!
Yuki P.O.V
Um barulho estridente entra pelos meus ouvidos, e mal preciso raciocinar pra saber que é o despertador me avisando que era hora de levantar. Não tive dificuldades de sair da cama, já que consegui dormir bem. Bom, melhor que esses últimos dias com certeza. Ohei no relógio e marcava 7:30hs e resolvi dar início ao meu dia, já que teria jogo hoje. Abri as cortinas e dei de cara com o dia limpo, brilhante e fresco, logo no começo do dia, o que muito me impressiona, já que essa última semana foram apenas dias nublados e escuros, às vezes chuvosos. E sentia que isso inconscientemente afetava o meu humor.
Os rapazes do time, que mesmo novos no meu ciclo de vida, conseguiam perceber, e Loser falava muito sobre isso pra mim. Como eu parecia abatido, mas não tinha um significado real para isso, mesmo que eu sentisse que tinha algo faltando. Então, resolvi por a culpa nos dias cinzentos. Pode ter sido também o cansaço, ter que me readaptar em um clube novo, num lugar novo na Itália e com as mudanças no meu corpo de novo. Mas nada que impedisse de seguir a minha vida, e foi isso que me propus à fazer. Entrei no chuveiro para lavar rapidamente o corpo, já que iria suar de toda forma no treino e no jogo do fim de tarde de hoje, não perdi muito tempo com isso. Fui fazer a minha comida de sempre para tomar meu café da manhã e pegar meu carro para ir em direção ao centro de treinamento e ginásio do Perugia.
As ruas dessa comuna da Itália são pacíficas. Catedrais bonitas e grandes, cheias de detalhes. A capital da Úmbria parecia sair de um filme, e hoje em específico ela estava florescendo. O clima realmente estava muito agradável, me sentia bem só de olhar os lugares. Estacionei em uma vaga escondida que tinha por dentro, e fui pegar minhas roupas e equipamentos no porta malas do carro. Antes de entrar para a parte que da no vestiário, meu telefone toca com o nome de Ran brilhando na tela. Sorri largo antes de atender.
"Oi carinha! Quanto tempo, quais são as novidades?" enquanto falava com ele pelo celular, cumprimentei todo mundo que estava presente no vestiário e já fui pro meu espaço para colocar a roupa do treino muscular.
"Oi Yuki! Por aqui tá tudo bem, e com você ai?"
"Por aqui tudo na paz!"
"Que ótimo! Bom e de novidades eu tenho algumas sim... Inclusive, você já está no centro do Perugia?"
"Sim, porque?"
"Porque, Melissa veio me encontrar no Japão, e nós vamos para a Itália, inclusive já estamos aqui, e resolvemos assistir o jogo do Perugia. Estamos nós dois e algumas amigas dela. Vieram fazer uma viagem de garotas pela Europa."
"Você tá falando sério? Vocês estão aqui?" minha felicidade era tão genuína que mal percebi que tinha colocado a camisa ao contrário enquanto falava com ele no viva-voz.
"Estamos sim senhor! Melissa tá com saudade de você também, assim como eu. Depois do jogo a gente pode sair pra comer ou algo assim, afinal de contas as meninas estão conosco também."
"Elas foram pro Japão com Melissa? Pra conhecer você?" coloquei fones conectado no celular pra poder continuar falando com Takahashi e não incomodar ninguém, enquanto seguia para a academia.
"Não, elas estão em Roma à alguns dias, Melissa veio sozinha pro Japão, fazer uma surpresa pra mim e voamos juntos para a Itália, e falei com Loser e ele conseguiu ingresso para nós três."
"Três? Eu achei que tinha mais gente." me senti confuso com o número.
"E tem, é Melissa e mais três amigas, mas duas delas resolveram sair para aproveitar Roma pela noite, e apenas ela e sua outra amiga vão para o jogo."
"Então tudo bem, eu vou pedir pra deixarem a entrada de vocês três reservada para área VIP, vai ser melhor da gente se encontrar quando acabar o jogo, e assim que tiver chegando me manda uma mensagem."
"Pode deixar capitão, até mais tarde!" sua voz tinha um fundo de sorriso, e me fez sorrir também.
"Até mais tarde garoto." desliguei a chamada com um sorriso enorme no rosto. Ran fazia falta, seria bom rever ele, e também sua namorada.
Com os fones já conectados, coloquei uma playlist aleatória pra tocar enquanto seguia com os exercícios, tinha muito o que fazer. Perto de 12hs o almoço estava liberado no refeitório e o time todo foi comer. Sentei na mesa com Loser e mais outros jogadores, enquanto pegava algo leve mas proteico para comer. Ficamos lá por vários minutos conversando sobre o jogo da tarde de hoje, e assim que terminamos de comer, fui falar com o supervisor do ginásio para informar da chegada de Ran, e logo em seguida, segui o resto do time para a quadra onde iniciariámos o último treino antes da partida.
* - - ⓨ - - *
Estava se ajeitando os últimos toques para o jogo ter início. Todo mundo estava trocado e se alongando um pouco no vestiário. Jogaremos contra o Padova hoje, um time repleto de atletas excepcionais, mas não importa como fosse, nosso time tem toda capacidade de ganhar. Ao entrar na quadra para começarmos à aquecer, já estava quase cheia as arquibancadas. Me posicionei, depois de cumprimentar alguns fãs, - os quais sou sempre muito grato pelo apoio, - para começar a me alongar. Enquanto fazia isso, tentava procurar Ran com os olhos ao redor do ginásio. Ele havia me mandando mensagem à pouco mais de 20 minutos dizendo que estava perto do ginásio já. Ao que parece, ele percebeu que eu estava à sua procura e levantou o braço na área VIP pra acenar pra mim, e Melissa fez o mesmo. Retribui com um sorriso.
Assim que ele acenou pra mim, olhei um pouco pro lado e vi a moça que estava junto deles, acredito ser a amiga de Melissa que ele falou, mas no momento, ela era apenas um imã para meus olhos. Por não ter contato comigo, ou parecer apenas impressionada pelo nosso ginásio, não participou das saudações, mesmo com um sorriso enorme no rosto o tempo todo. Nada disso me importou sendo sincero. Estava vidrado no rosto dela. Não parecia ser tão mais velha que Melissa, então tentei desfocar minha atenção um pouco, já que ela era pouco mais nova que Ran, e provavelmente ela era uma criança pra mim com meus 29 anos.
Ao me dar conta do meu pensamento, ri incrédulo comigo mesmo. Sou um pateta não é? Nem conheço a menina, já estou fazendo suposições porque achei ela bonita. Já fui melhor, sinceramente. Parecia que não via uma mulher à séculos (mesmo que faça realmente um tempinho desde a última vez que me relacionei com uma), estava agindo como um irracional, sem o menor cabimento. Voltei o meu foco para o que importava, o jogo. A rodada de aquecimento de ambos os times terminou, e o jogo enfim, tinha início.
Cada saque, cada recepção, cada ponto, era uma adrenalina fervente que passeava pelo meu corpo, uma corrente elétrica que me deixava acordado, hoje mais do que antes. Não foi uma partida fácil, 3x1 para nosso time mas ainda assim com placares passando de 25 pontos em todos os sets. Não podia negar que sentia certa falta do Milano, mas me entrosar assim com o pessoal do Perugia era incrível, e ter mais uma vitória contada pra gente, era mais do que incrível. Agradecemos ao público, tiramos algumas fotos e demos alguns autógrafos e o técnico fez uma pequena reunião antes de liberar a gente. Teríamos dois dias de folga por causa do jogo de hoje, mas a quadra de treinamento está sempre aberta pra todos. Por ter mais conhecimento e intimidade com Agus, e agora, morando no mesmo complexo que ele, sempre saímos juntos do ginásio. Mas como hoje Ran está por aqui, convidei ele pra vir jantar conosco, mas o mesmo recusou, dizendo que ia se encontrar com uma garota que conheceu em uma das suas caminhadas. Vi Takahashi se aproximar da gente e nos cumprimentar, e falei que só ia tomar um banho pra gente poder sair, ele concordou e ficou falando com Agus.
Resolvi não prestar atenção na moça que acompanhava o casal pra não perder o foco novamente, apenas segui em direção ao banheiro e tomei meu banho, completo e demorado dessa vez. Separei uma roupa versátil e leve pra vestir, uma que normalmente uso, sapatos e uma camisa branca, larga e uma calça jeans preta. Peguei uma jaqueta preta pra colocar por cima, pois imaginei que estivesse frio. Assim que estava terminando, Ran me avisou que estava me esperando no estacionamento. Coloquei meu perfume e arrumei minhas bolsas pra colocar no meu carro e fui encontrar eles. Ran tinha seu braço em volta de Melissa, enquanto o casal falava com a moça, e agora, não tinha mais como escapar.
Me aproximando mais conseguia perceber o quão bonita ela realmente era. Usava um vestido branco de lã, com uma bota comprida, a roupa toda desenhava bem seu corpo, que era muito bonito também. Tinha cabelos longos e ondulados que estavam presos pela metade, davam um ar jovial para ela. Parecia ser alta, pelo menos um pouco mais que Melissa. Meu companheiro de seleção percebeu minha aproximação e me cumprimentou de novo, assim como a namorada, que fazia bastante tempo que eu não via.
"Yuki! Ai quanto tempo! Como você está?"
"Oi pequenininha, estou bem! E vocês como estão?" ainda tinha seus braços envolvidos em mim enquanto nos falávamos.
"Estamos bem grandão. Olha, acho que o Ran já te informou sobre a situação, queria muito que minhas outras amigas tivessem vindo mas elas preferem badalar a vida, pelo menos consegui arrastar uma. Yuki, deixa eu te apresentar a que sobrou, essa é Helena. Helena, esse é nosso amigo, e parceiro de equipe do Ran, capitão do time japonês, Yuki Ishikawa." ela fez uma apresentação como se eu fosse a pessoa mais importante do país, ri um pouco da formalidade mas agradeci. Helena esticou sua mão pra mim, e eu prontamente peguei. Era quente. Delicada.
"Olá Helena, é um prazer conhecê-la." me prontifiquei em ser educado, e valeu à pena pelo sorriso que recebi.
"Olá Yuki, o prazer é todo meu. É uma honra finalmente te conhecer." tá, uau, okay. Sua voz parecia mel, e parecia derreter meus ouvidos e arrepiar meus pelos quando disse meu nome. Queria escutar de novo.
Combinamos de ir para um restaurante pequeno e local, onde a comida era muito boa. Fomos no meu carro, já que eles resolveram ficar em um local perto do ginásio para melhorar a locomoção. As moças foram atrás, ao que parece eram do mesmo país e amigas à algum tempo, desde que Melissa começou a trabalhar na FUNAI, as outras amigas eram primas de Helena, e irmãs gêmeas. Resolvemos ficar na parte aberta do restaurante, que era ventilado e bem iluminado, com uma decoração arborizada. Era um ambiente aconchegante e relaxante. Enquanto comíamos, os assuntos eram variados, e acabei descobrindo várias coisas sobre Helena nesse meio tempo. Ela resolveu fazer uma viagem com as amigas pra saber qual lugar iria condicionar o seu intercâmbio acadêmico de medicina veterinária. A moça de 24 anos (perto de fazer 25) disse que sempre foi apaixonada por animais e queria dedicar sua vida pra isso. Aparentemente tinha gostado da Itália, e não posso negar que me animei em ouvir isso. Ela gostaria, que se possível, fazer a faculdade e já começar a atuar na área aqui, estava tendo algumas aulas de italiano para facilitar o processo também.
"Bom, se a sua ideia é aprender italiano, o Yuki pode dar ótimas aulas, já que ele aprendeu praticamente sozinho o idioma e fala muito bem!" Ran falava com a cara mais limpa que eu já tinha visto. O rubor no meu rosto era aparente, e acredito que Helena tenha percebido, pois achou graça e riu fraco.
"Ele está exagerando, não é assim..." tentei desconversar.
"Bom, ao que parece você realmente fala bem o idioma, e eu estou aceitando qualquer tipo de ajuda! Então, se tiver como dar as aulas, eu aceito." eu não estava esperando por isso então fiquei meio sem graça, mas tinha amado a ideia com certeza. "Estou brincando, não vou ocupar seu tempo dessa forma."
"Ah não se preocupe, eu não iria me opor de qualquer forma." tentei ser o mais sutil possível, mas ela percebeu minhas intenções de alguma forma.
O decorrer do jantar, com a sobremesa, foi muito agradável. Como estava dirigindo e jogando também, não quis beber, só as meninas tomaram algumas taças de champagne, mas resolveram seguir a gente nas bebidas sem álcool. Deixamos o carro perto de uma rua, e resolvemos caminhar um pouco para espairecer o jantar. Melissa e Helena resolveram ficar atrás vendo todos os detalhes da cidadela, enquanto eu e Ran íamos na frente para falarmos e nos atualizarmos um do outro. Na época de clube eu sentia uma falta enorme dos meus companheiros de seleção, e depois das Olimpíadas de Paris com a nossa derrota, e alguns membros deixando a seleção, a gente apenas se uniu mais. Melissa chamou nossa atenção dizendo que pegaria um algodão doce pra ela, e nós resolvemos esperar. Helena ficou acompanhando a amiga, e tirei um tempo pra prestar atenção na garota. Ainda estava embasbacado com a beleza dela, me sentia sem jeito mesmo só olhando pra ela, e sendo sincero, queria tentar ficar à sós com ela, mas não sabia como iniciar.
"Que cara é essa Yuki?" Ran parecia ter percebido os mil pensamentos correndo na minha cabeça, e resolvi ser sincero.
"Ai cara, não sei. Eu me senti muito atraído por ela, mas não sei como agir. Faz muito tempo desde que me relacionei com alguma mulher pra ter algum tipo de conversa ou algo assim. Geralmente as que eu fico é só alguns beijos ou coisa do tipo. Não tenho muito tempo ou disposição, você sabe."
"Eu entendo Yuki, mas olha, pelo pouco que falei com Helena, ela é uma garota super incrível, não é difícil falar com ela ou fazer um assunto. Ela não parece se opor à ficar com você caso vocês conversem um pouco. Eu e Melissa podemos deixar vocês à sós um pouco. Mas eu sei que sua principal dúvida nisso tudo é pelo fato dela ser um pouco mais nova que você. Não é?" me senti surpreso em como eu não tinha falado nada sobre aquilo e ainda assim ele havia percebido.
"Eu entendi isso quando vi você se segurar em algumas coisas que você falava, tentando não soar muito assertivo ou coisa do tipo. Tentando não ser invasivo demais, andando em casca de ovos. Ela não se importa com isso Yuki, se deixa levar. Fica tranquilo, seja você. Caso não role nada, pelo menos você ganhou mais uma amiga." ambas se aproximaram de nós novamente e Ran me deu mais um toque antes de voltar pra sua namorada e me deixar à sós com Helena.
Andamos lado à lado por um tempo em silêncio, até que resolvi quebrar o gelo, levando em conta o que Ran tinha me dito, e que tinha certa razão. Não iria perder nada se não ficássemos juntos por um momento, mas eu tinha algo à ganhar, tendo alguma relação ou não com ela.
"O que você tá achando da cidade até agora? E da viagem também." deixei meu tom de voz ameno, pra não assustar ela e nem chamar atenção do casal.
"É de longe uma das cidades mais lindas que eu vi nessa viagem. É muito aconchegante, parece uma vila antiga bem estruturada. E as construções são belíssimas. Quero ver se tenho tempo de dar uma volta nas galerias e museus que tem aqui."
"Olha se quiser, eu posso te levar neles. Fazer um mini tour pela cidade talvez? Ran e Melissa iriam conosco." dei a ideia, mas não queria que fossem de verdade, fiz só pra deixar ela confortável.
"Além de professor em horas vagas, você também é guia turístico? Tá saindo melhor que a encomenda viu senhor Ishikawa..." ri um pouco do seu comentário.
"Bom, depois de morar tanto tempo na Itália a gente acaba desenvolvendo uma ou outra habilidade, mesmo que eu já seja velho pra isso." vi ela parar no caminho pelo canto do olho, e virei confuso pra ela. Melissa e Ran se afastavam de nós um pouco. "O que foi?"
"Você ai se chamando de velho. Tá maluco Yuki? Você ta na flor da idade, é super jovem, inclusive parece ser ainda mais jovem do que é. Sua idade não é um problema. E você não é nada de velho. Uma pessoa velha não faz metade do que vi você fazer em quadra hoje. Para com isso hein? Um homem lindo, elegante, determinado como você me dizendo que é velho. Cada uma." achei graça da sua indignação. Voltamos a caminhar.
"Bom, obrigada Helena. Mas é que eu realmente me sinto assim, tanto pelo meu modo de viver e por passar tanto tempo sozinho também. Em minha profissão eu não posso ir até meus 40, mesmo querendo se eu pudesse. Quero me estabelecer e construir uma vida com alguém, mas na minha idade não é tão fácil. Tenho quase 30 já." tentei fazer ela entender meu ponto de vista, mas ela parecia determinada em me fazer pensar o contrário. Agarrou meu pulso e me parou à sua frente. Nossos olhos ficaram quase da mesmo altura por conta de seu salto e à vendo tão de perto assim, quase perdi o fôlego.
"Nem começa. O modo como você vive não é culpa sua de forma alguma. É o jeito que você escolheu viver pra consegui se sair bem naquilo que você tanto ama fazer que é jogar. E olha, sinceramente, vendo você em quadra, e fora dela, me perdoe, mas pretendente não falta. Sei que pra construirmos uma família é bom que seja alguém ideal pra isso, pois é um passo grande que se dá na vida." cada palavra que saia de sua boca era verdade, e me senti hipnotizado pela forma como era firme em dizê-las.
"Você é um homem incrível Yuki, pelo pouco que conheci de você hoje. É íntegro e muito responsável. Super focado e muito resiliente, além é claro de ser muito bonito e atraente. Mas você precisa se soltar mais. Não dá pra pensar em ter uma pretendente sem ao menos tentar conhecer alguma, por mais corrida que sua vida seja, não precisa beber ou algo assim, só sair, conhecer pessoas novas. Tenho certeza que logo menos você vai ter tudo aquilo que deseja." quis beijá-la. Agarrar ela ali no meio da rua e consumir ela, até onde pudesse ir. Quis encher ela com meu gosto e ser invadido pelo seu. E infelizmente não consegui segurar, minha boca foi mais rápida que minha cabeça.
"No momento, o que estou desejando é você." vi ela se espantar com meu comentário, mas não pude me importar menos. Tinha meus olhos vidrados em sua boca, minhas mãos agindo por conta própria e querendo tocá-la. Ela olhou para os lados como se buscasse alguma coisa, e antes que pudesse pensar, suas mãos me puxaram pela nuca e nos beijamos.
Me senti fraquejar, perder a força das pernas e da mente. Uma nuvem se apossou dos meus pensamentos e nela só sentia o gosto do seu beijo. Por ser maior que ela, suaa mãos pareciam se perder no meu cabelo e ombros. Para me manter de pé, agarrei sua cintura, como se fosse a coisa responsável para me dar forças e me manter ali. Quis puxá-la pra mais perto, mas caso fosse possível ela se fundiria à mim, já que não havia espaço suficiente pra nós dois. Não ali, ou lugar algum. Com o fôlego cessando, ia diminuindo o ritmo frenético do beijo, enquanto ela acariciava minha nuca e os cabelos ali, e a outra fazia um carinho em meu peito. Nos separamos como se estivéssemos em êxtase, nossos corpos arrepiados e entregues. Me sentia flutuar, absorto da sensação de ter sua boca contra a minha, não sabia pensar em mais nada. Preciso beijá-la de novo.
"Acho que o casal foi embora, deixaram a gente aqui."
"Que bom, pelo menos não atrapalham a gente." ela me deu um tapa leve no peito, me repreendendo e ri. "Já que eles nos deixaram aqui, você gostaria de ir pra minha casa? É perto daqui. Podemos tomar alguma coisa, aproveitar o resto da noite." não sabia negar minhas intenções, não queria.
"Você sabe que é uma proposta tentadora? Como fui abandonada aqui na rua com um belo rapaz, acho que terei que aceitar." sua fala era baixa, sedutora e mordaz. Seus dedos passeavam pelo meu peito enquanto sua voz desenhava melodias no meu interior. Peguei sua mão e guiei ela pra onde o carro estava.
Parei em alguma loja de conveniência para comprar uma bebida leve para nós dois e alguns petiscos também. A ida até meu apartamento foi rápida, e chegando lá, vi uma mensagem de Ran.
"Eu e Melissa resolvemos continuar a caminhada à sós já que vocês pareciam estar se entendendo bem. Espero que tenha deixado de vergonha e feito algo! Aproveita a noite com ela, que eu vou aproveitar com a minha namorada. Até mais!"
Ri da sua mensagem mas mentalmente agradeci. Deixei o carro na minha vaga do estacionamento do prédio, cumprimentei o porteiro e subi com Helena para minha casa. Enquanto esperávamos o elevador subir, ficamos trocando algumas carícias, toques leves e olhares pesados. Se não tivesse tanta paciência já teria agarrado ela bem aqui, mas não queria ser desrespeitoso e resolvi esperar. O elevador chegou, algumas outras pessoas entraram também, falei com todas e nos posicionamos no fundo da caixa de metal. Provocava ela tocando em sua cintura, beijando sua têmpora, ajeitando seu cabelo, e sentia sua respiração pesar. Sorria satisfeito com o que causei.
O caminho até minha porta foi silencioso, deixei que ela entrasse primeiro no meu apartamento e acendi as luzes. Tirei meus sapatos e fechei a porta, enquanto percebi ela analisar cada cantinho da minha sala. Deixei ela olhando tudo enquanto colocava o que comprei na cozinha, e assim que voltei ela estava encostada na parte de trás do sofá, admirado algumas fotos que tinha na parede. Cheguei perto dela de forma sutil, peguei sua mão e depositei um beijo no dorso, fui subindo. Passei pela extensão do braço até chegar ao ombro, coloquei seu cabelo de lado e a mesma deixou o pescoço cair pro lado, me dando mais acesso à pele exposta. Seu corpo parecia pegar fogo ao meu toque, do mesmo jeito que eu me encontrava com o seu. Tinha um cheiro bom de lavanda espalhada por ela, e enquanto depositava beijos e algumas mordidas esporádicas na pele do pescoço, sua mão puxou minha camisa e fez ficar de frente pra si. Olhei pra ela por cima, querendo captar cada detalhe antes de me afundar no mel dos seus lábios.
Com ela escorada no sofá e eu pressionando o seu corpo pra perto do meu, deixamos nossas bocas comunicarem o desejo que compartilhavam entre si. Íamos acelerando, diminuindo, respirando e fazendo tudo de novo. Me sentia preso nas carícias dela, como se tivesse uma força gravitacional me colocando fora de órbita dos meus sentidos e da minha noção. Pedi pra ela sentar e escolher algo pra gente assistir enquanto pegava algumas coisas pra gente saborear e passar o tempo (além das nossas bocas). O vinho que comprei tinha uma porcentagem bem pequena de álcool, era quase um suco de uva natural, já que não costumo e nem posso beber muito. Nos servi e me sentei ao seu lado.
Com o passar do tempo enquanto íamos revezando entre ver o filme, beliscar algo, e nos beijar, resolvi tirar minha jaqueta, pois estava sentindo a temperatura esquentar, provavelmente pelo aquecedor. Depois que coloquei ela no cabide da sala e voltei pro sofá, senti o olhar de Helena me penetrar, analisando e reparando em cada detalhe que podia ser visto do meu corpo, e pela primeira vez na noite, fiquei tímido. Conseguia sentir minhas bochechas esquentarem ao ponto de saber que estavam vermelhas, e quase não consegui manter contato visual com ela.
"O que foi? Tudo bem?" tentei não parecer patético, não funcionou.
"Tudo ótimo... Melhor que nunca." sua resposta foi direta, e sem rodeios para achar outra coisa.
De repente me senti acanhado de estar próximo dela. Obviamente não à trouxe pro meu apartamento com intenção puramente sexuais, óbvio que se rolasse eu não iria me opor. Mas agora pensando nisso, e nela, e toda a situação que passa na minha mente, começo a ficar nervoso, e não acho que tenha sido discreto sobre isso, pois ela percebeu.
"O que foi gatinho? Você parece tenso." suas mãos alisavam meus braços e ficava em um conflito enorme entre perder a cabeça ou manter a compostura.
"Ah, não é nada, acredito que seja o cansaço do dia batendo no corpo agora. Só isso!" quis passar confiança no que dizia, e acredito que convenci ela.
"Ai nossa eu imagino. O jogo foi super puxado e você ainda veio acompanhar a gente depois, deve estar todo dolorido. Quer que eu te faça uma massagem?" me virei pra ela quando proferiu a frase e dei de cara com seus olhos brilhantes. Ia recusar, mas ela ofereceu de tão bom grado que não faz mal.
"Não quero que se incomde com isso... Mas eu adoraria." ela negou o incômodo com um sorriso fatal pra mim, e percebi. Deveria ter dito que não. Acabei de cavar minha cova.
Com um pedido de licença, ela se posicionou calmamente sob meu colo, ficando na metade da minhas coxas que estavam fechadas, com uma perna sua de cada lado. Enquanto prendia o cabelo em um rabo de cavalo alto e aquecia as mãos, tentava manter minha respiração controlada, assim como minhas mãos, que queriam voar pra cintura dela. Seu corpo depositava um leve peso sob mim e quis pegá-la no colo no mesmo instante que suas mãos foram pros meus ombros. Estavam quentes e escorregadias, mas eram firmes e habilidosas. Mesmo que não estivesse tão tenso assim, ela conseguiu relaxar meu corpo ainda mais, tanto que fiz tudo no automático.
Apoiando ela mais pra cima das minhas pernas, foi automático. Aplicando uma leve pressão com apertos em sua cintura macia, foi automático. Minha cabeça indo pra trás, meus olhos revirando, e um som quase que ridículo saindo pelo fundo da minha garganta, foi super automático. Infelizmente, a reação que tive quando senti ela beijar a extensão do meu pescoço também foi automática, mas não tive a intenção. Apenas acordei do meu devaneio e percebi o que estava acontecendo.
"Helena, calma. Desculpa. Eu acho que me precipitei um pouco. Me perdoa se toquei em você de alguma forma que-"
"Yuki, tá tudo bem. Se eu não quisesse que você tocasse em mim, eu teria afastado sua mão." ela tentava me certificar alisando meu peitoral e ombros ainda por cima da blusa, mas isso só fez tudo embaralhar mais minha cabeça.
"Sim, não. Quer dizer, não. Eu não sei se você se sentiria confortável comigo fazendo isso, e eu só fiz..." tentava colocar um pensamento coerente pra fora mas eles pareciam presos.
"Eu não estou desconfortável, com toda certeza. Eu ofereci a massagem porque vi você tenso. O que aconteceu durante ela não tem nada de errado, ou tem pra você?" inclinou a cabeça pro lado, confusa.
"Não, não é isso! É que, eu tive medo de você pensar algo errado ou algo assim, achar que eu estava me aproveitando de você!"
"Ishikawa, você pode ter certeza que de errado eu já pensei várias coisas e todas pareceram certas pra mim, e eu não negaria de ter você se aproveitando de mim. Se eu não parei, é porque eu quis, e porque eu vi que você reagiu bem com meus carinhos. Ou estou errada?" meu corpo ofegante e vermelho não me deixava nem mentir.
"Não, muito pelo contrário, é só que. Pensei ter passado do ponto agindo dessa forma quando você apenas me ofereceu uma massagem, mesmo que eu não reclame dos toques ou qualquer coisa. Mas... Bom, eu sou um pouco mais velho que você, você não está desconfortável com isso?" quando terminei de falar, pensei ver o rosto dela modificar.
Ela me analisava como se tivesse alguma resposta preciosa escondida em mim pra o mais difícil dos enigmas. Lentamente, suas mãos foram de encontro a barra da minha camisa. Gelei. Ela olhou pra mim como se pedisse permissão e eu cedi, não estava com muita força pra negar. Senti o tecido de algodão passar lentamente pela minha cabeça, e assim que ela pousou a peça de roupa no sofá, se mexeu no meu colo até ficar basicamente no pé da minha barriga, o mais perto que conseguia chegar na posição que estávamos, e em seguida, segurou meu rosto com suas duas mãos e me fez focar em seus olhos. E foi o que fiz.
"Eu vou deixar bem claro pra não surgir dúvidas e questionamentos nessa sua cabecinha de novo então me escute com atenção. Se eu me importasse com a sua idade, eu não teria trocado meia dúzia de palavras com você. Eu não teria beijado você na rua. Eu não teria deixado você me trazer pra sua casa. Não teria me arrepiado cada vez que suas mãos passam pelo meu corpo, ou seus braços fortes me envolvem. Não teria subido no seu colo com a desculpa de fazer uma massagem idiota quando tudo que eu mais quero no momento é ter cada pedacinho seu em contato comigo." estava sem fôlego. Sem rumo. Sem noção. Mas ela continuou.
"Sua idade é a coisa que menos importa pra mim e pensei ter deixado claro o suficiente quando estávamos conversando naquela rua. Você não deixa de ser um cara maravilhoso porque é 5 anos mais velho que eu. Eu não poderia me importar menos com isso. Agora, se isso é um problema tão grande pra você, a nossa diferença de idade, eu entenderei e ficarei na minha. Mas se só for uma insegurança sua, uma dúvida impertinente, eu vou beijar você, e tocar você, até ela se dissipar da sua cabeça, entendido? Se sua idade importasse pra mim, eu não estaria implorando mentalmente pra ser sua." fiquei cego, tonto. Maluco.
À puxei com tanta força pra mim que pensei ter machucado ela de certa forma, mas o que doía mais era só a vontade de consumir cada mínimo pedaço dela. Levantei com seu corpo envolto do meu, e fui em direção ao meu quarto, enquanto ainda tentava deixar o mínimo de resquício de sanidade passar por mim. Queria colar meu corpo no seu, desenhar ele nas pontas dos meus dedos, aprender cada curva, cada pedaço, cada movimento. Os nossos beijos pareciam insuficientes ali. Quanto mais tinha dela, mais queria ter. Suas mãos e unhas percorriam minhas costas e abdômen, enquanto tentava não me perder beijando cada resquício de pele que encontrava. Falávamos profanidades um para o outro, cada poro de nossos corpos exalando desejo. Queria prender ela ali, na minha cama, na minha casa, na minha vida.
Percebi o quão idiota fui de me segurar ou de pensar que a idade entre a gente seria um problema. Agora sabia que o único problema ali era não ter ela comigo. Queria beijar, tocar, cheirar, desejar cada parte dela por quanto tempo eu pudesse, e nunca seria suficiente. E no decorrer da noite, enquanto o tempo passava sem a gente perceber, me afoguei nela.
* - - ⓨ - - *
Pensei em levantar correndo, sem lembrar onde estava, mas recordei que hoje era meu dia de folga e resolvi relaxar novamente. Pelo horário e do sol que estava lá fora, acreditei já passar das 8hs da manhã. Tentei me revirar na cama, pronto pra pra levantar e fazer minha rotina da manhã, mas tinha um peso impedindo que eu o fizesse. Olhei para baixo e vi Helena agarrada em meu corpo como um coala, seus braços envolviam minha cintura e suas pernas estavam jogadas na minha. Não sabia como ela não sentia calor, com seu vestido e meia calça ainda no corpo. Lembro de não passarmos de beijos e toques quentes ontem, por ser muito cedo ainda, mas o que fizemos, aproveitamos bem. Tinha um sorriso aberto no rosto, meu coração batendo forte e meu peito quente, pensando no que passamos ontem.
Tentei retirar ela de mim de forma leve, para não acordar seu sono e fui me arrumar. Estava sem camisa ainda, e com várias marcas por todo meu dorso, pra sempre me relembrar da noite passada. Tomei um banho rápido e me troquei para comprar algumas coisas numa conveniência próxima pro café da manhã. O meu seria o mesmo de sempre, mas gostaria que ela tivesse um diferente. Lavei minhas mãos e comecei à preparar o café, até meu telefone tocar. Ran me ligava, então resolvi deixar no viva voz pra não perder tempo.
"Bom dia bonitão, isso é hora de acordar?" seu tom de voz era alegre, e já me fez abrir um sorriso enorme.
"É meu dia de folga cara, deixa eu ter um pouquinho de paz."
"Eu imagino a paz que você teve. Gostaria de saber onde está a amiga da minha amada, você não sumiu com ela não né?" ri da pergunta, o que se passa na cabeça desse garoto?
"Ainda não! Estou planejando alimentá-la e depois sair sem rumo e derrubar o carro no precipício. O que acha da ideia?" meu tom sarcástico era forte, mas a conversa toda era muito engraçada pra mim.
"Alimente bem pra ela não se perder de barriga vazia." concordei rindo. "Mas falando sério agora, o que houve? Ela está contigo?"
"Está sim. Depois que vocês se afastaram da gente ontem, resolvi tomar uma atitude. E tudo que aconteceu foi muito no calor do momento, e agora que ela tá dormindo aqui e eu fazendo o café, to entrando em parafuso em pensar que vou encarar ela agora." meu rosto esquentou só de pensar nisso, e ao que parece o universo não quis deixar isso passar, pois senti seus braços envolverem minha cintura, e num leve susto me despedi de Ran, e me virei pra vê-la.
"Bom dia Yuki." sua voz sonolenta me fez ficar bobo. Como queria que toda manhã fosse assim...
"Bom dia linda. Dormiu bem?" acariciava seus cabelos com minha mão limpa, e a outra deixei fechada com meu braço em sua cintura.
"Muito bem, tinha um ursão de pelúcia me fazendo compainha." seu comentário fofo e arrastado me derreteu e me inclinei pra beijá-la novamente, mas ela recuou. "Nem pensar! Acabei de acordar e não escovei os dentes. Não mesmo senhor." fiz bico mas não retruquei, deixei ela subir pra se higienizar e se organizar, e a chamei para comermos juntos.
"O que planeja fazer hoje? Tenho o dia de folga, e posso ser completamente seu pelo resto do dia." perguntei para trazer algum assunto pra mesa, mas me arrependi da forma que falei quando vi seu olhar brincalhão pra mim, balançando as sobrancelhas.
"É mesmo? Bom é uma notícia ótima. Eu estava querendo conhecer algumas cidades pela redondeza, pensei em fazer isso com Melissa, mas a viagem tomou um rumo diferente, e como só tenho até hoje aqui, quero tentar por em prática." não pude deixar de notar o aperto que surgiu no meu peito quando ela falou em ir embora, mas não quero focar nisso agora.
"Bom, não seja por isso, chama os dois, e a gente se organiza e vai pra alguma." ela concordou e assim que terminamos de comer, falamos com os pombinhos.
O local escolhido foi Ancona. Como é um local litorâneo, deixei Helena no apartamento que ela está com Melissa para pegarem o necessário e fui com Ran comprar algumas coisas para usar na viagem. Enquanto nos falávamos decidimos ir para praia de Monte Conero que ficava na comuna italiana. O clima estava agradável, e como era uma viagem de mais de 1 hora, decidimos sair logo para aproveitar o clima. O caminho todo foi recheado de risadas, boa música e muito papo. Todos nos divertimos e agradeci mentalmente pela virada que minha vida teve nesses dois últimos dias. Jamais imaginei estar vivendo isso, tão inesperado, não é do meu feitio, mas Helena me faz querer viver, aproveitar cada momento que me é dado. Não vou negar e dizer que não gostaria de passar o dia de hoje inteiramente com ela, mas não nos conhecíamos. Éramos de certa forma estranhos um para o outro, e o foco principal dela com essa viagem não acredito que tenha sido se envolver com alguém, e sim aproveitar com a amiga. Eu só iria embarcar junto.
Penso no absurdo disso tudo que está acontecendo. Eu de todas as pessoas estou falando sobre ficar com alguém e ter ela por muito tempo comigo depois de um dia apenas. É carência, só pode ser. Passei boa parte do caminho pensando nisso, mas de nada adiantava, já que não mudaria o fato de que estava sentindo tudo isso. A última vez que namorei, foi pouco tempo depois de entrar na seleção japonesa, gostei muito dela, mas não o suficiente pra continuar. Não foi o suficiente pra ela. Sempre me dizia que o vôlei tinha muito mais de mim do que ela jamais teria, e resolveu terminar. E quando ela terminou, percebi que talvez ela estivesse certa. Doeu na época, mas não o suficiente pra pensar em correr atrás dela, pois tinha campeonatos mais importante para me preocupar do que apenas um término. E foi ali que nunca mais me relacionei sério com ninguém, fui nomeado capitão da seleção, e fiz minha vida na Itália, me relacionei com um mulher ou outra, mas meu tempo e dedicação era voltado somente para o vôlei, e não tinha como mudar isso mais. Refiz minha vida inteiramente pra isso, cada passo dado, cada caminho escolhido, foi única e exclusivamente pra chegar onde cheguei hoje, e não me arrependo de nada.
Mas de uns tempos pra cá, vendo todos meus amigos tendo filhos, se casando, construindo uma vida além da carreira, enquanto eu faço o contrário, construo uma carreira além da minha vida, e isso começa a pesar de certa forma, pois quero encontrar um equilíbrio para os dois, só acho que já esteja tarde para começar. Quero me provar enganado. Tenho medo de ter construído uma rotina que se torna tão intrínseca em mim, que não consiga sair mais, e caso tente, tudo desmorone. No meio dos meus devaneios, percebo que chegamos ao local que resolvemos passar o dia. Estacionei o carro perto da praia, que por ser uma segunda-feira, estava vazia e nos dirigimos para a areia quente. Não iríamos tomar banho, pois não trouxemos roupas para tal, mas resolvemos aproveitar o dia para jogar um pouco e relaxar ao sol, não que eu seja o maior fã da bola de ar quente sob nossas cabeças, mas o dia hoje pedia.
Espalhamos nossas coisas sob a manta que trouxemos, e as meninas já se animaram para jogar um pouco de toque, enquanto eu e Ran arrumávamos os comes e bebes que compramos. Ficamos vendo elas jogar enquanto conversávamos para passar o tempo.
"Onde você está?" Ran me pergunta genuíno, sentando ao meu lado enquanto come uma barra de proteína e me entrega outra, agradeço.
"Onde eu estou? Aqui, oras."
"Você está em vários locais, menos aqui Yuki. De uma meia hora pra cá, até chegarmos aqui, você se calou e sumiu. O que houve?" não conseguia entender o quão bem ele conseguia captar essas coisas.
"São pensamentos, coisas rondando minha cabeça, dúvidas. Quero tentar me manter no lugar."
"Mas esse lugar que você quer se manter, é bom? Te faz bem?" fiquei sem resposta imediata pra pergunta.
"Acho que sim, sempre me fez."
"Então, o que mudou? O que está acontecendo? Pode falar comigo capitão, nada aqui é segredo." agradeci mentalmente pelo apoio dele. Era realmente um menino especial.
"Eu não sei... Não sei Ran, sendo o mais sincero que posso. No caminho pra cá me peguei pensando na minha ex, do Japão, e tudo só veio desenrolando e agora está tudo embaralhado. São tantas coisas que mal consigo pensar."
"Essas questões tem a ver com Helena? O momento de vocês ontem não foi bom? Não se deram bem?"
"Quem me dera fosse isso, foi justamente o contrário. Enquanto estávamos na rua ainda, e depois que chegamos no meu apartamento, conversei com ela, e expressei minha insegurança em relação à nossa diferença de idade. E ela foi tão segura, tão certa, tão racional que me peguei pensando, o quanto mais eu posso perder da minha vida?" ele me escutava com atenção, concordando vez ou outra. "Não me arrependo de nada que fiz até aqui, de tudo que dediquei e sacrifiquei pelo meu sucesso, que é algo que tenho muito orgulho, e não quero que mude. Refazer toda minha rotina e todo trabalho que tive, mas até quando eu continuo com isso? Quero me casar, ter filhos, quero que eles me vejam jogar e que possa ter o respeito deles e a admiração também. Mas pra isso, tenho que me relacionar com alguém, como faço isso? Como faço pra funcionar? Tenho que deixar a pessoa entrar na minha vida e me ver por mim mesmo, cada mísero detalhe que sigo à risca à mais de 10 anos, e tenho que ser recíproco. Sem isso não tem como funcionar."
"E o seu receio é justamente por causa de querer fazer isso com ela?"
"Eu não sei. Nos conhecemos tem pouco mais de um dia, não posso simplesmente dizer que quero casar e ter filhos com ela e trazer ela pra o meu mundo sem ao menos conhecê-la. Mas me rasga por dentro a insistência que meu coração está tendo de fraquejar por ela. Isso não tem cabimento pra mim Ran, não tem. Eu não posso me propôr à ter um relacionamento com alguém sem saber se vai dar certo."
"Mas a magia de uma relação é essa Yuki. Não a incerteza de não saber o que pode acontecer, mas todo dia ter mais uma chance de fazer durar. Eu não estou dizendo pra você fazer uma loucura e casar com ela, ou que ela seja a pessoa certa pra isso, mas você não pode mais negar que tudo abalou no momento que você começou a sentir algo, e se deixou levar por isso. Rotinas se renovam e hábitos mudam Ishikawa. Não deixe de dar uma chance de sentir algo por ela, não deixe seu medo falar por você aquilo que o seu coração está sendo calado à força. Ninguém começa uma relação pensando em como vai acabar, não pense na sua como um fim, mas um recomeço. Dedique a mesma força e coragem que você tem no vôlei, para o amor. Uma hora, isso tudo pode acabar, sua carreira pode ser algo passageiro, sua vida e realizações não serão. Eu nunca vi você se render pra nada em sua vida, não se renda pra sua felicidade também." estava digerindo, tudo aquilo.
Minha cabeça e corpo e alma são devotas 100% do meu tempo para me dedicar ao esporte que tanto amo, que mudou minha vida, e me deu uma razão. O vôlei é e sempre será o meu primeiro amor. O mais genuíno. Construi uma vida com ele, venci batalhas internas e me superei junto dele. Quando voávamos, voamos juntos, e quando caíamos, caímos juntos. Sempre fiz questão de dar o meu melhor pra tudo em volta dele. Mudar meu corpo, alimentação, rotina, minha vida. E acabei mudando tanto que me mudei no processo pra alcançar o topo, e esqueci que as pessoas que nos levam até ele, vão permanecer se a gente despencar. Olhando aqui para os três, se divertindo, aproveitando, sorrindo e principalmente, se amando, me dei conta que minha felicidade não é segundo plano na minha vida e que o vôlei já tem seu espaço nela, só preciso preparar o espaço para colocar mais uma nova felicidade, a eterna.
Com o coração acelerado, minhas mãos suando, corpo arrepiado e trêmulo, meus sentidos estavam aguçados, me aproximei deles. As nuvens que estavam nublando minha visão se abriram, e deram espaço um sol lindo e brilhante, com um sorriso acolhedor e olhos cintilantes. Senti uma adrenalina fervente que passeava pelo meu corpo, uma corrente elétrica que me deixava acordado, hoje mais do que antes, agora mais do que nunca. Fui procurar então, um novo motivo pra minha felicidade.
"Posso me juntar à vocês?" encarava Helena enquanto falava isso, e o sorriso que se abriu no rosto dela, desapareceu com toda e qualquer dúvida que tivesse. Nunca fugi de me arriscar. Agora, o que estava em jogo, era minha alegria, e esse eu jamais me perdoaria se perdesse. Helena estendeu sua mão pra mim, como um convite.
"Sempre." tomei, e fui. Começar mais um capítulo na minha vida.
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Bom, está aqui mais uma fic dos meninos da seleção japonesa. Até o momento, esse foi o mais complicado de fazer. Ran é um livro aberto na minha visão, enquanto o Yuki está guardado à sete chaves, e por não conhecer ele (e na verdade, nenhum outro) peço desculpas se a personalidade dele estiver tão diferente, mas afinal de contas, é apenas uma história fictícia. Espero que tenham gostado da leitura, e até breve!
Novamente, aqui estão os visuais e como visualizo os personagens, mas eles ficam à critério de vocês também!
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A roupa do Yuki para o jantar, e o restaurante, eu vejo assim:
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littleson-oficial · 11 months ago
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Ao repreender os fariseus de seu tempo o Mestre declara que a "boca fala do que está cheio o coração" (Mateus 12:34), algumas décadas o Apóstolo Paulo, ao tratar acerca da salvação, escreve dizendo que "a fé vem por ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo" (Romanos 10:17).
Isso nos revela uma verdade que, muitas vezes, não paramos para observar: aquilo que você vê, ouve, consome é o que enche seu coração e, por consequência, transborda por sua boca.
Se você enche seu coração de fé, esperança, confiança em Deus, sua boca falará dessas coisas, mas se seu coração está cheio de tragédia, catástrofe e morte, você se limitará a falar de desilusões.
Não se trata de ter uma visão otimista da realidade, a vida neste mundo pecaminoso não é otimista, pelo contrário, se trata de encher a nossa alma com aquilo que nos gera vida.
O que tem saído de sua boca, o que tem ocupado espaço em suas conversas? Você tem falado da grandeza de Deus, de Sua misericórdia, das bênçãos dEle ou tem simplesmente transformado seus diálogos num "Brasil urgente"?
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semi-deuses · 8 months ago
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O PODER DAQUELES QUE SEGUIAM OS EXEMPLOS DO MESTRE JESUS.
Verdadeiros mártires de Cristo!
A imagem acima é uma cena esquecida nos dias de hoje. Filmes do século XX, alguns feitos ainda em preto e branco, narraram a perseguição contra os primeiros cristãos.
Abaixo, entrego uma adaptação traduzida (não foi entregue por um espírito desencarnado) por "Haroldo Dutra Dias". Falam das torturas feitas pelos romanos contra os cristãos da Gália do século IV - manuscritos em grego.
Não vejo diferença dessa Roma pré-cristã e aquela que por séculos impôs a conversão e submissão à sua instituição religiosa. É importante o esclarecimento da condição vibrante da grande "Besta Apocalíptica" - assim esclarecido pelo mestre Osvaldo Polidoro.
A imagem e o texto a seguir estão no livro "Chico, Diálogo e Recordações", de Carlos Alberto Braga Costa.
Acta dos Mártires
O cristão Sancto foi torturado por longos e penosos dias. Seus torturadores queriam dele nomes, lugares, indicações que os levassem a outros cristãos; entretanto, tudo o que ouviram de sua boca foi a declaração em latim: “Sou cristão”. Como os açoites e ferros não surtiam os efeitos desejados, foram-lhe aplicadas chapas de cobre em brasa sobre os membros, de tal forma que seu corpo praticamente perdeu a forma humana. Mesmo assim, em nada fraquejou. Após alguns dias, os algozes resolveram recomeçar as torturas de seu ponto inicial. Surpreendentemente, as novas aflições pareceram devolver a Sancto sua forma física e a recuperação dos movimentos de seus membros. Para os torturadores o fraquejar ou a morte dele assustaria profundamente os demais cristãos. No entanto, nada disso sucedeu. Sancto ainda teve que assistir ao estrangulamento dos irmãos de fé que, diante de sua coragem, também não se deixaram quedar. Após tudo isso, foi conduzido ao circo e jogado às feras que dele se aproveitaram o quanto quiseram; todavia, mais uma vez, não expirou. A turba expectadora, então, exigiu a cadeira de ferro em brasa onde o cristão foi posto, por fim, sem que exclamasse um gemido sequer, conservando, ainda, um semblante de fé, que tanto impressionava a quantos o vissem.
Átalo de Pérgamo foi outro cristão que a todos impressionou por sua grande demonstração de fé. O povo pagão exigia sua presença no anfiteatro, devido ao fato dele ser muito conhecido e por ser romano. Após ser exibido ao povo de maneira humilhante, foi levado ao cárcere, torturado com todo o tipo de instrumento de suplício para, finalmente, após alguns dias, ser novamente conduzido ao pátio onde foi, por último, posto na “cadeira de ferro fervente” – objeto de martírio que a plebe adorava – onde, enquanto era queimado, juntamente com outro impressionante cristão, Alexandre (que também não soltou um gemido sequer durante o mesmo ritual de dor a que foi submetido), exclamou, a viva voz e em latim: “Vede. Devorar homens é o que fazeis. Nós, porém, não somos antropófagos e não praticamos crime algum”. Interrogado, ainda, sobre o nome de Deus, replicou: “Deus não tem nome como os homens”.
Policarpo, outro mártire que marcado pela sua demonstração de fé e a virtude das manifestações espirituais que o cercaram. Após um sonho em que vira seu travesseiro em chamas, Policarpo deduziu e anunciou que seria martirizado em breve, em uma fogueira. Com efeito, passados alguns dias, é levado pelas autoridades romanas – que muito se impressionaram com a gentileza, cordialidade e grandeza de caráter daquele velho senhor – para ser interrogado e concitado a negar Jesus. Porém, na entrada do teatro, o cristão ouviu uma “voz do céu” a lhe dizer; “Sê forte, Policarpo! Sê homem!”. Após ter sido ameaçado de ser lançado às feras caso não jurasse pela fortuna de César, Policarpo deu uma maravilhosa demonstração de como deve proceder um cristão. Afirmando sua fé, diz que nunca renunciaria ao “rei” que o havia salvado, Jesus Cristo. Disse ainda ao Procônsul que, se o mesmo quisesse, poderia lhe conceder um dia para lhe falar de Cristo, tempo suficiente para convencê-lo da doutrina cristã. O preposto de César, então, respondeu para Policarpo que ele tentasse convencer às massas, ao que foi respondido: “A ti eu considero digno de escutar a explicação. Com efeito, aprendemos a tratar as autoridades e os poderes estabelecidos por Deus com o respeito devido, contanto que isso não nos prejudique. Quanto a esses outros, eu não os considero dignos, para me defender diante deles”. Então, o nobre cristão é condenado a ser queimado vivo. Uma vez colocado na fogueira, recusou-se a ser pregado no poste, alegando que Deus lhe daria forças para suportar o suplício sem fugir, sendo, então, amarrado. Com o fogo aceso, novo prodígio pôde ser testemunhado: as chamas como que formaram uma abóbada ao redor de seu corpo, não como se “queimassem carne”, mas como se “assassem pão”. Além disso, um cheiro de perfume impregnou todo o local, advindo do corpo do mártir. Impressionados, os algozes resolvem aplicar um golpe de misericórdia através de punhal. E, segundo os registros, da ferida “jorrou tanto sangue, que o fogo se apagou”.
Plante boas sementes e colham bons frutos sempre.
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ladycerise · 1 year ago
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No suelo hacer esto, pero acompáñenme a esta triste historia de amistad (?) Les pasaré primero el contexto: Giacomo quería saber la postura de Azalea; well... Fue en el tono más inocente que puede existir en un hombre como él (y prometo que entiendo a Azalea, girl que también tienes tragedia para rato xD), solo que a él le importa tres hectáreas de caca sobre lo que acontece con la política de su propio reino. O sobre lo que pasa en el vecino o lo que le pasa a sus propios vecinos, vamos. Todos saben que quiere estar con sus gemitas.
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Y cómo dice él: mientras sus joyas se vendan, solo le interesa eso, porque no tienen postura de ninguna índole, no piensan ni opinan, y todos aman las joyas así que ahí es como algo neutral en dicho sentido (en pocas palabras). Traducción: el dinero es dinero, me importa el dinero, el dinero es más importante (?). Ella responde tal qué:
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ENTONCES, CLARO, cómo va a decirle que no entiende la pregunta a un hombre que no tiene intenciones sobre dicha pregunta. Y no es que Giacomo se moleste porque ella no entiende, sino que comienza a darle motivos para creer que hay algo mal, como para que ella no vea que su amigo solo quiere saber de buena fé (considerando que sabe que ella es una amante, o sea, definitivamente le importa poco lo que ella sea porque ya es más grave ser amante que tener inclinación por una facción u otra XD). Bueno, ahora empieza lo chido.
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Y VAYA QUE PUERTA.
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Pobrecito, mi niño dudando de que intentando expresarse siempre falla en la comunicación AÚN CUANDO HABLA TAN POMPOSO, es que es muy fuerte. Y claro, se pone triste porque quizá no se dio a entender bien ante su pregunta, que al o mejor debió traer a Braulio para que le traduzcan lo que pretende decir. Giacomo no puede decirlo de otra manera, excepto desde la sinceridad que él conoce y la curiosidad innata de quien quiere vincularse y solidar la relación. Es como un niño, necesita aprender, necesita ENTENDER. Y cómo un niño a veces se pone mal, se queda confuso cuando alguien no le explica las cosas y pone muros. Lo siguiente es esto, pero como me gusta remarcar los diálogos para mayor énfasis a la emoción de porqué reacciona así, lo dejo abajo.
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Giacomo no da credibilidad a que Azalea le compare con esos nobles. A compararlo con nobles que hablan mal de ella, cuando él habló mal de su amante Lysander Duscar, que antes le dijo qué ella no merecía esa vida (y eso que es difícil hacer enojar a Giacomo).
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ROMPIÓ LA TACITA, OH BOY. Sé que no entienden porqué chillo, pero sucede que en momentos anteriores a este post, Giacomo apreciaba la artesanía de esta tacita y la trataba como si fuera valiosísima, que la agarraba como los del Imperio Shinzen. Sabemos que Giacomo aprecia demasiado lo material (como el tema del jarrón con Darío que le hizo un RIP) como para romperlo, pero lo ROMPIÓ.
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Creo que esto no necesita explicaciones (?) Hay un poco más, no quiero aburrir. Solo que lo siguiente, pese a no retirarse del todo, también tiene un gran peso, la prueba definitiva:
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PORQUE GIACOMO, PORQUEEEEEEEEEE. No puedo decir que quiere probar con eso, no sé si se entiende pero a mí me gusta dejarlo a la imaginación e interpretación pero sí, sé cuál es su intención al preguntarlo. Esto escaló muy rápido.
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allebasimaianunes · 2 months ago
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deus é um círculo ✞ padre charlie mayhew & megan duval
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one-short ✞ pt version. entre a angústia & o desejo reprimido.
também está publicada no wattpad, caso preferir ler por lá :)
i don't fear god, but i fear being rotting myself (inspo playlist)
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notas da autora: meus caros leitores, essa história de capítulo único nasceu enquanto ouvia minhas músicas, misturado a uma vontade de explorar possibilidades dentro das personagens de Grotesquerie - no caso do Padre Charlie Mayhew & Megan Duval. com isso, comecei a escrever "Deus é um Círculo", como não só uma homenagem a esses personagens tão icônicos quanto também para treinar mais a minha própria escrita, explorando ao máximo o trabalho de desenvolver diálogos e ações em uma história. inspirada principalmente na música God Is a Circle, do cantor Yves Tumor, essa história que conta com mais de 10k palavras dialoga sobre passados, medos, crenças e descrenças. 
para quem for ler, desejo uma ótima leitura! críticas construtivas e comentários são sempre muito bem-vindos <3
contagem de palavras: 10k e uns quebrados ao todo.
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 A casa fedia a morte.
Algo apodrecendo, impregnado na madeira descascada do piso, emanando pelas ranhuras da tinta descascada na parede. Mosquitos zuniam ao redor do mofo que se alimentava da umidade nos cantos. Era tudo tão deprimente, a frágil luz daquele belo dia dominical parecia perder forças dentro daquela casa morta. 
Pilhas de resto de comida do jantar da noite anterior ainda estavam na mesa – pratos de porcelana amarelados com rastros de molho de tomate pastoso, pedaços de carne moída sendo comidas agora pelos mosquitos, lenços sujos dobrados, uma vela derretida jogada no meio daquela zona pitoresca. Havia uma garrafa de vinho com a rolha mal encaixada pela metade no canto da mesa, onde no lençol rendado que era para ser alvo mas agora era um tom de amarelo envelhecido, manchas irregulares de vinho traçavam um caminho por toda a mesa de seus lugares.
Charlie respirou aquele ar azedo, indigesto, sentindo certo arrependimento em ter aceitado estar ali. Porém seu coração empático e seu senso de justiça falaram mais alto quando a velha senhora o cutucou logo após a missa matinal, há uma semana atrás, lhe chamou para um cantinho e contou-lhe uma triste história de vida que tocou bem no ponto frágil de sua alma: a história familiar, a parábola do filho pródigo moderno que saiu de casa e quando voltou pedindo perdão, se arrependeu do berço que nasceu, se revoltou e largou mais uma vez todos e tudo para sumir no mundo. Uma história de dor, separação, perdas. O esposo doente que não aguentou o ressentimento de ter criado um filho ingrato, um filho infeliz com a vida simples, ambicionando por tudo, uma neta querida que perdeu as paixões pela vida e agora estava beirando a morte. Sozinhas, aquela aparente doce senhora rogou para que Charlie tomasse suas dores, fosse visitá-la e desse a extrema unção a neta que parecia uma doença desconhecida. Na hora nem passou na mente do jovem pároco a possibilidade de questionar se ela passou por consulta médica, se estava tendo algum acompanhamento profissional ou algo similar, tudo que ele fez foi suspirar profundamente descarregando o peso do mundo de seus ombros, olhar profundamente nos olhos velhos daquela mulher, segurar com leveza seu ombro e confirmar que estaria visitando-as logo mais. 
Uma semana passou desde então, ele quase se esqueceu da visita, mas ao revê-la entre a paróquia, sua mente foi impelida pelas palavras dela, o pedido e sua honra em cumprir a própria palavra. Então no final da Missa ofereceu para levá-la para casa, assim iria aproveitar para cumprir com a promessa. Pegou sua maleta em couro preta, com tudo que precisava para a extrema unção: o óleo e água benzidos, sua bíblia e um conjunto de velas finas e brancas que gostava de ofertar à família como um incentivo do que ele chamava da “não perda da fé”: com a vela, os membros da família do enfermo, até mesmo o próprio dependendo da sua situação, eram encorajados a acender a vela e rezar durante seis dias, em busca do perdão e da cura. Ao sétimo dia o descanso viria como forma de regozijo e alívio da tensão pela espera. 
Havia também um terço e uma toalhinha, uns folhetins com Ave-Maria e Pai-Nosso nos versos e uma caixinha com balinhas de menta que ele adorava mastigar quando estava ocioso. 
O trajeto foi silencioso, ouvia-se o ronco suave do seu chevrolet vegas preto. Na realidade a senhora ficava murmurando o que ele supôs ser uma oração, ou algo próximo a isso, tornando a viagem através da rodovia um tanto quanto… curiosa. O máximo que ela disse foi que tinha que acordar cedo e deixar a neta à sua própria sorte para pegar o ônibus até a igreja. A sua igreja. Com aquela informação, Charlie encheu-se de questionamentos que colidiram com a curiosidade acerca daquela senhora, apenas meneando a cabeça mantendo a concentração na estrada que se abria à frente deles. Enormes árvores nas laterais antes de uma longa extensão de pasto, fazendas, milharais e moinhos abandonados. 
A casa da senhora ficava em uma estradinha que cortava a estrada principal  à direita, de terra batida, mato alto, levando-os até uma propriedade antiga, média, parecendo uma antiga fazenda que estava parada há anos. Um celeiro grande estava mais aos fundos da casa de madeira, dois andares, uma enorme árvore centenária se retorcia ao lado da casa, envolvendo-a em um abraço sombrio. Apesar do sol acima deles, a propriedade em si emanava uma escuridão própria. Ambos caminharam até a entrada, e pela porta-dupla com a tela transparente ele já notou a situação da casa.
E lá estava ele, parado naquela sala esquisita emanando um odor rançoso de vinagre com gordura pastosa, molho de tomate e vinho acidificado. Estranhamente a senhora estava cheirosa – desde o dia que ela lhe puxou para o cantinho até o dia de hoje, ela lhe chegou exalando à banho tomado, uma fragrância da pele morna e limpa, shampoo e uma borrifada de perfume atalcado. 
A mão enrugada e gelada da senhora segurou a sua mão livre, o puxando levemente para a direção do lance de escadas a sua frente:
— Siga-me Padre!
Deixando-se levar, as pernas longas de Charlie caminharam incertas pelos degraus da escada de madeira que rangia debaixo dos seus pés calçados em botas de couro pretas. Subiram as escadas, Charlie contou doze ao total, chegando no segundo andar da casa que era um corredor retangular com três portas dispostas em cada lado e uma no meio, todas fechadas, uma janela fechada acima do lance das escadas, um papel de parede listrado em cor âmbar, o piso de madeira com algumas ranhuras. 
— O quarto dela é o do meio…
— Você não irá me acompanhar? —perguntou o homem ao ver a senhora dar meia-volta em seus calcanhares, prestes a descer, ela ergueu seu olhar para ele, havia uma mistura de medo com uma leve ironia pendendo no seu olhar cansado. Sorrindo, as rugas ao redor de seus lábios craquelando mais ainda, ela lhe respondeu num sussurro: — Esse momento cabe apenas a você e a Micaella.. Deu de ombros, descendo a escada. Charlie se virou para frente estarrecido com aquela resposta, suspirando profundamente antes de virar e encarar a porta onde a enferma repousava.
Micaella.
Agora havia um nome para mencionar a pessoa adoentada. 
Passos lentos o levaram até a porta onde num gesto automático, ele se pôs a dar três batutinhas na porta, esperando uma resposta. Nada. Apenas um profundo silêncio. Ele tentou mais uma vez, colando sua orelha para escutar melhor algo além da porta – nada. Sua mão foi até a maçaneta de ferro fundido, pesada e gelada, rodando-a para a esquerda abrindo a porta, olhando pela pequena fresta metade do lado direito do quarto: papel de parede floral cor rosa-queimado, uma janela de madeira bege-claro fechada, cortinas de algodão com uma estampa floral completamente branca aberta, permitindo que a luz amarelo-claro vindo de fora penetrasse pelos retângulos da janela embaçada, produzindo um rastro de luz pelo chão. Ao abrir a porta toda, com os olhos atentos e vasculhadores, logo se deparou com a cama de casal em dossel, com um tecido transparente fazendo uma cabana ao redor da figura que ele conseguia observar um contorno. Uma pequena cômoda ao lado direito de madeira escura, com pés entalhados num estilo que remetia ao estilo barroco com ondulações, onde havia uma jarra de vidro com água, um copo com metade do líquido na beirada, uma caneca com uma vela derretida pela metade e uma caixinha de madeira no outro canto. No lado esquerdo havia um guarda-roupa, uma cadeira e outra janela entreaberta que dava para a enorme árvore onde a ponta de alguns galhos arranharam na janela, provocando um ruído chatinho ao fundo. 
Charlie pigarreou para chamar a atenção da mulher por trás da manta, mas não houve nenhum movimento. Receoso, ele caminhou até a cadeira isolada no canto, pegando-a, para levar ela até a lateral direita da cama onde uma fresta do manto permitia ele olhar a mulher acamada. A primeira coisa que ele viu foi um braço estendido, pálido, dedos finos quase ossudos, unhas cortadas. A manga da camisola branca abraçava metade do seu braço com um detalhe em renda e uma fita de seda rosa que o apertava na pele. Subindo seu olhar, a pele exposta era muito pálida, quase sem cor, a clavícula muito funda entre a pele, manchas vermelhas e roxas pela ao longo da pele, onde com a outra mão ela segurava seu próprio peito. No pescoço um colar com pérolas pequenas, do tamanho de uma ervilha, onde na sua ponta pendia um crucifixo prateado. Charlie ergueu o olhar, pescoço, queixo, lábios ressecados, nariz, olhar que o encarava, testa suada, cabelo jogado. Olhar. Seu peito ardeu quando encarou novamente aqueles profundos olhos de pupilas dilatadas, opacas, lentas, distantes. Engoliu palavras que vieram até a ponta da sua língua, observando-a como um todo: seu rosto remetia a Pietá de  Bouguereau, com uma profunda dor concentrada naquele par de olhos fundos, olheiras vermelhas, cabelos muito espessos ao redor do rosto magro formando um véu.
— Micaella.
— ....
Levantou as sobrancelhas com seu silêncio. Sorriu amistoso a mulher, colando sua mala na cadeira para virar nos seus calcanhares e caminhar até a janela fechada, onde com um tranco ele conseguiu abrí-la:
— O ar fresco irá ajudar a te refrescar! — Voltou-se para ela, respirando o ar que invadiu o quarto pela janela, balançando de leve as cortinas ao seu redor, tudo sendo observado pelo olhar de Micaella que não esboçou nenhuma reação. Charlie colocou as mãos na sua cintura, caminhando até ela: — Você se importa se eu abrir aqui um pouco? — Apontou para o tecido que tampava sua cama. Micaella negou com a cabeça após uma longa pausa, Charlie tomou aquilo como um movimento positivo vindo dela, mantendo o bom-humor que repentinamente lhe pareceu ser uma boa tentativa, ele abriu um pouco daquele tecido para que a luz natural e o ar fresco pudessem banhar o corpo de Micaella melhor, além de afastar um pouco aquela sensação estarrecedora de abafamento que sentia só de olhar para sua cama. 
Tirou sua maleta da cadeira, se sentando nela:
— Sou o Padre Charlie Mayhew, fui convidado por sua avó para estar… — Olhou-a repentinamente, mesmo inexpressiva ela o encarava no fundo de sua alma, ouvindo cada palavra dele que pigarreou tomando cuidado com suas próprias palavras: — te vendo, te abençoando, quem sabe conversando…
— Eu te conheço.
— Oi? O que você disse Micaella? — Pego de surpresa, a voz da mulher soou como um sussurro raspante. Micaella finalmente se mexeu – havia vida por todo seu corpo –, apoiando os cotovelos na cama, erguendo-se um pouco até ficar levemente inclinada em três travesseiros que apoiavam seu corpo deitado. Ela apontou para o copo d’água, indicando para que Charlie o pegasse, que foi o que ele fez, entregando-a com uma profunda perplexidade. O toque de dedos fez algo estremecer todo seu corpo – uma onda gélida, um precipício que o encarava de volta, a morte rondando-o diretamente. Micaella bebeu água com uma sede de quem não via um copo d’água há dias. Água escorrendo pelos cantos, pingando no seu colo do peito, na manta que cobria suas pernas. Entregou-lhe o copo, limpando a boca com as costas da mão, esboçando um sorriso tímido. Charlie pegou o copo, colocando-o de volta ao seu lugar com cuidado. 
— Eu já fui em algumas missas que você celebrou. Há uns meses atrás… Minha avó te adora!
— Oh — as bochechas do homem ficaram vermelhas, esquentando seu rosto repentinamente: — fico enormemente lisonjeado, porém devemos adorar apenas Deus Nosso Senhor! — Uniu as mãos, sorrindo abertamente, tentando trazer um leve humor engraçado para o quarto. Micaella o olhou de cima para baixo, acenando com a cabeça, as mãos agora unidas em cima de seu colo. Ela perguntou:
— O que te trás aqui mesmo, Padre?
— Eu vim a convite da sua avó. Conversar um pouco com você, rezar pela sua situação, te benzer…
— Extrema unção, seria isso?
Charlie parou de sorrir, ficando sem jeito de rebater a jovem. Poderia mentir, era óbvio que ele poderia abrir a boca e tecer mentiras reconfortantes pois ele se colocava numa situação hipotética onde ele, na idade dele agora – ainda muito jovem – naquela situação de quase morte, enfiado em uma cama, num quarto abafado, no meio do nada, apenas ele e sua avó… Seria de partir seu coração caso um padre estranho chegasse no seu quarto e simplesmente lhe dissesse que estava ali para ministrar uma extrema unção, dando-lhe um voto incerto de cura ou de morte. Porém mentir iria contra seus princípios, tudo que aprendeu nos longos anos como seminarista, iria contra as crenças pessoais dele que sempre traziam a verdade como uma das principais ferramentas de sua evangelização. 
Era difícil permanecer convicto com seus princípios quando se encarava uma situação tão delicada quanto aquela… Pobre criatura de Deus! Imaculada pela pureza, açoitada pela doença da carne. Refletiu enquanto ponderava a melhor resposta. Quando movimentou os lábios em uma inflexão do queixo para respondê-la, Micaella o cortou:
— Eu sei que é uma extrema unção Padre, não precisa fugir do óbvio. 
Charlie a olhou com dúvida, uma repentina surpresa pela franqueza da mulher que continuou, guiando os olhos opacos em direção a porta fechada, como se enxergasse além da mesma:
— Eu os ouvi ontem durante a janta… Eles quase gritavam que eu estou perdida, sem rumo, sem Deus no coração e é por isso que fui amaldiçoada… Deus me puniu com a doença da carne que apodrece sem motivo aparente, como uma maçã que cai do pomar e não é consumida, largada a`relava, a própria sorte — lágrimas brotaram de seus olhos, pequenos rios que nasciam vindos de uma dor intrínseca: — eles berraram para eu escutar que eu vou morrer, que esse pecado que nasceu comigo nunca será arrancado de mim — suas mãos foram até o peito, na direção do coração: — mesmo que eu já tenha tentando arrancar de mim, não há nada que eu possa fazer. Nada que eu poderia tentar fazer… Minha morte já estava anunciada desde que eu nasci, minha avó por mais que me ame e tente me proteger do mundo sabe que minha existência é tão finita quanto a dela. Eu temo por ela porque não sei se ela aguentaria enterrar outra pessoa que ela ama tanto novamente… e eles continuaram a rir e a dançar e a festejar. Até invadirem meu quarto, me puxar da cama, me forçar a dançar e a beber vinho para celebrar a vida. A vida deles, e a minha morte. Minha morte, Padre Charlie, minha morte! — Seus lábios tremiam, era assustador que mesmo chorando rios grossos com ossos transvertendo, a voz dela se mantivesse calma, quase uma linha perfeita sonora que penetrava na alma de Charlie que estava petrificado na cadeira apenas a escutando.
— Eles me querem morta porque eu sou a ovelha negra da família, a má anunciação, o mau presságio, o apocalipse e o dragão de sete cabeças que veio para atormentar eles. Eu sou o mau, a morte, o anticristo… para eles. Então ontem eu fui obrigada a dançar em cima do meu próprio caixão e beber do sangue sagrado antes que eu morra. Morra por uma doença que veio do nada, que está me consumindo, me deixando fraca, frágil, sensível, que está impregnando a casa com morte e a todos com um humor deprimente. Você se sente estranho Charlie? Se sente estranho por estar aqui agora?
Arrebatado pelo rosto angelical de Micaella que se contorcia em dor e rancor, franzindo o cenho da tez lisa enquanto os olhos molhados tomavam um brilho rancoroso, os lábios dela abriram em um sorriso desalento. Uma mão invisível pegou o núcleo de sua alma e a puxou para perto de Micaella. Ele perdeu a razão por segundos antes de engolir palavras confusas e um choro que surgiu do seu âmago antes de tomar uma consciência estranha do seu corpo como nunca antes. Percebeu que o quarto cheirava a mel, incenso e vinho fresco, e uma cheiro de suor adocicado emanava de Micaella misturado a um óleo de mirra e argan, seu hálito era muito fresco e seu corpo tremia por inteiro, arrepiando após as palavras dela pinicarem ele por um todo. 
Sua cabeça zuniu e rodopiava em círculos de pensamentos mórbidos e palavras que Micaella lhe disse. 
Ele se sentia estranho?
— Não. 
A resposta simples, monossilábica pareceu pegar a mulher de surpresa que se afastou puxando essa alma dele agora conectada à ela consigo. Ele ergueu os olhos pra cima querendo enxergar além da parede cimentada. Murmurou:
— Deus está nos observando agora Padre. 
— Creio que sim —
— Isso não foi uma pergunta, Charlie — olhar afiado atravessou ele: — é uma afirmação. Deus está nos observando, sempre especulando nossas vidas, mas ausente o suficiente para não me salvar. Isso não é egoísmo, Charlie?
— Creio que estamos atravessando os limites de uma conversa saudável Micaella, olha eu vim para te trazer inspiração e te benzer para uma cura — com uma repentina pressa, Charlie buscou sua maleta, abrindo-a num clique, remexendo seus pertences, puxando o frasquinho de um óleo ungido junto a sua bíblia. Sentiu a mão gelada de Micaella envolver sua mão que segurava os objetos, a carne macia sobrepondo a dele, quente e frio se misturando. Ergueu o olhar assustado, dando conta que ela se aproximou dele, o corpo pendendo curvado para seu lado:
— Charlie, eu não quero conversar com o Padre. Eu quero conversar com você, Charlie. 
— Micaella —
— Por favor — ela agora havia empurrado seu corpo mais para frente, as pernas saindo do lugar onde ela sentou em cima dos tornozelos, uma clemência imediatista vindo de seu rosto: — por favor. Eu te imploro! Estou cansada de ter que dar satisfações à médicos, enfermeiros, psiquiatras, padres… Eu só preciso de alguém com quem conversar antes de morrer. 
Charlie suspirou, exalando um peso incômodo que comprimia seus pulmões. Se ele se despisse do seu papel como pároco ali, no meio do nada, ao lado de uma doente terminal, ninguém iria saber… bem, ao menos essa conversaria ficaria entre eles, as quatro paredes florais e o Onisciente Divino. E Deus não iria castigá-lo caso uma vez em toda sua vida ele finalmente se ausentar da sua batina e expusesse seu lado que guardava apenas para si mesmo, seja nos pensamentos falhos ou nos momentos imerso em profundo silêncio e escuridão de seu quarto, seria um alívio conversar sendo apenas o Charlie Mayhew sem o peso do Padre antes do seu nome, uma forma de expor seus sentimentos contidos e os medos humanos que ele como sua figura de pastor não deveria em hipótese alguma expressar a seus fiéis. Seria algo que Micaella levaria consigo para o túmulo – assim como ele. Um segredo que se perderia a sete palmos do chão.
Deus não me julgará por ser honesto e fraco uma vez na minha vida. Às vezes a miséria e ignorância são dádivas divinas.
Acenando positivamente, Charlie anunciou sua resposta deixando a mulher aliviada, que desfez seu aperto na mão do homem que estranhamente sentiu algo vago quando ela se afastou, voltando a se acomodar nos seus travesseiros enquanto Charlie deixava a bíblia e o frasquinho na cômoda. 
— Você não desistiu completamente de me ungir, né?
— Vamos fazer o seguinte — Charlie arrastou a cadeira para perto da cama, até seus joelhos de suas pernas cumpridas ficarem comprimidos contra a madeira da cama de Micaella, ele encarou-a sério: — iremos conversar o que você quiser, sem máscaras ou qualquer outra coisa, eu sendo Charlie e você a Micaella. Então, quando terminamos, eu te darei a extrema unção e você será curada. 
— Combinado. Apesar de eu ter certeza que nada nesse mundo poderá me curar. 
— Como pode afirmar algo assim Micaella? Sua falta de fé me intriga. 
— Porque… bem… Já tentamos de tudo. Tudo mesmo, até esses tratamentos alternativos, minha avó gastou uma pequena fortuna, quase arruinou a herança da nossa família. E nada resolveu. Como te disse isso está dentro de mim de uma forma que só com a morte será capaz de ser arrancado. Exterminado. Sinto muito em te decepcionar e ser honesta que nem sua reza poderá me curar. 
— Milagres existem Micaella. — Ele rebateu, cruzando os braços encostando-se na cadeira, erguendo ambas sobrancelhas para a mulher que sorriu desafiadora. Charlie viu uma chama vivaz acender nela e isso acendeu nele uma sensação prazerosa de entretenimento. Quanto mais ele pudesse fazê-la se sentir confortável e viva, ele se sentiria bem consigo mesmo, com a sensação de missão cumprida. 
— Eu duvido.
— Então você duvida de mim mesmo.
— Como assim? — Curiosidade iluminava seu rosto, ela se sentou completamente na cama, todos ouvidos a Charlie que meneou a cabeça segurando um riso. 
— Eu sou um milagre. Um milagre vivo, se assim você quiser pôr! — Abrindo os braços com um sorrisinho pomposo em seu rosto, seu rosto tomou uma luz que acendeu no peito de Micaella que o encarava curiosa. Tomando seu súbito silêncio como um espera que ele prosseguisse com sua história:
— Tudo começa antes mesmo de eu nascer. Minha amada mãe casou muito cedo, acredito que era bem mais nova que você… Quantos anos você tem?
— Vinte e quatro. Em julho eu completo vinte e cinco.
— Pois então! Ela era bem mais jovem que isso, tipo uns dezesseis anos… Então ela engravidou de mim, isso há vinte e cinco anos atrás também, e ela muito jovenzinha morando no meio do nada com meu pai, um homem bruto e ignorante, de pouca fé, foi uma vida miserável e difícil. Uma gravidez muito difícil. Quase sem acompanhamento médico, afastada da família, em um casamento infeliz… Então eu vim à vida. Numa noite em plena primavera — sorriu nostálgico quase com certo orgulho do próprio nascimento: — e foi um trabalho de parto muito, muito longo. Então eu nasci. Mas nasci com o meu cordão umbilical enrolado no meu pescoço, sendo sufocado por mim mesmo — Charlie levou as duas mãos até o pescoço, apertando levemente: — minha mãe me contou que estava roxo já. Ela ficou desesperada, sem rumo, a parteira que eles conseguiram chamar com muito custo teve que agir rápido, fazer uma manobra para me reviver enquanto meu pai chamava a ambulância. Imagine a demora para os socorros chegarem… Então minha mãe começou a orar. Ela dobrou os joelhos, mesmo tendo acabado de dar a luz, e rezou. Rezou com toda sua fé, com sua alma e todos seus órgãos… E Deus a escutou. — Sua voz agora ela um sussurro, seu olhar estava tão escuro e sério que Micaella mal piscou, completamente compenetrada no abismo dos olhos do padre. Charlie sorriu:
— Ele a escutou e quando ela menos esperava ela ouviu um chorinho lá da sala, bem fraquinho. Mas sabia que eu havia sobrevivido. Que eu, seu filho, seu primogênito havia sobrevivido. Um milagre! 
— Ela fez alguma promessa?
A pergunta repentina tirou Charlie do seu fluxo de ideias, imediatamente ele piscou sete vezes antes de focar totalmente no rosto de Micaella que o olhava com as sobrancelhas erguidas. Sua voz saiu confusa:
— Como assim? Promessa?
— Sim, uma promessa! Tipo, em troca da sua vida ela nunca mais cortou os cabelos, parou de beber álcool… Ou até mesmo te prometeu ao seminário. Meio que te colocando nessa posição eternamente…?
— Não. — Ele negou com a cabeça veemente, reafirmando mais uma vez: — Definitivamente não….
— Então o que te fez querer ser um padre?
— Você está tentando desviar do assunto principal mais uma v—
— Não Charlie, eu entendi o que você quis dizer com essa emocionante história sobre nascimento e sufocamento. Tudo bem, milagres podem existir, mas você não faz ideia da gravidade do meu caso, e espero que nem queira saber. Eu só estou curiosa com o motivo que o levou até a batina… — Seus olhos desceram pelo rosto dele, tomando cada detalhe de seus traços como a testa larga, a cicatriz que formava um vinco na pele, o nariz fino e arrebitado, os lábios levemente grossos, o queixo e maxilar quadrados, o rastro de barba recém-feita no buço e queixo, o pescoço liso onde o pomo-de-Adão subia e descia enquanto ele falava, o colarinho da camisa preta, a clérgima em plástico branco indicando sua profissão. 
Pelo tamanho de seu tronco e pela forma que a calça agarrava nas pernas, Micaella deduziu que Padre Charlie Mayhew era um homem robusto. Suas mãos eram grandes, dedos longos e finos, unhas aparadas e limpas. Eram macias ao toque, como um novelo de lã morno. Ele tinha um cheiro de incenso amadeirado que a remetia ao cheiro da casca da árvore molhada que ficava ao lado da sua janela, um cheiro quase terroso e confortável, misturado a roupa limpa, sabonete de lavanda e um frescor vindo do hálito que parecia uma balinha mentolada adocicada. Ela ficou mais tempo perturbadoramente observando cada detalhe dele, desde  o olhar profundamente escuro feito a terra batida quando era cavada, até a forma que as veias trançavam sua jugular e as costas das mãos como linhas de um mapa ligando pontos do que compenetrada no que ele tinha a falar com ela, com aquela voz rouca e macia que acariciava um ponto dentro desconhecido dela.  Mas era gostoso o suficiente para ela se sentir confortável. 
O homem se mexeu na cadeira, franzindo o cenho, organizando os pensamentos. Molhou os lábios como se isso fizesse as palavras saírem de forma melhor, cruzou as pernas, cruzando as mãos em cima do joelho ele finalmente quebrou seu silêncio:
—  Bem… Eu apenas senti que era minha vocação. Algo natural de mim, um chamado que veio do fundo da minha alma como algo que eu deveria realizar. Um caminho inato a seguir. Deus é esse caminho. — A convicção que derramava de sua voz fazia seu peito encher de orgulho de si mesmo; ele tinha uma certa vaidade quando o assunto era sua designação, sua vocação que ele julgava ser algo predestinado à ele. 
Micaella molhou os lábios com a língua, unindo seus joelhos magros contra o busto fazendo com que a saia de sua camisola subisse um pouco, repuxada nas extremidades das coxas, revelando um palmo de pele lisa e imaculada numa palidez estranha. Seus pés eram finos, ossudos, as unhas dos dedos cortadas rentes a linha da carne. Detalhes que foram devorados pelos olhos de Charlie que lentamente voltou-se a olhá-la no rosto cumprido, uma indagação formando uma interrogação em seus lábios antes dela questioná-lo:
— Se Deus é o caminho, então por que escolher o mais sinuoso? 
— Sinuoso…? O que você quer dizer com isso? — Curioso com o uso da palavra, o homem se curvou para frente, mãos unidas em cima de seu colo, uma interjeição vincada entre as sobrancelhas repuxando a cicatriz da sua testa. Ela sorriu com um orgulhoso por trás dos dentes de esmaltes cinzentos, como se a cor estivesse desbotado ao pouco, vindo de dentro para fora:
— Charlie, os padres fazem votos de castidade. Têm uma séria de regras a cumprir… Restrição, punição, rezas e mais rezas. A busca pela castidade e virtuosidades eternas… Isso não te cansa? Principalmente sendo tão novo?
— Hmn.
Foi a primeira resposta que ele conseguiu formular vindo do fundo de sua garganta, parando para ficar ereto na cadeira, as mãos se soltando enquanto ele relaxava. Coçou o queixo com o polegar, analisando a forma como o papel de parede estava velho e começando a descascar nas extremidades do batente da porta, procurando uma resposta honesta àquela questão. Voltou a olhar para a mulher, sentada com o mínimo de vida que ela se agarrava para continuar tendo aquela conversa fiada. Sorriu com os lábios colados, doces memórias retrocedendo à sua mente como um filme antigo sendo rebobinado.
Sua voz não passava de um tom vago e distante enquanto seu olhar perdia-se no de Micaella:
— Eu deveria ter uns treze ou quatorze anos quando me apaixonei pela primeira vez. Sempre julguei o amor romântico, por que lá no fundo eu sabia que com a vocação que eu iria prosseguir na minha vida, eu não poderia sequer cogitar cultivar esses tipos de sentimentos carnais por alguém… Mas foi uma paixão tão arrebatadora, algo que ultrapassou a mim mesmo que perdeu o controle e eu acabei ficando obcecado por essa pessoa. Profundamente. Passei doze meses atrás dela como um maluco, porque eu nunca vivi um sentimento assim então para mim, naquela idade, se eu o perdesse de vista eu nunca mais iria ter de volta aquela explosão de sentimentos bons que cultivei por essas pessoas. Doze meses obcecado pois eu só sei amar assim: com toda a profundidade de mim mesmo. E doeu. Como doeu… Passar as férias distante pois se tratava de alguém da escola, tendo que ouvir meus colegas compartilharem histórias de verão onde a metade havia perdido a virgindade e outra metade havia experimentado algum alucinógeno em algum festival de música… E eu enfiado no meio do nada, assim como você — apontou para ela, molhou os lábios mais uma vez, suspirou fundo tentando conter o passado dentro de si: — eu passava todo o verão na fazenda com meus pais. Por um lado foi bom porque eu aprendi a valorizar os momentos de solidão e solitude, a me manter centrado no meu propósito, a rezar e ser grato pelo pão de cada dia que Deus nos permitia fazer… A estar perto dos meus pais. Mas era óbvio que a tentação de ir para a cidade grande e curtir com a maioria desses meus colegas e reencontrar essa pessoa especial falavam mais alto. E eu acreditei que ficar longe de todos naquele verão seria bom iria me ajudar… Quando retornei às aulas os sentimentos estavam piores. Mais aguçados, mais pesados, mais… Conturbados. — Piscou. As lembranças que atingiam sua mente dançavam entre cenas de um Charlie adolescente sorrindo para os colegas que tiravam sarro de seu “estilo caipira demais” e para momentos em que ele chorava escondido no banheiro da escola. 
Olhou para o lado onde a jarra d’água ainda estava pela metade e o copo havia um dedo do líquido que provavelmente estava morno. Mas o pegou, virando-se para ficar de lado, evitando o olhar da mulher em si tomado pela vergonha. Através do véu que com uma rajada gélida de frio desceu um pouco, Charlie se sentiu em um confessionário. Sua mão grande segurou o copo com água, bebendo-a em goles grandes, sorvendo o sabor alcalino da água misturado à saliva de Micaella que estava na borda do copo. Um beijo indireto. 
Quando terminou continuou a segurar o copo entre as pernas, apertando-o como um alívio de tudo que comprimia sua alma. 
— E eu era motivo de chacota dos meus colegas de sala, tudo porque eu andava de um jeito “caipira” demais, falava diferente, me vestia com roupas simples. Alguns até mesmo falaram que eu fedia a esterco. Isso acabou comigo, então todas as noites eu rezava para Deus, para que ele tirasse de mim minha mácula em ser quem eu era. Para eu parar de gritar todas as noites, acordar de um pesadelo com a cama inundada de xixi e principalmente para eu parar de gostar de quem eu estava completamente apaixonado. Até que um dia as coisas ficaram realmente infernais… — Respirou profundamente enchendo o peito com a coragem que lhe faltou para encarar aqueles fatos há anos: — Estava com quinze anos. Disso me lembro bem. Franzino, um rapaz do meio do mato indo para o Baile de Inverno. Minha mãe conversou com uma irmã dela que morava na cidade, para eu ter um lugar para passar o final de semana sem ter que voltar para casa altas horas da noite pelo ônibus intermunicipal… Então lá estava eu, sozinho, terno e gravata, cheio de ansiedade… Até eu vê-lo chegar com seu par e eu ficar completamente triste, com aquele sentimento íntimo de perda de algo-alguém que eu nunca tive…
— Ela deveria realmente ser linda para você ficar tão afetado assim. — Constatou a mulher olhando-o pelo véu. Charlie ergueu a cabeça que estava abaixada, os olhos fixaram nela, eram um par de vidro que revelava seu lado mais íntimo de sua alma. Sua voz saiu macia quando ele respondeu:
— Ele. Ele foi o ser mais lindo que eu já pôs meus olhos — parou, olhou-a com profundidade: — até então. 
Micaella ficou em silêncio, tomando aquela inesperada resposta para si, associando as coisas. Quis fazer um comentário malicioso sobre o assunto – até pejorativo, mas manteve-se calada. 
Charlie estava se abrindo para ela como jamais nenhuma outra pessoa a permitiu ter tamanha intimidade, seria tolice desperdiçar tal chance sendo uma completa idiota. O pároco tomou uma coragem estranha que emergiu junto àquelas memórias: se levantou e adentrou na cama da mulher, sentando-se à sua frente, igualando agora as posições, mantendo a hierarquia entre eles nas suas mãos. Agora, de dente a dente com ela, olho a olho, sobre o véu que deslizava com o vento fresco que cada vez mais puxava as nuvens cinzentas vindas do horizonte para cima deles, Charlie se sentiu em paz para segregar sua vida:
— Eu fui chorar no banheiro mais uma vez, e ele foi atrás mais uma vez. Preocupado, ele pensou que eu estava triste porque não havia nenhuma companhia, o que de um todo não era mentira, mas o que ele não fazia ideia era que essa companhia que eu desejava era ele. Suas palavras sempre foram tão reconfortantes, feito os Salmos Bíblicos que eu sempre li em busca de consolo. Suas mãos eram macias e secavam minhas lágrimas como a mulher que secou os pés de Cristo com os cabelos, e sua presença era um raio quente de Sol que me fazia acreditar na bondade do homem. Na bondade infinita de Deus e seu Filho Salvador à nós… Naquela noite ele estava tão lindo, um anjo! Os cabelos com um gel penteado para trás, o terno branco, o sorriso sereno. Ele estava tão próximo de mim que eu não aguentei a tentação — parou de repente, um brilho no seu olhar fez com que o coração de Micaella saltitava, um sorrisinho surgiu nos lábios dele: — eu mordi a maçã. E devorei com fome e ele fez o mesmo e tudo se tornou uma só coisa, meu espírito… era como se meu espírito saísse de mim e fosse aos braços dEle… O Deus, como eu amei aquele momento. Até que a porta foi aberta e vozes vieram para cima, logo socos e chutes e palavras horríveis contra nós. Um pandemônio. Meu coração foi despedaçado assim como eu por inteiro, saí de lá com uma fratura séria na costela, uns dentes que tive que fazer próteses de prata no fundo da boca, essa cicatriz medonha na testa que como uma chaga de Jesus Cristo. Meu estigma de quem eu sou. Da minha história. 
— Uau. Nossa Charlie, isso é realmente — Micaella nem soube buscar as palavras corretas, sua resposta foi segurar na mão de Charlie apertando-a com carinho. Quente e gelado, morto e vivo. O pároco sorriu com ternura, sobrepôs sua mão em cima da mulher, acariciando-a:
— Está tudo bem, eu já paguei pelos meus erros do passado, estou quite com Deus… E isso já não doí mais… Não como doeu naquele dia e nos próximos anos.
— Você — ela começou incerta. Parou, as palavras na ponta da língua, mordeu o lábio inferior. Charlie deitou a cabeça, seu olhar incentivando que ela continuasse. Micaella desembuchou:
— Você tem contato com ele…?
A pergunta curiosa poderia desfazer daquele momento de ternura e carinho entre eles, porém Charlie sabia separar as coisas e a menção ao seu primeiro amor aparentemente não o afetava tanto assim. Com um simples aceno ele lhe deu a resposta curta e grossa da realidade: não. 
Micaella acenou com a cabeça, tentando imaginar quem seria o tal rapaz que aquele belo homem um dia amou. Provavelmente era tão mais bonito que ele. Imaginou-o como a imagem que uma vez viu, a um tempo atrás e que ficou gravada na sua mente de Davi e seu melhor amigo e alma gêmea Jonas. Encaixou então nessa nova reimaginação Charlie Mayhew com seu topete, alto e robusto, olhar penetrante e postura de um guerreiro da fé ao lado de um belo homem que andava ao passo da moda da época: cabelos cumpridos nos ombros, calça boca-de-sino, um colete expondo um torso nu definido, a pele bronzeada e o olhar doce de quem era muito amado. Estranhamente sua mente não deixou de desenhar a imagem da amante e uma das esposas favoritas de Davi, genitora do sábio dos sábios Rei Salomão como a sua própria imagem. Estando saudável e corada, ela tinha um braço envolto ao seu esposo enquanto se via nua, banhada no óleo de canela e água de flor de damasco como na primeira vez que Davi a viu e ficou enfeitiçado. Seria possível Charlie Mayhew ficar enfeitiçado por ela?
— Mas infelizmente não controlamos nosso coração e eu me vi em tentação novamente. — Aquela repentina confissão a arrancou de seus devaneios acordada. Seus olhos pousaram imediatamente nos do homem que negou com a cabeça repetidas vezes algo, antes de esfregar as sobrancelhas vigorosamente. 
— Foi um erro enorme. 
Micaella olhou para Charlie assustada com a nova revelação que caiu em seu colo e explodiu em mil fragmentos de dúvidas. Aquele servidor de Deus estava a surpreendendo. Charlie por sua vez sorria envergonhado da sua própria história, pedaços de memórias rasgando seu cérebro, dilacerando a carne macia, expondo os podres do seu passado. Uma massa cinzenta podre. Podre, ele já foi podre um dia. Coçou com o polegar o canto do queixo:
— Eu estava no seminário, jovem e imaturo. Inconsequente dos meus atos, mesmo com tudo que me aconteceu desde o… infeliz incidente — dentes cerrados, uma amargura transparente na expressão revelando um nojo de si mesmo: — eu ainda estava aprendendo a lidar comigo mesmo. Com a besta interna que sempre me perseguiu, que sempre me fez seu refém: a besta da tentação. Estava servindo à Deus, meu único refúgio, quando de repente fui transferido para um convento temporariamente devido a problemas estruturais no seminário que eu vivia. Lá eu conheci uma freira. Mas velha que eu há uns cinco, sete anos… Experiente. Muito bela, seu rosto me fazia relacionar aos anjos que via pintados nas capelas. No início foi tudo muito polido, muito formal entre nós, ela sempre se demonstrou muito solícita a minha educação, segundo ela como a mesma era professora de filosofia e de catequese para jovens da comunidade poderia me ajudar com os meus estudos. Eu vislumbrando com sua bondade e sua beleza me deixei levar pela oratória dela… E passamos a estudar às noites no meu quarto improvisado. Sempre com a porta aberta, com horário para ir dormir e despedidas formais, é claro. 
Pausou, suspirou, o indicador destro foi até a clérgima no colarinho que parecia estrangular seu pescoço, puxando-a levemente para fora. 
— Até o fatídico dia que ela nos trouxe vinho. Nunca havia bebido vinho na minha vida – não como ela queria que bebessemos. Eu poderia ter simplesmente recusado… Ter dito não. Mas eu aceitei, de braços abertos. Tolo, frágil, manipulável… — Charlie parou, a voz diminuindo gradativamente enquanto seus olhos pararam no rosto de Micaella, suas pupilas dilatadas quase consumiram a íris das órbitas: — Você me faz lembrar dela. 
Aquela frase incendiou Micaella com uma chama que percorreu por todo seu corpo. Sentiu-se sendo queimada viva, o sangue fluindo pelo corpo frágil, revigorando a podridão que sentia em si, dilatando suas pupilas, umedecendo os lábios, corando as bochechas magras, respirando pesado fazendo os seios subirem e descerem em movimentos lentos, suor quente brotando na testa. Pequenos detalhes de vida na carne fresca dela devorados pelos olhos nostálgicos do Padre. 
Charlie engoliu as palavras que contavam obscenidades causadas pelo vinho e pela luz baixa daquela noite. Engoliu o desejo da carne macia entre os dentes, das unhas cravadas na pele quente, do suor que colava corpos e de toda união entre criatura e verbo que aconteceu naquela noite. Suas lembranças eram um emaranhado de corpos se fundindo onde o rosto da freira que lhe desvirtuou não surgia com nitidez para si. Apenas fragmentos feitos com osso quebrado na sua mão, como a costela de Adão sendo retirada de si para criar Eva. Ele se feriu para criar a partir dele a sua Eva. 
Sentiu uma dor pontuda na própria costela direita. Uma reação da matéria diante o pecado cometido. Um aviso permanente que tinha sempre que era assombrado pela sua falta de castidade. 
— O que aconteceu depois…? — Micaella sussurrou apoiando as mãos em cima dos joelhos que esmagavam as coxas entre si, os dedos amassando a boca carnuda. Charlie virou sua cabeça quase a deitando em seu próprio ombro, um ar de compaixão distante na voz:
— O Bispo ficou sabendo das visitas frequentes da Irmã nos meus aposentos em horários suspeitos, armou uma tocaia, a pegou saindo do meu quarto e… — Ergueu a cabeça, sério com a imagem do homem velho surgindo do meio das sombras, olhar hostil segurando a mulher pelos braços, mesmo assim Charlie não conseguia definir seu rosto, não passava de uma mulher sem face nas suas memórias, que chorava enquanto se debatia para sair do aperto do homem. Sua voz tomou uma acidez que repuxou seu rosto em uma careta ao cuspir as palavras: — bem, terminou com tudo. Eu recebi uma nova chance, fui transferido e desde então me foquei completamente na penitência e rendição mútua a Deus. 
— E ela?
— Não existe ela. 
A resposta seca arrancou Micaella do estado de fogo, pondo-a de volta naquele estado gélido e vazio. 
Aquele silêncio perpétuo deles foi interrompido quando ouviram leves batidinhas na porta, para logo ser aberta e a cabeça branca da senhora surgir na fresta. Sorrindo tímida, a senhora abriu mais a porta segurando uma enorme bandeja nas mãos velhas, tremendo levemente com o peso. Charlie lançou uma olhada séria para Micaella antes de se levantar da cadeira num pulo indo acudir a senhorinha que sorriu em agradecimento anunciando:
— Parece que o senhor vai se demorar um pouquinho mais na conversa com Micaella, e já está na hora do almoço, então achei de bom tom trazer um almoço feito agora para vocês dois — olhou para a jovem através do véu, reforçando as palavras entredentes: — é para comer viu Micaella? Não adianta alimentar a alma se o corpo padece! Não é mesmo Padre?
— Com toda certeza, Sra. Silas. 
O olhar do homem focou na garrafa de vinho, olhou para a senhora desconfiado, a mesma sorriu:
— Um pouco de vinho não fará mal a ninguém! Agora se me dão licença, irei terminar com meus afazeres… 
Deu as costas. Antes de sair do quarto, parada na porta com a mão na maçaneta, lançou um olhar cheio de tristeza e peso para Micaella, voltando-os para Charlie parado no meio do quarto com a bandeja nas mãos. Sorriu pesarosa:
— Aproveitem! E fique a vontade Padre, o senhor sempre será muito bem-vindo no nosso lar.
Saiu antes que Charlie pudesse agradecer. 
— Eu nunca bebi vinho. 
A voz de Micaella falou atrás dele. Charlie se virou para ela, confusão no seu rosto para logo suavizar tentando resgatar o bom-humor que ele trouxe consigo nos primeiros minutos de conversa com ela:
— Bem, sempre há uma primeira vez para tudo, Micaella! 
Charlie se serviu de pão quente e vinho morno, levemente avinagrado, mas palatável. Micaella o olhou receoso com o copo com sua metade preenchida pelo líquido alcoólico roxo, observando-o beber do vinho com vontade. Uma sede desesperada que vinha do fundo da sua vontade. 
Micaella ficou parada com o copo de vinho na mão. Assim que Charlie terminou seu longo gole, bebendo metade do vinho, seus olhos brilhantes de serenidade causados pelo sabor da bebida olharam para a mulher diante de si. Erguendo uma sobrancelha perguntou curioso:
— Não vai beber seu vinho não?
— Eu estava pensando aqui… se eu o beber, seria como o sangue de Cristo?
— Não — Charlie negou com a cabeça, um sorriso orgulhoso pela pergunta surgiu iluminando todo seu rosto, aquele era de longe um dos tópicos que ele mais gostava de debater.
— Então eu não quero beber deste vinho! — Micaella impôs, estendendo o copo para o homem à sua frente. O pároco apenas revidou aquela ação com um olhar divertido:
— Não vai beber nem se eu o transformar no sangue dEle?
A pergunta capciosa pegou algo do centro da alma moribunda de Micaella. Algo ascendeu novamente nela, uma sede repentina secou-lhe a garganta, a simples menção de beber o sangue puro e divino provocando nela um êxtase de espírito. Sorrindo largo, ela acenou positivamente. Charlie pigarreou, puxou a bandeja para o centro da cama, esvaziando-a dos itens que estavam em cima dela para colocar os dois copos com vinho, a garrafa de vinho no centro e o pratinho com pães caseiros ao lado. Ele sabia que não estava no melhor ambiente para fazer a transmutação divina, porém diante as situações delicadas, realizar aquele ritual soava como uma forma de trazer o Salvador para dentro daquele lar fadado a apodrecer. 
Sua voz saiu de sua boca com suavidade:
— Quando nós falamos em transformar o vinho em sangue — apontou com uma mão solene o copo: — e o pão em carne, nós não estamos fazendo uma simples metáfora. Mas sim de uma realidade, algo místico e que resume bem os mistérios da nossa fé. De fato estamos consumindo Jesus Cristo. Corpo e alma, em nossas bocas, sorvendo em nossas línguas, saliva, carne. Bebemos da divindade e mastigamos de seu perdão infinito. Fundimos nossas carnes e nos tornamos um só. Um só corpo, um só espírito. Esse é o significado da eucaristia — suspirou profundamente, fechando seus olhos, pegando o pedaço de pão entre suas mãos: — é através dela que comemos Jesus Cristo, Deus, tudo e todos. E nos tornamos algo infinito. 
Micaella estava extasiada com as palavras do sacerdote, sentindo o peito encher de graça e paixão que queimava sua alma, tocada pelo verbo. Charlie tinha um dom – a forma como ele se expressava eram profundamente extasiadas para qualquer criatura viva. Ouví-lo disseminar seus conhecimentos deveria ser motivo de se sentir honrado. 
— Então Jesus Cristo tomou o pão e dissestes: eis aqui o meu corpo, tomai todos e comei. — Ergueu o pedaço de pão, olhando-o fixamente, murmurando palavras que eram ruídos incertos aos ouvidos de Micaella. Depois de morder um pedaço, mastigando-o e engolindo, ele repousou o pão de lado, tomando o copo de Micaella (que estava mais cheio) em mãos, o erguendo e pronunciando: — Tomais todos e bebei, porque isto é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados… — Ergueu mais ainda o copo acima deles, murmurando mais uma vez as palavras incertas: — Fazeis isto em memória de mim!
Com isso ele bebeu do vinho. 
Bebeu do sangue de Jesus Cristo.
Olhou para a mulher oferecendo o copo:
— Beba do sangue de Nosso Salvador, minha irmã. 
Envoltos em um clima único que os abraçava entre o vinho e o vento gelado que assoviava lá fora, Micaella pegou o copo, posicionado exatamente a borda onde os lábios do homem envolveram, beijando-lhe mais um vez, bebendo dele e de Jesus, sentindo o sabor doce alcoólico e levemente avinagrado do vinho descer pela sua garganta, sentindo que agora seu corpo estava se fundindo aos dois – tanto a Padre Charlie quanto a Jesus Cristo, fazendo parte de algo bem maior que ela poderia cogitar pertercer. Um filete de vinho escorreu do cantinho de sua boca, traçando uma linha fina até seu queixo, pingando no colo de seu peito, sendo perseguido pelos olhos escuros do padre. Num gesto sôfrego, Charlie passou o polegar no queixo de Micaella, vendo a pele manchar com o vinho. Seus olhos estavam conectados, ela terminou de beber vinho mas ainda estava bebendo dele. Charlie então levou o polegar molhado com o vinho que saiu dos lábios dela, tocando-o contra os seus lábios endossando aquele beijo divino. 
— Comungamos de nós mesmos, Padre. 
Micaella sussurrou, observando-o se afastar dela. 
Com passos lentos e pesados, a mente perdida em devaneios, Charlie foi tomar um ar na janela aberta onde o vento fazia as cortinas balançarem. Micaella desceu os olhos para o corpo de Cristo mordido pelo pároco, pegando sua outra metade, mastigando-o e engolindo com gosto terminando a sua ceia celestial. Uma sensação de saciedade tomou-lhe o corpo, preencheu lacunas no seu espírito, ceiar com Charlie sozinha provocou nela uma sensação de pertencimento. Pertencimento à ele. A Ele. 
Charlie parado diante a janela, as mãos na cintura, observou as nuvens escuras carregadas d’água se aproximarem acima dele. Raios estouraram logo a frente, o vento sibilava que uma tempestade se aproximava. 
— Droga, vou ter que esperar o temporal passar. 
— Bom, pelo menos você está seguro — comentou a mulher, chamando a atenção de Charlie que a olhou curioso: — comigo. Conosco, aqui em casa. — Sorriu para ele. O padre sorriu em retribuição, concordando com um aceno de cabeça, sentindo respingos d’água contra seu corpo. Lá fora uma chuva grossa começou a cair, pingos roliços açoitavam o batente da janela respingando nele e no chão. Com um solavanco ele desceu o painel da janela pela metade, interrompendo a pequena inundação. Atravessou o quarto fechando a outra janela. Seus passos eram meticulosamente observados pelos olhos de Micaella que sentia uma sensação de leveza e de vazio na sua mente. 
Quando Charlie se sentou na cadeira mais uma vez, pegando seu copo, arrancando a rolha da garrafa de vinho com os dentes, enchendo seu copo de vinho – quase esvaziando a garrafa –, deixando o resto no copo de Micaella, ele comentou após largar a rolha na bandeja:
— Está se sentindo bem? Com o sangue em forma de vinho?
— Hmnnn — Micaella pegou seu copo, erguendo-o contra a luz: — é realmente gostoso! Não sabia que Jesus poderia ser tão gostoso assim!
Charlie riu. Micaella o olhou com um sorriso orgulhoso por fazê-lo rir com vontade. 
— Meu Deus, que pecado! — Comentou tapando a boca: — Mas eu concordo. É uma delícia! 
Ambos beberam de seus copos, sorridentes. Um silêncio agradável entre eles pairando naquele quarto, que parecia para o homem agora tão mais familiar quanto o dele próprio. 
— Charlie — 
— Sim? 
— Você acredita em amor, reencarnação e na vida após a morte?
— Pergunta muito específica. Você acredita?
— Minhas crenças hoje são as suas, padre. Suas. 
Aquela palavra reverberou na mente de Charlie, como as gotas que pingavam repetidas vezes na borda da janela, um torpor gostoso de domínio preencheu sua alma, ele gostou de ouvir aquilo. Ter em mãos as crenças de uma outra pessoa o levaram a sensação de domínio e vaidade que ele tentava lutar contra todas as vezes que estava diante do púlpito. O sorriso vaidoso escapou entre o copo de vinho que ele bebeu mais um gole, antes de respondê-la:
— É lógico que eu acredito. Em algum grau de credulidade… Eu acredito em algo. 
Seus olhos eram carvões em chamas. Seu sorriso era sereno, ele tinha plena convicção no que falava. Micaella queria mais. Mais dele. Queria que sua voz a envolvesse e de certa forma sua alma fosse abraçada por sua sabedoria etérea:
— Como você explicaria essa crença a um leigo, Charlie?
— Bem — começou, coçando o queixo com o polegar, buscando com o olhar algum ponto para descansar os pensamentos: — eu explicaria que sem o amor somos apenas sacos vazios rodopiando ao vento. Que sem a crença na ressurreição, não acreditamos num dos principais mistérios entre a carne e a alma humanas. E sem a credulidade na vida após a morte — seus olhos repousaram na figura frágil de Micaella: — não há justificativas para nos mantermos alinhados a Deus. 
— Como assim? — Ela questionou, um brilho nos olhos vidrados em Charlie: — “Não há justificativas para nos mantermos alinhados à Deus”? 
— O que eu quero dizer Micaella, é que sem um credo nós não iríamos andar na linha da civilidade humana. Sem um deus nós seríamos apenas animais racionalizados brigando um pelo outro por causa de um pedaço de osso duro e podre. Entende? 
— Entendo… — Murmurou de volta, reflexiva. Ele conseguia enxergar através daqueles enormes olhos assustados o momento em que as engrenagens se encaixam e tudo pareceu suavizar e fazer algum sentido na sua mente. Charlie olhou pelo ombro, através do vidro da janela, pela forma como o céu carregado e nublado estavam, a chuva que caia e crepitava contra a madeira velha da casa, o cheiro do quarto se tornando fresco e vivo misturado ao odor de terra e mato vindo de fora, tentando constatar quantas horas eram. 
Suspirou virando-se para a mulher. O silêncio entre eles poderia ser constrangedor, porém para Micaella era agradável o suficiente para a mesma lançar um sorriso cheio de dentes perolados para Charlie que se surpreendeu por ambos não serem minimamente amarelados. Em um movimento reflexivo, o mesmo passou a língua por cima dos próprios dentes lembrando-se das inúmeras vezes que a mãe o botava na camionete velha da família, enfrentava horas de estrada até a cidade grande apenas para levá-lo até o dentista, investindo um dinheiro considerável para o tratamento bucal do filho; segundo ela – e isso foi um ensinamento que o mesmo carrega consigo até os dias de hoje – “dentes saudáveis são a porta para uma vida longínqua!”. 
Mexeu a cabeça para afastar a voz da mãe, olhou com carinho para Micaella, um sorrisinho em seus lábios provocando na mulher um curiosidade:
— Que foi? — Ela perguntou, sorrindo para ele também. Charlie meneou os ombros comentando com a voz leve:
— Nada… Só acho que eu já falei muito sobre mim e escutei nada sobre você — abriu os braços: — que é o principal motivo de eu estar aqui! 
— Oh Padre! Não tenho muito do que falar de mim… — De repente uma vergonha tomou conta da mulher que se encolheu, capturando uma mexa espessa de seus cachos ruivos em seu dedo o enrolando lentamente. Com os mesmos olhos gentis, Charlie ergueu sua mão para que com o indicador e o polegar pegasse e erguesse o queixo da mulher, nivelando seus olhos, sussurrando com entusiasmo:
— Isso já é um começo, minha querida! Sou todos ouvidos à você agora, fale-me qualquer coisa.
— Qualquer coisa? — Repetiu, sentindo as bochechas esquetarem com o toque leve e os olhos negros fixos nela. Charlie abriu mais ainda seu sorriso, acenando um sim com sua cabeça, repetindo:
— Qualquer coisa, Micaella.
Micaella viu diante de seus olhos as poucas memórias que ela realmente julgava valer a pena serem compartilhadas. Eram um punhado de cenas onde ela era a protagonista da sua própria história – como as dos livros que ela vivia lendo na biblioteca pública nas tardes que passava na cidade grande. Na maioria das vezes ela sempre se enxergava na vida das outras pessoas, colegas de sala que eram convidados para os bailes ou os momentos que era apenas uma sobra na vida do pai omisso. Não seria difícil contar ao Padre os momentos que ela tomou para si o holofote e viveu algo interessante. Charlie afastou seu toque, provocando na mulher uma sensação de vazio contra sua pele. Mas ela decidiu tomar a coragem e deixar que sua voz tomasse a forma dos pensamentos que queriam sair de si:
— Eu já fui beijada uma vez — olhou de rabo de olho para o Padre que ergueu as sobrancelhas, uma sombra de sorriso nos lábios, uma genuína curiosidade em seu rosto, ela continuou: — mas não foi um beijo beijo! Foi mais só um selinho. Algo tão breve que eu nem senti direito… Infelizmente. Mas foi quase uma amostra, um gostinho do Paraíso. — Sorriu sonhando com o quase beijo acordada. Era estranho que agora sua mente apenas projetava um cenário onde ela e Charlie estavam selando seus lábios em um beijo. O homem pigarreou ao fundo acordando-a de seus devaneios:
— Então você pensa que beijar alguém é o mesmo de ter um “gostinho do Paraíso”? — Fez aspas, perplexo com a ligação da mulher. Micaella afirmou com a cabeça, veemente. 
— Bem, curioso — disse, desviando seus olhos da mulher. 
— Você não acha isso Padre? Não foi isso que aconteceu no seu pri–
— Não exatamente Micaella — rapidamente ele cortou a mulher: — infelizmente não tive meu momento de ascensão até o Paraíso… O que é triste para mim, visto que sou um servo de Deus. — Riu seco, fazendo graça de si mesmo. Micaella tentou o acompanhar porém não sentia a mesma graça, na realidade sentiu uma grande desolação vinda dele.
— E eu duvido que eu terei mais uma chance de viver como qualquer pessoa normal, Charlie. A última vez que tive uma experiência mundana, eu fui com uma amiga minha, a única na realidade, para esses boliches e foi tão bom! —Seus olhos brilhavam em animação: — Eu juro por Deus que se têm algo que eu mais anseio é ir em algum lugar onde servem comida bastante gordurosa, tenha música agitada e alta e onde eu poderei rir, dançar e jogar bolas pesadas contra negócios de madeira, uma vez atrás da outra, até meus braços não aguentarem mais!   
— Isso soa maravilhoso, Micaella! — Pousando uma mão generosa e quente sobre as mãos da mulher, Charlie sorria caloroso, querendo transmitir paz para a jovem. Lá fora o temporal suaviza, na medida que o Sol descia no horizonte, indicando que já entardecia. Eufórica e se sentindo acolhida, mais uma memória surgiu nas lacunas da mulher que voltou a falar, mais enfática:
— Eu também tenho uma boa lembrança de quando eu era menor! Foi em um dia ensolarado com meu pai, quando atravessamos a cidade para irmos no lago. Foi uma tarde tão boa, eu lembro dos patos nadando, das outras crianças brincando enquanto meu pai me ensinava a nadar. Foi uma das únicas vezes que tivemos algo assim… — Encolheu os ombros, desviando o olhar para longe.
Charlie percebeu o quão sensível ela ficava quando citava o seu pai, como uma ferida aberta que ela não gostava de cutucar. Olhou por cima do ombro, na direção da janela, já percebendo que o véu da noite recobria o céu. 
— Como o tempo passou rápido… Uau, isso que foi uma conversa interessante, minha querida! — Comentou juntando as mãos, sobre os olhos atentos de Micaella. Sorrindo com doçura ele se levantou, as mãos na cintura, direcionando seu olhar gentil para ela:
— Antes de eu ir embora, eu realmente gostaria muito de lhe oferecer a unção, jovem. Para eu ir em paz sabendo que eu te abençoei. 
 — Tudo bem — ela confirmou, serena. Já havia aceitado sua própria sina aparentemente, deitando-se na cama, olhando para o teto, aguardando ser ungida pelo homem que compartilhou seus segredos mais íntimos naquele dia atípico de domingo. Charlie suspirou, pegou o frasco de óleo ungido, amarelo ocre gorduroso, na sua maleta abrindo-o, sentindo o cheiro gostoso de oliva misturado a mirra subir pela sua narinas, deslizou a ponta do polegar no gargalo do vidrinho o entornando contra o dedo, umedecendo o dedo com o óleo, aproximando do corpo da mulher. 
Sobre a luz do quarto e o ângulo que ele estava notou através do tecido o volume dos bicos dos seios dela, o formato dos seios e um leve vinco entre as pernas; desviou imediatamente os olhos, começando a rezar para que Deus o ouvisse;
—... que essa jovem possa encontrar Sua luz, meu Senhor! Seja curada de todos os males, que sua carne e espírito sejam purificados para que a mesma encontre na vida, os pequenos prazeres que Vós nos deixou — fez o sinal da cruz na testa dela, deslizando o polegar sobre a pele lisa e levemente amarelada de Micaella. Estava curvado para ela. Antes que voltasse a ficar ereto, a mão da mulher agarrou firmemente seu pulso o travando naquela mesma posição, nariz com nariz, olhos com olhos, lábios com lábios. Ela respirou forte o suficiente para o hálito quente e doce tocasse o rosto do homem que franziu o cenho, realmente confuso com o movimento.
Ela então murmurou, clemente:
— Padre… Charlie… Você poderia me conceder um último desejo?
— Sim, claro Micaella — sussurrou de volta sorrindo tenso. O aperto em seu pulso ficou mais firme de forma que ele teve que usar o outro braço de apoio, ficando quase deitado por cima dela. Micaella fechou os olhos para que a coragem lhe tomasse as últimas palavras:
— Você poderia me beijar?
A pergunta simples porém perigosa acertou o homem como uma lança em seu peito. Diante aquele quadro onde a mulher acamada, com óleo ungido secando na sua testa, olhos grandes cheios de desejo e medo pela vida e pela morte, com os lábios entreabertos ansiando para serem tocados uma última vez… Oh, Deus, me dê discernimento., clamou na mente fechando seus olhos. Novamente mais um pedido sussurrado:
— Por favor, Charlie. Eu só quero ser beijada por você.
Charlie levou sua mão livre para o rosto dela, pegando-o feito uma maçã podre, pálida porém com a carne apetitosa em seu veneno proibido, passou a língua nos lábios secos, engoliu aquele sentimento amargo, lamentou mais uma vez a Deus: Deus, não deixe eu cair na tentação, me dê um sinal. 
Quando percebeu a mão da mulher subia seu braço alcançando seu ombro, seu pescoço que arrepiou-se diante o toque da palma fria, acolhendo seu maxilar. Estavam tão próximos que suas respirações e pensamentos já beijavam-se. Os lábios estavam quase se tocando, os hálitos já fundiam-se quando Charlie repentinamente desviou a direção do beijo contra a testa dela. Um beijo lento, demorado, sorvendo o sabor da pele levemente suada misturada ao óleo ungido. Havia deus e ela naquele beijo tão carinhoso. 
Se desvencilhou do toque dela, a olhou uma última vez sorrindo com serenidade, pegando sua maleta e dando meia-volta. Na porta antes de fechá-la, ela a olhou uma última vez:
— Que Deus te cure, Micaella. 
Foi embora, fechando a porta atrás de si.
Engolido pelo silêncio do seu próprio quarto, imerso no escuro e nos pensamentos caóticos, Charlie Mayhew só conseguia pensar no rosto angelical em sua morte anunciada de Micaella. Com uma dor dilacerante no coração, como se uma coroa de espinhos o envolvesse, ardendo na febre de uma paixão avassaladora, em lágrimas ele se ajoelhou na sua cama, unindo palma contra palma para rezar mais uma vez, em clamor do perdão e da salvação da alma daquela pobre criatura de Deus. 
Confuso com os delírios daquela febre imaculada, ele sentiu o medo. 
Eu não sinto medo de Deus, sussurrou para si mesmo naquela escuridão vazia do seu ser, mas sim de eu apodrecer por inteiro. 
— Padre Charlie? — Irmã Marie surgiu na porta do seu escritório naquela segunda-feira normal da sua vida, faziam sete dias desde o dia que foi visitar a jovem Micaella e desde então não houve notícias – nenhuma ligação, carta ou presença da sua avó nas missas durante a semana. Olhou para a freira que segurava um papel em mão, sorriu caloroso:
— Sim Eunice, com o que posso te ajudar!?
— Telegrama para você! — Se aproximou dele estendendo-lhe o papel com um recado impresso, ele agradeceu, esperando que ela saísse para ler o que tinha sido escrito para ela.
Seus olhos leram com atenção o recado:
“Senhor Mayhew,
Sua benção! Aqui quem vos fala é a Sra. Silla, avó da Micaella. Queria apenas te agradecer pela sua visita e unção! A minha garotinha presenciou o milagre da vida e amanheceu faz poucos dias completamente curada! Até mesmo o médico está sem acreditar na melhora repentina dela, porém eu sei que foi por causa de você com sua fé que a curou! Louvado seja tu, Padre, e louvado seja Deus! Se quiser conversar com a minha garotinha, vou deixar nosso telefone registrado. E você sempre será bem-vindo à nossa humilde casa, Padre. 
Novamente, seremos eternamente gratas pela sua misericórdia e seu milagre operado! Que Deus continue te iluminando meu jovem. Micaella disse que foram as suas palavras que a resgataram da morte iminente. 
Atenciosamente,
Sra. Silas.
Telefone: x-xxx-xxx-xxxx.”
Charlie ficou sem acreditar. Leu mais uma vez em voz alta, sentia o coração bater acelerado com uma alegria que nem ele sabia ser capaz de sentir. Olhou para o telefone fixo do seu escritório, leu novamente o texto, pegou o fone do gancho, discando os números com pressa.
Tum… Tum… Tum… 
Ele já ia desligando quando a linha parou por segundos, logo um chiado surgiu sendo seguido de uma voz serena o sobressaltando:
— Alô, Micaella Silas na linha, com quem eu estou falando?
— Micaella… 
— Charlie, é você?
Silêncio. Ela repetiu a pergunta mais uma vez, confusa. Charlie suspirou antes de finalmente deixar as palavras saírem de seu coração:
— Sou eu sim, Micaella. Agora eu consigo compreender os sinais de Deus… E eu não preciso mais temer nada. — Seus olhos ergueram-se no quadro de um Jesus Cristo crucificado na sua frente: — Pois agora eu tenho certeza que você será o meu milagre da minha podridão.
FIM. (...)
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hanieltheheretic · 4 months ago
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Relato de EQM 3, usuario de reddit (TheChthonicPriestess), diálogo:
TheChthonicPriestess: Eu pessoalmente tive uma EQM que realmente me ajudou a encontrar meu caminho. Resumindo a história, eu "me tornei consciente", em um lugar que agora sei ser Erebus, e fui recebido por minha divindade primária, Zagreus, que eu não conhecia na época... Eu estava sendo criado como católico. Tivemos uma breve conversa onde falamos como velhos amigos, e então decidi que precisava voltar porque "minha mãe precisa de mim". Eu, com 5 anos, não entendia o peso que essas palavras tinham, como essa versão adulta espiritual de mim as dizia, mas sabendo o que sei agora... era muito verdadeiro, e significava que eu estava realmente trilhando o caminho de Eleusina, mesmo naquela época. Mais tarde na vida, essa experiência me apontaria na direção certa para me reconectar com Zagreus e começar meu caminho de provações para ganhar meu título de Sacerdotisa do Hades. É incrível pensar o quanto evoluí em apenas 20 anos desde minha EQM, mas sou grata por isso ter acontecido e sou grata por Zagreus nunca ter desistido de me procurar em momentos importantes da minha vida. 💕
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Geral_Ad7381: Isso é realmente fascinante! Se você estiver tranquilo para falar mais sobre isso, quais foram as coisas e sinais que eventualmente o levaram a Zagreus?
TheChthonicPriestess: Oh, meu Deus. Haha. Havia... muitos. Primeiro, durante a EQM em si, eu o vi, e mais tarde o descreveria como uma "figura do tipo Hades, mas não Hades, e mais jovem". Não tenho certeza de como eu sabia que não era Hades, mas acho que tem algo a ver com minha alma estar familiarizada com eles no Submundo. Mais tarde na vida, tive uma experiência estranha em um banheiro familiar do 7/11, onde eu estava sozinho com minha avó, tinha meus olhos em minha avó de costas para a porta trancada, e quando me virei, havia um monte de moedas novas e brilhantes em um círculo no chão que definitivamente não estavam lá antes. Eu costumava colecionar "moedas do céu", e Zagreus tem o hábito de me enviar pequenos presentes como esse porque ele sabe que eles me fazem feliz. Durante minha EQM, ele disse: "Nunca se esqueça... Eu sempre estarei cuidando de você". Mais tarde, uma freira se aproximou de mim, me entregou um cartão que tinha meu aniversário e o santo para quem eu iria rezar naquele dia (criada católica, e meu aniversário é o dia da festa deste santo), e quando ela me entregou, ela disse: "Me disseram para te dar isso e te dizer para nunca esquecer que alguém está cuidando de você." Eu tinha esquecido da minha EQM, e isso fez tudo voltar à tona e realmente deu o pontapé inicial no meu caminho. Quando eu tinha 12 anos, eu ainda conseguia ver espíritos, e fiquei assustada, e tive essa sensação de conforto caloroso me inundando, e uma sensação como um abraço caloroso. Ele disse: "Ei, você está bem. Eu estou aqui. Eles não podem te machucar." Não era auditivo, por si só, mas mais como os restos do seu cérebro registrando que alguém tinha acabado de falar com você. Quando eu tinha 13 anos, eu estava questionando minha fé, e já tinha renunciado a ser católica. Eu gritei para "Quem quisesse ouvir" e pedi um sinal dentro de uma semana. Bem, uma semana depois eu estava sozinho na floresta (em segurança) e tive uma experiência louca fora do corpo que me deixou com a habilidade de sentir a Vida como eu sempre senti a Morte. Eu estava me perguntando como as árvores soavam um pouco antes, então ele terminou me deixando ouvir as árvores cantarem. Esta foi uma grande pista, pois ele é o deus da Vida. Eu mantive essa habilidade até hoje. Quando eu tinha 18 anos, fui a um Festival de Comida Grega em uma Igreja Ortodoxa Grega dedicada a São Dionísio. Eu estava tipo, "... não é esse... o deus do vinho e da festa? Kkkk", então eu pesquisei e vi o nome Zagreus na Wikipedia. Realmente se destacou para mim, e eu pesquisei um pouco mais e descobri que ele era filho de Perséfone. Eu não sabia que ela tinha filhos. Eu ainda não vi nenhuma informação sobre o que ele era deus, então eu não juntei 2 e 2 até que finalmente, um dia, eu apenas sentei e fiz uma leitura de pêndulo com ele. Eu reduzi para o Panteão, então se ele era Urânico ou Ctônico, então comecei a listá-los até que ele disse: "Sim, eu sou Zagreus". Foi um sim MUITO entusiasmado. 😂 A partir daí, fiz mais pesquisas e desenvolvi alguns UPG, já que não há muito sobre ele.
https://www.reddit.com/r/pagan/comments/13a9wmx/the_pagan_near_death_experience/
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shobtss · 8 months ago
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A certeza
eu quero a sorte de um amor sem mascaras.
um amor com compromisso, cumplicidade, conversas sérias, de escolha, entrega, onde sejamos amigos um do outro, onde o diálogo seja frequente, onde o silencio seja aceito de braços abertos, onde sejamos francos um com o outro, onde possamos crescer juntos.
Eu quero um amor reciproco, é pedir muito? Talvez nos tempos de hoje seja mais fácil a desistência de tentarmos fazer alguma relação dar certo. Nos dias de hoje, na primeira dificuldade, primeiro desentendimento já desistimos e falamos que não foi amor. Um tempo onde a escolha de ficar e tentar, é quase nula. E eu, eu não nunca desisti fácil de nada, nem dos meus pequenos sonhos, quem dirá do amor.
Eu sou aquele tipo de pessoa que pra desistir de alguém, ela precisa me magoar muito, ferir algum principio da relação, precisa ser claro com todas as palavras "eu não quero mais você", fora isso, eu tento até o fim. Eu sou fiel a pessoa, aguento barras inimagináveis, vou sempre manter a fé em meio a tempestade, vou sempre apostar nos teus sonhos e fazer de tudo para que se torne realidade.
Eu me pergunto, amor, o que preciso demonstrar mais para que você me deixe fazer parte da sua vida? Já mostrei que entendo seu momento, aceito os termos do presente, aceito a barra que for, porque sei que você é daquelas que valem a pena, sei que vale a espera, mas não esperarei mais sem a certeza. Talvez meu defeito seja esse: a certeza. Acho que a certeza é o meu porto seguro, e não consigo mais abrir mão dele.
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domquixotedospobresblog · 1 year ago
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A professora xingou como nunca tinha feito em sua vida,saiu pela rua dizendo para que todos respeitassem mais as palavras,elas não eram simples letras colocadas em ordem só para ter algum significado,era mais que isso,elas derrubaram os maiores reis da história,se mal interpretadas elas geram grandes guerras e terminam grandes amores,sem elas o ser humano é apenas um macaco sem pelo e que ficaria o dia inteiro apenas coçando o saco,sem elas as ideias não iriam para o papel, assim sendo grandes descobertas da humanidade nem existiriam,sempre deram grande valor aos números e eles merecem,mas as palavras é que fazem qualquer número crescer, afinal chega de dar paulada na cabeça para conquistar uma mulher,use as palavras de forma que ela ao menos entenda a sua intenção, não cabe mais socos e pontapés só porquê alguém pisou no seu calo, diálogo e um bom pedido de desculpas já basta,as palavras que saem de sua boca são capazes de trazer paz onde você for, é por falar nelas,duas delas são especiais, são o que o mundo precisa para acabar com todo esse horror, são elas, a fé e o amor.
Jonas R Cezar
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blogdoronaldo · 1 year ago
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Fale sozinho; o que aprendemos com o profeta Jeremias
Diga palavras de ânimo, palavras que sustentem sua fé. Não deixe a dúvida se instalar em seu coração.
Você conversa com você mesmo, com você mesma? Você é o tipo de pessoa que fala sozinha? Este negócio parece loucura, mas, na verdade, trata-se de uma prática saudável; uma prática que ajuda a manter as emoções em equilíbrio. O doutor Augusto Cury, um dos principais pesquisadores das emoções no Brasil, defende o diálogo com si mesmo/a como uma estratégia constante, necessária, para colocar…
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arcoirisdaspalavras · 11 months ago
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Dói, não é?
O peso do diálogo.
Esse que ficou ausente.
Tempo.
Espaço.
Vida.
Coisas das quais não entendemos.
Sempre será difícil.
Mas o peso da eternidade é grande.
Assim como tudo que não morre é.
O preço da infinitude.
Que tudo não passa de encontro e despedida.
Assim como tudo passa.
Quando só existe o silêncio, há o sussurro.
Onde moram as coisas invisíveis.
Onde ciência e progresso carecem.
Cultura e fé não são suficientes.
É preciso então o conjunto.
Movimento partindo em direções opostas.
Como se fosse expelir o veneno.
Desse resto da eternidade que somos.
Como sinal de Lázaro diante da morte.
Que não queria acreditar.
Ainda voltarei nesse mesmo poema.
Direi que previ o futuro.
Quando na verdade,
É minha consciência diante das coisas.
Que quando se acumulam vão para algum lugar.
Ou finjo não ver.
Pois se existe aqui,
Eu vi.
Existe.
O ser ou não ser perde importância.
Em mundo grande,
Com tempo de depuração.
Desses que já estou perdido também.
Mas um dia,
Encontrarei o que procuro.
Pois saberei o que estava procurando.
Em movimento rotacional diante do acaso.
Desse que eu neguei até aqui.
@robertocpaes
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guimaraes-kaue · 2 years ago
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Eu estive pensando em algumas coisas que talvez sejam grandes. Algumas não saem mais da minha cabeça, outras vem e vão. Algumas estão tão longe outras tão perto. Enquanto caminho pela cidade sem um destino apenas ouvindo minhas músicas em meus fones de ouvidos, penso e observo sobre tudo ao meu redor.
A criança brincando, a mulher com pressa e o homem com a preocupação sobre a sua vida em seu rosto. O senhor que olha para a rua com o olhar de quem está perdido em uma lembrança do passado, onde talvez,se sentisse mais vigoroso. Ainda assim, sentado em silêncio.
Em todos os cenários, a mesma figura em vestes escuras, porém não má, aparece e os observa sobre seus óculos escuros. Essa figura sou eu, que estou caminhando pela cidade sem destino, apenas dando vazão aos pensamentos, enquanto a trilha sonora em meus fones de ouvido indicam, como uma bússola, o caminho que devo seguir.
Em todas as visões eu acabo por perceber a vida acontecendo alheia ao tempo em que estou caminhando. Eu mantenho a minha fé em meus deuses e em mim, ao mesmo tempo que vejo nos olhos das pessoas a falta dela. Eu sou agora um peregrino que busca incansavelmente a satisfação de se ver viver.
Em meus pensamentos você vive e constantemente está presente, em vários diálogos que travo em silêncio. Mesmo quando a distância cresce, em tempo e metros, mantenho a minha mente em possíveis cenários onde você possa estar. Não é angústia nem tristeza, é apenas que percebi que a vida fica melhor quando consigo ver você nela.
O destino Algumas vezes prega algumas peças e essas peças são sempre no silêncio entre uma música e outra. E esse silêncio machuca. Machuca pois ele me faz perceber que ainda estou estático. Ainda preciso de uma movimentação para entender o que estou pensando. Talvez algumas pessoas possam olhar para mim e pensar que estou longe demais para estar me importando com o que está acontecendo ao meu redor. Mas na verdade, eu estou em intensa atividade interna. E essa atividade me permite ir além do que já fui. Eu vou até você.
Eu amo você. E esses pensamentos sobre a vida e sobre observar o que há para observar e contemplar o que há para contemplar, me levam a pensar no amor que sinto por você e por toda a história que passamos e poderíamos passar juntos. Mas em nenhum momento me sinto triste ou deprimido. Eu me sinto feliz de poder estar pensando isso. Feliz por estar vivo e consciente da minha vida em relação ao mundo. Hoje eu observo o mundo ao meu redor e dele extraio o melhor que posso.
Eu amo você. Quando eu saio com o meu carro, fico sentado em silêncio, pensando em grandes coisas, pensando pra onde eu vou e se devo mesmo ir. Eu coloco uma música tocar, pois o silêncio machuca. Mesmo com o som do motor algumas vezes se tornando um mantra pra mim, gosto de ouvir alguma coisa. Pela estrada projeto teus sorrisos e os meus. Teus olhos nos meus e teu toque no meu. Embora, talvez eu saiba que não seja mais possível quebrar esse silêncio com a tua voz e tua riso, eu penso nessa possibilidade.
Eu tenho esses pensamentos sobre coisas grandes. Eu tenho esses pensamentos que exalam o fogo e a água, enquanto escuto minhas músicas. Eu luto contra o silêncio, e eu vejo nos olhos a faísca da vida. Eu pondero sobre coisas terríveis, entre duas ideias que algumas vezes não consigo decidir e deixo que a vida acabe me mostrando o melhor. Eu não gosto de perder, porém perder também pode ser vencer e eu agora estou tentando entender isso.
É terrível pensar em uma vida onde não há sequer uma fagulha de esperança e a esperança é o que me move. Esperança é fé. Eu não matei mais o que eu sou. Eu não matei mais o que me matava. Mas agora, estou aqui sentado em silêncio.
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hcoly · 1 year ago
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A gente enfeita diálogos trágicos; a gente transforma dores de cabeça em poesia. Eu decido tingir minha parede cinza com seu lilás; você planta mais das minhas folhas verdes no seu jardim. Você é obstinada e ansiosa e eu tento acompanhar nos meus passos curtos e hesitantes. Não me importo se tiver que te olhar de trás por algum tempo. Não tem porquê ter pressa se a gente está indo pro mesmo lugar. No final a gente se encontra nas narrativas furadas e nas semanas brutais. Agora é a parte que eu abaixo a cabeça e finjo que não tenho botado toda a minha fé em você, ficando de joelhos e sussurrando seu nome como uma oração. E você quase me faz chorar, me dizendo do nada alguma coisa essencial que eu não sabia que precisava ouvir até que fosse dito. Tenho tentando muito mesmo, não me ancorar no meio de tempestades. Mas você disse que iria se certificar de me manter imersa na nossa fantasia. Então não me acorde hoje.
- Estamos quase lá.
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desamacedo · 1 year ago
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O Apanhador no Campo de Centeio
Todas as vezes que escrevi uma resenha digna de respeito, pude observar que esse fato ocorreu por motivos particulares, a forma como consegui transcrever as minhas sensações lendo uma determinada obra. Confesso, estou enferrujada, apesar de ser algo que me encanta, faz muito tempo que não escrevo. Isso não é uma introdução, certamente estou fazendo um aquecimento literário, algo do tipo, não sei ao certo se isso existe, na dúvida, prefiro arriscar, nesse exato momento existe uma necessidade de expressão. 
Primeiramente gostaria de destacar, fiz leituras de resenhas incríveis que me auxiliaram na compreensão de poemas, referências importantes na construção da narrativa, por outro lado, preciso dizer que, não tenho a pretensão de fazer descrições gerais, explicativas, importantíssimas, mas essa não é a minha marca. Deixo essa função para os grandes mestres, inclusive aqueles que utilizei como consulta antes de iniciar a escrita. 
O Apanhador no Campo de Centeio narra a história de um ser selvagem, indomável, alguém que não se curva, não se deixa dominar. Os traços que vinculam o leitor a narrativa, fazem parte da dinâmica que o autor utiliza na escolha de vocabulário, gerando uma proximidade, pertencimento, como ler algo que foi dito por alguém. Como uma conversa informal. 
A relação que cria com os livros, vontade de conversar com os autores. Dizer algo como: esse autor seria uma pessoa para quem eu ligaria. Crio vínculos com minhas leituras, consigo lembrar de tudo que estava fazendo enquanto lia. Gosto de colocar o livro sobre meu peito para refletir quando a leitura mexe comigo, como um abraço seguido de um suspiro profundo. Aproveito a oportunidade para dizer que, gostaria muito de conversar com Graciliano Ramos, Neruda, Octávio Paz e Mário Benedetti. O Graciliano é certamente a conversa mais importante, conversaríamos sobre a fé. 
A fé também faz parte dessa narrativa e me chama a atenção. Os exemplos de diálogos onde aparecem representantes religiosos são muito interessantes. Como justificar a causa de não frequentar as cerimônias e acabar discutindo se Cristo condenou Judas ou não. Gosto de gente que tem criticidade para vivenciar as experiências da vida, esse personagem me proporciona isso em cada frase, cada ato, cada indagação. Não ser óbvio, não fazer parte da maioria, não se encaixar. 
O perfil de alguém inteligente, que conhece museus como ninguém, prefere a autonomia de caminhar a pagar por um táxi. Ao mesmo tempo, todo esse conhecimento é colocado de forma pejorativa, como quando cita o jornal Saturday Evening Post, para falar que não se importa com o atraso das garotas nos encontros. Gosta de peças de teatro e questiona os roteiros de filmes hollywoodianos.
Apesar da vontade de não pertencer, ele não escapa as máscaras sociais que todos nós colocamos em algum momento, das performances desnecessárias, como mentir sua vida sexual para parecer mais interessante. Aliás, existem infinitas possibilidades de pensar sobre a construção do masculino através das falas do nosso protagonista. O apanhador no Campo de Centeio é um convite para nos conectarmos com nossa singularidade, nossos impulsos, nossa essência.
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carolinacunhartestudio · 1 year ago
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*Bahia de Fé* é uma série documental que apresenta o panorama multirreligioso da Bahia e como o exercício da religiosidade dos baianos é um dos fortes traços de sua identidade cultural. Tive a honra de colaborar com este doc, ilustrando algumas histórias da cultura yorubá. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Com 5 episódios de 26 minutos, Bahia de Fé amplia a perspectiva de que existem mais semelhanças do que diferenças nas bases filosóficas das instituições religiosas. Com uma linguagem cultural rica, o documentário se utiliza da dança, do canto de coral, da contação de histórias e de ilustrações, além de depoimentos de especialistas, líderes religiosos e praticantes, para estimular o diálogo religioso e tratar de questões contemporâneas de cinco fases da vida (Infância, Juventude, Maturidade, Velhice e Morte) em interação com a espiritualidade.
Bahia de Fé tem participação de 18 líderes religiosos: Alagba Balbino Daniel de Paula, Aniruddha Dasa, Ebomi Nice, Líder Espírita André Luiz Peixinho , Líder Espírita José Medrado, Ministro Ricardo Brasil, Monge Kelsang Tenchog, Padre Lázaro Muniz, Padre Manoel Filho, Pai Raimundo de Xangô, Pastor Djalma Torres, Pastora Célia Gil Pereira, Rabino Mariano Del Prado, Reverenda Bianca Daéb’s, Senhora Telucama Graça Azevedo, Sheik Abdul Ahmad, Taata Anselmo e Yalorixá Jaciara Ribeiro.
A série tem realização da Santo Guerreiro Cine VT, roteiro de Aléxis Góis e Cleidiana Ramos. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ #BahiaDeFé#BahiaNaTela#TVEBahia#AudiovisualBaiano#Religiosidade#culturayoruba#matrizafricana#orixas
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intotheroaringverse · 1 year ago
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Haru Ozu: By The Old Gods and The News.
A primeira memória que ele tem é do som do mar batendo fortemente contra as rochas da ilha. Um som alto e tenebroso que indicava que tinha muita vida do lado de fora da casa em que ficava matando tempo enquanto seus pais estavam em sala de aula. Era completamente assustador, e o fazia lembrar das histórias de sua mãe sobre um dragão que existia no fundo do mar e que ascendia apenas para resguardar aqueles que eram devotos em sua existência. Haru Ozu era apaixonado por essa ideia.
— Você tem um dragão mágico, eu quero um dragão mágico. Organizando direitinho... — sugeriu uma vez para Hua Choi, apenas para receber um olhar de desdém e um "passa amanhã" da mais nova, em plenos 6 anos de idade.
Ele sabia, é claro, que as coisas não funcionavam daquele jeito. Você não podia ganhar um dragão pedindo por ele. Você conquistava um dragão com a sua fé, persistência e teimosia. Ele tinha muito das outras coisas, então ele podia começar a se preparar para um dia conseguir domar o próprio dragão do mar. Se ele tivesse sorte.
Mas para isso precisava de treino.
— Então, Sakura. — ele falava com a maior intimidade escorado no muro da vizinha, as perninhas finas e compridas que tinha aos seus 8 anos entrelaçadas enquanto usava de suas covinhas e toda a sua lábia que deus sabia muito bem de onde ele tinha herdado. — A gente se conhece uma vida toda, já. Você é provavelmente uma das pessoas com a melhor rede de contatos pra esse tipo de coisa. Me diz uma coisa: quanto tá custando, por baixo, um ovo de dragão?
Ele podia culpar Yeong por todos os planos mirabolantes que ele entrava porque o garoto literalmente o arrastava por todo o caminho até o acompanhar, mas todas as suas tentativas de arranjar um ovo de dragão eram apenas por sua conta e risco, acreditando sempre que tudo o que ele quisesse, o cara lá de cima iria lhe dar.
No caso, seu tio San.
— Então, caso eu arranjasse, o senhor tem um quintal enorme...
— Haru, não é quintal, é literalmente a arena da escola.
— Detalhes, o ponto é: eu deixava com o senhor e ia visitar todas as férias e levar pra passear, dar banho, etc — explicava, as mãos no colo, lançando todo o discurso em frente a lareira enquanto os pais o deixavam manter aquele diálogo, cada um com uma cara maior de "impossível de acreditar na cara de pau".
— Tá, se um dia você arranjar um dragão, a gente conversa.
E Haru guardou aquilo no coração como se fosse uma nova prece.
— Sua vez de fazer suas oferendas, meu bem — Somi dizia a ele, fazendo carinho nos fios bagunçados pelo vento que vinha da praia.
A fogueira era grande, mas contida, para que a fuligem não os atingisse. Sua mãe tinha arremessado todas as mandrágoras que plantava justamente para aquela finalidade, e agora ele tinha uma em suas mãos para fazer o mesmo ritual. Ele fechou os olhos, respirando fundo e se concentrando.
— Um dragão. Eu só quero um dragão, e eu vou ser um bom guerreiro, com as bençãos de Ares. Até como todos os temperos da comida do refeitório se for necessário. Por todos os deuses, novos e antigos, amém — Concluiu a prece arremessando a planta no fogo como se não fosse nada, os dois vendo as mandrágoras se debaterem no fogo e gritarem por suas vidas sem sequer esboçar reação.
Haru era também forte e corajoso. Ele tinha que ser, todos os guerreiros eram assim, ele não podia ser diferente. E, um dia, ele iria para a luta usando um dragão como uma arma, montando em suas costas e resolvendo tudo com fogo e sangue. Ia ser irado.
Ele desviou o olhar para o mar, as ondas batiam contra a areia e faziam um barulho alto.
O dragão estava ouvindo as suas preces. Ele sabia que sim. E era tudo uma questão de tempo.
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Descubra um Novo Caminho de Fé e Conexão: Bem-vindo ao Blog da Igreja Presbiteriana do Centenário
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🌟 Seja muito bem-vindo ao Blog da Igreja Presbiteriana do Centenário! 🌟
Nós estamos animados em compartilhar com você um espaço dedicado a fortalecer a sua fé, proporcionar orientação espiritual e inspirar uma vida de serviço a Deus. Aqui, não apenas queremos apresentar a nossa igreja, mas também criar um ambiente de conexão, crescimento e transformação.
Queremos que você saiba que este blog foi criado com um propósito especial: ser um farol de luz em meio ao mundo atual. Acreditamos que a vida cristã não é apenas uma questão de frequentar cultos aos domingos, mas sim viver uma fé ativa e relevante no dia a dia.
Ao navegar pelo nosso blog, você encontrará uma diversidade de artigos e reflexões que abordam os desafios e as oportunidades da vida cristã contemporânea. Nosso objetivo é trazer uma mensagem de esperança e encorajamento, além de fornecer ferramentas práticas para você desenvolver sua fé e relacionamento com Deus.
Em nosso blog, você encontrará estudos bíblicos aprofundados, mensagens inspiradoras de nossos líderes e testemunhos reais de pessoas que experimentaram o poder transformador de Cristo em suas vidas. Nosso desejo é que você seja impactado por essas histórias, encontrando inspiração para a sua própria jornada de fé.
Não queremos ser apenas mais um blog religioso na vastidão da internet. Estamos aqui para ser uma comunidade de apoio mútuo, onde você pode compartilhar suas experiências, fazer perguntas e encontrar respostas. Queremos que este espaço seja um ambiente de diálogo, onde cada voz seja valorizada e respeitada.
Além disso, estamos empenhados em oferecer recursos práticos que possam auxiliar você no seu crescimento espiritual. Indicaremos livros, músicas e outros materiais que podem enriquecer a sua jornada de fé. Também abordaremos assuntos relacionados à vida familiar, relacionamentos, desafios sociais e questões culturais à luz da Palavra de Deus.
Acima de tudo, queremos lembrar a você que a nossa igreja não é um prédio, mas uma comunidade de pessoas que amam a Deus e dispostas a fazer a diferença em nosso mundo. Estamos aqui para incentivar você a viver uma vida de serviço e amor ao próximo, espalhando o amor e a mensagem de Jesus Cristo por onde quer que você vá.
Por isso, convidamos você a se juntar a nós nessa jornada de fé, conhecimento e serviço. Queremos ser um canal de bênçãos em sua vida, capacitando você a impactar a sua comunidade e a sociedade ao seu redor. Estamos animados para caminhar ao seu lado e compartilhar conteúdos e recursos valiosos que possam fazer a diferença em sua vida.
Seja bem-vindo ao Blog da Igreja Presbiteriana do Centenário, um lugar onde sua fé encontra voz e a sua caminhada com Deus é fortalecida. Estamos ansiosos para que você faça parte dessa jornada conosco. Vamos juntos, em busca de um propósito maior e de um relacionamento mais profundo com o nosso Criador.
Nossos cultos presenciais acontecem aos domingos às 9h da manhã e às 18h à noite, e também às terças e quintas-feiras às 19h30 Venha nos visitar, ficaremos felizes em recebê-los.
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