Pobres Lírios
Enquanto andava até tua casa
Ponto de partida da minha ilusão
Arando métrica, verso e rima de enxada
No duro solo do meu ser tão
Panhando os matos velhos,
espinhos secos
Perfurando as mãos
Preparava a terra para a nobre flor
Lavrando o peito de pobres rimas
Que regam e afogam as histórias de amor
Entretanto, ansiava por encontrar depressa
O marcado caminho perene do rio
Pisando forte e fungando fundo
regando o chão de suor frio
Apertando os olhos e dentes
Pra vê-lo no horizonte de um dia vazio
Reparava que andasse até onde fosse
Regando com água doce o que quis ver brotar
Que não foram meus pés mas o vento que trouxe
Da vida, o polém maravilhoso
E que levou - silencioso
no frio gélido da noite
A fulô que tu me destes sem me ensinar a cuidar
SALVADOR, 05 de Janeiro de 2017
Queiroz Barreto
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O Coração Pulsante da Página Eletrônica
As pirraças da ansiedade não nos fogem nem no divino exercício
O meu coração pulsante - que quer cantar
Me faz encher os pulmões - usados de cigarros
Dum fôlego que eu teria - não o houvesse dado
Ao coração pulsante da página eletrônica
Que me cobra, à cada meio-segundo:
Metáforas, respostas
Que eu teria - não quisesse as perguntas mortas
Não houvesse cedido à lona
Nem à secura da minha garganta
Miragem no deserto dos meus versos
Salvador, 23 de Janeiro de 2017
Queiroz Barreto
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O Amor é uma Viagem
Levantou depois do meio-dia, cantarolando uma canção de amor qualquer. Pôs cada vértebra em seu devido lugar, interrompendo a melodia num satisfeito gemido. As marcas no calendário anunciavam toda euforia deste dia, que a muito ameaçava raiar. Terminou seu show debaixo do chuveiro, e pôs-se a encarar, acidentadas curvas, de frente ao espelho, pensando o quanto viaja-las, de novo, agora, acima de qualquer limite de velocidade, como quem corre pra salvar uma vida, seria docemente imprudente. Teve, então, os ouvidos invadidos pelo alarme, que – adiantado duas horas - anunciava a aproximação do derradeiro momento – com uma paciência irritante. E se cobrou se apressar.
Pôs uma de suas melhores roupas – dada a pressa, nada relacionada ao calmo alarme que se entregara a uma soneca – e enfeitou os olhos da maneira que mais gosta. Antes de pintar os lábios de vermelho, tomou um preto forte e alguns biscoitos para tapear a fome – que vinda da alma, tão sagaz e por vezes sonsa, não cairia em tão baixo truque. Tomou as chaves e rumando à porta da rua, partiu.
Pra onde quer que fosse, por quanto tempo houvesse de ser. Na marca de seu calendário aquele era o dia e tudo que viesse dela, o faria ser. Pisou fundo, abrindo todo caminho com seus pés, em passos largos, curtos, lentos, rápidos, sempre fluidos – esta sua especialidade – até que virando à esquerda no ponto da dúvida, reencontrou aquela curva. Curva duma estrada onde já estivera antes, e por onde havia de passar mais uma vez. Seu destino era um só e aquele havia de ser o dia de revê-lo. Havia preparado tudo para a viagem: desfeito as malas e deixado – separados por cor – todos os receios em casa. Pra onde ia, não precisaria deles.
Sentiu então, apertar em seu estômago e seio esquerdo, lembranças dos perigos da via: para-brisas bloqueados de borboletas, aquaplanagens duma pista molhada em demasia em noites quentes como esta, desligar os faróis para melhor ver as estrelas – e como elas brilhavam lindas daquela curva acidentada na beira dum precipício, onde só imaginava estarem: o frio e salgado mar comendo as pontas das pedras em formato de lanças.
- E se cairmos lá embaixo? – Perguntou o carona.
- Não iremos se você esquecer o freio de mão. – Disse-lhe fitando os olhos e sorrindo, desligando as luzes e acelerando curva à dentro.
SALVADOR, 25 de Janeiro de 2017
Queiroz Barreto
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Empreendedor
Enquanto chapado, coçava o saco e lia
sua caixa de mensagens
ps: Vai hoje?
hoje não que eu to na correria
SALVADOR, 3 de Novembro de 2015
Queiroz Barreto
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Homem com Homem não Gera
“ - Ô Porco, me da o controle.
Gruniu bêbado
- Nada, sua biba. Cê vai vê seu gol aí agora ó
- Pôrra, não me chame assim, caralho. E com certeza vai empatar denovo,
deixa eu ver o placar do Ultimão.
- Chamo como eu quiser, seu viado. Você vai ver teu time tomar gol.
- E o Marcinho, você chama assim?
Derrubou a garrafa em fúria
- Eu vou te matar seu filho da puta...
Agarrava e enforcava o irmão
O caco de vidro entra na jugular”
O delegado tira o óculos e suspira
Foi indiciado e condenado por Heterofobia.
SALVADOR, 03 de Novembro de 2015
Queiroz Barreto
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Carpe Diem
Máscaras de sorrisos plenos como os arcos, enfeitavam os entablamentos e sacadas protegidas pelo ferro quente, como a deslumbrante pedra ao sol da escadaria da igreja. Das paredes e janelas, as esculturas e suas linhas cruzas, apontavam com seus braços e cinturas ao caminho da porta, indicado pela luz. De dentro, o trajeto iluminado e vazio até o altar, faria a luz se retorcer e refratar, até atingir o teto tingido de vermelho vinho, que fazia ressoar os pagãos motetos, e doava a reconfortante sombra da casa dos libertinos. O gozo-adubo, que no escuro era consumado entre anônimos e primos, jorrava sobre as sacadas para o pomar de robustas e carregadas macieiras, das quais as dedicadas freiras faziam tortas e suco para os sedentos fiéis. Não havia preocupação precipitada nem tardia. Nada que não o por do sol poderia findar a sacra regozija. E quando ele vinha, vestiam todos seus imundos trajes de hipocrisia, e retornavam as suas miseráveis vidas.
Mas com o cair da noite, os fervorosos tintilares dos terços de pérolas imperfeitas se botavam a trabalhar, e as preces de retorno eram sussuradas como segredos escondidos das paredes.
Misericordioso seja O Senhor, que nos livraste dos maneirismos da vida, tende piedade de nós, miseros pecadores e concedei-nos sempre a graça um novo dia de colheita. Para tornar nossa miséria apenas passageira.
SALVADOR, 26 de Maio de 2015
Queiroz Barreto
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Marinheiro Só
Amei uma vez
Tanto quanto me podia ser
Ao desvanecer
Atinei a pensar um bando de bobagens
Lindas maldades
Doces caprichos
Por um verde recato
Tratei do ato
de escrever num prato
as sacras e os pecados
que calei pra ela
E nesse mar de risos e agonias
Fiz meu barco de poesia
Navegando uma sopa de letrinhas
Que me diziam coisas estranhas
Ao fim da viagem,
recolhidas minhas entranhas
não quis saber de barco ou vento
Tão poderoso tempo,
que me ensinou a cantar de novo
Eu não sou daqui
Eu não tenho amor
Eu sou da Bahia
De São Salvador!
juro que jamais farei pouco
de tudo que a lua ensinou pra mim
Queiroz Barreto
SALVADOR, 04 de Novembro de 2015
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Autoretrato
Sou, antes de tudo inventado
Salafrário
mentiroso deslavado
Ingênuo
Cínico
Se arquitetado
Seria menos ordinário
Mas em meu bem,
tão precário
De todo,
o pouco que sinto
Considero a máxima: “Tudo que não invento, é falso”
E comprovo meu estado:
Sou antes de tudo, inventado.
Queiroz Barreto
SALVADOR, 19 de Abril de 2015
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Rodoviar
Corri
Como pingos de chuva na janela
Cada passo em falso
Página em branco, uma nova aquarela
Faz sorrisos
Como tantos dados
Tantos vistos
Faz aperto
Palpitar misto
Júbilo e medo
De ser igual
De não ser mais o mesmo
O Abraço
A Saudade
Típicos do rodoviar
Me ensinaram que
A melhor hora do ir,
é poder voltar.
Queiroz Barreto
SALVADOR, 19 de Maio de 2015
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Narciso e a Solidão
Sou tudo o que me doo
Entre as paredes do meu claustro
Sou sonho, sou desejo
Sou vivo, sou passado
Senhor, Escravo
Banal, Fadado
A ser só o que vejo
Refletido à superfície do lago.
Sou tudo que eu soo
Sou riso, sou choro
Sou grito de socorro
Sou juras, conselhos
Mentiras, segredos
Sou medos, e anseios
Súbitos devaneios
Sou palavras de mais
Sou atos de menos.
E se grito ao vale do silêncio,
RAPAZ! TOME TENTO!
Eco, por ódio ou por amor,
Sem me dizer nada daquilo que sou,
Ressoo relento,
Sozinho moinho, que se esconde do vento.
Queiroz Barreto
SALVADOR - 15 de Julho de 2015
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