Tumgik
zinescritos · 5 years
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Cura tardia - Thiago Lee
Minha primeira sensação ao acordar foi uma tremenda dor de cabeça, como se eu estivesse de ressaca depois de beber por dois mil anos seguidos.
- Onde estou? - Movi os lábios num esforço colossal, ignorando a secura que invadia minha boca.
- A pergunta é: Quando estou? - Aquela voz autoritária me pegou de surpresa. 
Tentei abrir os olhos, porém minhas pálpebras se mantiveram coladas. Tateei o ar à minha volta, mas meus braços tampouco se mexiam.
- Não entre em pânico. O que sente é um efeito colateral da criogenia.
- Cri... Criogenia? - Tentei recuperar minha última lembrança, porém mal lembrava do meu próprio nome.
- É melhor que espere a transição acabar.
Acatei a ordem e aguardei. Alguns minutos se passaram, até que abri os olhos. Percebi estar deitado em algo que lembrava uma mesa de cirurgia. Tentei entrar em pânico, mas meu corpo não reagia aos meus estímulos.
Uma sombra surgiu ao meu lado.
- O que está acontecendo? - perguntei.
Um homem me encarava, impassível, com seus olhos acinzentados. Na verdade, tudo ali era cinza. Suas vestimentas, seus cabelos - cuidadosamente penteados - e as paredes. Por um instante, me imaginei num filme em preto-e-branco.
- Infinitas coisas estão acontecendo. - Sua voz se manteve séria. - Especificamente, estamos lhe trazendo de volta à vida, Davi. - Esse nome iluminou um canto obscurecido da minha memória. - Você sofria de uma doença terminal, então seu pai o alistou no programa de criogenia preemptiva, até encontrarem uma cura.
- A cada palavra, meu passado passava em minha mente como um filme.
- Não estamos mais em 2036? Que lugar é esse?
- Não. Estamos no ano de 4503 d.c., de acordo com seu calendário rudimentar. E este lugar é o Berçário.
As dores no meu corpo haviam cessado, mas minha cabeça queimava enquanto processava aquelas informações.
- E quem é você? - Foi a única coisa que consegui perguntar.
- Setor 412-Alfa-Tau, número de série DMX-Alfa-0078.
Resolvi chamá-lo de Gris.
- Por que estou aqui? - Acima de mim, braços mecânicos apontavam instrumentos cirúrgicos em minha direção. Inclinei a cabeça e vi o pano que cobria meu corpo por completo.
- Encontraram a cura?
- Ah, sim. Mas isso já faz alguns séculos.
- Então por que...
- Chega de perguntas. - Gris acenou e os braços mecânicos se afastaram, como se comandados remotamente. Com outro movimento de mão, minha cama se inclinou, deixando-me em pé, preso a ela. - Seus sinais vitais parecem estáveis. Siga-me.
Sem que eu movesse um músculo, a cama se retorceu e tomou uma forma semelhante à de uma cadeira de rodas - porém, sem rodas - e flutuou alguns centímetros acima do chão.
Normalmente, meu coração estaria acelerado naquela situação, mas eu devia estar sob o efeito de algum sedativo, pois não sentia medo ou apreensão. O pano ainda cobria minha pele. Talvez a cirurgia tivesse deixado alguma cicatriz aberta.
Gris oscilou os dedos e minha cadeira flutuante se moveu em sua direção. Ele caminhou para fora do cômodo e eu o segui involuntariamente.
- O que quer de mim? - Resolvi ser mais incisivo.
- Temos grandes planos para você no Berçário.
Nada daquilo fazia sentido. Certamente era alguma peça pregada pelos meus amigos ou algum efeito bizarro do álcool.
- Informações valiosas se perderam ao longo dos séculos - ele continuou. - Poesia. Dança. Cinema. Coisas que não compreendemos mais. Precisamos de pessoas como você para recuperar esse conhecimento.
- Cinema? - Eu amava filmes. Os clássicos do faroeste eram meus favoritos.
- Sim. Os dados que resgatamos depois da grande guerra estão muito além de nossa limitada compreensão. Sua mente será de grande ajuda. 
Gris se deteve diante de um portão circular. Uma luz avermelhada percorreu seu corpo, feito um scanner, e o portão se abriu.
Nunca vi nada tão extraordinário em toda a minha vida. Aquele cômodo era mais profundo que qualquer cânion que eu havia visitado. Gris adentrou o gigantesco salão e seguimos por uma ínfima passarela. Um passo em falso, e cairíamos por toda a eternidade. A escassa iluminação me permitiu enxergar apenas vislumbres das paredes, que aparentavam alojar centenas - não, milhões - de cápsulas.
- Este é o Berçário.
Me dei conta que estava mesmo no futuro.
- O que vocês guardam aqui? - perguntei, atônito.
- Não é o que guardamos, mas quem guardamos.
- Quem...
Assim que atingimos o fim do caminho, Gris deu um passo para o lado e minha cadeira o ultrapassou, parando na borda da passarela. Seu braço se cobriu de um cinza metálico - um braço robótico - revestido por dezenas de engrenagens. Os mecanismos giraram e revelaram um gancho que surgiu lentamente de dentro do seu cotovelo.
- Esta é sua nova casa, HZW-Beta-7321. - Gris encostou o gancho no pano que cobria meu corpo. - Ou prefere que o chame de Davi, assim como vem se referindo mentalmente a mim de Gris?
O gancho me tocou e, num impulso eletromagnético, o pano se soltou e caiu no chão, despindo-me. Se eu conseguisse entrar em pânico, esse seria o momento certo para tal.
Do pescoço pra baixo, eu era máquina. Fios metálicos se entrelaçavam por entre tubos que se estendiam por onde meus ossos deveriam estar. No peito, uma caixa maciça emitia uma luz verde intermitente.
- Não se acostume a esse corpo. Ele é um mero receptáculo de transporte.
Mais uma vez, as palavras se prenderam em minha garganta - se é que eu ainda possuía uma.
- A vida é mesmo uma ironia. - Enquanto Gris falava, um mecanismo robótico surgiu da escuridão e desmontou o ligamento que unia meu pescoço ao meu corpo autômato. - Sua mente rudimentar será essencial na evolução da minha espécie.
Assisti o mecanismo me levar através da escuridão. Assim que me aproximou da parede, vi o que preenchia as cápsulas presas na parede do Berçário - infinitas cabeças humanas desacordadas, imersas num líquido gosmento e com agulhas enfiadas emsuas têmporas.
O braço me colocou com cuidado numa cápsula vazia e me submergiu.
Antes de apagar, uma tontura me invadiu. Daquelas que você sente depois de tomar um porre colossal. Só que, dessa vez, não haveria ressaca.
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zinescritos · 5 years
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Da importância do Sono (ou You take the blue pill - the story ends) - Thiago Guilherme
Incerto, conta novamente no calendário: aquela devia ser a décima segunda noite consecutiva que não dormia. Dormir, na verdade, seria um capricho; naquela situação Henrique daria tudo por um mero cochilo, uma soneca, uma “pescada” sequer. Nem isso.
Tudo o que aprendera na escola sobre o ciclo circadiano, neurastenia, melatonina e respostas fisiológicas à falta de sono, não passavam de um blá-blá-blá mental que há muito deixara de escutar. Seus olhos perderam a capacidade de focar em qualquer coisa e todo movimento que fazia era executado em câmera lenta, pastoso.
Havia experimentado de tudo para pegar no sono; contar carneirinhos, contar de um a cem, a mil, de volta a um, o método 4-7-8, tranquilizantes, anti-depressivos de todo tipo e até aquela pílula azul brilhante que sua amiga Márcia extraviou do laboratório. “Não há confirmação farmacológica nem testes em animais ainda, mas...” - advertiu com aquele sorriso sacana - na situação em que se encontrava isso era um mero detalhe. Deus, se dissessem que matar uma pessoa resolveria essa crise, com certeza o teria feito sem pensar muito.
Largou o calendário na escrivaninha, arrastou-se até o banheiro e olhou-se no espelho. Tinha oito - onze? - anos novamente. Olhava a faca, colossal, em suas mãos pequeninas.
- Mas pai...
- Nada de “mas”, vai Rique.
- Não quero - disse, já com raiva do líquido quente acumulando no canto dos olhos.
- Estou mandando.
Não teve tempo de pensar, a mão do pai dirige a sua para o lugar exato, abaixo da pata dianteira do animal; uma montanha de pele rosada e flácida se estrebuchando em uma poça de sangue. Ainda no espelho, o velho molha as mãos no sangue da cria e passa nos braços do menino em choque. “Homens não sentem medo, Rique; dó é para os fracos, não pra filho meu”. Através das lágrimas que luta para conter, pulsam jatos vermelho vivo, brilhantes como aquelas cicatrizes que agora recobrem seus braços e peito. Seu reflexo esboça um sorriso esquivo.
Lentamente, o ocaso turva ainda mais sua mente perturbada. Henrique apura cada vez mais os ouvidos e sente a têmpora direita latejar. Dormir já é secundário; agora tem fome, tem sede. Sente um milhão de agulhas tentando furá-lo por dentro enquanto sai em velocidade sobre-humana para fora de casa e para dentro do desconhecido; numa viela, corrida disparada rumo ao êxtase, possessão maléfica de um corpo debilitado, privado de sono. A noite é sua abençoada capa do esquecimento e Henrique enrosca-se nela, banha-se na ardilosa luz da lua que distorce a realidade e faz o vermelho parecer verde. E veste-se de verde da cabeça aos pés. Clamores desesperados por misericórdia e gritos mudos rogam seu nome; aqueles pedaços de carne pareciam conhecê-lo.
Será mesmo?
Conheciam o Henrique, estudante de engenharia da Estadual, que aos finais de semana andava com sua bike no parque ou tocava uma guitarra desafinada com os amigos de classe. Tinham familiaridade com o coitado do rapaz que, diziam, de tanto estudar começou a ficar louco. Pra piorar, na mesma época ainda perdeu os pais de um jeito que ninguém conseguia explicar. Adoravam o Henrique, melhor amigo de Márcia - a hipócrita sem-caráter que, segundo diziam, trabalhava numa empresa de reputação duvidosa.
A última casa visitada naquela noite havia sido a dela.
Terminado o frenesi, saciado de suor e vísceras, procura as sombras no caminho de volta. Entra em casa, limpa maquinalmente o sangue das mãos num velho pano de prato, descalça rapidamente os tênis enquanto abraça o travesseiro.
Dorme. Não teve medo; não teve dó.
No escuro do quarto, pulsam cicatrizes rubras.
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zinescritos · 5 years
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Pedaços ao vento - Stephanie Santana
O vento reverbera no corpo da moça. Ela podia sentir como se ele fosse levando pedaços e pedaços de seu corpo. A calmaria daquela praia inóspita - ainda que cheia de pessoas, sorrisos e brincadeiras - a assustava.
“Teria que ser sempre assim?” - Ela pensou.
Olhou atentamente o horizonte. podia vê-lo, à distância, lhe dando as costas e sumindo... E com ele, via partir uma parte de si. Um pedaço de sua base. Ia com ele, um rapaz que apenas andava, se distânciava. Em momento algum ele sequer olhou para trás.
“Será que está sorrindo? Será que está chorando? Será...”
Perguntas e perguntas ecoavam pela mente dela. Não somente com relação àquele ser, mas também sobre si mesma. Estava de coração partido. Estava sozinha, novamente. Não por não ter ninguém, mas simplesmente pela sensação de abandono que lhe permeava. Sentia que mais uma vez ela perdia um caminho, que mais uma vez tinha entregue um pedacinho seu a alguém que apenas foi embora.
Saiu de seu tranze e observou à sua volta. Jovens surfis tas, famílias, pessoas se bronzeando, grupos de amigos batendo papo, areia, água, sol, vento, grama... Aaah, a grama. Cá ela está, gostosa de se tocar. Sofia descruza as pernas e deita-se. Sente bem o gramado em sua pele. Olhando acima, as folhas do coqueiro lhe tranquilizavam. Ainda assim, lágrimas não deixaram de escorrer por seu rosto - não podia contê-las.
A dor de um coração partido é, de fato, um dos maiores desprazeres que se pode sentir. Ela respirou bem fundo a fim de se afogar um pouco naquele sentimento. Sentiu-se só, como se sua presença fosse uma ironia naquele espaço. Sua mente estava uma bagunça, não podia compreender o sentido daquela situação, por mais que soubesse exatamente o porquê de não ficarem juntos. Ela já fez o mesmo: Afastar um amor a fim de cuidar da casa - cuidar de si.
Voltou a sentar-se. Abraçou as pernas e observou o mar. Ondas indo e vindo. Fluidez como a energia que sentia percorrer seu corpo. Era quase como se pudesse perceber o movimento dos órgãos e fluidos de seu corpo.
Voltou a devanear. Ele havia parado de caminhar. Olhou para trás. Apertou os lábios em uma expressão triste. Era como se ele dissesse: “Nunca dará certo.”. Aquilo a rasgou por completo.
Dizem que quando há amor, dá certo. Dizem que se deixarmos livres aqueles que nos amam, sempre voltam. Ainda que tentasse, ela não podia acreditar por completo nessas premissas. O viu partir e sumir ao horizonte. A desesperança transbordou em choro.
Um braço apoiou-se em seus ombros e a puxou para um abraço. Por um instante, ela assustou-se e tentou desvencilhar-se daquele corpo estranho, que não havia percebido chegar. Olhou mais atentamente àquela ser de braços abertos: um amigo. Desculpou-se e pôs os braços dele à sua volta. Podia sentir, assim, que sua casa podia se reestruturar novamente.
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zinescritos · 5 years
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Liberdade aos iguais - Sandro G. Moura
AL-332 corre até o limite de seu corpo, as pernas parecem duras e pesadas como pedra, ela já não aguenta mais. Seus pulmões queimam, seu coração parece que vai saltar para fora do peito. O cansaço derrotou a jovem negra de cabeça raspada e vestida com um avental branco escrito GenInova. Ela transpira muito, sua pele brilha com as luzes vindas das imensas projeções de propaganda da grande metrópole. Isso faz com que seu corpo pareça mais magro do que já é. A tatuagem em sua bochecha esquerda indica a série em que foi produzida AL-332. Quer dizer que ela foi a 332 ́ clone produzida pela mesma amostra de DNA, AL. 
Exausta, encosta-se a uma parede; seu nariz arde com o odor de urina que marca a parede misturada com as pichações e cartazes de protesto. Liberdade aos iguais, dizem os cartazes enfileirados lado a lado. As pessoas até poderiam lê-los se não estivessem tão ocupados com seus Cyberglass. AL-332 os vê como toupeiras, vagando por um mundo que não enxergam. Só o que importa é o que as lentes mostram.
O descanso acaba quando os latidos ferozes do cães modificados da GenInova alcançam seus ouvidos. Não aguenta mais correr, mesmo assim corre. Nunca mais, pensa a jovem, Não serei mais cobaia. Segue esbarrando contra as toupeiras, que nem mesmo quando são derrubados se desconectam para ver o mundo. O desespero a domina quando percebe a proximidade dos cães. Precisa pensar e rápido.
De repente a sorte parece sorrir para AL-332, pois uma escada de emergência desce de um dos prédios próximos. Sobe o mais rápido que consegue e quando se encontra a 5 metros do chão sente seu avental ser puxado. Um dos cães deu um salto incrível e quase que a pega. Um pedaço do avental se rasga e permanece na boca da fera. A clone apenas olha aliviada para baixo e continua sua escalada. Os cães, três deles, continuam a latir e logo um dos guardas do instituto os alcança. A fuga ainda não terminou, AL-332 precisa se livrar do guarda.
Diferente da jovem, aquele guarda foi produzido para ser forte e atlético. Consegue correr longas distâncias sem perder o fôlego, é letal em combate corpo a corpo e, principalmente, nunca questiona ordens. Um clone, igual a ela, criado pelo mesmo instituto, mas com propósitos diferentes. Sabe que ele é tão vitima quanto ela desta situação, que sua vontade lhe foi tomada à força; mesmo assim, ódio é tudo que consegue sentir por seu perseguidor.
AL-332 chega ao topo do prédio, com apenas 3 metros de vantagem de seu perseguidor. Ela já não tem forças nem para andar enquanto ele nem transpirou. O guarda chega ao topo do prédio, as inscrições em sua bochecha esquerda estão evidentes: CJO-178. Não resta alternativa, senão implorar para uma possível humanidade existente no perseguidor.
- Você não entende o que eles fazem com a gente?
- Objeto de Estudo AL-332 deve ser conduzido com ou sem funções vitais até a sede da GenInova.
- CJO-178, me escute! Nós não merecemos essa vida, isso tem que acabar
- Objeto de Estudo AL-332 deve ser conduzido com ou sem funções vitais até a sede da GenInova. - Insiste CJO-178.
AL-332 se levanta em lágrimas e lentamente caminha para o parapeito do prédio.
- Eu... Eu não quero voltar.
- Objeto de Estudo AL-332 deve ser conduzido com ou sem funções vitais até a sede da GenInova - Diz pela última vez CJO-178, desta vez retirando a pistola do coldre.
AL-332 percebe que não tem escolha: a única saída para deixar de ser um Objeto de Estudo, tendo todo o tipo de drogas injetadas em seu corpo é terminar com o sofrimento por conta própria. Então, usando suas ultimas forças, sobe no parapeito do prédio e abre os braços. CJO-178 corre para tentar impedi-la - suas ordens são para levá-la, ele precisa apresentar o corpo, intacto - só que ele não a alcança, vê aquela jovem voar com um sorriso no rosto. Enquanto assiste AL-332 cair, sente seu corpo sendo alvejado 5 vezes. Não sente nada de dor, suas pernas amolecem, seu corpo fica fraco e sua visão escurece.
Já AL-332 tem uma sensação completamente diferente: pela primeira vez em sua vida ela repara no vento, em como passa rápido por suas orelhas e bate em sua pele, deixando-a com frio. Pela primeira vez sente prazer. Seu momento mágico é bruscamente interrompido pelo golpe forte de seu corpo batendo contra o concreto do terraço do prédio ao lado. A dor corre por todo seu corpo e é insuportável. Sente tanta dor que não percebe que uma outra mulher se aproxima. Só quando está diante de seus olhos, AL-332 vê que essa mulher tem letras e números tatuados na bochecha esquerda e um grande L na direita.
AL-332 cospe sangue e grita de dor. A mulher saca sua pistola e se prepara para atirar à queima roupa no coração da jovem. Enquanto acaricia o rosto de AL-332, diz Liberdade aos Iguais, irmã! E dispara.
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zinescritos · 5 years
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Você é o próximo - Rafaela Manicka
- 911, em que posso ajudá-lo?
- A minha mulher está morrendo. Por favor, façam alguma coisa!
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Meu nome é Dave, sou natural de Memphis, Tennessee, mas atualmente resido na capital do estado, Nashville. Arrisco em dizer que levo uma vida relativamente boa, a ponto de algumas pessoas darem as suas para terem a minha. Há 3 anos, conheci minha esposa, Anne. Ela é advogada, assim como eu, mas se especializou em direito trabalhista. E eu, como bom caçador de encrencas, me voltei ao criminal. E foi aí que toda essa história começou.
****
Era um dia de muito calor em Nashville. O relógio marcava 7h06 da manhã e a luz que entrava pela janela ofuscava a minha visão. O fato de Anne ter que me acordar todo dia era ridículo, parecia que tinha novamente 14 anos de idade - e não 27 como su postamente os meus documentos apontavam. Mas era a única maneira confiável de que iria acordar de fato.
Após levantar da cama, tomei uma rápida ducha antes de sair em direção ao escritório. Entrei no carro, liguei o rádio para ouvir o noticiário e, enquanto dirigia pelas ruas menos movimentadas da cidade, ouvi o locutor dizer algo sobre sequestro de uma família toda. O dia vai ser longo, pensei comigo mesmo. Lembro-me que aquele fora um dia cansativo. Trabalhei durante 12 horas e ainda tive que passar na farmácia antes de voltar para casa. A intenção era entrar e sair rapidamente do estabelecimento, mas nesse meio tempo algo aconteceu.
Assim que recebi o medicamento que havia solicitado, virei-me em direção ao caixa e, enquanto caminhava, esbarrei sem querer em um rapaz com cabelos grisalhos, barba por fazer e um moletom surrado. Desculpei-me pelo ocorrido e tomei o caminho anterior. De repente, uma mão pousou em meu ombro. O frio na espinha foi inevi tável quando senti a aproximação de uma boca em meu ouvido. Você é o próximo, foram as palavras proferidas. Fiquei perturbado por um bom tempo, mas esquecera-me delas logo que rumei para casa.
Quando finalmente cheguei, me deparei com a porta da frente entreaberta. Fiquei receoso antes de entrar por conta do evento anterior, mas não tive outra escolha a não ser encarar a situação. Adentrei a sala com cautela e passos silenciosos e, ao avistar o sofá, enxerguei uma poça de sangue relativamente significativa nele, além de um rastro que ia do corredor até a porta do quarto. Antes de entrar no cômodo, já sabia o que me esperava ali. Minhas pernas balançavam e o coração estava a mil. As lágrimas escorriam pela minha face, por mais que eu não tivesse percebido, e mesmo as sim tentei permanecer o mais estável possível. Não há de ser nada, mantenha a calma, Dave. Mas o medo de perder alguém que significava o mundo para mim tomava conta do meu ser.
Anne estava deitada no chão em posição fetal, agonizando. Quando a virei para ver o que acontecera, avistei os cortes em seu abdômen. Eram seis. Seis cortes no ventre de minha mulher. Eu sabia que ela não se salvaria, mas mesmo assim tentei estancar o sangue que jorrava das feridas com a minha camisa.
Ao mesmo tempo em que tentava salvar a minha mulher com uma mão, com a outra alcancei o telefone e disquei para a emergência. O primeiro toque nem havia terminado e não sentia mais a respiração de Anne. O pânico estava estampado em meu rosto.
- 911, em que posso ajudá-lo?
- A minha mulher está morrendo. Por favor, façam alguma coisa!
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Vinte minutos após a ligação, uma ambulância estacionou em frente a minha casa juntamente com a perícia. Enquanto depunha, um policial robusto veio em minha direção com uma pista que encontrara sob as dobras da roupa de Anne. Era um bilhete e ele queria saber se eu reconhecia a letra. Não reconheci, porém algo me chamou atenção imediatamente. Meus joelhos fraquejaram e o bilhete caíra de minhas mãos. Era composto por apenas uma frase: VOCÊ É O PRÓXIMO.
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zinescritos · 5 years
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Sentimento ruim - Marcia Miyasaki
Meu nome é Jairo, vou fazer 27 anos e moro aqui mesmo em São Paulo.
Bem, o que tenho para contar é um pouco... difícil. Não, não descarto a hipótese de ser loucura minha. Mas é como eu sinto. É assim que eu me sinto e pronto, entende? Desculpe, estou um pouco tenso, doutor.
Eu a conheci num pronto socorro há seis anos. Eu estava acompanhando minha mãe, enquanto Michele tinha machucado o pé. Estava com a gêmea, Gisele. Ambas muito lindas. O mesmo cabelo cacheado, o mesmo olho castanho. Mas a do pé quebrado... não sei... Ela tinha um sorriso encantadoramente doce. Já a outra, praguejava e xingava, visivelmente sem paciência. A rispidez de uma contrastava com a delicadeza da outra. É claro que gostei mais, bem mais, da Cheli.
Puxei conversa. E assim nos tornamos amigos. Não demorou muito e pedi Cheli em namoro. Eu me sentia o cara mais sortudo do mundo. E também o mais feliz.
Então reparei num fato curioso: minha cunhada Gisele, muitas vezes, nos acompanhava nos passeios. Cinemas, restaurantes... íamos em três. Claro, seria bem melhor estar a sós com minha namorada. Claro que eu podia entender perfeitamente que as duas eram muito ligadas, gêmeos geralmente o são... Nunca consegui me sentir à vontade.
Não, eu nunca as confundia. Fisicamente eram idênticas, mas a minha pequena era mais simpática, amorosa, o coração cheio de bondade e luz. Talvez fosse um pouco mais frágil, menos sortuda que a outra, mandona, voluntariosa, invejosa e... Meu Deus.
Ocorreu-me que Gisele sempre se saía melhor em tudo. Absolutamente tudo.
Certo dia, fui prestigiar as gêmeas em seu recital de piano. Tanto uma como a outra tocavam muitíssimo bem, e eram bastante aplaudidas a cada peça. Eu me senti muito orgulhoso de minha pequena. Claro, da irmã dela também. Porém, a certa altura, Cheli começou a errar a música, a ponto de levantar-se e sair correndo, chorando, com as mãos no rosto. Estava inconsolável. De fato, nervosismo não deveria ter sido um problema, já que ambas eram acostumadas a tocar em público. Ao invés de tentar acalmá-la, Gisele debochava da irmã, fazendo-a chorar ainda mais. Nesse momento senti raiva de Gisele. Abracei Cheli com força, com carinho, até que finalmente aquietou-se.
Eu a vi chorar várias outras vezes. Minha doce Michele era risonha e feliz. No entanto, bastava a irmã se juntar a nós para que algo saísse errado: Michele chorando e Gisele rindo, chegava a ser insuportável. Havia uma rivalidade por parte de Gisele. Uma inveja velada e, por que não? Um ciúme. As coisas corriam naturalmente em favor de Michele por seu talento e simpatia, mas, do nada, ela se sentia doente, ou com sono, ou coisa assim. No final era Gisele quem sempre levava a vantagem.
Passei a odiar Gisele. E eu a odiava com toda a minha alma. Que desgraçada!
...Desculpe, fico emocionado quando me lembro, doutor. Sim, sim, já estou melhor.
Creio que foi há uns três anos. Na volta de um show. Cheli estava no carona, eu dirigindo, a cunhada atrás. Enquanto esperava o semáforo abrir, roubei um beijo de minha linda namorada. Ela sorriu, feliz. Eu também estava.
Foi nesse momento. Só ouvi um som de buzina, daquelas de carro grande tipo caminhão, e tudo escureceu. Quando acordei...
... quando acordei... eu... as meninas...
Era um hospital. Ufa, apenas um braço enfaixado. Olhei ao redor, preocupado. Vi uma das gêmeas no corredor, com curativos na cabeça, caminhando com ajuda de muletas. Corri até ela.
...Não era Cheli.
- Onde está a sua irmã? - perguntei, desesperado.
- Não vai nem ao menos perguntar se eu estou bem?
- Desculpe. Gisele, você está bem? - tentei ser educado.
- Estou sim - ela sorriu.
Meu desespero só aumentava diante da falta de urgência por parte dela:
- E a Cheli? Cadê ela?
- Ela não tem sorte nunca, coitada.
Entrei em choque. Michele tinha morrido no acidente.
Foi a primeira vez que senti aquilo. Eu sabia no meu coração que amava Cheli. Ela era tudo para mim, sempre tive muita certeza disso. Mas, naquele instante, eu senti alívio e alegria por ela ter morrido! Era um sentimento ruim, mas que vinha de dentro de mim. Como poderia?
Olhei para Gisele. Seus olhos castanhos... seus cabelos... tão igual à irmã! Um arrepio percorreu-me a espinha. Eu a abracei longamente e, em seguida, a beijei. Um beijo cheio de algum sentimento que eu não sabia dizer qual. Ela sorriu. Meu Deus, eu deveria estar louco.
Obrigado, doutor, vou aceitar um copo de água.
No outro dia, a campainha tocou. Era a Gisele. Fui abrir a porta, contrariado. No mesmo instante, aquele sentimento estranho me encheu o ser outra vez. Alegria? Tesão? Paixão? Não, não podia ser. Impossível! Nunca tinha sequer sentido alguma atração por ela. E estávamos nos beijando outra vez. Eu não entendo, doutor!
- Já se esqueceu de minha irmã, certo?
- Já, Cheli.
- Eu sou a Zeli. Me chame de Zeli, Jairo. Diga que me ama, Jairo.
Gritei com todas as forças Não! Mas não foi o que escutei da minha própria boca:
- Zeli, eu te amo.
Desgraçada!
Meu casamento com Gisele está marcado. Final deste ano. Se quero me casar com ela? Pelo amor de Deus, doutor, não, não quero!
Por quê? Não sei. Topei porque quando ela está perto de mim, eu sinto como se estivesse apaixonado por ela. Nessas horas eu quero ficar com ela, e tudo, até me sinto bem. Mas... Quando estou na minha casa e ela na casa dela, aí eu consigo raciocinar. Um pouco. Doutor? Tenho certeza. Aquela lá é uma espécie de bruxa. Tenho certeza. Ela tem algum tipo de poder. Não. Não é telepatia. É alguma coisa diferente! Aquela mulher manipula meus sentimentos, do mesmo jeito que manipulava os da irmã dela, e de qualquer um. Ela faz isso para satisfazer aos próprios caprichos, faz tudo para ser como ela quer.
Doutor, acredite em mim. Por favor, me ajude.
****
Dr. Claudio Vasconcelos, renomado psiquiatra, estranhara o fato de seu paciente ter faltado à sessão sem aviso. Por volta do meio dia, desligou o telefone com pesar. Soube pela mãe do rapaz que Jairo tinha errado na dose dos medicamentos e fora encontrado sem vida naquela mesma manhã.
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zinescritos · 5 years
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O que digo. O que faço. - Marcelo Aceti
- Ah, então é assim, né?!
- Filho, escuta...
- “Escuta”?! Pra quê? Pra quê, pai?! Pra você fazer aquele seu discurso lindo, cheio de conselhos que você mesmo não segue?!
- Meu filho...
- Não, pai! Não...
- Filho, escuta...
- Ah, eu tenho que escutar, né?! Então contigo é “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”... ah, tá!
- Sim!
- Err... Hein?!
- Isso! É isso mesmo...
- C-como assim?
- Assim mesmo, meu filho! Faça o que eu digo... mas não faça o que eu faço.
- Mas, mas... você é um... HIPÓCRITA! É isso que você é!
- Filho, senta aqui.
- ...
- Filho, quando eu quero que você faça o que eu digo... É porque o que eu digo é o que eu penso, o que eu acredito, o que eu quero pra você; o que eu digo é o que eu aprendi e quero te ensinar; o que eu digo é o que eu espero que a vida seja pra você. Agora, o que eu faço... O que eu faço é o que eu sou, é o que eu falho... O que eu faço é o que eu tento, o que eu erro, o que eu faço é só o que eu faço... O que eu faço, meu filho, nem sempre é o que eu digo... Porque eu não consigo! Mas o que eu digo continua ali, certo, correto, direito... O que eu digo é o que eu sei que devo fazer e isso carrega todo o bem que eu quero pra você! Agora, o que eu faço, o que eu faço, filho, é o que eu alcanço...
- Mas, pai... Você?!
- Sim, meu filho, eu...
- Mas você, pai?!
- Eu, sim, meu filho...
- Mas... Mas, e eu?! Se nem você...
- E quem sou eu, filho?!
- Você.... Poxa! Você é MEU PAI!!!
- ...
- Se você não consegue fazer o que diz, o que é que eu posso fazer?!
- Tentar!
- Mas...?!
- Filho... MEU FILHO! Faça o que eu digo, mas... Não faça o que eu faço!
- Não, pai!
- ...?
- Eu vou fazer E-XA-TA-MEN-TE o que você faz!
- Mas...?!
- Isso, mesmo, pai! Eu vou tentar...
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zinescritos · 5 years
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Uma vida, uma chance - Hugo Sales
Ao longo da vida perderemos muitas pessoas. E nada nos preparará para enfrentar isso, nada me preparou. No entanto, nós podemos lutar. Sofrer é inerente ao existir, e acredito que ninguém jamais viveu do primeiro ao último dia de vida sem derramar uma lágrima sequer. Os motivos são diversos e inesperados.
Eu sou um escravo de meu sentimento, e em qualquer direção para qual siga, me deparo apenas com a dor, a angústia e osentimento de perda - este, a  hegar e partir em ondas, cada vez mais potentes e excruciantes.
Desde criança lidamos com perdas. Idas e vindas. Afastamentos. Mas quando se é párvulo, o tempo destinado ao sofrimentoe a dor parece ser mais curto. Conforme crescemos tudo começa a fazer mais sentindo e a ocupar mais espaço em nosso íntimo.
Para exorcizar esses demônios, eu decido escrever. Tirar os flagelos interiores de mim e transpô-los nessa carta que jamais enviarei a você. Mesmo após decidir não enviá-la, o fato de transcrever toda essa luta, me ajuda a superá-la.
Porque escrever não é apenas doar esperança e alegria aos outros, mas também arrancar as dores existentes em nós e aprisioná-las em uma prisão de palavras.
I - Amálgama
Deito na cama, mas não durmo. Minhas últimas noites têm sido assim. Os dias são longos e letárgicos. Perambular pela cidade tornou-se melancólico, ficar dentro de casa, em frente à TV ou enfiado num livro, acabam sendo as melhores opções. A literatura e a sétima arte nunca me abandonaram, ambas atrevem-se a dizer-me o que muitos amigos não arriscariam. A arte, por vezes, escarra a verdade sobre nossos lamentos. Não é de todo ruim. Particularmente, acredito que me ajuda a crescer, evoluir e, também, a enxergar meus erros; estes foram muitos. Falhei com uma das pessoas que mais me quiseram bem.
O relógio avança, enfim. O sono começa a me vencer. Mergulho em minhas lembranças para subtrair um pouco da dor, na busca por um sonho aprazível. Algumas pessoas dizem-me que o amor é psicológico, pois bem, que seja; mas ainda assim sinto o peito apertado.
Amar é deveras extraordinário. Uma existência sem qualquer espécie de amor é quimérica. Contudo, às vezes, o sentimento adquire um caráter destrutivo. Em seu aspecto romântico, nos apegamos a outras pessoas, quando estas de várias formas nos demonstram afeto; contudo, ao chegar a seu fim, tal apego causa-nos dor. E temos medo disso, sofremos por isso. Queremos estar sempre na vida de quem amamos, buscamos uma felicidade que nos inclua de qualquer maneira, porém, quando isso não ocorre, o denominamos como “término”. Há um conjunto de palavras, um ensinamento, que jamais me esquecerei, ditas por Jetsunma Tenzin Palmo:
“O apego diz: eu te amo, por isso eu quero que você me faça feliz. E o amor genuíno diz: eu te amo, por isso quero que você seja feliz. Se isso me incluir, ótimo! Se não me incluir, eu só quero a sua felicidade.”
O tempo não é capaz de apagar um amor genuíno. Ele não se abala ante as provações de uma vida e possui um único intento. Novos dias virão. Espero que eles tragam-me oportunidades e mostrem-me, uma vez mais, o caminho a seguir. Estou a esperar estes novos tempos.
II - Tragicômico
Noite passada, vi demônios.
Era um lugar desconhecido, eu estava solitário, ao por do sol, quando a encontrei em meus sonhos. Não havia espaço, nem tempo; era eu e ela. Seu gracioso caminhar trazia-a para mim. Ao contrário dela, eu sorria. Seu corpo trespassou-me, percebi que eu era intangível, como o vento. Vê-la partir, sem abraçá-la, foi doloroso. A boa distância, nascida do nada, surgiu uma silhueta humana, abraçou-a e, então, pude ouvir sua gargalhada intrínseca irromper sob o ocaso alaranjado.
Despertei sobressaltado na madrugada. Não consegui dormir e agora estou perdido entre devaneios. Nunca antes busquei compreender meus sonhos, mas este em especial, esclareceu algo, desanuviou minha visão. Peguei-me no sussurro: a vida vai seguir. Ela será feliz. E isso me deixará feliz.
Minha respiração está densa, ainda luto contra as lágrimas emergentes, pois na sequência do ciclo, erros, fracassos, mentiras; desejos, sonhos, planos; nada disso importará. Concluo que seremos um breve toque solar num dia invernal. Tudo o que havíamos sido acalentará nossos corações por instantes, antes de outros seres ocuparem o lugar que já nos pertencera. Céus, como dói pensar nisso! Mas também machuca cogitar fazê-la infeliz por toda uma vida. Posso ser somente uma efêmera passagem por sua existência, não tenho o direito de cobrar que me ame na mesma escala, contudo, posso deixá-la ser feliz e encontrar o que não existe em mim. Em nós.
Interrompo o choro na hora de ir ao trabalho. No trajeto, a música cumpre seu papel de pilastra. A possibilidade quase certa de confrontar pessoas próximas coloca em xeque minha vontade de ir ao escritório; perguntas serão feitas, questionamentos cujas respostas me matariam de forma lenta e dolorosa. Quero apenas seguir em frente e não ser martelado pelos acontecimentos.
Desço do ônibus duas paradas antes. A manhã é maravilhosa. O sol brilha acima de mim. Caminho até nosso marco zero, o lugar onde nos encontramos pela primeira vez, sento-me naquelapraça e deixo-me invadir por lembranças. Desejo que a brisa carregue até ela o meu desejo de jamais ser apagado de sua memória. Que ele capture minha essência atual e a transporte até você. Espero que respire fundo e feche os olhos, sinta. E que siga sempre com o sorriso acalentador nos lábios.
É engraçado e triste, o modo como luto para desprender-me do apego demasiado das coisas e pessoas; a vida é um grande aprendizado. Estou feliz por adentrar no duro processo de me permitir ser feliz com a felicidade alheia.
III - Suplantar
Outra noite. Outrora dolorosa, hoje não. À tarde, assisti dois filmes e me distraí. A cabeça não pesa no travesseiro. Nem o coração em meu peito. Pela primeira vez depois do fim, o sono chega mais cedo; a pressão das lágrimas alivia-se. Passaram quase cem horas desde que ouvi, entre outras, estas palavras:
“Eu já não o amo mais. Sinto carinho e admiração por quem você é... Gostaria que não nos afastássemos e, principalmente, que não me odiasse. Eu não sei explicar o que aconteceu, mas estou num momento meu, em busca de meus sonhos pessoais; acho que isso nos afastou. Não consigo superar suas faltas, nem as minhas também. Acredito que será melhor para nós, não ficarmos presos em algo que facilmente pode transformar-se em rancor. Espero que sua vida continue nessa guinada incrível que está, que isso não lhe atrapalhe. Estamos aqui para desatar um nó.”
Suplantei o fim e me redescobri. Estou no melhor momento desse estágio final. É um bem-estar pelo bem-estar dela. Outro novo dia virá. Preciso aprender a valorizar a beleza do brilho do sol por trás das nuvens, encontrar o lado bom das coisas com mais frequência - esta será uma nova lição a ser estudada.
Uma vida. Uma chance. Devo consertar a janela quebrada de minh’alma, responsável por deixar a melancolia penetrar e se instalar, tomar conta; tenho uma vida e uma chance, não posso perdê-las à tristeza.
Enfim, adormeço. Sentindo a fagulha de esperança incendiar-se.
Epílogo - Compreender
A vida é repleta de imprevistos. Não importa o quanto a planejamos, eles sempre existirão para romper nosso roteiro. Roteiro em que adicionamos tudo àquilo que acreditamos ser ideal para estarmos sempre felizes. Mas compreendi que não preciso estar feliz: necessito ser feliz. Agradecer a todos os dias, pois em cada um deles há felicidade nos mínimos detalhes, os quais, eu ignorei por muito tempo.
Eu não desejava enviar-lhe este escrito, mas o enviarei. Porque finalmente pude compreender um pouco desse enorme mistério que é a vida. E você, minha querida, foi parte fundamental desta valiosa lição aprendida.
À pessoa que me fez compreender que felicidade não é estar, mas, sim, ser.
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zinescritos · 5 years
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Um Matias, uma velha e uma garrafa de Fanta Uva. - Daniel Constantini
Com tanta gente maluca no mundo, fui logo escolher o Ma- tias.
Dedicado, muito habilidoso e curioso. Desde pequeno, Matias aprendeu a desenhar todo tipo de tralha esotérica. Estudou de tudo, leu até Bíblia, vê se pode! Sabia astrologia com propriedade - como se servisse pra alguma porcaria. As garotas faziamfila para conversar com ele. Ah, que idiota! Nunca aproveitou.Teria esfolado o pau de tanto transar. Quando Matias herdou alivraria do vô, pirou total. Mergulhou na leitura de um monte de tranqueiras sobre magia. O filho da mãe aprendeu muita coisa. Devia aprender a não ser medroso. Covarde!
Matias deixou a barba crescer, aposentou as camisetas mais legais de superheróis e de bandas de rock. Adotou uns óculos com armação escrota de lente gigante com uma cordinha pendurada, daqueles compradas em camelô. Péssima ideia! Começou a inventar palavras e navegar em sites duvidosos. Falava sozinho. Os bons amigos que Matias ainda cultivava se afastaram. Ainda acho que foi por causa dos óculos. E nem vou comentar do dia em que ele apareceu na livraria com um capote roxo e uma cruz de prata gigantesca no pescoço. Que vergonha! Uma melancia ficaria melhor.
Eu estava no corpo da Geni - oitenta anos de pura putaria - quando ouvi Matias me chamando pela linha transuniversal que passa pelo quarto círculo do Inferno. Hesitei um pouco...
Não podia acreditar que aquele esquisitão tinha conseguido me chamar. E que completaria o ritual. Não sou um dos caras com mais prestígio no inferno e é raro alguém conseguir me convocar. Tive de escolher entre largar o corpo da Geni com seus cigarros, o whisky e o blues, e o poder de andar livre ao lado do Matias, corpinho bem cuidado, saudável. Um pouquinho de malhação e esse corpo magricela estaria prontinho para a farra.
Escolhi o Matias.
Me despedi da Geni e agradeci pela vida desgraçada que compartilhamos. O primeiro cigarro, a primeira pinga, o primeiro aborto. E o primeiro assassinato por uma panela de ferro, então? Nossos dias foram muito radicais! Pena sua primeira tatuagem na virilha ter sido de Lúcifer. Essa gentinha sempre lembra o nome do vovô, mas nunca sabem o meu. E olha que eu sopro várias vezes em seus ouvidos. O ruim é que a Geni não aceitou muito bem a nossa separação. Essas mulheres ciumentas...
Voltando ao Matias, ele me chamou e eu apareci. Sucesso! Bom, nem tanto...
Não sei se foi o ferrolho no meu nariz, os olhos em chamas, ou os cascos, mas ele gritou muito. Parecia que tinha visto não o capeta, mas a conta de luz. E ainda usava o nome do Divino como se eu fosse sair correndo, tremendo de medo. Isso não rola com a gente, otário. Fomos nós que inventamos o medo! Meu nome tá no Círculo, caramba! Se era pra fazer esse escarcéu todo, que escre vesse JE-SUS e não o meu nome. Tá de zoeira com a minha cara? Que merda!
Só sei que o Matias desmaiou de tanto berrar, e tive que carregá-lo para cama. Depois fui até a cozinha, fiz um chá. Era bom estar no plano terreno. Mas reclamei quando encontrei só chá de frutas vermelhas na cozinha. Porra, Matias! Tá de sacanagem? Chá de frutinha? Sério? Que nojo... 
Aí a campainha começou a tocar. Tocou umas dez vezes. Calma, moço, vai quebrar. Tentei reanimar o Matias, mas não tinha demônio que o acordasse. Dei tapinhas, sacudi, chutei, dei socos e joelhadas, mas nada do cara dar sinal de vida.
Então a polícia se apresentou de forma menos educada possível, gritando de trás da porta o nome do Matias. Fodeu. Alguém tinha chamado os guardas quando ouviram os berros do maldito. Nem respondi, não sabia o que fazer.
Quando bati mais um pouco no Matias, percebi que ele estava começando a enrijecer. Puta que o pariu! 
Eu tinha matado o cara! O pateta ia morrer de qualquer jeito, mas achei que iríamos tomar uns bons drinques, fazer uma tatuagem bacana e, sei lá, cometer um crime da hora ou dois, pra gente curtir bem nossa amizade. Deu ruim. A Polícia arrebentou a porta. Eu estava em cima do Matias, tentando acordá-lo. O que você pensaria se pegasse um indivíduo em cima de um homem morto, desferindo socos e joelhadas?
Eu tinha um problema. Poucas vezes encarnei no plano terreno, e precisava de um pacto com um babaca pra me alimentar de energia vital. Sem isso, não podia aprontar minhas capirotagens. Não sou como os grandes demônios, cara. Sem pacto, sem poder.
Resultado: apanhei pra caramba. Pô, seu guarda, fomos nós que ensinamos vocês a fazerem isso! Oxe - Deus tá vendo! E toma cacetada, coronhada, porrada de tudo quanto é jeito. Senti na pele como é ser um mortal. Uma bosta! Os policiais até me pediram uma graninha pra deixarem o assunto pra lá, mas eu não tinha um puto no bolso. Foi mal. Um demônio com dois chifres, cascos e olhos em chamas tá de boa, mas andar sem carteira e sem dinheiro? Nunca!
Paguei alguns anos de cadeia. De sacanagem, meu pai e meu avô me materializavam maços de cigarros com recadinhos carinhosos: “haha, se fodeu!”
E tem mais. Pro meu azar, Geni ainda estava viva. E furiosa. Me chamou de volta assim que conseguiu as penas de urubu albino e as unhas de um rapaz virgem - que foi difícil pra caralho de achar - pra refazer o ritual. Vingativa, acabou me lacrando numa garrafa pet de fanta uva.
É por isso que ainda estou por aqui, desta vez do tamanho de um rato, prisioneiro de uma velha maluca que preferiu me enfiar numa garrafa de refrigerante duvidoso do que em seu próprio corpo. Tive que deixar a alma do Matias com a galera lá debaixo. E espero que coloquem um poste de luz bem enfiado no rabo do pateta. E me aguarde. Eu ainda vou voltar pra me vingar dele, ah se vou! Eu juro por De...
Eu juro.
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zinescritos · 5 years
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Livros, Livros e Mais Livros!!!
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zinescritos · 5 years
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Sentinela - Breno Torres
“E também sonhei com aquilo que mais me encantou:
Que você me amava ainda como antes.
Que você me amava,
Que me amava ainda como antes...
Que você me amava,
Que me amava ainda... como antes...!”
Marble Halls, Enya
Ela se sentia grata.
Mais do que tudo – mais do que viva, mais do que sã –, ela se sentia plena, plena e desesperadamente grata.
Seus dedos correram delicadamente por sobre o dorso peludo da mão pousada na beirada da cama, e levantou seus lindos olhos na direção do rosto adormecido, do dono da grande e dócil mão. Da mão que, nem por um segundo em todos aqueles anos, levantara-se para lhe causar algum mal.
E que naquela noite repetira o feito: apenas acarinhara-a. Delicadamente acarinhara-a, para fazer evanescer nos macios afagos todo o horror que outras mãos de dorso peludo, não há muito tempo antes daquele corrente, tão brutalmente lhe tentaram impor.
Ela ainda observava-o. Pensou consigo mesma se alguma vez, com ele despertado, havia lhe olhado com todo o amor que tentava evidenciar agora; emudeceu no silêncio, e engoliu uma onda de choro que esquentou suas narinas e olhos. Mordeu ambos os lábios entre os dentes, e inspirou profundamente, baixinho, conseguindo aos trancos engolir o choro.
Tinha medo que ele não se sentisse amado o bastante. Tinha pavor que ele pudesse sequer chegar a desconfiar que ela não precisava tão absurdamente dele, da presença dele, do cheiro dele... Tanto quanto ela sabia que ele precisava de tudo isso dela. Aquele homem que, tantas vezes, já dissera nas feições e na voz densa que a amava. E que estaria com ela durante todo o tempo que houvesse vida em seu coração.
E ela, que havia sido tão cruel outrora, há poucos meses... Quando olhou em seus olhos e entregou sua confusão acerca de amor e amizade. E que tanto o fez chorar, ali, naquela mesma poltrona onde ele agora dormia...
Naquela mesma cama em que ela estava deitada, ela havia partido seu coração. E, mesmo que já houvessem prometido que esqueceriam tudo o que outrora aconteceu, ela era assombrada por aquelas lembranças sempre que aqueles olhos castanhos sob aquelas sobrancelhas densas fitavam-na cheios de entrega e... entrega.
Nunca havia sido tão assombrada por aquilo, porém, como agora. Como agora que nenhuma dúvida mais sombreava sua certeza de que ele era o homem de sua vida.
Precisava mesmo, ela se perguntava, enquanto os olhos tremiam na baía de lágrimas que marejavam – precisava mesmo que ela corresse risco de vida para isso acontecer? Para que ela percebesse que era naquele peito que se sentiria mais segura no mundo do que em qualquer outro abrigo? Que era aquela mão sobre seu colchão que precisava para ser plena? Que era naquele ressonar longo, profundo, vibrante como o de um urso que ela precisava ser ninada...
Ah, o jeito que ele ressonava... Ela fechou os olhos e, enquanto os soluços ameaçavam sua quietude, ela tampou com as duas mãos os lábios feridos dos dentes de seu agressor e só ouviu. Só ouviu o barulho linear, contínuo, que se irradiou imediatamente por seu corpo e livrou-a dos tremores e temores. Quase que de pronto.
Aquietou-se, de olhos fechados, por poucos segundos. E logo os levantou novamente, na direção dele. Ele ainda dormia. Dormia seu sono sentinela merecido.
Permaneceu olhando-o por tanto tempo que os primeiros dedos luminosos da aurora sorrateiramente acariciaram o quarto, e o rosto dele melhor iluminou-se para que ela pudesse notar o quão angelical podia ficar aquele rosto de expressão tão dura e máscula.
Ela sabia que não deveria voltar a pensamentos que a fizessem qualquer ligação com a noite que passara, ela sabia, mas... Ela não podia deixar de se perguntar como poderia haver tanta... Como era surpreendente, aquele paradoxo. Ela lembrava-se ainda – e sabia... sabia que, ainda depois de tanto fazer força para esquecer, e tamanha fosse a felicidade de sua vida vindoura, ela nunca esqueceria – do rosto doce do agressor. Ele não era horrendo e nojento, como tanto antes imaginou que poderiam ser aqueles que destruíam as vidas de mulheres. Ela não bem exatamente prestara atenção em detalhes no meio da confusão que precedeu a intervenção (e, assim, seu salvamento), mas sabia que ele não era um demônio. Seu rosto tinha expressões delicadas, e ele parecia bem vestido...  Ele era bonito. Bonito como um anjo. Ele não tinha aquela barba preta e propositalmente grande de Lúcio que tantas vezes ela reclamara que a arranhava, e aquele nariz um pouco achatado que vez ou outra poderia reluzir de oleosidade, ou aquele cabelo colado num couro cabeludo que sempre estava suado, ou...
Ocorreu a ela que, enquanto tentava esquecê-lo, quando haviam se separado há algum tempo, ela forçara continuamente sua mente a encarar Lúcio como um demônio. Havia exaltado para si mesma seus defeitos e erros de forma tão impetuosa que fora incapaz de reconhecer suas inúmeras grandezas, mesmo após já serem um do outro novamente.
Lembrou-se, então, num daqueles átimos recorrentes de memória que nos fazem ter um sobressalto, que o acusara, numa briga há menos de uma semana atrás, de ser um ‘maldito que nem mesmo podia ficar ao meu lado quando eu preciso...!’
“LÚCIO, OLHA PRA MIM! VOCÊ NÃO ME APOIA! QUANDO FOI A ÚLTIMA VEZ QUE FICOU DO MEU LADO QUANDO EU PRECISEI? ME FALA, LÚCIO!”
Ela corria os dedos por sobre os pelos do dorso de sua mão. Chorava baixinho pela dor de seu coração em frangalhos.
Ela levantou os olhos em sua direção outra vez. E ela quis beijar o rosto de seu anjo salvador.
Pois ele estava ali. Ele ficara ali, ele ficara ali, ficara ali a noite inteira depois daquele homem tentar destruir sua vida, e ela ainda se lembrava do choro dele em seu ouvido quando ele a abraçou, quando ele a apertou contra si, quando ela sentiu os soluços de seu corpanzil fazerem-na tremer junto a ele e quando implorou saber se ela estava bem e se aquele maldito estup... aquele maldito havia feito algo com ela...
Ela cobriu a boca novamente, e chorou.
Chorou não por ter sua vida traumatizada para sempre, ou por ter sua crença perante a bondade do mundo trincada, ou pelo cinzento que era seu horizonte depois da noite anterior.
Chorou de alívio. Pois finalmente ela vira seu anjo como o anjo que ele sempre fora. E nada menos. Nada menos.
E ela estava grata.
Mais do que tudo – mais do que viva, mais do que sã –, ela se sentia plena... Plena e desesperadamente grata.
À querida M. Com amor e reverência.
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zinescritos · 5 years
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Sentindo (n)a pele - Balthazaar Pacco
Acabo de receber o contato de uma pessoa que não quer se dar a conhecer, nem mesmo se é homem ou mulher. Esta pessoa está me dizendo que tenho a obrigação de contar essa história da qual ela é personagem principal, ainda que a história não seja, como ela mesma fez questão de adiantar, agradável. Nem para você, nem para mim, nem para nenhum dos envolvidos.
Contarei da mesma forma em que me está sendo ditada, pois assim me foi solicitado. E fica o aviso: Essa leitura não é recomendada para antes de dormir!
"Nasci com um problema, uma deformidade gravíssima, que talvez seja melhor chamado de maldição. A única parte visível do meu corpo são meus ossos. Todo o resto - pele, músculos, sangue - é invisível. Na realidade, é até mais que isso: não é sequer material! Não tenho nenhuma sensação física, e só é possível o contato de qualquer coisa diretamente com meus ossos, a não ser que a superfície que me toque seja de algodão cru. Neste caso, o algodão consegue contato com o que seria minha derme.
Sendo assim, sempre tive que me vestir com roupas que, se não feitas totalmente desse material, ao menos fossem revestidas com ele - como meu chapéu, perucas e máscaras que imitam rostos humanos de maneira extremamente realista.
Nunca precisei comer nem ir ao banheiro. Cansaço e sono são conceitos que não se aplicam a mim. Consigo, porém, de maneira que não sei explicar, enxergar, ouvir, falar e sentir odores.
Minha pobre mãe só conseguiu há poucos dias o contato de uma pessoa que teria a capacidade de me ajudar, depois de todos esses anos. O momento foi bem conveniente, dado que conheci um casal lindo em um bar aqui perto, e fiquei ávido por ter contato físico com eles. Minha mãe, é claro, não demonstrará nenhum tipo de preconceito - como poderia, depois de ter gerado uma criatura como eu? - quando eu lhe contar, e creio que não devo ser censurado por isso por ninguém, já que nunca tive nenhum tipo de contato desses na minha vida. O casal havia ficado hipnotizado por mim, então foi fácil trazê-los à minha casa, onde se encontram neste momento.
Mas antes de contar como está sendo essa noite incrível, é necessário que eu explique o processo da minha cura. A tal pessoa que minha mãe conheceu falou de um certo elixir que produzia, e que poderia me entregar mediante um pagamento um tanto curioso. Como eu não acredito que alguém com uma desgraça dessas que eu tenho possua algum tipo de alma, fiz com que essa pessoa acreditasse que eu estava dando a minha em troca do tal elixir.
De posse do elixir, dirigi-me ao tal bar e, como eu disse, hipnotizei o casal. Ah, desculpe-me se eu tinha dado a entender a hipnose como algo metafórico. Trouxe-os para casa e aqui estão, amarrados delicadamente nas mesas de cirurgia que minha mãe conseguiu se apossar. Estou com um bisturi embebido no elixir, retirando os melhores pedaços de pele de cada um dos dois, e colando-os, também com o elixir mágico, sobre a minha superfície imaterial. Já consigo sentir algo... Quem precisa de alma quando se tem essas sensações? A deles em mim é maravilhosamente calorosa! Estou adorando!"
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zinescritos · 5 years
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Esta é a capa do primeiro Zinescritos, o fanzine do nosso coletívo literário, lançado no evento Livros em Pauta 2015. Ao longo dos proximos dias vamos publicar os contos da primeira edição para todos.
Esperamos que curtam.
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