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[Carta a Armando Teixeira Rebelo - 2 Ago. 1907] - T
[Carta a Armando Teixeira Rebelo -2 Ago. 1907]
Hotel Brito, Portalegre 22 de Agosto de 1907
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Venerável porção de existência terrena!
Nuns poucos momentos de concatenada actividade mental, não desassistida dos fumos carnais da bebida alcoólica — nada mais nada menos do que vinho — não exclusivo a esta localidade, a minha alma sentiu, como um suspiro mental, a necessidade de dar expressão do seu presente estado e tendências a um cérebro amigável como o teu.
Solitário e silente no meu transitório lugar de existência no hotel mencionado no cabeçalho desta explosiva epístola de uma sobrecarregada alma, sentindo em redor de mim um mundo moralmente frio e materialmente quente — abaixo de zero quanto à minha alma e não longe dos 40 quanto ao meu corpo — nestas circunstâncias angustiosas e inspiradoras veio até mim a ideia de que talvez o processo desta composição epistolar possa ser subjectivamente conducente a um alívio do meu fardo terreno neste momento, possa ser o «bálsamo em Gilead» sonhado por Poe, para o meu espírito desgarrado.
Daí esta carta.
Portalegre é um lugar em que tudo quanto um forasteiro pode fazer é cansar-se de não fazer nada. As suas qualidades componentes parecem-me conter (depois de uma profunda análise), em quantidades relativas e incertas, calor, frio, semiesPãholismo e nada. O vinho é bom (embora não daqui, creio), mas é decididamente alcoólico, especialmente quando a jarra de água está na outra extremidade da mesa e tu te esqueces (quer dizer, eu me esqueço) de o pedir. O estilo desta carta é disso uma prova decisiva. Farei dela registo, para que uma tão brilhante produção do meu espírito não se perca no correio.
A desmontagem e embalagem da tipografia está a levar um tempo danado — poeticamente falando, é claro. Apesar disso, os homens têm trabalhado bastante depressa e tenho os olhado e observado com a maior das energias.
Acredito sinceramente que, se tivesse que aqui ficar um mês, teria de ir para Lisboa e depois para o Hotel Bombarda. Mal podes imaginar o hiperaborrecimento, o ultra-estafanço-de-tudo, a absoluta sensação de o-que-há-de-fazer-um-tipo num sítio destes, que reinam no meu espírito!
Encontrei um livro para ler. Estou ansioso por voltar para Lisboa; penso contudo que ainda terei de ficar aqui mais três dias.
O Alentejo visto do comboio Nada com nada em sua volta E algumas árvores no meio, Nenhuma das quais claramente verde, Onde não há vista de rio ou de flor. Se há um inferno, eu encontrei-o, Pois se não está aqui, onde Diabo estará? Passa bem, ó tu
F. Nogueira Pessoa
P. S. — Não me escrevas para Portalegre. Poderei já aqui não estar. Espera o meu regresso a Lisboa. Aí falaremos então.
╰─► Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas. Fernando Pessoa. (Introduções, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Publ. Europa-América, 1986.
╰─► Tradução de António Quadros.1ª publ. in Vida e Obra de Fernando Pessoa - História de uma Geração. João Gaspar Simões. Lisboa: Bertrand, 1951.
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Desassossego
Vou ao campo, contente. Não sei o que me espera por sobre o morro florido, para além do riacho frio e quais aves ouvirei cantar, mas esse mistério me anima fortemente e surge como um alívio, salvando-me do que penso. Finalmente retirar os calçados e sentir a grama por entre meus dedos é de um sossego impossível de se ter em qualquer cidade, apenas possível aqui, no campo, longe das grandes civilizações.
Subo o morro lentamente, não tenho pressa, apenas sossego. No caminho, penso quais das belas flores me impressionarão mais, especulo também se encontrarei alguma abelha entretida ou beija-flor apaixonado. O meu passo devagar oferece-me o tempo suficiente para pensar nisso tudo. No cume do monte que escalara, analisei quase poeticamente cada flor, mas eleger uma como sublime era tão errôneo quanto injusto, então dei à todas o mérito do estrelato naquela linda e ventosa tarde. Aquele vento, também, trazia-me um sossego único, como se toda aquela brisa viesse em um conchego contagiante, mas eu não sabia de onde vinha, tampouco para qual local se destinava. Aquela corrente apenas ia e eu, naquela paz desigual, aproveitava-a.
Colhida a paz das flores, desci o morro em direção ao riacho. Este, via de longe, marcando o começo da floresta a seguir. Caminhava agora por um caminho de terra, daqueles feitos por diversas pessoas que por ali passaram. Eu imaginava quantos antes de mim tiveram a sorte de passear por tal lugar, também quantos depois de mim ainda desfrutarão daquela impecável paisagem. O tempo desmascarou-se em esperança. Chegando ao riacho, sentei numa rocha antiga e permiti que aquela corrente de água gélida encontrasse meus pés e carregasse a terra que havia trazendo. Aquela água me trazia um sossego, como se estivesse em um silêncio absoluto boiando no vasto oceano das sensações intransponíveis à natureza humana. Do frio que era a água, meu pé começava a doer um pouco, mas tal incômodo não me despertara dos meus olhos fechados e dos meus pensamentos inconsequentes.
Meus olhos levantaram-se rápido. Ouvi o canto dos pássaros, continuamente cantando e sobrevoando as árvores além do riacho. Recolhi meus pés e preparei meu binóculo. Não só vi a beleza do voo, como também tive o prazer de observar uma cena linda: pássaros recém nascidos, despenados, sendo alimentados. Como bela é a vida. Falei como em um desabafo espontâneo. E tudo aquilo acompanhava um sossego nunca antes visto. Um sossego que não se poderia comprar.
Infelizmente, acordei. Estava na cidade, deitado em minha cama. Para além da minha janela, outros prédios e outras janelas. Estava em um infinito desassossego.
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Parque Nacional do Descobrimento é destino turístico na Bahia
Parque Nacional do Descobrimento é destino turístico na Bahia
Foto: divulgação “Quem pisar as areias de Prado e fitar os seus bosques em flor há de certo ficar deslumbrado ante o seu natural esplendor”. O primeiro verso do hino do município baiano de Prado, de autoria do poeta Antônio Soares de Alcântara, descreve poeticamente o local, que possui 84 quilômetros de litoral, formado por 13 praias. Todas com águas cristalinas, calmas e mornas e paisagens…
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Três.
Nunca foi raridade eu viajar nas ideias pensando no tamanho do universo. Na distância entre os planetas, entre as galáxias seja o que for que existe entre elas. No quanto existe nesse universo e no quanto a gente ainda nem começou a entender. Essas viagens pelo espaço sempre me fizeram perder um pouco de vista o sentido da vida, como se tudo que eu era capaz de experienciar e fazer fosse completamente irrelevante pro “final das contas”.
0.
Precisei tropeçar bastante na vida pra chegar num ponto no qual a vida me favorecesse e eu por fim encontrasse a minha Nana, mas esse evento mudou minha vida, obviamente, mas também me deu novos olhos para as viagens espaço afora decorrentes. Eu não me preocupava mais com a infimidade da minha existência no universo, mas sim com o dia seguinte. “O que eu vou fazer pra me ter nos braços dela amanhã?”, sim da mesma forma que o Cérebro diariamente planejava dominar o mundo. Exceto que o meu objetivo dessa vez era incalculavelmente maior e mais intenso do que dominar o mundo, ou até mesmo o universo. Eu realmente só me preocupava em encontrar caminhos que me levassem aos braços e aos beijos da minha Nana.
Don’t say a word, just come over and lie here with me... ‘Cause I’m just about to set fire to everything I see I want you so bad I'll go back on the things I believe... There I just said it, I'm scared you'll forget about me
1.
Muitos ventos sopraram desde então, e a preocupação de estar nos braços dela no dia seguinte se desabrochou, e dessa sede de estarmos juntos extraímos o elixir que trouxe à vida uma linda flor, do tipo que não se encontra na venda, nem em beira de estrada, nem em lugar nenhum além de dentro do coração de quem verdadeiramente ama. Sim, o amor. Odiado por uns, engrandecido por outros. Clichê porém imprevisível, único pra cada um, mas “tudo igual” aos olhos dos outros. Complexo e inexplicável se não poeticamente, e ainda assim muito dependente das experiências e da percepção de cada um. Eu jogo no time de quem ama o amor. Eu amo a minha Nana, e não teria aguentado essa fase da vida se não tivesse como estar tão próximo dela.
It's a Friday, we finally made it I can't believe I get to see your face You've been working and I've been waiting To pick you up and take you from this place
2.
Nenhum vento é capaz de prepara alguém para um tornado. E as vezes os tornados vêm em nossa direção. Tem vento que derruba casa, tem tornado que destrói cidade. Tem briga que derruba casal, tem desconfiança que afoga o amor, tem indiferença que mata quem ama. Tem tragédia que acontece pra trazer o fim às coisas. Tem uma lição que aprendi com as árvores do quintal de casa. O segredo está nas raízes. São elas quem vão manter a árvore viva quando o vento forte bater. A chuva caiu, o vento bateu. O céu fechou e um olho se formou. O tornado veio, com força, tentou de várias formas, mas não foi suficiente pra nos derrubar. As raízes da árvore do nosso amor nos salvaram da falta de tudo, da dificuldade de tudo, da distância quase insuportável dos nossos sonhos, e de tudo que podia dar errado e deu. A força e a maturidade do nosso amor salvou a flor que cultivamos dentro do nosso coração. Não teve desemprego que nos derrubasse, não teve dificuldade de arranjar outro emprego que nos fizesse desistir, não teve dívida com juros sobre juros, refinanciamento de parcela de cartão de crédito, calo nas mãos e no coração, nada - absolutamente nada que nos tirasse a fé. Não tem como dizer que foi fácil, mas não está escondido de ninguém o fato de que no meio de todas as dificuldades que tentaram nos afogar, nunca nos faltou coragem e força de vontade. Fizemos sites, tentamos vender aplicativos, lanches, lacinhos, picolés. Fomos tocados da porta da faculdade pelo tiozinho que vendia açaí. Vendemos picolé no condomínio que só tinha chinês, mesmo que eles escolhessem o sabor pela cor. A gente lutou pra ter a nossa paz, and we fucking deserved every bit of it.
Oh honey, Oh honey... It's just a wave, It's just a wave... And I know That when it comes I just hold on, Until it's gone.
3.
Chegamos aqui, minha Nana. De alguma forma, eu voltei a pensar no universo, e no tamanho do que fazemos durante nossa breve passagem por aqui. Mas não é com aquela inocência juvenil de me sentir oprimido pela grandeza da existência, e sim abençoado com o que na minha percepção é muito mais do que um relacionamento. O que temos entre nós, é fruto de inimagináveis possibilidades. Tantos fatores estão em jogo desde o início do universo. Tanta coisa poderia ter sido diferente. Os dinossauros poderiam não ter morrido. Eles poderiam nem ter existido. O berço da humanidade poderia ser outro planeta. As nuvens poderiam ser roxas. O pôr-do-sol poderia ter mais de um sol. Poderia ser um buraco negro, lentamente nos aproximando do fim iminente. Coisas menores poderiam ter acontecido diferentemente. A gente poderia ter nascido em outra cidade. Estudado em escolas diferentes, não ter ido nos mesmos shows, nem ter quase se esbarrado em tantos eventos antes de nos conhecermos. É incrível pensar que de 7 bilhões de pessoas, você estava aqui, a 5 minutos da minha casa, desde 2004, quando me mudei pra cá. A gente podia ter nascido cada um em um país, e esse pensamento traz lágrimas aos meus olhos. A gente poderia não falar a mesma língua e passar pela vida inteira sem ser capaz de entender nem o que o outro fala. A gente podia ter dado errado. As nossas raízes podiam ter fraquejado em 2017. Mas a gente driblou todas aquelas turbulências com uma viagem pela Europa e um show do John Mayer. Eu e a minha Nana temos muito caminho à frente, mas isso nunca vai ser suficiente pra eu deixar de agradecer a Deus e de desejar um feliz aniversário de namoro pra mulher da minha vida. Feliz 3 anos de namoro, meu amor. Você de fato é tudo para mim.
Life is full of sweet mistakes, And love's an honest one to make... Time leaves no fruit on the tree.
But you're gonna live forever in me, I guarantee, it's just meant to be.
De Lucas,
Para quando Nana quiser ler.
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Pessoa nu
Há muitos anos que sei que Fernando Pessoa foi a Portalegre comprar uma tipografia. Sempre achei curiosíssimo por muitas razões, mas sobretudo porque Pessoa não gostava de viajar, ou seja, de cruzar o território físico (não outros, é claro). Numa das sessões recentes que tiveram lugar na EC.ON-Escola de Escritas, o Jerónimo Pizarro acentuou muito este facto e confirmou que o território de eleição do poeta era sobretudo a geometria da Baixa lisboeta. Todos os destinos do mundo, mesmo aqueles africanos de onde pela segunda vez regressou em 1905, se circunscreviam, na realidade, à pátria braquiana que liga, na capital, o Rossio ao cais das colunas.
Esta semana, por acasos de um projecto de escrita em que ando envolvido, dei com uma carta escrita por Pessoa a Armando Teixeira Rebelo no dia 2 de Agosto de 1907, estando alojado precisamente em Portalegre no então “Hotel Brito”*. Relembremos que o poeta tinha na altura 19 anos (feitos em Junho, no dia de santo António e de Lisboa). O calor e o “nada” extremos vividos nessa viagem – não o “nada que é mito”, mas apenas o da mera carambolagem, como diria o dadaísta Tzara – tocaram de tal modo Pessoa que a carta acaba por roçar, cito, o “hiperaborrecimento, o ultra-estafanço-de-tudo, a absoluta sensação de o-que-há-de-fazer-um-tipo num sítio destes”.
Raramente vi um documento em que a exaustão de uma atmosfera e de uma cidade fosse tão radical. Nada parece compensar Pessoa neste seu logro. Nem mesmo o poema que faz de ‘post-scriptum’ à epístola, intitulado “O Alentejo visto do comboio”, e que é uma verdadeira ‘quête’ do inferno. Reza assim: “Nada com nada em sua volta/ E algumas árvores no meio,/ Nenhuma das quais claramente verde,/ Onde não há vista de rio ou de flor./ Se há um inferno, eu encontrei-o,/ Pois se não está aqui, onde Diabo estará?”.
Logo nas primeiras linhas da carta, Pessoa explica a Armando Teixeira Rebelo a razão que o terá levado a escrever: “a minha alma sentiu, como um suspiro mental, a necessidade de dar expressão do seu presente estado e tendências a um cérebro amigável como o teu”. Depois torna claro quais as “circunstâncias angustiosas” que estava a viver e que lhe deram a “ideia de que talvez o processo desta composição epistolar” pudesse “ser subjectivamente conducente a um alívio do meu fardo terreno neste momento”.
Segue-se a este passo da carta a caracterização possível da cidade que teve nesses dias diante dos seus olhos: “Portalegre é um lugar em que tudo quanto um forasteiro pode fazer é cansar-se de não fazer nada.
As suas qualidades componentes parecem-me conter (depois de uma profunda análise), em quantidades relativas e incertas, calor, frio, semiesPãholismo e nada. O vinho é bom (embora não daqui, creio), mas é decididamente alcoólico, especialmente quando a jarra de água está na outra extremidade da mesa e tu te esqueces (quer dizer, eu me esqueço) de o pedir.”
Só quase no final é que a escrita acaba por dar conta da finalidade prática da ida de Pessoa a Portalegre: “A desmontagem e embalagem da tipografia está a levar um tempo danado — poeticamente falando, é claro.
Apesar disso, os homens têm trabalhado bastante depressa e tenho os olhado e observado com a maior das energias.”. E pouco depois surge aquela que é talvez a confissão decisiva: “Acredito sinceramente que, se tivesse que aqui ficar um mês, teria de ir para Lisboa e depois para o Hotel Bombarda”.
O que é extraordinário neste texto é verificar a auto-imagem de uma pessoa comum que se aborrece infinitamente com a viagem e com local visitado, chegando ao ponto de definir – com alguma ironia – uma certa distância entre si e a loucura, como se tudo fosse uno, unívoco e irreversível. Ou seja: a reversibilidade própria das heteronímias, o olhar oblíquo e transmutado ou ainda a coexistência entre o actual e o eu-atemporal estão completamente de fora deste jovem Pessoa que aqui escreve e se descreve no seu imenso fastio de Portalegre, ele que havia criado o primeiro heterónimo aos seis anos de idade (baptizado com o curioso nome de Chevalier de Pas).
O homem aqui retratado chama a si o vinho e a linguagem para diluir a existência, queixando-se da pequenez, mas fazendo-se, de algum modo, refém dela ao espelhá-la através duma assimetria previsível e até lógica. Esperar-se-ia antes um fastio que fosse alvo de desmontagem (tal como os cubistas sabiam fazer) e que tivesse sido projectado num daqueles ecrãs interiores – afinal tão pessoanos – em que o sentido e o não sentido ou em que a realidade e a irrealidade andassem de mãos dadas. Mas não. O que irradia desta carta é sobretudo um “basta”, embora literária e engenhosamente ‘dito a arder’.
O que vem provar que Fernando Pessoa tinha direito a ser uma pessoa como qualquer um de nós – como porventura o terá sido na larguíssima maior parte das suas vivências e misérias – e não o mago-mágico que amiúde comparece em muita da emoldurada mitografia lusitana. A sacralização da poesia (e do poeta absoluto) tem os seus reversos, um deles é esquecer que todos limpam o rabo seja em que papel for e seja em que partida e destino for.
*Pessoa, F. Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas. (Introduções, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins, Publ. Europa-América, 1986 (p. 56).
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me and my shield against the world.
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@ petalsforapha
"a ideia partiu da mensagem do álbum no processo de crescimento de uma pessoa: ela se sentre frustrada, se reconhece e se liberta para tentar um futuro melhor.
a capa remete o sair de uma flor, símbolizado poeticamente pelo lençol, o crescer para fora."
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Imoral poeticamente
Minhas magoas Espalhadas e bagunçadas No seu quarto de amor E teu olhar imoral Me deixando acordado. Minha flor, Eu acho que Nao terá sol. Minha flor, Voce foi embora e Me deixou sozinho nesse tango. Eu espero um sinal Para afogar minha dor.
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A Armando Teixeira Rebelo.
Hotel Brito, Portalegre. August 24th 1907.
Venerable portion of earthly existence!
In a few moments of concatenated mental activity, not unassisted by the carnal fumes of the alcoholic beverage - no more and no less than wine - not exclusive to this locality, my soul felt, like a mental sigh, the necessity of giving expression to its present state and tendencies to a friendly brain such as yours.
Lonely and silent in my transitory place of existence in the hotel mentioned in the heading of this explosive epistle of an over-burdened soul, feeling the world around me morally cold and materially warm - below zero towards my soul and not far from 40 in relation to my body - in these distressing and inspiring circumstances the though has come upon me that perhaps the indicting of this epistolary composition may be subjectively conductive to an alleviation of my earthly lot at this moment, may be the " balm in Gilead", dream of Poe, to my unsistered spirit.
Hence this letter.
Portalegre is a place where all a stranger can do is get tired of doing nothing. Its component qualities seem to me ( upon deep and cautions analysis) to contain, in uncertain relative quantities, heat, cold, semi-Spanishdom and nothingness. The wine is good ( though not from here, I think), but it is decidely alcoholic, especially when the water-pitcher is at the other end of the table and you ( that is I) forget to ask for it. The style of this letter may be "terminal" proof thereof. I shall register it that so brilliant and offspring of my mind may not be lost in the post.
The taking-to-pieces and packing of the printing office is taking a damned long time - poetically speaking of course.
_ Nevertheless, the men have worked quickly enough and I have looked on ( and off) with the greatest energy.
I sincerely believe that, if I were to remain here a month, I would have to go to Lisbon, afterwards to Bombarda Hotel. You can hardly imagine the hyperboredom, the ultra-get-tired-of-everythingness, the absolute what-the-blooming hell-is-a-chap-to-do- hereability that reigns in my spirit! I found a book to read, but was unable to muster energy to read it. I am anxious to get back to Lisbon; yet I think I will have to stay here yet three days more.
Alentejo seen from the train
Nothing with nothing around it
And a few trees in between None of which very clearly green, Where no river of flower pays a visit. If there be a hell, I've found it, For if it ain' here, where the Devil is it?
Fare thee well.
F. Nogueira Pessoa
P.S. Don't write to Portalegre, I may not be here. Wait till I get to Lisbon! We will converse there.
Tradução
Hotel Brito, Portalegre. 24 de Agosto de 1907
Venerável porção de existência terrena!
Nuns poucos momentos de concatenada actividade mental, não desassistida dos fumos carnais da bebida alcoólica - nada mais nada menos do que vinho - não exclusivo a esta localidade, a minha alma sentiu, como um suspiro mental, a necessidade de dar expressão do seu presente estado e tendências a um cérebro amigável como o teu.
Solitário e silente no meu transitório lugar de existência no hotel mencionado no cabeçalho desta explosiva epístola de uma sobrecarregada alma, sentindo em redor de mim um mundo moralmente frio e materialmente quente - abaixo de zero quanto à minha alma e não longe dos 40 quanto ao meu corpo- nestas circunstâncias angustiosas e inspiradoras veio até mim a idéia de que talvez o processo desta composição epistolar possa ser subjectivamente conducente a um alívio do meu fardo terreno neste momento, possa ser o " bálsamo em Gilead", sonhado por Poe, para o meu espírito desgarrado.
Daí esta carta.
Portalegre é um lugar em que tudo quanto um forasteiro pode fazer é cansar-se de não fazer nada. As suas qualidades componentes parecem-me conter (depois de uma profunda e cuidada análise), em quantidades relativas e incertas, calor, frio, semi-espanholismo e nada. O vinho é bom (embora não daqui, creio), mas é decididamente alcoólico, especialmente quando a jarra de água está na outra extremidade da mesa e tu te esqueces (quer dizer, eu me esqueço) de o pedir. O estilo desta carta é disso uma prova decisiva. Farei dela registro, para que uma tão brilhante produção do meu espírito não se perca no correio.
A desmontagem e embalagem da tipografia está a levar um tempo danado - poeticamente falando, é claro - Apesar disso, os homens têm trabalhado bastante depressa e eu tenho-os olhado e observado com a maior das energias.
Acredito sinceramente que, se tivesse que ficar um mês, teria de ir para Lisboa e depois para o Hotel Bombarda. Mal podes imaginar o hiper-aborrecimento, o ultra-estafanço-de-tudo, a absoluta sensação de o-que-há-de-fazer-um-tipo num sítio destes, que reinam no meu espírito! Encontrei um livro para ler. Estou ansioso por voltar para Lisboa; penso contudo que ainda terei de ficar aqui mais uns três dias.
O Alentejo visto do comboio
Nada com nada em sua volta E algumas árvores no meio, Nenhuma das quais claramente verde, Onde não há vista de rio ou de flor. Se há um inferno, eu encontrei-o, Pois se não está aqui, onde Diabo estará?
Passa bem, ó tu
F. Nogueira Pessoa
P.S. Não me escrevas para Portalegre. Poderei já aqui não estar. Espera o meu regresso a Lisboa. Aí falaremos então.
Notas explicativas carta nº 5
A carta é dirigida a Armando Teixeira Rebelo, um dos primeiros amigos que Pessoa teve em Lisboa. Seu condiscípulo no Curso Superior de Letras e, mais tarde, seu compadre ( Pessoa foi padrinho da filha de Teixeira Rebelo, Signa, com quem manteve também relações até o fim da vida), o destinatário acompanhou-o sempre na sua amizade. O fato de ter tido também uma formação anglo-saxônica ( fora educado em Pretória) muito deve ter contribuído para a aproximação entre os dois. Conforme testemunha D. Signa Osório Teixeira Rebelo, o pai, a mãe (Beatriz Osório, que fora igualmente condiscípula dos dois amigos no Curso Superior de Letras) e Fernando Pessoa conversavam os três sempre em inglês.
A ida a Portalegre e as diligências aí feitas por Pessoa prendem-se com a compra de máquinas para a Tipografia Íbis, que o poeta resolvera instalar em Lisboa e na qual investiu o dinheiro da herança da sua avó Dionísia.
Transcrevemos a tradução que acompanha a publicação do original inglês por João Gaspar Simões. Fernando Pessoa - Correspondência 1905-1922 - Editora Companhia das Letras.
Fonte: casadobruxo
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Vida
Lisboa, 16 de março de 2020.
Vida, hoje a carta é pra você.
Já estou afastada das operações mundanas há mais de semana... Ontem começou a quarentena por aqui. Da minha janela, vejo o vento e a corrida desenfreada dos pólens a cair das árvores. Vejo os galhos se restaurando do inverno e pulsando vida e renascimento. Da minha cama, olho essas loucas meninas verdes a dançarem, a gozarem da liberdade e as invejo. Duplamente ou triplamente. Estão livres desse vírus, estão no mais alto nível de otimismo a esperar a primavera, estão a nos espiar de longe, protegidas finalmente da nossa maldade.
A inveja pessoal também se deve ao fato delas poderem vivenciar a primavera. Por alguma razão que ainda estou a entender e deglutir, sem azias, é o fato de não poder aproveitar a primavera in loco. Sou alérgica. Os cheiros, os pólens, as gramíneas, o vento carregado de sementes, as folhas brotando... isso me faz mal. Fisicamente. O meu corpo se rebela e se nega a ver esse mini espetáculo sazonal. Poeticamente e emocionalmente é bálsamo pra minha alma tremendamente faminta. Sempre amei as flores, o perfume, o renascer discreto e algumas vezes bruto e exuberante da estação. “Logo eu”, diria a parte mais pessimista de mim. Começo a ver como uma oportunidade. De ver esse ciclo de longe, respeitando ao máximo cada nascimento de flor, cada bater de asas das boborletas, cada pólen viajado para brotar em outras cercanias...
Talvez seja isso. Os amantes sejam tão obcecados que acabam por prejudicar o material de sua paixão. Relação abusiva, diria. Então a natureza humana trata logo de tenta proteger a natureza mãe, a natureza maior. Imagino a cena da natureza humana conjecturando: “Essa daí não tem equilíbrio e racionalidade para aproveitar a primavera. Rinite, sinusite, alergia a pólen pra ela. E se for teimosa, asma”. Foi exatamente isso que aconteceu. Eu teimei na vida. Teimei, paguei pra ver e hoje estou condenada a tentar desenhar abstratamente as belezas que sinto e vejo da primavera. Assim de longe, uma stalker, uma voyer... logo eu, que sou flaneur desde os primeiros anos de vida.
De toda forma, obrigada vida. Ainda estou digerindo, mas consigo ver ao longe a lição a ser absorvida - em doses homeopáticas, por que gentileza se faz necessários nesses dias de auto e externa rudeza.
V.
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Os melhores sambas-enredo de 2010
Marco Antonio Antunes Dom Quixote de La Mancha... O Cavaleiro dos Sonhos Impossíveis - União da Ilha - Grassano, Gabriel Fraga, Márcio André Filho, João Bosco, Arlindo Neto, Gugu das Candongas, Marquinho do Banjo, Barbosão, Ito Melodia, Léo da Ilha De um tema que se fez popular pela força da personagem, os sambistas souberam retirar os elementos essenciais da história que está no Inconsciente Coletivo da humanidade e desenhar um samba simples, eficiente, animado, com a cara da União da Ilha. Tudo para fazer e acontecer na avenida, com Rosa Magalhães como carnavalesca não é exagero apontar a Ilha como uma das favoritas ao título. Afinal, como ensina esse refrão maravilhoso: ''A Ilha vem cantar Mais um sonho impossível... sonhar Quem é que não tem uma louca ilusão E um Quixote no seu coração''. Brasil de Todos os Deuses - Imperatriz - Jeferson Lima, Flavinho, Gil Branco, Me Leva, Guga Samba certinho com letra previsível que coleciona lugares-comuns lingüísticos, sintaxe com desconhecimento das mais básicas regrinhas de naturalidade do falar corrente, clichês de velhos sambas de enredo (morada divinal, terra abençoada, coroa sagrada), rimas mais do que pobres, medíocre concepção poética que nunca chega a ser original no tema. Melodia, no entanto, capaz de sustentar uma boa apresentação. Errou hilariantemente a equipe de jurados do Estandarte de Ouro ao premiar esse que é um sambinha de segunda! No ano em que tinha uma obra-prima da Vila, e excelentes sambas do Salgueiro ou Ilha a disposição para fazer justiça e até servia a Mocidade, a Beija-flor e a Mangueira. Só se pode achar que quis ''surpreender'' o consenso que se formou ao redor da Vila. De ridículo também se vive! É Segredo! - Unidos da Tijuca - Julio Alves, Marcelo, Totonho O enredo é cara do Paulo Barros, o carnavalesco, sob medida pra Tijuca. Tudo para funcionar muito bem na avenida, o samba é que é apenas bom. Não chega a ter nenhum mérito notável como letra, sua força está mesmo no refrão e nas promessas matreiras a serem conferidas no desfile. México, o Paraíso das Cores, Sob o Signo do Sol - Unidos do Viradouro - Floriano, Gustavo da Marbela, Sacadura Cabral O México, está todo aí, até demais, exagerado, muita informação. Faltou apenas criatividade pra dizer. A melodia é frágil e a escola está desamparada de samba, mas só pelo samba não tem cara de que vá mesmo realizar um desfile sensacional. Histórias Sem Fim - Salgueiro - Josemar Manfredini, Brasil do Quintal, Jassa, Betinho do Ponto, Fernando Magaça Samba com boa letra, algum estilo e charme pra contar a Literatura na avenida, a melodia e o ritmo são sensacionais e colocam este samba como um dos melhores deste e de muitos carnavais. Na avenida pode render um desfile sensacional e o Salgueiro é candidatíssimo ao campeonato pelo segundo ano seguido. Com Renato Laje de carnavalesco parece quase uma barbada essa aposta! Brilhante ao Sol do Novo Mundo. Brasília: do Sonho à Realidade, a Capital da Esperança - Beija Flor - Picolé, Serginho Sumaré, Samir Trindade, Serginho Aguiar, Dison Marimba, André do Cavaco Tentando escapar de fazer um samba chapa-branca, os sambistas desvelaram-se num samba antigo, de enredo até a raíz, com a cara da Beija-flor, muita lenda, muita lingüagem fantástica, alguma poesia. Um dos sambas razoáveis deste carnaval. O tom arrastado e pesado pode prejudicar. As ''aventuras'' do Governador Arruda e sua ala no maravilhoso país da corrupção certamente irão atrapalhar e tornar os primeiros passos da escola no Sambódromo bem difíceis. O povo pode reagir mal! JK não merecia! O Povo de Brasília não merecia! A bela cidade não merecia! Do Paraíso de Deus ao Paraíso da Loucura, Cada um Sabe o Que Procura - Mocidade - J. Giovanni, Zé Glória, Hugo Reis Paraísos e sua polissemia é um tema desafiador e novo! Interessante! O samba foi fiel, não é previsível e pode funcionar muito bem na voz da escola, vamos ver como o Cebola se sai nessa! O refrão é dos melhores do carnaval! Com Que Roupa Eu Vou Pro Samba Que Você Me Convidou - Porto da Pedra - Bira, Porkinho, Heitor Costa O samba tinha tudo pra ter uma letra bem mais matreira e divertida, se perdeu em uma primeira estrofe confusa e sem graça! A segunda é bem melhor. O refrão passável. A Porto da Pedra ainda está devendo um grande samba! Derrubando Fronteiras, Conquistando Liberdade... Um Rio de Paz em Estado de Graça! - Portela - Ciraninho, Rafael dos Santos, Diogo Nogueira, Naldo, Junior Scafura Já virou um sonho de quem curte samba um campeonato atual da Portela, mas, a julgar pelo samba, ainda não será em 2010. Sem dúvida o pior do ano, chapa-branca e politicamente correto até a raiz, parece propaganda institucional! Muito ruim como letra mesmo. Melodia e ritmo passáveis. Cadê os poetas da Portela? Que tipo de samba é esse? ''Desperta o bem social Acessa o amor digital Faz da criança inspiração Pro futuro da nação'' É dos versos mais cretinos e sem gosto do carnaval de todos os tempos! Citar o Dia de Graça num samba desse é quase sacrilégio! Alguém na Portela devia ter impedido! Das Arquibancadas ao Camarote Número 1... Um Grande Rio de Emoção na Apoteose do seu Coração - Grande Rio - Barbeirinho, Mingau, G. Marins, Arlindo Cruz, Emerson Dias, Levi Dutra, Carlos Sena, Chico da Vila, Da Lua, Isaac, Rafael Ribeiro, Juarez Pantoja Excelente samba, promissor enredo. Tudo certinho! Nada de muito original ou sensacional. Mas o samba é bom e pode funcionar muito bem na avenida. Tomara que o Cahê tenha boa mão. Vamos assistir com atenção esse desfile da Grande Rio, pode ser a hora! Noël: A Presença do Poeta da Vila - Vila Isabel - Martinho da Vila Samba assinado por um único autor, em princípio já ganha em unidade, mas quando esse autor é Martinho da Vila, aí tudo vira obra-prima! Samba de primeiríssima linha, entre os melhores de todos os tempos do carnaval brasileiro! O Alex tem tudo na mão com um samba destes, só não ganha esse carnaval se errar feio! Que maravilha de samba! 100 anos de Noel na Vila é desfile de gala, acerta a escola em investir no seu melhor! A letra é de craque, de quem é do ramo! Imaginando uma surrealista conversa entre boêmios, dissolve o mito entre Tera e Céu, diz que quando está ''sensível'' percebe em tudo na Vila o poeta e é como se o conhecesse de fato, de conviver. Depois mitifica com o cometa de 1910 a chegada dele (também breve bólido) e contextualiza na realidade social (afinal ainda é a Vila Isabel, a mais politicamente engajada das escolas). O final é a morte e a elegia boêmia pela passagem do poeta, poeticamente calando o samba para despertá-lo em fantasia nesse desfile de craques com a ''energia'' (palavra que magicamente pairou sobre a letra desde o princípio) da Vila Isabel! Quem for sábio que aprenda! Mangueira é Música do Brasil - Mangueira - Renan Brandão, Machado, Paulinho Bandolim, Rodrigo Carioca Não é o melhor samba da Mangueira, mas é digno e bem construído. Tem a delicadeza de não citar nomes e citar tudo! Ao comparar a Mangueira com a própria música ganha mais um pontinho! A primeira estrofe é impecável! Que Jorge Caribé e Jaime Cezário saibam o que fazem! A Mangueira pode fazer um bom desfile!
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