#e se não ficou a gente finge que nunca existiu
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vinhcrose · 5 years ago
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         ৴ ˙ ˖ . ℬ𝑒𝑐𝛼𝑢𝑠𝑒 𝑖𝑡 𝑖𝑠 𝘣𝑖𝑡𝑡𝑒𝑟  𝑏𝑦   𝐑𝐨𝐬𝐚𝐥𝐢𝐞 𝐇𝐮𝐧𝐭𝐞𝐫
                                                                     𝐓𝐀𝐒𝐊 𝟎𝟓
                                                                 ❝ But I like it                                                              Because it is bitter,                                                       And because it is my heart. ❞                                                            — Stephen Crane
Inspos: Aro Volturi (The Twilight Saga: Breaking Dawn); Seelie Queen (The Mortal Instruments); Jigoku Shoujo (Hell Girl); Law of Surprise (The Witcher); Nogitsune (Teen Wolf - Season 3); Wendigo Transformation (Hannibal); Menções: @gcrotaverde​; @amordemaeve​; @littlegotbrooke​; @yourhghness​; @x-distrustful​;
                                                           (...)
Alguns dizem que sonhos são produtos de desejos subconscientes, desejos tão profundos que quando totalmente despertos não poderíamos ser capazes de compreender ou reconhecer. Esse tipo de desejo é o mais puro de todos, mesmo quando se é obscuro, ainda sim o mais puro, livre de qualquer intencionalidade ou interferência, o que Sigmund Freud diria ser o homem animal. Hunter não costumava pensar sobre esse tipo de coisa, era raro ver a caçadora falar sobre sonhos que não fossem imediatos, sua mãe tinha lhe ensinado a guardar suas intenções e desejos a sete chaves, assim, ninguém poderia intervir contra. Ela também havia a ensinado algo muito importante: Não deixe com que saibam seus temores. Medo era algo mais perigoso que desejos; desejos eram controláveis, algo que você pode escolher entre querer realizar ou não, mas medo? Medo é irracional. Medo é algo que você não controla. Ele controla você.
Um claro exemplo de um medo que pode te controlar é a Nictofobia. Existem tantos nomes para essa fobia que os listar seria uma perda de tempo, afinal todos os nomes dizem a mesma coisa: Medo do escuro. É comum entre crianças e muitas vezes se resolve sozinha, mas adultos também podem tê-la e talvez essa versão adulta seja pior, afinal, na maioria das vezes, o medo de uma criança é totalmente ligado à sua imaginação fértil e lúdica, mas em adultos? Não é sobre imaginação, é sobre memórias. Lembranças que usualmente doem tanto quanto a realidade e que tornam o fato de se estar no escuro algo aterrorizante, algo capaz de te fazer perder o sono, ter dores, náuseas e outros sintomas físicos. O temor de Rosalie era causado por memórias. Um temor que sua própria mãe dizia ser insano, quando elas ainda conviviam, e sinal de fraqueza; mas ela discordava, não achava que temer era sinal de fraqueza.
Temer não é algo que deveria ser desencorajado, temer é bom, o medo é bom; se na medida certa é claro. Medo é o que te motiva a se proteger, a sobreviver, é o que te impede de se jogar do precipício mesmo quando o desejo de saber o que há depois do fundo parece maior que qualquer ponta de racionalidade. Medo é a voz no fundo de sua mente que lhe implora para dar a meia volta, é a voz baixinha e assustada que te pede para checar duas vezes se trancou a porta. Medo, às vezes, é a única coisa que separa uma presa dos dentes de um predador faminto. A coragem, por outro lado, é exatamente o que leva um coelho curioso a procurar pela toca da raposa. O único sentimento que sobra no coelho enquanto é devorado é o arrependimento de não ter ouvido aquela pequena voz. Aquela voz baixinha e assustada que dizia ‘dê meia volta e saia’. Catherine, naquele momento, não passava de um coelho, e de arrependimentos ela entendia tão bem.
As mãos tremiam, não de frio, ainda que de fato a noite estivesse gelada e a camisola com a qual fora dormir não ajudasse em nada em se proteger do frio de Mítica. Elas tremiam de antecipação, medo, adrenalina, lembranças, ansiedade, arrependimento, haviam tantas coisas passando na mente de Rosalie naquele exato momento. Seu corpo tremia. Não possuía qualquer poder sobrenatural que envolvesse a clarividência, mas bastou que a lua cheia não aparecesse naquela noite, para que sentisse um comichão em sua nuca, fazendo com que os pelos ali presentes se arrepiasse de acordo com que se deitava na cama ao lado da de Melena — poderia não ser da Imre, mas já estava acostumada a tomar a forma da amiga para que adentrasse tarde da noite na Casa, e repousasse no quarto que a bruxa dividia com Maeve, só se sentia bem dormindo ali, ou afastada o suficiente de todos, para que não precisasse explicar seus pesadelos.
Naquela noite, contudo, tudo fora diferente. Estava tendo um sono calmo e pacífico, mas conforme o gotejar de água aumentava de intensidade, Hunter parecia afastar-se da inconsciência, chegando a resmungar algumas vezes antes de se encontrar no caminho da consciência. ❝—— Maeve, você esqueceu a banheira ligada de novo? ❞ A voz era grogue, e ainda estava parcialmente adormecida a medida em que repreendia a amiga, uma sutil instrução para que a sereia se levantasse e cuidasse daquele problema, considerando que a causadora de tudo aquilo era ela. Jurou ter ouvido uma resposta feminina, e apenas por isso ela virou-se para o outro lado. Porém, o plin da água gotejando outra vez, não a deixou voltar a dormir. Bufou, tentando colocar o travesseiro sobre a cabeça, contudo, o som pareceu transferir-se para dentro de seu crânio, repetidamente, algo que fizera Hunter levantar-se em um salto. E quando o fez, percebeu não estar em seu quarto.
Encarou as árvores secas com os olhos estreitos e lábios pressionados. Definitivamente não estava em um dos quartos da Imre. Riu sarcasticamente e observou as roupas escuras que sempre vestia… o que comprovava ainda mais sua teoria. Um sonho? É, definitivamente estava em um sonho. "Inconfiável. Fria. Macabra. Má. Falsa." As palavras surgiram, carregadas pelo vento, em um sussurro ácido. Reconhecia aqueles adjetivos e eles se lançaram sobre ela como uma flecha, lhe acertando tão fortemente que ela se manteve paralisada, olhando para o céu sem lua ou estrelas, daquela estranha noite. O ar estava pesado, e possuía um cheiro de podridão. Não, aquele não podia ser seu interior. Ela era fria e não costuma confiar nas pessoas, além de se esconder atrás de algo. Mas ela não era podre daquela forma. Era a visão dos outros sobre ela? Não, era seu sonho. Nada além de um sonho, não se deixe abater, era o que ela dizia para si mesma.
Mas ela reconhecia aqueles adjetivos, eram os direcionados para si quando mais nova. Assim que chegou a Aether, quando era considerada uma garotinha estranha da qual ninguém sabia o passado. Ou melhor, nada além do nome de sua mãe. "Sádica. Sem coração. Anti-social. Demônio." Ela não conseguiu evitar se encolher um pouco. Seus pés começaram a se mover sozinhos, pequenos passos tropeçantes que cada vez mais se aproximavam da entrada da Floresta Encantada. Um vento frio passou por ela, lhe arrepiando e a fazendo se sentir mal. Como se aquele vento trouxesse algo além daquela friagem... Algo mais. Algo além. "Pobre sombra envolta em escuridão." Agora era a voz de um garotinho, mas era uma voz sem emoção, talvez uma voz acostumada a ver tantas mortes que a descendente de asiáticos não conseguiria contar nos dedos. "Tuas ações trazem dor e sofrimento à humanidade." Ela estava reconhecendo a voz e as citações. Ergueu a cabeça e olhou novamente em volta, não se deixando abater. Não passavam de memórias. Confusas, embrenhadas e colocadas em um local estranho, quase esquecido pela caçadora, mas ainda assim, apenas memórias. "Tua alma vazia afoga-se nos teus pecados." Um sonho muito real, os sussurros parecendo vir de todo canto e, ao mesmo tempo, de canto nenhum. Assobios cortando o silêncio entre as árvores até chegarem nela. Quando ergueu a cabeça, sentindo-se observada, viu um olho gigante surgir no céu, e as memórias finalmente tomaram forma. "De que forma desejas ver a morte?"
Talvez ela mesma tivesse esquecido que havia sofrido. Ou talvez tivesse apenas escolhido esquecer e substituir toda aquela dor por algo mais feliz — se não feliz, ao menos mais suportável. Era isso que fazia todos os dias, não? Mentia, e era forte. Viu com uma vagarosidade torturante um passado distante voltar à sua mente, quando ainda era uma menina de seis anos. Ela corria e brincava com seu irmão por aquele descampado lamacento que tanto chamavam de quintal, as roupas simples completando o ar camponês que transmitiam ao desafiar um ao outro a adentrar a floresta — a mesma que a mãe alertara para manter distância. A bola, dura e feita de pele, havia sido atirada mata adentro apenas como desculpa para adentrarem o local, e teriam conseguido completar a pequena ousadia caso o jantar não ficasse pronto, a voz de Gretel anunciando que deveriam entrar e se banhar, antes da família reunir-se para a refeição. Aquela fora sua última noite naquela casa, já que na calada os gêmeos deixaram suas camas para recuperar a bola, e nunca mais voltaram. Agora, repetia os passos que dera quando criança, adentrenado uma floresta um pouco diferente. 
Bastou um passo a mais, contudo, para que tudo mudasse. Mãos saíram do chão, almas atormentadas se retorcendo nas sombras a agarraram e começaram a puxar para baixo, pelos lados e até seus cabelos! Lhe causava uma dor muito grande, e além de ferimentos feito por arranhões, suas roupas começaram a ficar em farrapos. Mas então, caiu, no que sua lógica dizia ser uma floresta subterrânea, dentro da floresta. Mas suas memórias reconheciam aquele ambiente como a floresta atrás do quintal de onde vivera por seis anos com Gretel. Os gritos que reconhecia como seus podiam ser ouvidos, e ela os seguiu, parando do lado de fora de um casebre que lhe causava arrepios. Não era mais a mesma garotinha assustada de outrora, e como o coelho curioso que estava sendo por toda aquela noite, ela adentrou. Descobrindo, então, que não podia ser vista, era uma mera telespectadora, que via a si mesma amarrada à cadeira, chorando, e não podia fazer nada. ❝—— Levanta e corre! ❞ Gritou para sua versão infantil, e até tentou chacoalhar o corpinho, no entanto, seus dedos encontraram o vazio, como se fosse uma grande ilusão. "Você não pode mudar o passado, criança." A mesma voz monótona de antes soou, contudo, desta vez, ganhava forma ao seu lado: um feérico. Que parecia divertir-se com seu desespero para tirar a si mesma da cena. O ser da floresta, no entanto, continuou andando pelo casebre que cheirava a queimado, parando ao lado da pequena jaula, e só então, ela pôde o ver: Graham encolhido no canto, dizendo para a irmã que tudo ficaria bem, se ficassem juntos. 
O cenário começou a escorrer, como tinta fresca. Aliás, o cheiro de tinta estava lhe atordoando os sentidos. Olhou para o lado e como se estivesse dentro de um quadro ela viu seu pintor sorrir macabramente com seus dentes podres. Foi naquele momento em que ela finalmente sentiu falta de algo. Estendeu a mão e a região a sua frente tremulou. Uma passagem. Se jogou na passagem, sendo automaticamente mandada para outra cena. Reconhecia aquela cena, reconhecia ela bem. As amarras ainda estavam presas em seus pulsos e ela corria desesperada, lágrimas molhando seu rosto, já vermelho pela falta de ar causada pelo esforço. Ouvia ao longe as risadas diabólicas da bruxa, e seu coração acelerava mais que as asas de um colibri. Ela não podia voltar para lá, e também não devia deixar Graham. Mas não havia conseguido abrir a jaula a tempo, e, talvez, se encontrasse sua mãe… Se questionada, não saberia dizer por quanto tempo correu, mas o fez como se sua vida dependesse disso — e dependia. E quando chegou ao vilarejo, pode ver o desgosto impresso no rosto de Gretel, que chorou por uma semana antes de mandá-la para longe. Não suportava ter perdido o filho preferido.
"É de cortar o coração, não é mesmo?" A voz do feérico soou irônica conforme conduzia Rosalie por entre as árvores, um enorme tabuleiro de xadrez se mostrando a frente deles enquanto a bruxa o seguia sem dizer nada. Estava chocada demais para fazer qualquer um de seus ácidos comentários. "Foi quando descobriu que não valia nada." Ele estalou a língua, ao mesmo tempo em que repetiu o estalar com os dedos, fazendo uma cadeira surgiu às costas de Rosalie, obrigando-a a se sentar antes de ser amarrada ali, e posicionada a beira da mesa. O estalar da língua, no entanto, teve uma reação mais tenra do que o completo desespero desencadeado em Hunter ao encontrar-se presa outra vez, a mercê de um ser mágico. "O restante da história você conhece. Drogas, overdose, não consegue manter um relacionamento amoroso. Um clichê de garota revoltada." Ironia escorria como veneno dos lábios dos ser centenário, que apesar da idade, parecia ter vinte e ao mesmo tempo duzentos anos."Um desperdício de potencial, de fato." O fae comentou antes de posicionar-se na ponta oposta onde a bruxa estava sentada, estalando o dedo novamente para que pixies minúsculas surgissem ali, servindo vinho em seu cálice.
Ela conhecia a sensação, seu corpo tremia na cadeira a medida em que os olhos inspecionavam cada centímetro de suas amarras. Havia conseguido se soltar uma vez, e agora contava com habilidades especiais. Como se lesse seus pensamentos, o que deveria ser óbvio já que imaginava estar sonhando, o fae desatou a rir, de forma histérica e assustadora, fixando os olhos na caçadora, que agora sentia-se mais parecida com a garotinha de seis anos que fora sequestrada. "Sua mágica não funciona aqui, Rose querida." Confidenciou em tom jocoso, rindo sozinho ao ver Catherine testar seus poderes, miseravelmente. Ele poderia ter avisado aquilo sem todas aquelas bobagens, mas o que ele desejava era ver Hunter presa, lutando como uma borboleta para escapar. Ela julgava que o tédio vinha com a imortalidade, e as respostas afiadas, incontroláveis, não ensaiadas e lamentáveis dos seres humanos eram para os feéricos como sangue fresco para vampiros. Algo que eles não tinham, e os divertiam, alimentava, um sopro de vida. Dava para ver na postura do ser, em como o indicador, esguio, contornava a borda fina do cálice. Estava completamente entretido com tudo aquilo, e a constatação só a enervava.
"Se você ganhar o jogo, eu te concedo a resposta que mais deseja. Mas se eu ganhar… opto pela lei da surpresa. Possuímos um acordo, Rosalie Catherine Hunter?" Ele propôs, mas não estava negociando, estava apenas esclarecendo os termos para a bruxa fadada ao fracasso. Nunca havia sido boa em xadrez, na verdade, não se lembrava de ter jogado alguma vez em sua vida — era o jogo dos engomadinhos. Sem que esperasse por uma resposta, o feérico murmurou para onde desejava mover seu primeiro peão, e ele se moveu. Peças encantadas, muito interessante. Hunter, no entanto, não se divertia tanto assim, e foi capaz de sentir escorrer uma gotícula de suor, da sua nuca ao findar de suas costas. Estava definitivamente na merda. ❝—— Terceiro Peão para a casa B3. ❞ Conjurou, uma quase réplica do movimento feito pelo feérico, e tratou de ignorar o risinho alheio, que indicava justamente que havia percebido o que ela fez. Outro peão fora movido por seu oponente, e, outra vez, ela replicou o movimentou na sua metade do tabuleiro, dando a chance, então para que o fae movesse seu cavalo. Dali por diante, fora ladeira a baixo.
Ele moveu o bispo, outro peão, a rainha devorou um cavalo de Hunter, e, quando percebeu, o feérico estava lhe dando um cheque-mate. Estava tão desarmada quanto seu rei, ao final da partida, e ainda selava uma dívida da qual sempre ouvira que deveria se manter afastada. Não aperte suas mãos, não confie neles, mas sobretudo, não beba do vinho. Os lembretes de Gretel sobre criaturas como aquela, que estava sentada à sua frente e sorria orgulhosamente, lhe atingiram a mente enquanto o observava, claramente afetada. O ser milenar estalou os dedos outra vez, e a pequena mesa que sustentava o tabuleiro se tornou em uma mesa de banquete, e quando Rosalie se dera conta disso, o som metálico chamou sua atenção. Coelho, ela reconheceu a carne que sangrava no prato alheio, e os olhos ergueram-se ao rosto passional do feérico. Os olhos dele eram como o mar antes de uma tempestade mortífera, um azul escuro que podia ser apreciado mesmo de longe.
Antes que pudesse falar qualquer coisa, no entanto, teve sua atenção aprisionada pelo filete de sangue que escorria do canto do lábio da criatura até a altura de seu pescoço, que fora inclinado para cima no instante em que uma pixie surgiu para o limpar. Deveria ser alguma espécie de rei, ela supôs. “Eu sou uma criatura bondosa, Rosalie. Por isso, irei te conceder a resposta. Mas jamais se esqueça que está me devendo mais de um favor.” Ele anunciou em tom suave, as pixies afastando-se para deixá-los à sós. Aquilo a assustava, e seu coração estava atordoado em seu peito. Como havia sonhado com algo tão real?  “A resposta para aquilo que se pergunta todos os dias, é sim. Sim, Rosalie.” Franziu o cenho para demonstrar que não entendia. Sim? Aquilo respondia que droga de pergunta? Se teria um conto, se salvaria Njord, se algum dia seria feliz? Era vago demais, e ela sabia que sua confusão divertia o feérico.  “Sim, Rosalie.” Repetiu, deixando que o riso esganiçado preenchesse o espaço entre eles, e ela se sentiu enjoada.
Seu estomago parecia querer expulsar todo o conteúdo de sua última refeição para fora, a bile salgada se formava em sua boca e ela odiava a sensação de enjoo que o medo a causava. Seu peito doía. Sua cabeça girava. Todos seus músculos pareciam rígidos. Respirar começava ser uma tarefa impossível. O que diabos significava aquele sim? E então fora bombardeada com a imagem do irmão. Vinha trabalhando há um bom tempo junto de Brooke para tentar um feitiço que não fizesse com que Candy Witch descobrisse sua pequena intromissão em sua vida, mas ainda não haviam tido sucesso. Ainda não sabia se o garoto estava vivo. Graham não poderia estar vivo, a bruxa dos doces jamais permitiria isso. O ser milenar dera um gole no vinho, ignorando a presença ou as teorias de Hunter como se, de fato, não fossem preocupantes para si. E não eram. Talvez não fossem nem para ela, por isso guardou a informação em sua mente antes de sustentar o olhar dele.
Não gostava de ser ignorada, por isso, ainda que estivesse presa na cadeira, Rosalie endireitou sua postura, sustentando o olhar sobre a criatura. ❝—— Eu sou uma traidora, se esqueceu? Pode perguntar a Njord, se não me vendo facilmente por algum punhado de moedas de ouro. O que te leva a pensar que eu não o trairia, após fechar um acordo apenas para me safar? ❞ Ela sabia o quanto acordos eram importantes para criaturas como aquela, e poderia levar sua ideia como ofensa. Mas não expressava nada além de entretenimento. ❝—— Você sabe que eu já deixei até mesmo meu irmão para morrer uma vez, e não teria problemas em deixar de novo. ❞ O feérico na outra ponta da mesa sorriu. Era um sorriso lindo, e ao mesmo tempo, macabro. E por aquele gesto, Rosalie supôs que poderia ter cem ou vinte anos. Mas a beleza não a encantava, pelo contrário, causava um sentimento frio em seu peito, como se houvesse ingerido um copo repleto de água gelada em uma única golada — o sentimento de frio, e vazio, alcançando seu estômago.
"Eu sei que não me trairia, criança." Enquanto demonstrava o semblante de espanto, o ser místico ria, e a sensação gelada no peito da caçadora se intensificou. O fae só estava brincando com sua cabeça, como aqueles seres estavam acostumados a fazer. Ela remexeu-se na cadeira, as amarras parecendo mais firmes em seus pulsos e tornozelos. O feérico cortou outro pedaço da carne, ainda ensanguentada, com a faca de prata, e levou o pedaço à boca. “Fique tranquila, eu sei onde a encontrar.” Batera as palmas levemente, e simples assim, foram transportados para um cenário completamente diferente. Um que definitivamente não era propenso a finais felizes. Quando olhou para o lado, o feérico não estava mais lhe fazendo companhia.
Estava sentada no chão, quando ergueu os olhos e viu a criatura. A silhueta esguia, os chifres de antílopes e o completo breu espalhado por todo seu corpo, sendo difícil distinguir o que era o monstro e o que era a floresta atrás dele, pouco iluminada. Era assustadoramente lindo. Mais assustador do que lindo, ela reparou quando o viu movimentar, não demorando para que ficasse em pé, sacando o chicote de seu cinto. O estalou no chão uma vez, como se atraísse a criatura para si. Contudo, diferente do que fizera quando o fauno surgiu, Hunter não esperou, tomando a iniciativa ao sacar, da outra lateral de seu corpo, a pequena adaga que aprendeu com a mãe a carregar sempre, atirando-a contra a criatura mesmo com a mão esquerda. Esperava que acertasse, mas devido o treinamento, sabia que, caso errasse, seria por pouco. 
O líquido viscoso que começou a escorrer do braço da criatura possuía a mesma tonalidade escura do restante dela. Era denso, como se petróleo escorresse do ferimento causado por Hunter, que estava tão concentrada naquilo, que só percebera a lâmina voltando em sua direção quando esta cortou o ar próximo de si. Poderia ter se esquivado se houvesse notado antes, tê-la parado com magia, contudo, o máximo que conseguiu fazer foi mover-se para o lado, evitando que a lâmina perfurasse sua pele, mas não evitando o corte de raspão em seu braço. Não fundo o suficiente para necessitar de poções, mas nem tão superficial. Rasgara a roupa e lhe tirava sangue. Urrou de dor, vendo a lâmina ceder ao chão alguns metros atrás de si, o líquido rubro vazando do corte. E então, o olhar voltou-se para a besta, a tempo de capturar sua aproximação com orbes amendoadas.
O zunido do ferro cortando o ar próximo a sua cabeça a deixou espantada por um milésimo de segundo, mas sabendo que ficaria com o corpo estirado ali caso não atacasse, Hunter empunhou o chicote, estalando-o na direção do braço da criatura, com o intuito de o prender. Era uma forma básica de imobilização, e tentou deixar de lado a vontade de envolver o pescoço da criatura com o couro negro. Não era sua arma preferida, e talvez devesse ter pego mais facas, mas era o que tinha no momento, e precisava improvisar. ❝—— Incarcerous. ❞ Recitou o feitiço recém aprendido, torcendo para que funcionasse, e as raízes segurassem aquele ser no lugar. Ganharia tempo, fosse para fugir, ou atacar.
O sorriso orgulhoso despontou no canto direito do lábio de Hunter, ao notar que havia capturado o braço da criatura, contudo, arqueou uma das sobrancelhas em estranhamento por um instante, ao notar algo caindo ao seu lado. E então, o sorriso alargou-se, tornando quase macabro ao notar que a conjuração havia sido bem sucedida, os olhos brilhando ante a movimentação das raízes que aprisionavam a criatura. Tudo parecia ter melhorado desde que buscara a magia negra, abrindo mão do poder puro herdado de Gretel — aquilo não a salvaria naquele momento, salvaria? Puxou o chicote, para que o mesmo aplicasse pressão maior no braço do ser, a medida em que se aproximava, enrolando a outra ponta do couro no próprio braço. Os gritos da criatura a atordoavam, ao mesmo tempo em que causavam uma estranha satisfação. O prazer experimentado era fruto do uso impróprio da magia, mas não era como se Rosalie pudesse saber disso, enquanto continuava a diminuir a distância entre eles.
O questionamento que chegara a seus ouvidos, indagando o que era, possuía o mesmo timbre infantil e masculino de quando entrara na Floresta Encantada, no início daquela noite, e por um instante, ela parou no lugar, afrouxando a pressão aplicada no chicote — se a criatura fosse esperta, conseguiria se soltar. Surpresa era evidente em seu semblante, mas não levou muito para se recuperar. ❝—— Hoje só precisa saber que sou aquela que sobrevive. ❞ A voz era ácida quando direcionada a criatura, ignorando o tremor que a voz lhe causava, em decorrência de memórias despertadas. Era a mesma voz de Graham, quando criança. E por um instante, Rosalie cedeu, sem conseguir atacar. Parada, à frente daquele estranho ser, ela não observava os chifres longos que brilhavam, ou a estatura assustadora, seus olhos se fixavam na pedra amarela que parecia cintilar em seu peito. E não conseguiu fazer nada, se deixando a mercê.
Seu corpo não parecia mais responder aos estímulos primordiais de medo, não se defendia, e também, não reagiu com surpresa ao ter o pescoço agarrado. Tudo parecia correr em câmera lenta, seus olhos fixos na pedra dourada que parecia atrair tão fortemente suas íris, enquanto a pressão em seu pescoço a fazia fechar os olhos vagarosamente, só sendo capaz de observar a pedra, e nada mais, enquanto a visão escurecia. Mas não demorou para que seu corpo recobrasse o ar com uma lufada forte, a cabeça pendendo para o lado a tempo de ver o pequeno incêndio que se formava na mata. Independente do que aquela criatura era, parecia estar querendo os matar. Ela podia sentir os dedos longos passeando por sua pele e o nojo crescendo dentro de si, a sensação ganhando maior intensidade ao reconhecer traços humanos na criatura feita de breu.
A criatura transformava-se em Desmond diante de seus olhos, mas Rosalie estava tão esgotada, se questionando o porque de estar sonhando com ele, com ele possuindo aquela pedra, que ela simplesmente não conseguiu se mover, sendo capaz de sentir a umidade da relva abaixo de seu corpo inerte no solo. Nunca havia se dado bem com ele, sequer possuíam intimidade. O que aquele idiota estava fazendo em seus sonhos? Ela estava mesmo sonhando? Era capaz de compreender um total de zero coisas naquele momento. Observou ele livrar-se das raízes a medida em que se sentava, a vontade de recuperar o chicote e deixar que o mesmo resvalasse contra a pele alheia quase a consumindo por completo. Por isso, afundou os dedos na terra. Ela teria o respondido, se não desejasse perguntar a mesma coisa. Ou se não houvesse simplesmente se afastado.
Piscou os olhos calmamente, enquanto observava suas costas serem engolidas pelas sombras, e ele finalmente desapareceu de seu campo de visão. O que havia acontecido ali? Poderia não estar fisicamente ferida, ou muito ferida, mas seu cansaço psicológico era enorme. Ainda assim, as chamar requeriam de sua atenção, e Hunter estendeu uma das mãos na direção do fogo crepitante, recitando um encantamento enquanto via o elemento desaparecer. Aquilo requisitou certa energia que estava guardando, tendo recorrido à magia negra. Mas tudo estava bem, agora. E ela sorriu como se pudesse tudo, antes de cair em um buraco. Era o vazio. Não, não era o deserto, não era areia que tinha abaixo de seu corpo, eram cinzas. Cinzas de memórias queimadas, sentimentos queimados, ela queimada. 
Lágrimas escorreram e ela se deixou cair, derrotada, sendo coberta por aquilo. Tudo só se cessou quando ela despertou na manhã seguinte, encolhida na beira da floresta, com as roupas aos frangalhos, uma forte dor de cabeça, e a sensação de que estava perdida.
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ricardofonseca · 5 years ago
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A arte nada Santa de mentir
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Ilustração by Enrico Mazzanti,O primeiro ilustrador(1883),das Aventuras de Pinóquio. 
Dizem que tudo começou quando o homem descobriu o neocórtex  - parte do cérebro envolvida com atividades sofisticadas como linguagem e consciência – porque o processo da mentira, Pasmem! parece simples para alguns que a praticam por esporte, na verdade é bem mais sofisticado do que outros pensam.
O cérebro humano é programado para dar normalmente a resposta rápida que é a verdadeira, o mentiroso precisa eliminar a informação correta, para  buscar  no seu banco de dados neural outra mais plausível possível.
De acordo com estudos recentes, a mentira é um comportamento aprendido na infância e repetido com o intuito de escapar de uma punição ou de obter alguma recompensa.  Já na vida adulta  ela muda de figura, a principal função é tornar as interações mais fáceis e evitar constantes discórdias.
Existem 5 mentirosos muito famosos que muitos desconhecem a má fama:
Heródoto (Século 5 A.C), Foi pioneiro na utilização da narrativa histórica, usada para descrever batalhas entre gregos e persas – tudo que você vê no filme 300, por exemplo, veio dele. Seu maior pecado foi se basear em relatos pouco críveis, sem apurar as informações. Seus livros têm cobras voadoras, homens com cabeça de cachorro e gente com olhos no peito, entre outras bizarrices.
Pedro (Século 1 D.C), Se a Igreja Católica perdura até hoje, muito se deve ao trabalho do apóstolo Pedro. Ele foi um dos maiores pregadores da religião Cristã e se tornou o primeiro Papa. Entretanto, ficou marcado por cometer um grave perjúrio. Após Jesus ter sido preso, Pedro negou publicamente por três vezes ser um dos apóstolos e até mesmo conhecer o seu mestre.
Galileu Galilei (1633), Um dos maiores expoentes da Revolução Científica, precisou mentir para escapar da condenação à morte. Isso porque a Santa Inquisição considerou uma heresia sua teoria de que os planetas giram em torno do Sol e a Terra não é o centro do Universo. Após refutar sua própria tese, a pena foi abrandada para retratação pública e prisão domiciliar.
Richard Nixon (1974), O ex-presidente dos EUA negou por anos seu envolvimento com a invasão do comitê democrata no Complexo Watergate, maior escândalo político da história do País. Após ser acusado de obstrução à Justiça, abuso de poder e desacato ao Congresso, Nixon renunciou para não sofrer impeachment. A confissão da mentira só ocorreu em 1977.
Flávio Dino (tempos atuais), o governador do Maranhão foi eleito com o manto do discurso de mudança contra tudo aquilo que ele diz que existiu de ruim na política de 50 anos do “Sarneyzismo” no estado. Balela! Eleito em 2014, o ex-Juiz federal  conseguiu a duras penas e com a força caneta mágica da máquina administrativa se manter no cargo, sendo reeleito em 2018 para o segundo mandato que vai até 2022. Sua principal mentira é atribuir na cara dura, obras e recursos federais como sendo de sua administração.
Para outros autores na literatura mundial, existem mais alguns mentirosos famosos. São eles:
Víctor Lustig (1925), Um  famoso golpista do início do século XX, que ficou mundialmente conhecido por ser o homem que vendeu a torre Eiffel duas vezes. A primeira 'venda' da torre foi feita para Andre Poisson, um membro da máfia. Quando ele descobriu o golpe, ficou tão envergonhado que não quis denunciá-lo para a polícia. Lustig fez outra vítima que diferente da primeira, denunciou o vigarista para a polícia que não  o encontrou. Ele foi preso em 1935 e morreu de pneumonia em 1947 na prisão de Alcatraz nos EUA.
Frank Abagnale, Sua história de vida serviu de inspiração para o filme "Prenda-me se for capaz" e seu primeiro golpe foi fazendo cheques sem fundo. Fraudou cheques em diversos bancos diferentes. Por um período de dois anos ele se disfarçou como o piloto da companhia aérea Pan Am "Frank Williams" para obter voos de graça pelo mundo. Em seguida fingiu-se ser um pediatra em um hospital do estado da Geórgia com o nome de "Frank Conners".
Em cinco anos, Abagnale trabalhou sob 8 identidades, além de ter usado muitas outras para fraudar cheques, cujo volume de prejuízos passou de US$2,5 milhões em 26 países. Depois foi sentenciado a 12 anos de prisão em uma penitenciária federal por várias modalidades de fraude e falsidade ideológica. A partir de 1974 fundou a Abagnale & Associates onde adverte o mundo dos negócios sobre fraudes e organiza palestras e aulas pelo mundo. Ele é agora um multimilionário através de sua empresa de consultoria de fraudes e prevenção situada em Tulsa, Oklahoma.
Christophe Rocancourt, o Rockefeller francês.  Não assassinou ninguém, não é terrorista nem ladrão de banco, mas já esteve na lista de mais procurados pela polícia americana. Seu crime? Passar a perna em gente da alta roda de Nova York e Los Angeles.
Ferdinand Demara, o grande impostor. Um impostor que utilizou diversas identidades falsas para aplicar golpes. Ele utilizava os nomes de seus companheiros marinheiros para forjar 'novas vidas'. Quando descobriam a farsa, ele 'se matava' e começava uma nova carreira. Em suas vidas ele foi engenheiro civil, delegado, médico, advogado, professor, monge beneditino, editor, pesquisador do câncer e maestro. Nunca aplicou golpes para conseguir dinheiro, só aproveitava o status temporário. Eles chegou a ser preso por falsidade ideológica por 18 meses.
Poderia citar outros tantos e tantos, mas o texto ficaria tão chato quanto essa Pandemia de Coronavírus, que  não podia ser diferente de imensa fonte de inspiração para centenas de milhares de fakes news e mentirosos contumazes pelo Brasil afora.
As peripécias nada fabulosas dos mentirosos tupiniquins  fariam de Karl Friedrich Hieronymus von Münchhausen, ou simplesmente Barão de Münchhausen, parecer uma simples criança mimada e criada por vó. O que dizer do clássico boneco Pinóquio da obra de Carlo Collodi (Florença 1881)? Esse até choraria de emoção por não estar sozinho nessa.  
Todos sabem que uma mentira bem empregada as vezes até salva vidas, principalmente em relação a exames e diagnósticos ruins. Quem nunca mentiu nessa vida, que dê o primeiro sorriso ao ler isto, mas existem as mentiras boas e as más. De fato, quem mente por esporte, está tão acostumado a distorcer a verdade, que quando é pego em sua própria mentira, faz cara de paisagem e finge que não é com ele.
Pelo bem ou pelo mal, o melhor a fazer principalmente nessa Semana Santa é falar a verdade.  Como diria Humberto Eco: “Nem todas as verdades são para todos os ouvidos”. Ou até Galileu e Galilei: “A verdade é filha do tempo e não da autoridade”.  
 Ricardo Fonseca - é Jornalista, Publicitário e Editor do Blog Propagando. 
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burnbookofkrp · 3 years ago
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o mais triste é ver que a falta de noção e pesquisa não para da manyeo: outrx pega novels da cultura chinesa, com elementos culturais e religiosos chineses, UM GENERO CHINES, com liberdades criativas tomadas por pessoas chinesas e me faz passar na coreia.. deus o bom senso ficou onde? "não passa na coreia" pena q a cidade que passa tem nome coreano e elementos coreanos (tb mal feitos). qnd essa gnt vai aprender a ler história, política e parar de meter o nariz no q não sabe o google tá aí gente
Bom dia, bunny. Chá?
Que fique claro que não sei sobre qual comunidade está falando, então, darei meu pitaco de forma geral sobre o assunto.
Tá aí, eu concordo com você que muita gente ainda faz muita coisa sem pesquisar, acaba desrespeitando uma etnia e cultura por inteiro (às vezes várias numa tacada só) e o argumento sempre é algo do tipo "calma, pessoal, é só rpg" ou qualquer outra desculpa e explicação em forma de fanfic.
O meu conselho é que vocês passem reto nesse tipo de plot, ou enviem asks com críticas construtivas na promo ou na central. Se a administração for do tipo cabeça dura, só deixa no esquecimento e finge que nunca existiu. Embora seja meio difícil fingir, porque a gente se depara com essas situações o tempo todo.
Lembrando que o continente asiático não é apenas cn-kr-jp e que, embora esses países possuam uma maior popularidade no ocidente, eles são bem diferentes entre si e possuem toda uma problemática em níveis históricos. Eu não tenho local de fala no que diz respeito ao cultural, mas tem coisa que até pra quem é de fora e tem um pouco de noção ou sabe um mínimo, é vergonhoso e chega até na beirola do anti-ético.
No mais, sobre aprofundamentos em questões étnicas e culturais, recomendo a @nikotalks.
Tomem cuidado, juvenis.
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