#blankmind words iii
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mayura-chanz · 3 months ago
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Kagerou Daze VII — from the darkness — Shissou Word III
Tradução feita a partir da tradução em inglês da Yen Press.
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Antes de eu nascer, minha mãe era o tipo de pessoa que você poderia construir uma relação instantânea. Ela tendia a cuidar melhor de sua aparência do que muitas pessoas, o que acho que ajudou, mas ela simplesmente tinha o sorriso mais caloroso que já se viu. Acho que isso atraiu mais pessoas para ela do que qualquer outra coisa.
Eu não conseguia nem imaginar como era difícil para ela manter uma família sozinha, mas, do meu ponto de vista, pelo menos, nunca a tinha visto brigar ou reclamar de nada que fizesse na vida. Ela era todos sorrisos, entusiasmando-se em viajar como uma criança: era muito animada, o tempo todo.
Tenho certeza que todos devem ter amado minha mãe. Muitos deles choravam lágrimas grandes e redondas quando passaram pelo caixão dela durante a cerimônia.
A tarde daquele dia marcou a primeira vez na vida que vi meu pai. Todos estavam chorando ao seu redor, mas ele não derramou uma única lágrima. Ele só se importava com o horário. Ainda me lembro de como foi uma visão bizarra.
De acordo com o que ouvi dos amigos da minha mãe, meu pai já tinha uma família quando a conheceu. Ele nem sabia que eu nasci até depois a morte da minha mãe. Como resultado, muitas pessoas foram contra ele me acolher, mas uma coisa de que ninguém podia reclamar era da quantia de dinheiro na conta bancária do meu pai, e então, eu me peguei dormindo neste quarto na noite do funeral, desabando na cama enquanto observava o lustre acima.
Eu não fazia ideia no que meu pai estava pensando ao me trazer aqui. Os criados que trabalhavam aqui ainda davam de ombros e a esposa do meu pai, acho que agora minha mãe, ainda tinha que conhecer ou conversar com ela.
Minha irmã, Rin, disse que ela sempre foi o tipo de mulher que fica no quarto a maior parte do dia, mas ela só estava sendo legal comigo. Não contei para ela, mas um dos criados me disse uma vez que “a saúde da dona da casa piorou, em grande parte por sua causa” e que eu deveria “cuidar da minha vida”.
Essa foi a resposta que eu tive quando fiz um pequeno pedido. Isso me surpreendeu. Não foi como se eu tivesse ido lá porque quis. E aquela linguagem estranhamente educada “dona da casa”. Fazia minha pele coçar toda vez. Por que toda a conversa tinha que ser um jogo de inteligência de alta pressão?
Estava claro que as pessoas da casa não estavam exatamente gostando de mim.
Era julho, já fazia mais de meio ano desde que me mudei. Minhas tarefas diárias envolviam principalmente a leitura dos livros que peguei emprestado da minha irmã, fora isso, era uma vida bastante ociosa. Nada para fazer, nenhuma responsabilidade. Disseram que eu poderia usar a TV da sala sempre que quisesse, mas a ideia de encontrar um criado ali acabou com essa ideia.
Então lá estava eu, descansando a cabeça em uma escrivaninha (uma peça de segunda mão do meu pai) perdendo tempo. O sol da tarde deve ter entrado em meus olhos, porque fui tomado por uma vontade repentina de mexer um pouco as pernas. Nunca gostei muito de brincar ao ar livre e dificilmente era ativa. Mas com todas essas horas enfurnada, eu precisava liberar minha energia extra de alguma forma.
Usei os joelhos para empurrar a pesada cadeira velha para trás e fui direto para a porta. Não que eu fosse sair correndo e jogar futebol no parque. Por um lado, eu realmente não conhecia a vizinhança local, e por outro, geralmente era proibido sair sem permissão, acho que as pessoas aqui não gostavam muito que eu saísse. Da mesma forma, eles me compravam praticamente tudo que eu pedia, e não era como se eu tivesse tarefas para fazer fora de casa, então não via isso como uma grande dificuldade.
Quero dizer, se eu perguntasse a eles, tenho certeza que teriam me deixado sair um pouco. Mas encontrar um criado, por si só, era uma experiência terrível e sombria. Eu nunca poderia contar com eles para levantar meu ânimo.
Além disso, em primeiro lugar, não havia nenhuma razão para ir ao parque. Não demorei muito para pensar em algum lugar aqui com bastante espaço para jogar futebol. O pátio da mansão Kido. Era assim que era de tão grande. Eu estava pronta para ir, meu coração acelerou quando troquei os chinelos pelos sapatos de atividades ao ar livre, e fui direto para o lugar, deixando meu quarto para trás.
O pátio à tarde estava, como sempre, tranquilo. A mansão cercava-o nos quatro lados, então para dizer no mínimo, era enorme. Eu conheço o layout geral agora, mas quando apareci pela primeira vez, meti-me em todo tipo de problema depois de ficar irremediavelmente perdida.
Como Rin disse, meu pai trabalhava para um “conglomerado”, algo muito antigo e honrado que funcionava desde a geração de nosso bisavô. “Meu avô construiu esta mansão há sessenta anos”, lembro-me dela contar com o nariz empinado. Era difícil imaginar quanto tempo eram sessenta anos, mas a julgar por todos os móveis que ladeavam os corredores pelos quais havia avançado, eu poderia dizer que era muito tempo, mais ou menos.
Correndo até a beira do corredor do andar de cima, instintivamente acenei com a cabeça para o retrato do meu avô pendurado na parede enquanto descia as escadas. No primeiro andar, fui recebida por um carpete vermelho vinho, vermelho o suficiente para me dar azia, estendendo-se por toda a extensão do corredor.
Percebi que comecei a ficar um pouco cansada. Eu estava indo para o pátio fazer algum exercício e já estava ficando sem fôlego?
Mas eu estava quase onde queria ir. Por que você não corre o resto do caminho, Tsubomi Kido?
Vamos correr, pensei, enquanto flexionava meu Aquiles. Então, do outro lado do corredor antes silencioso, uma melodia começou a ecoar. Não havia um ar natural. Era delicado e cuidadoso, mas algo na viscosidade de cada tom parecia familiar.
— ...Um violino?
Como se estivesse atraída, dei passo após passo cuidadosamente em direção ao som. Felizmente, para mim, parecia vir do pátio. Quando cheguei lá, a porta que dava para fora já estava aberta—não é de admirar que eu tivesse ouvido a música de tão longe.
De perto, era mais do que apenas agradável ao ouvido, era praticamente vívido. O som de um instrumento tocando ao vivo era mais do que apenas “bonito” ou “legal”; havia uma sensação única de vibração, de distorção, de notas estranhas ocasionais, tudo misturado para formar um verdadeiro timbre de áudio pela primeira vez. Nunca entendi a atração por coisas como músicas e vocais, mas a melodia de um instrumento sempre conquistou meu coração.
Quando eu estava prestes a enfiar a cabeça com curiosidade, de repente, me contive. Se eu aparecesse naquele momento, poderia interromper a apresentação. Não, não seria bom estragar as coisas. Vamos ouvir aqui mais um pouco, pensei comigo mesma.
Encostei as costas na parede e me abaixei com cuidado, tentando ficar em silêncio. Então fechei os olhos, voltei os ouvidos para a melodia e me vi imaginando o que aconteceria se eu adormecesse ali no chão, mas a brisa seca de verão vinda do pátio fez com que minha consciência se esvaísse sem lutar.
...Eu não tinha certeza de quanto tempo havia passado. Só senti que dormi por um breve momento, mas quando acordei tudo havia mudado.
O som do violino desapareceu; o vento soprando havia cessado. Estranho, pensei enquanto abria os olhos, apenas para descobrir que Rin me lançava um olhar taciturno.
— ...Isso não são bons modos, Tsubomi.
— Agh...!
Surpresa, tentei me levantar no mesmo lugar. Mas fui rápida demais: minha mão escorregou do chão, fazendo-me cair. Levantei-me sem sequer gemer e desta vez usei as duas mãos para me levantar. Enquanto me revistava, olhei para minha irmã. O olhar taciturno era agora de exasperação.
Não de novo. Eu não acredito que fiz de novo. Quando se trata de cometer erros descuidados por aqui, devo ser algum tipo de gênio.
Abri a boca para respirar. Num momento como este, eu sabia que precisava me acalmar e expressar exatamente o que queria dizer.
— E-eu acabei dormindo... Desculpe.
As palavras que surgiram tiveram um trabalho muito mais fácil de encontrar o caminho do que antes.
— Mmm. Bem, tente não fazer isso na próxima vez.
Minha irmã acenou com a cabeça. Ela não disse mais nada.
Nos últimos meses, acho que consegui falar muito mais do que antes. Ainda não parecia natural, mas em termos de comunicar como eu me sentia, eu poderia fazer isso com praticamente qualquer pessoa. Atribuí isso ao fato de minha irmã fazer um esforço heroico para falar comigo diariamente.
Claro, eu ainda cometi muitos erros. Dependendo da natureza dos meus erros, eu poderia ser repreendida muito severamente. Mas Rin nunca tirou vantagem disso para pegar no meu pé sem motivo, nunca. E isso me fez confiar nela mais do que em qualquer outra pessoa na mansão.
— Por que você estava dormindo em um lugar como esse, afinal? — Minha irmã levantou uma sobrancelha. — Sua cama provavelmente seria muito mais confortável.
Não era como se eu tivesse adormecido porque o chão do corredor era a epítome do conforto luxuoso. Abri a boca para me defender.
— E-eu estava ouvindo o violino tocar e eu... acabei...
— Violino? Eu não ouvi nada do meu quarto... Quem estava tocando?
Eu tive que me segurar para não me sobressaltar audivelmente. Pensei que fosse ela, não conseguia imaginar mais ninguém. Então não era? Fiquei tão envolvida pelo som que nem me dei ao trabalho de verificar.
— Eu só ouvi o som, então... hum, acho que não vi ninguém.
— Bem, não há motivo para se desculpar. Está tudo bem. Mas um violino de tudo... Eu acho que não tem ninguém que saiba tocar.
— ...Hã?
Eu não consegui me segurar dessa vez. Se fosse alguém cantando, isso já seria um nível baixo, mas um violino não era algo que qualquer um conseguisse. Claro, eu não saberia, mas Rin, uma membro dessa família, também estava no escuro?
— Hmm... Pode ser aquilo de novo.
Minha irmã cruzou os braços e me encarou, quase como se exigindo uma resposta.
— ...“Aquilo”? — Respondi.
— Aah, eu não te contei antes, Tsubomi?
Ela estava se achando outra vez, usando sua voz baixa. Comecei a ter um mau pressentimento, mas eu precisava saber para onde ele estava indo. Fiquei um pouco inquieta.
— Bem, eu já te falei sobre isso, não? — Agora ela fala como se estivesse atuando em uma peça. — Sobre a origem dessa mansão?
Isso eu sabia. Toda essa coisa de sessenta anos. Eu acenei afirmativamente para ela.
— Ah, bem, o Japão era um lugar bem instável para se viver naquela época, mas mesmo assim construímos uma mansão gigante aqui, então... digamos que meu avô se destacou bastante. Ladrões entraram aqui mais de uma vez, procurando por objetos de valor.
Imaginei o homem em minha mente. Eu só o tinha visto naquele retrato. Quanto aos ladrões, tudo que conseguia imaginar eram piratas de camisas listradas e máscaras pretas nos olhos como os que eu tinha visto em programas infantis.
— Esses roubos aconteciam com tanta frequência, que na verdade deixavam meu avô bem desesperado. Então, um dia, ele finalmente surtou. Alguns ladrões tentaram entrar aqui e ele os prendeu dentro de um porão, bem aqui nesta mansão, bem, na metade do caminho em que estamos, na verdade.
Rin bateu no chão com os dedos dos pés para provar seu ponto. Imaginei os piratas de rosto redondo berrando dentro de uma cela de masmorra medieval. Ela apontando o local, o que me fez dar alguns passos para trás.
— M-mas isso é tudo passado, né?
Era assustador até mesmo pensar em algo assim acontecendo aqui. Minha irmã mordeu a isca.
— Aah, eu não sei. Ouvi falar que ele prendeu aqueles ladrões lá dentro, mas nunca ouvi nada sobre ele deixá-los sair! E mesmo se eu quisesse descobrir, a chave do porão está desaparecida desde a época do meu avô.
Ela nunca ouviu nada de que eles foram soltos. O que significava que eles ainda estavam lá? Não havia como alguém sobreviver por mais de sessenta anos em uma cela sem comida. Eles teriam que estar...
*
... Espere aí. Isso não é só uma história de terror?
— Uh, umm...!
— Hmm? — Os lábios de Rin se curvaram um pouco.
— Hum, e-essa não—? Essa não é... uma boa história, né...?
— Ah, você não acha? Ah, está tudo bem agora e tal, não acha? Por que não te conto o resto?
— N-não, não, é quase hora do jantar, então nós provavelmente devíamos...
Fiquei desesperada. Eu nem mesmo tinha olhado um relógio e cá estava eu trazendo o jantar aqui no meio. Mas o que me importava? Eu tinha que pará-la, imediatamente.
— Ai ai, mas essa história me deixou tão empolgada! Está começando a ficar divertido também, então espero que você queira ouvir mais...
Meus lábios tremiam. Os dela, por outro lado, sorriam, mal contendo o riso. Alguém estava gostando disso. Tanto para me provocar sem motivo. E eu tinha acreditado nela.
Eu não consigo suportar isso. Histórias de terror era a única coisa que não conseguia tolerar. Não era uma questão de ficar acordada até tarde na noite—para alguém como eu, eu nem conseguiria dormir no dia seguinte.
Se eu ouvisse o fim desse conto, estaria tudo acabado para mim. Eu não queria ser atormentada por sonhos com criminosos esta noite e todas as noites posteriores. De jeito nenhum. Eu estava pronta para implorar por misericórdia.
Rin riu—gargalhou, na verdade—com esse ato da minha parte antes de acariciar minha cabeça. — Ai, você é uma menina tão fofa, — ela se maravilhou. — Desculpe. Eu só estava brincando. Mas com certeza ajudou você a acordar do seu cochilo, né?
Um pouquinho, sim. Na verdade, é bem provável que eu nunca mais durma pelo resto da minha vida. Muito obrigada, mana. E o pior de tudo é que, apesar da risada maliciosa dela, eu não via isso como uma falha de personalidade. Depois de uma piada dessas, ficaria tudo estranho se eu fizesse disso um grande problema. Mas eu falei uma coisa:
— Quando ouço uma história de terror, não consigo dormir sozinha à noite...
Se ela começasse a contar histórias como essa todos os dias, no fim, eu acabaria fugindo de casa logo. Fui recompensada com outro carinho na cabeça.
— ... Mas, falando sério, — disse minha irmã, — quem poderia ser? Acho que não seja um fantasma ou algo do tipo, mas...
— E-eu ouvi mesmo alguém tocando. Pode ter sido a TV ou algo assim, talvez...
Se minha irmã insistia que ninguém aqui sabia tocar, então era assim. Era difícil imaginar alguém invadindo o pátio de alguém só para praticar violino. Parecia natural supor que alguém estava tocando uma gravação ou algo assim, e eu confundi com a coisa real. Talvez o som estivesse ecoando no pátio vindo do quarto de alguém. Eu ainda sentia um gosto ruim na boca, mas contanto que eliminasse a teoria do “violinista fantasmagórico”, não me importei.
Minha irmã parecia igualmente não convencida, mas descruzou os braços, aparentemente não vendo sentido em discutir: — Bem, — ela raciocinou com um ar arrogante, — talvez um dos criados estivesse tocando. Enfim, está quase na hora do jantar, como você disse. Vou voltar para o meu quarto.
Torci o nariz. Havia um cheiro de algo levemente perfumado no corredor. Eu só estava tentando mudar de assunto, mas acho que meu relógio interno não tinha falhado comigo, afinal.
Então decidi voltar para o meu próprio quarto também. Eu tinha saído para fazer exercícios, para acabar só tirando um cochilo no chão. Soltei um suspiro no momento em que a porta se fechou atrás de mim. Toda vez que eu tentava fazer alguma coisa, nunca parecia dar certo. Eu não tinha ideia do porquê.
Minhas pernas me levaram para a cama. Deitei-me nela, seguindo os veios da madeira nas colunas que sustentavam o dossel enquanto eu considerava aquele violino.
Rindo disso como se meus ouvidos estivessem me enganando, pensei, provavelmente estava sendo muito precipitada. Era um som claro e vívido que flutuava em meus ouvidos. Eu realmente não achava que poderia ser nada além de uma apresentação ao vivo.
De repente, lembrei-me de uma época em que minha mãe me levou para ver uma banda de jazz. Ainda conseguia me lembrar do momento em que eles começaram a tocar, a energia ao vivo surgindo em forma de som, misturada ao barulho da multidão. Era um sentimento que envolvia o ambiente e todos nele, algo que nenhuma gravação poderia capturar. O que eu tinha acabado de ouvir tinha a mesma sensação.
Mas se Rin estivesse dizendo a verdade, não deveria haver ninguém nesta casa que soubesse tocar violino em primeiro lugar. Ela disse que era possível que um dos criados tivesse uma inclinação musical, mas mesmo que tivesse, ele ou ela estaria tocando no pátio da mansão no meio da tarde?
Talvez foi alguém de fora da mansão. Alguém que estava preso aqui, sessenta anos atrás...
— ...N- não! Não, isso não é verdade!
Pulei da cama e balancei a cabeça de um lado para o outro. Não tinha ideia do que meu cérebro estava fazendo. Por que eu estava tentando me forçar?
Eu estava errada sobre o que escutei. É só isso. Eu estava começando a me sentir impotente quando acendi a luz, embora o sol ainda não tivesse se posto completamente. Ainda assim, andei pelo quarto enquanto esperava pelo jantar.
Depois de um tempo, houve uma batida na porta. — Sim? — Eu disse.
Minha irmã espiou pela fresta: — Acho que estamos prontos para jantar... Nossa, você ainda está assustada? — Eu não tinha ideia de como ela sabia.
— N-não, n-na verdade não...
Tentei fingir. A maneira como eu mantive meu nariz apontado diretamente para o chão provou ser minha ruína.
A sala de jantar do segundo andar para onde minha irmã me levou já estava ocupada pelo meu pai, que estava sentado lendo o jornal. Ele disse um “Oi” em resposta à saudação abafada dela, mas o olhar em seu rosto não mudou nem um pouco. Ele nunca foi muito diplomático, na verdade, ele era totalmente hostil com as pessoas. Tudo bem, desde que ele tivesse algo a dizer para compensar, mas meu pai nem isso tinha. Basicamente, não havia como descobrir o que ele estava pensando.
Minha irmã e eu esperamos silenciosamente o jantar chegar enquanto os olhos do meu pai permaneciam nas manchetes dos jornais. Sempre foi uma das coisas mais difíceis de suportar ao viver aqui.
Depois de alguns minutos, a refeição chegou. O prato principal era uma espécie de carne grelhada; veio com brócolis cozido e cenouras cortadas em cubos em algum molho. Cenouras. Hmm...
Cenouras, né? Acho que vou ter que comê-las.
Assim que começamos a comer e de eu me preparar para travar uma batalha mortal com meus vegetais, minha irmã falou.
— Ei, a propósito, Tsubomi disse que ouviu alguém tocando violino no pátio. Mas ela não viu quem era... Você tem alguma ideia?
Eu congelei no lugar, um pedaço de cenoura ainda espetado no meu garfo levantado. Espera um pouco, mana. Você não precisava perguntar ao nosso pai sobre isso, precisa? Você sabe que ele só diria “Seus ouvidos devem ter te pregado uma peça, garota” ou algo assim. Na verdade, desde que cheguei lá, nunca vi meu pai ter qualquer tipo de reação palpável a nada.
— ...Você escuta música?
A pergunta repentina me surpreendeu. Acho que foi a primeira vez que ele me fez uma pergunta. Olhei para minha irmã pedindo ajuda, mas seu rosto estava tão inexpressivo quanto ela—deve ter sido uma visão rara e inédita de se testemunhar para ela também.
Eu tinha que responder, ou então quem sabia o que aconteceria. Eu reuni minha força mental.
— Eu, hum, só um pouquinho.
— Você escuta...? — Meu pai, disse, estreitando os olhos antes de se virar para a carne em seu prato. — ...Ela também ouvia muito, sempre que podia.
Antes que pudesse compreender o que ele queria dizer, ouvi um clack! agudo vindo do assento da minha irmã. Olhei para ela. A faca que ela usava estava agora na mesa; deve ter batido em um prato no caminho. Ela era muito rigorosa com etiqueta, então essa era naturalmente a primeira vez. Parecia que ela também não sabia o que tinha acontecido, mas assim que recobrou os sentidos, ela deixou escapar um “Desculpe por isso” e baixou os olhos.
Ele devia estar falando da minha mãe. Minha mãe biológica. Eu não conseguia imaginar o que mais poderia provocar essa reação perturbada. E por que não? Falar de uma mulher que traiu nós dois, de certa forma, é uma afronta muito séria.
Fiquei me perguntando por que ele tocou no assunto. Não consegui ler nada em seus olhos frios e indiferentes.
Mas... sim. Acho que foi esse o caso. Minha irmã ainda devia estar em estado de choque por minha mãe e por mim. Ela estava escondendo isso o tempo todo enquanto interagia comigo. Talvez ela não tenha nenhum sentimento bom em relação a mim. Não seria nem um pouco estranho se ela achasse que o mundo seria melhor sem mim.
Afinal, simplesmente me ter por perto significava que tudo, tudo mesmo, era verdade. Se eu não estivesse aqui, talvez ela pudesse ter se convencido de que era tudo mentira.
Pensar nisso fez minha mão começar a tremer. Eu me senti enjoada. Um pequeno gemido escapou dos meus lábios.
— Tsu-Tsubomi?
O tom preocupado da minha irmã fez algo explodir dentro de mim. Eu disparei e saí correndo dali. Pude ouvir algo quebrando com um som alto atrás de mim; devo ter derrubado alguns talheres. Mas não me virei. Corri pelo corredor, desci as escadas e fui em direção à porta da frente.
Empurrei a pesada porta e corri para fora, pude ver a sombra do portão da frente iluminada fracamente por um poste de luz próximo. Se eu fosse escapar desses terrenos murados da mansão, teria que ser por ali.
Corri e forcei a barra que atravessava as portas. Ela estava trancada no lugar, imóvel. Olhei para cima para ver se era possível escalar, mas a altura era algo que eu jamais conseguiria lidar.
Claro, mesmo que eu pudesse escalar, o que eu faria então? Se eu fosse embora nesse estado estranho, eles poderiam tentar me procurar. E como isso afetaria minha irmã...?
...Não. Eu não posso simplesmente fugir.
No momento em que esse pensamento passou pela minha cabeça, não consegui mais suportar a náusea. Caí no chão. Tentei me recompor, mas até respirar estava se mostrando um desafio. Minha visão começou a ficar turva, e o interior da minha cabeça queimava de dor.
O pavimento de pedra fria sob minhas palmas começou a roubar o calor do meu corpo. Parecia que eu estava sendo engolida pela escuridão da noite. E, ah, se isso pudesse realmente acontecer. Se eu não tivesse um lugar para morar, nenhum lugar para ir, eu não podia imaginar o quão fácil teria sido simplesmente desaparecer naquele momento.
Sim. Isso mesmo. Eu deveria simplesmente desaparecer. Então eu não seria um incômodo para ninguém.
Mesmo agora, no auge do verão, o vento leve não conseguiu aquecer minha pele. Eu sempre poderia culpar meu tremor por conta disso. Isso era fácil.
Mas se eu quisesse desaparecer... eu poderia fazer isso sozinha. Eu sabia o quão simples é. Na verdade, eu percebi isso tarde demais, se é que percebi alguma coisa. Eu só tenho que ficar assim, e...
De repente, senti algo pesado nas minhas costas. Percebi que eram as mãos da minha irmã, tentando me puxar para cima. Fiquei tensa.
— M-me solta.
— Não. Eu não vou te soltar. Onde você acha que vai a essa hora? ...Fala sério. Vamos voltar para o seu quarto.
Não havia a firmeza habitual em sua voz. Sua respiração estava irregular. Eu sabia que ela devia ter corrido atrás de mim. Mas eu simplesmente não consegui dar a resposta de sempre.
— N-não. Por que você não pode só me deixar em paz?
— Não posso fazer isso. Eu sou sua irmã. Por que eu não ficaria preocupada com você?
Sua irmã. Aos olhos da lei, de qualquer forma, ela estava certa. Mas a história por trás de nós era simples o suficiente para resumir em uma única palavra. O pai dela arruinou a confiança da filha quando me criou. Ele era realmente capaz de usar uma palavra como “irmã” tão despreocupadamente sobre mim?
Eu não sei. Eu estava tão assustada. Eu violentamente tirei as mãos de Rin e me virei para ela.
— Mas se...se eu estou aqui, então...é difícil para você, não é? Você vai continuar pensando em coisas! Eu...eu...eu sou a filha da minha mãe!
As palavras e lágrimas saíram como se eu estivesse tossindo cada uma delas. O rosto da minha irmã, borrado na minha visão, parecia meio assustado, meio inseguro sobre o que fazer em seguida.
Por que eu tive que me levantar e dizer coisas para fazê-la me odiar? Essa deveria ser a única coisa que mais me assustava.
...Mas talvez não.
Talvez eu estivesse com muito medo de ser traída por alguém em quem acreditava. É por isso que eu queria que me odiasse.
Era ridículo. Pisotear a gentileza da minha irmã por um motivo tão ridículo...eu era simplesmente horrível. Mas isso significava que ela não precisava mais se preocupar comigo. Não haveria nenhum carinho na cabeça se eu estivesse muito quente.
Era o que pensava, pelo menos. Do fundo do meu coração. Até que Rin me trouxe para mais perto.
— ...Quem se importa com quem te deu à luz? Você é a única irmã que eu tenho no mundo. Minha favorita.
Foi o que ouvi enquanto ela me apertava profundamente em seu peito. A ansiedade e o medo silenciosamente foram para longe, transformando minha cabeça em um branco vazio, nada mais flutuando nela.
Tentei abrir minha boca para expressar meus sentimentos. Queria dizer “estou muito feliz” ou algo assim, mas nenhuma das emoções apressadas se permitiu ser colocada em palavras. Tudo o que consegui foi um soluço fraco.
Eu continuei assim por um tempo. Então levantei a cabeça, percebendo que as lágrimas, ou meu nariz escorrendo ou o que quer que fosse, estavam começando a manchar a blusa de Rin.
— Eu... eu vou estragar suas roupas, — disse, embora fosse um pouco tarde demais para avisá-la. Minha irmã olhou fixamente para mim por um momento, então rapidamente recuperou seu sorriso suave e trouxe minha cabeça para seu peito.
— Ah, não importa.
O cheiro do cabelo dela entrou em minhas narinas. Cheirava a orquídeas, pensei. Pálido, bonito, digno. Combinava perfeitamente com ela.
*
Não pude deixar de me maravilhar com isso. Quão linda, quão forte e quão gentil minha irmã, Rin Kido, era. Será que algum dia serei assim? Alguém tão disposta a aceitar os outros e gentilmente trazê-los para mais perto de seu coração?
O vento frio da noite agora parecia agradável contra minhas bochechas coradas. Aproveitando o calor da minha irmã, mantive suas mãos perto até que as lágrimas parassem.
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