1 • Trauma
KAYRA
Poderia dizer que tudo começou quando minha filha nasceu, mas seria errado, porque tudo começou no colegial, apesar de uma criança te acordar e te fazer perceber que a vida é mais que festas e bebidas.
Conheci o Justin quanto tinha só dez anos, estudamos juntos, na mesma turma, sempre, nos formamos no fundamental, e um dia, ele me convidou para ir ao baile com ele, no primeiro ano do ensino médio.
Primeiro, era somente sobre ele ser meu melhor amigo, morava quase ao lado da minha casa, nos conhecíamos desde muito novos, mas algo mudou no nosso último ano.
Namoramos, nossos pais adoravam, porque já o conheciam e não foi o maior dos problemas. Foram cinco anos, desde os meus dezesseis anos pensando que o amor da minha vida sempre esteve ao meu lado.
Só que um dia, eu e ele nos acordamos do sonho.
Percebemos que, talvez, como casal não funcionava, somente como amigos, chegamos a um acordo, nenhum saiu triste, foi uma decisão dos dois, e ele continuava morando perto, cinco minutos da minha casa, talvez nem isso.
Ele continuou indo conversar comigo, íamos ao mercado juntos, naquele tempo, de quase cinco meses separados, me contou sobre uma outra garota, e eu contei sobre estar tentando também, e era tão...normal?
Não me sentia estranha tratando ele como um amigo, e ele parecia aliviado por me tratar como uma amiga também.
Até que a bomba estourou, e descobri que estava grávida de quatro meses, e pelo tempo, só podia ser de uma pessoa.
Fiquei com medo de contar, mas precisava ser feito, e tudo que ele disse foi: Tudo bem, vamos dar um jeito.
Meus pais ficaram bravos, disseram que não era saudável e super difícil criar uma criança sozinha.
Teoricamente era sozinha, apesar do Justin ter me ajudado muito. Ela morava comigo, então, eu precisava estar sempre correndo.
Jamais faria aquilo por ninguém, mas a diferença de ser sobre um filho seu, é que por mais difícil que seja, tudo se torna gratificante no final.
- Não deixa ela comer Nutella, sente dor de barriga depois.
- E sorvete? Ela pode? - Rolei os olhos.
- Só depois do almoço.
- Que chata...
- Estou falando sério, ela precisa saber que tem regras. - Cerrou os olhos.
- Vou respeitar, mas só porque é você. - Entreguei a bolsa para ele. - Ela volta na segunda a noite, certo? Eu te ligo caso algo aconteça, e...ela provavelmente vai querer falar com você.
- Não esquece que ela fala, se a sua namorada tratar ela mal, eu vou saber...
- Kay, se qualquer pessoa tratar a Bella mal, eu mesmo faço questão de expulsar do meu círculo social. - Sorri, satisfeita. - Inclusive, aonde ela foi?
- Oh, ela está dormindo. - Levantei do sofá. - Eu não quis acordar, mas se você...
- Não, pega ela, vou colocar as coisas no carro.
E a semana do pai começava, a parte boa de ter a guarda compartilhada era aquela, e por qual motivo? Faxina completa na casa, por mais horrível que fosse admitir.
Nem se mexeu quando a peguei no colo, o banho e a roupinha confortável provavelmente fez com que sentisse sono. Levei ela até o carro, a deixei na cadeirinha e beijei a testa dela, era sempre difícil, por mais que fosse com alguém confiável.
Ele me abraçou e beijou meu rosto, prometendo que ninguém ia tratar ela mal e que na segunda estaria de volta. Apenas assenti, sorrindo.
Suspirei, e disse ao meu próprio cérebro que tudo bem, a namorada do J não ia tratar a minha Bella mal, e que ela não precisava ser necessariamente a rainha má dos contos de fada.
- Ela foi com o pai hoje?
Lorence, a minha vizinha, uma senhora de sessenta e poucos anos, um pouquinho sem noção, fofoqueira e que sabia cozinhar muito bem. Me recebeu com uma fornada de biscoitos quando mudei para o bairro.
- É o fim de semana dele. - Falei simples, sem dar tanta informação.
- É uma pena. - Franzi o cenho. - Que sejam separados.
- Foi melhor para nós.
- Ele é um bom homem.
- Com toda certeza.
Sorri, e saí antes que começasse a falar mais. O elogio dela teria sido normal se não a conhecesse, sabia que acobertava o Justin e pensava que provavelmente eu era uma vagabunda que prendeu ele com um filho.
O que não chegava nem perto de uma meia verdade.
Sempre trabalhamos, os dois, e o consenso da separação chegou antes da notícia da gravidez, e desde que a Bella nasceu, expliquei tudo para ela, sobre o papai não morar com a mamãe, porque eles eram apenas amigos, e também tinha a terapia, nenhum de nós queria que ela ficasse confusa.
Peguei minha bolsa, liguei e fui em direção a maior festa da minha vida.
Mentira, era só o mercado.
Eu não evitava ir ao mercado com a bebê, mas era mais fácil e rápido sozinha, e visto que não tinha nada melhor para fazer, fui até lá.
Fazia uma lista típica no celular e comprava tudo que precisava, incluindo o cereal colorido dela e os biscoitos sortidos sabor chocolate e morango.
Fazer compras era sempre uma tarefa difícil para qualquer dona de casa, primeiro pelo tempo, o escritório que eu trabalha por meio período me fazia ter preguiça de qualquer coisa quando chegava em casa, e depois porque tudo custa uma fortuna, não só as compras do mês, mas manter uma casa era cansativo.
Sorri sozinha quando vi um pote de Nutella, ela não podia comer sempre, mas eu sim, então, cometeria o pecado de comprar e comer sozinha. Mães sempre têm seus segredos.
Deixei o carrinho no corredor e fui até o final, apenas para pegar uma embalagem de salgadinho, nem olhei para frente, e pelo visto, o outro ser humano também não.
Nossos ombros bateram fortemente e o barulho de algo caindo foi característico e até alto, e depois senti alguns respingos.
Até me dar por conta que duas caixas de leite estavam no chão, uma sobreviveu, a outra não.
- Merda. - Ele murmurou, em inglês.
Franzi o cenho na hora, estávamos em Quebec, no Canadá, era raro escutar inglês e não francês, apesar de não ser tão assustador encontrar alguém que falasse as duas línguas.
- Desculpa. - Falei no mesmo momento. - Eu...eu não te vi e...
- Ei! - O encarei, e ele só sorriu. - Não adianta chorar pelo leite derramado, não é?
Pelo visto falava as duas línguas, só mais um morador comum, e sorri aliviada quando ele riu, pegando a outra caixa do chão.
- Eu pago pelo leite, e pelo outro que você provavelmente vai repor no lugar desse...
- Não precisa, foi só uma caixa de leite. - Levantou, com a outra caixa na mão, a sobrevivente. - Duas caixas eram mesmo exagero.
- Mesmo assim, foi eu quem bati em você.
- E quem garante que não foi eu? - Levantou as sobrancelhas. - Harry, a propósito. - Estendeu a mão.
- Kay. - Ele sorriu, e apertei a mão. - Bom, ainda acho que foi eu...
- Mas acho que foi eu. - Cerrou os olhos. - Não gosto muito de perder, acho que seria bem importante dar uma olhada nas câmeras...
- Seria muito exagerado? - Pensou por momentos.
- É, talvez.
Rimos baixo, e ele encarou a caixa de leite na mão dele, enquanto eu encarei meu pacote de salgadinhos, dando uma olhadinha no semblante animado de alguém que acabou de perder uma compra e provavelmente teria que pagar.
Pessoas simpáticas, nunca entendi muito essa espécie.
- Então...
- Eu pago, é isso. - Disse rápido. - Foi um prazer, tenha um bom dia, e o mais importante, senhora...
- Senhorita. - O corrigi.
- Bom saber. - Sorriu largo, me deixando com vergonha. - E o mais importante, não esbarre em mais ninguém com caixas de leite. - Riu baixo. - Vou chamar alguém para limpar, foi um prazer.
- É...acho que foi.
Aquela foi a coisa mais ridícula que eu já disse para um homem bonito, e quando uso o termo "homem bonito", me refiro a alguém simpático, e compreensível que merece mais que um "acho que foi".
Ele só sorriu, e deu meia volta, desaparecendo no corredor. Corri até o carrinho e joguei o pacote de salgadinho dentro, e me dirigi ao caixa.
Fiquei constrangida de não ter pago pelo leite, e não queria ficar lá até alguém aparecer para limpar, seria tipo bisbilhotar o serviço dos outros, então só fui pagar pelas minhas compras.
Deixei tudo no carro, coloquei o carrinho de volta e lá estava eu, voltando para casa, retirando as compras do carro, guardando tudo e aproveitando para limpar armários.
Roupas lavando, depois na secadora, o pó sendo limpo e o barulho do aspirador por sorte não era tão alto contra o carpete. Arrumei todo o quartinho da Bella, incluindo o espaço para os brinquedos e depois arrumei o meu, e os banheiros.
No final do dia, eu só queria sentar no sofá e assistir algo legal, mas nem a televisão compensou, então peguei meu celular.
Face time nunca foi tão legal, antes eu não gostava, mas ficar sem falar ou ver o meus pais o chateavam muito.
Não moravam tão longe, era na cidade próxima, pouco menos de meia hora de carro, e se tinha algo que eles amavam, era a neta deles.
Filha única, fui criada sozinha, na companhia de uma prima, mas nunca fomos tão próximas. Minha mãe tentou ter outros filhos, mas nunca conseguiu, parou de tentar depois do segundo aborto, quando eu tinha onze anos.
Eles costumavam dizer que eu era o milagre deles, a semente que deu certo, a luz da vida deles, e muito mais. Talvez, por aquele motivo eu me contesse tanto.
Queria que tivessem orgulho de mim, eu era a única filha, alguém precisava fazer o trabalho duro, e por aquele motivo, criava a Bella sem pedir nada, para eles conseguirem perceber o quanto eu podia ser independente.
Criava uma filha sozinha, cuidava da casa, trabalhava, e eu precisava fazer tudo aquilo, eu queria fazer aquilo, cuidar de uma criança que passou a ser a minha prioridade.
Suspirei, naquele sofá ridiculamente aconchegante, chamada encerrada e a televisão sintonizada em algum canal de filmes que eu não fazia a menor ideia do que era.
Levantei e saí pela porta dos fundos, arrumei toda a casa e esqueci de verificar a parte externa, mesmo que não fosse a melhor hora para fazer aquilo, quase escurecendo.
- Bella! - Franzi o cenho. - Bella! Tia Kay, a Bella está em casa?
Ri alto, olhando para o muro, mas não tinha ninguém. Obviamente o garotinho de quatro anos estava escondido atrás dele.
Fui até lá, e o espiei por cima da madeira, e ele sorriu, acenando com a miniatura de mão.
- Oi, Joe, tudo bem?
- Sim. - Assentiu, olhando para cima com um sorrisinho adorável. - A minha amiga Bella está em casa?
- Oh, hoje não...
- Ela saiu, tia?
- Saiu, querido. - Sorri com os lábios. - Saiu com o pai dela.
- Mas...ela foi lá hoje? - Ri nasalmente, e assenti. - E ela volta hoje? - Ri mais alto.
- Só na segunda, Joe, podemos ir ao parque juntos no próximo fim de semana, pode ser?
- Sim eu... - Franziu o cenho. - Tia, vou pedir para a minha mãe primeiro.
- Tá bom, é importante pedir antes, certo?
Ele assentiu, animado.
Joe era dois anos mais velho que a minha filha, e eram melhores amigos, depois que descobriram a arte de conversar através da madeira, falando alto e batendo as mãos na cerca.
Foi um dia mágico quando eu e a mãe dele os levantamos e eles se conheceram pela primeira vez, depois, a Bella ia na casa dele e ele na nossa, passavam bastante tempo juntos, além de frequentar a mesma creche.
- Joe. - A mãe dele sussurrou. - A tia Kay deve ter um monte de coisas para fazer.
- Coitada da tia Kay, meu único amigo é seu filho. - Ela riu.
- Isso é meio decadente para um círculo social popular. - Assenti, rindo. - E a Bel?
- Com o J. - Ela assentiu.
- Vai aproveitar a noite, então?
- Ah, é claro. Eu com certeza vou à uma festa muito popular, se chama dormir. - Ela riu alto. - Estou cansada, nem lembro a última vez...
- Nem me fale. - Rolou os olhos. - O meu cunhado chegou hoje de viagem, ele é legal, mas...fico sozinha, a única mulher, aí é difícil. - Deixou o ar escapar pela boca.
- Cunhado solteiro e encrenqueiro? - Apenas sorriu, ajeitando o cabelo do Joe.
- Não, ele é do tipo sério, mas mesmo desse jeito, me sinto deslocada, ainda mais porque ele vai dormir aqui, e...sabe? É difícil receber visitas que não sou acostumada.
- Ah, eu sei, no ano novo, eu e minha prima dormimos na mesma casa, saímos juntas, somos parentes e eu gosto mesmo dela, mas não nos conhecemos, sabe?
- É exatamente isso. - Suspirou, me analisando, sorrindo com os lábios, inclinando a cabeça em seguida. - Na verdade, você podia vir jantar aqui hoje.
- O quê? - Franzi o cenho, provavelmente fazendo uma careta junto.
- É, para eu não ficar sozinha, podem ser dois homens, e duas mulheres. - Sorriu largo.
- Chelle, eu não sei se deveria...
- Não vem com essa, o que você tem de melhor para fazer? Ficar deitada no seu sofá comendo chipps e assistindo série?
- Ei! Não fala do chipps como se fosse algo errado! - Fingi xingar.
- Por favor. - Chegou mais perto da cerca. - Vai ter mousse de morango...
- Não faz isso...
- E eu fiz barra de nanaimo...
- Tá bom! - Falei rápido, fechando os olhos, mas os abrindo logo em seguida. - Eu vou no seu jantar chato. - Ela sorriu largo.
- Te espero às sete. - Deu um pulinho. - Tchauzinho para a Kay, filho!
- Tchau, kay. - Abanou a mãozinha, e fiz o mesmo.
Passos lentos até a porta dos fundos, suspirando. Não queria realmente ir, mas Michelle estava certa, não tinha nada melhor para fazer, e se ficasse em casa, ia passar a noite preocupada com a minha garotinha, me perguntando se estava bem e o que estava fazendo.
Banho demorado, mas só por preguiça, não valia a pena exagerar, era um jantar em família, uma família que não era minha, mas pelas barras de nanaimo valia a pena.
Calça jeans, meu fiel vans preto e blusas de frio, sempre nevava no inverno, e a temperatura já estava de matar mesmo que a estação ainda estivesse no processo de mudar.
Eu podia dar uma de delinquente e pular a cerca de madeira, mas seria muito mal-educado, então fui andando, fiz a volta na rua até parar do lado contrário, na frente da casa, andando devagar até o desastre.
Barras de nanaimo, Kay, pense nas barras de nanaimo.
Bati na porta, e lá estava a Chelle, sorridente, praticamente me puxando para dentro.
- Pensei que não viesse.
- Trato, é trato. - A segui pela cozinha.
A casa dela era legal, não tão diferente da minha, só a paleta de cores dela que ia de rosa, para lilás e branco, enquanto eu preferia só o branco, bege, talvez alguns tons em vermelho ou laranja, mas nada absurdo.
Ela entrou na cozinha, e escutei os risos deles, provavelmente todos lá, e então entrei logo atrás, pronta para forçar um sorriso e cumprimentar quem quer que fosse.
- Escondam as caixas de leite. - Olhei na direção da voz. - Oi, não veio pagar pela caixa, veio?
- Ah...não. - Franzi o cenho levemente, o acompanhando com o riso baixo.
- Vocês se conhecem? - Chelle perguntou, tão confusa quanto o marido.
- Do mercado. - Ele disse breve. - Nos esbarramos, enfim. Boa noite. - Estendeu a mão.
- Boa noite. - O cumprimentei. - Oi, Mitch. - Dois passos na direção do marido dela.
- Oi, Kay, faz tempo. - Ri nasalmente.
- É o trabalho. - Dei de ombros.
- Muitos casos?
- Tem sido mais tranquilo agora...
- Você é da polícia? - Harry se intrometeu, nos fazendo rir.
- Conselho tutelar. - Ele fez um semblante surpreso.
- Ela é famosa aqui. - Rolei os olhos assim que Chelle disse aquilo. - E a melhor que temos no cargo, ela já esteve nos jornais.
- Ela exagera. - Falei rápido.
- Mentira. - Mitch se pronunciou. - Sabe aquele caso do garoto Harlo? - Harry assentiu. - Foi ela.
Ele virou o rosto, me observando, e sorrindo em seguida.
- Kayra Chambers, claro, sei quem você é. - Sorriu com os lábios. - E olha que nem moro aqui...
- O Harry é de Los Angeles. - Ri de novo, não sabia qual deles era o mais intrometido.
- Legal. - Falei, e me afastei, andando até o lado da Chelle.
Eles não falaram muito, na verdade, Harry passou a falar bem menos, mas percebia ele me encarando, provavelmente queria me perguntar sobre o caso.
Não era um troféu para mim, a Chelle ter tocado naquele assunto só me trouxe más lembranças.
O caso dos Williams não era diferente dos outros. A mãe e o pai do Harlo, um garotinho de três anos, e no começo tudo bem, eles eram uma das famílias mais potentes da nossa cidade.
Até o dia que fui ao mercado e vi Mary com o olho roxo, não tinha desculpa nenhuma para aquilo, e me equivoquei quando a segui até o estacionamento e disse que podia ajudar, ela me xingou, disse para eu não me meter e só o que fiz foi deixar meu cartão com ela.
Uma semana depois, as duas da manhã, recebi uma ligação de um número desconhecido, Bella estava com o pai, e eu não tinha nada melhor além de assistir séries até pegar no sono, então atendi.
Foi assustador, ela estava chorando desesperada e só sabia dizer "ele quer ele, ele quer meu filho", e "ele tem uma arma, por favor, me ajuda", em meio a soluços de choro, eu podia até sentir as lágrimas.
A única coisa que fiz foi vestir uma calça jeans e um casaco em menos de cinco minutos, peguei as chaves e digitei o número da polícia. Enquanto eu dirigia, dava as informações a policial.
Estacionei bruscamente, nenhuma viatura, então recorri a algo que nunca havia precisado antes, minha arma.
Eu tinha porte, não que ser do conselho tutelar seja uma série criminal, mas nunca se sabe.
Sai do carro e dei a volta na casa, os barulhos de alguém tentando arrombar eram característicos, e quando gritei para chamar atenção, ele se virou, apontando a arma na minha direção.
Tive medo de morrer.
- Você não quer isso. - Falei, calma. - Vai causar uma desgraça na sua família, e...
- A desgraça já foi feita. - Ele disse, sem parar de me encarar.
- E o que vai fazer? Matar seu filho? Grande ideia para consertar tudo.
- Não, ele não. - Riu. - Ela, aquela desgraçada!
- Você bateu nela!
- Eu nunca encostei na Mary, porra! - Estava bravo, eu sentia. - Nunca bateria nela, acha que em todos esses anos, com todo esse recurso e tecnologia, já não estaria preso? - Não baixamos as armas em nem um momento. - Você me conhece, Kay...
- Não te conheço, e nem quero...
- Qual é? Fizemos o ensino médio juntos, você sabe que não sou assim! - Falou rápido, gritando. - De que lado?
- Como assim?
- O olho roxo dela, de que lado?
- Direito.
- É, direito. - Foi quando olhei para ele, estava segurando a arma com a esquerda. - Não sou destro, aquela vadia burra não soube nem...
- Não fala assim. - O interrompi. - Abaixa essa arma, e eu te ajudo a resolver.
- Quem garante?
- Eu garanto. - Falei firme. - Falou do ensino médio, então sabe que trato, é trato.
Ele ficou quieto, e de repente, deu passos a frente, me entregando a arma, mas eu não podia abaixar a minha, então peguei da mão dele e o conduzi até a frente da casa.
Os policiais chegaram, o jornal local, a Mary com o olho direito roxo e o garotinho chorando, assustado, prometi ao Greg que daria um jeito.
E consegui, não sei como, mas desvendei o caso com a polícia, na verdade, eles nem queriam, disseram que era simples, o marido batia na mulher e depois do divórcio ele tentou matá-la, mas não era só aquilo, e eu sabia, algumas peças não se encaixavam.
No fim, descobrimos a verdade. Mary queria o dinheiro, metade dos bens dele, Greg era dono de quase metade da cidade, e ela, com parte do dinheiro, conseguiu comprar muitos imóveis no nome dela, ainda no casamento.
O garotinho, infelizmente contou que viu a mãe machucando o próprio rosto, e ainda nos disse que ela falava que era tudo culpa do pai, e que era para ele contar aos colegas da escola, porque ela "precisava de ajuda". Honestamente, preferia que ele não soubesse de nada sobre aquilo.
A questão mesmo foi que o uso de armas contra ela não estavam nos planos, Greg surpreendeu a todos.
No final das contas, ela foi presa, e ele também, por ameaçar de morte e todas aquelas coisas, mas teve direito a fiança, já Mary, não, e foi levada para a prisão da cidade de nascimento, no sul do Canadá.
Mesmo que Greg estivesse fora da cadeia, decidi que Harlo não podia ficar com alguém que recorreu a uma arma, então, passei a responsabilidade para os avós paternos dele, e liberei visitas constantes do pai.
No fim, apareci no jornal depois de todo o crime revelado, e só dei uma entrevista, não achei que aparecer demais fosse fazer bem para a Bella, então tentei esclarecer tudo de uma vez só.
Não foi grande coisa, mas o que veio a seguir foi pior.
- Kay? - Encarei a Chelle. - Você quer salada?
- Ah...não, valeu.
- Aonde você estava? Te chamei umas três vezes.
- Só...pensando.
Era o que acontecia quando alguém falava sobre aquele caso, eu ficava aérea, e alguém na mesa percebeu aquilo.
Eles estavam falando de alguma empresa, não entendi bem, e nem queria. Pedi licença e subi, aquela altura, depois de mais de um ano sendo amiga dela, eu sabia onde ficava o banheiro.
Fechei a porta e tranquei, peguei meu celular no bolso e abri as chamadas de vídeo.
- Fiz uma aposta com a Hanna, disse que não aguentaria até as nove sem ligar. - Justin disse, sem nem me dar oi.
- É, boa noite. - Ri baixo. - O que ela está fazendo?
- Brincando de massinha. - Sorriu. - Olha...Bel, a mamãe ligou...
- Mãe!
O alívio que surgiu no meu coração quando ela pegou o celular, e eu ri, Bella, aproximava o celular da boca para falar, e depois o afastava, para me ver na câmera, era sempre engraçado.
- Oi, meu bebê. - Acenei para ela, que franziu o cenho levemente.
- Mamãe, eu não sou um bebê, sou grande. - A fala indignada dela foi adorável.
- Eu sei. - Sorri. - Mas para mim, você é um bebê.
- Mas...mas eu não sou, mãe.
- Tá bom. - Ri. - O que você fez hoje?
- Eu dormi muito na cama grande do J. - Riu, olhando para cima, provavelmente para ele. - E comi sorvete de morango, é o nosso sabor favorito, e...
Fiquei escutando ela falar por uns minutos, sobre colocar areia do parquinho no cabelo, e depois o Jus pegou o celular, me prometendo que não tinha mais areia no cabelo dela.
E depois ele se despediu, dizendo que ia arrumar ela para dormir. Desliguei e guardei o celular, suspirei, com os olhos fechados.
Ninguém sabia do medo excessivo que eu tinha de algo acontecer com ela toda vez que eu lembrava do caso, mas nunca contei para ninguém, parecia muito bobo dizer que me traumatizei depois de pegar uma arma pela primeira vez, e pensar em atirar.
Passei água no rosto, sequei e me olhei uma última vez no espelho, canalizando a ideia de que estava tudo bem.
Abri a porta, e voltei para o banheiro, pulando se susto com o ser humano parado bem na frente dela, encostado na parede.
- Qual é o seu problema? - Riu, me analisando.
- Fiquei preocupado.
- E resolveu me seguir até o banheiro?
- Foi exatamente isso, na verdade. - Deu de ombros, e fiquei boquiaberta. - Não sou fã de mentiras.
- Percebi. - Olhei para o corredor vazio. - Vou voltar.
- Isso é mentira. - Parei de andar, e virei o corpo, para observá-lo. - Você pode até voltar, mas a sua mente não está aqui. - Saiu da parede, e deu alguns passos até mim. - Não quer estar nesse jantar, não é?
- Eu quero. - Queria mesmo, de verdade, a família da Chelle sempre foi legal comigo, o problema era a minha mente me sabotando. - Só...não foi um dia tão bom.
- Claro, o meu também não foi tão legal. - Deu de ombros. - Primeiro dei um azar enorme no mercado. - Rolei os olhos, o fazendo rir. - Depois eu passei o dia fora resolvendo umas coisas, e quando voltei, precisei escutar o discurso da Michelle sobre não comer o nanaimo, e eu já tinha pego dois, então...
- Escutar os sermões da Chelle nem sempre é fácil. - Ele riu, concordando. - Vou voltar.
- Justin é seu namorado? - Dei meia volta de novo.
- Não. - Depois continuei andando.
- Isso foi um "não, ele não é meu namorado" ou um "não, eu não tenho um namorado e podemos sair para jantar amanhã a noite"? - Fui obrigada a rir.
Parei no meio do corredor e virei o corpo, estava incrédula com a audácia, mas não foi o que meu rosto mostrou.
- Isso foi um "Não, eu não tenho um namorado, e não quero sair com você", tenha uma boa noite. - Continuei andando.
Murmurou algo, mas não escutei, desci as escadas e fui até a cozinha, sentei na banqueta bem ao lado da Chelle e não vi nem Harry, nem Mitch.
Ela ficou falando alguma coisa sobre fazer pilates, porque segundo ela, yoga era o esporte das mães, o que me fez rir.
Sempre gostei de correr, curiosamente, em qualquer horário, inclusive nas madrugadas, mas parei depois que tive minha filha, não dava para sair e deixar ela sozinha.
Fui para casa depois, sozinha de novo, caminhando na rua, observando as luzes das casas ligadas e pensando se eu teria um bom sono.
Deitei na cama, e dormi, o problema mesmo veio depois.
Minha casa inteira pegando fogo, e meu primeiro instinto foi correr para dentro, a Bella estava lá dentro, de alguma forma eu sabia que estava.
Então entrei, chamando por ela, e ela gritou, me pedindo ajuda. Subi o mais rápido que pude, não estava no meu quarto, nem nos banheiros e nem na sala de brinquedos.
A porta do quarto dela estava trancada, e não vi a escada, mas sabia que o fogo já estava quase lá, e a fumaça no andar de cima era característica. Bati na porta com meu pé, usei toda a força que tinha, e então a porta abriu.
A garotinha estava sentada na cama, agarrada ao coelho de pelúcia, e não olhou para mim, mas sim para algo a frente.
Eu mesma, segurando uma arma na direção dela, prestes a atirar, e eu sabia o que viria a seguir.
- Mamãe, por que está fazendo isso comigo?
Seguido do barulho do tiro, eu sabia que havia matado ela, mas nunca vi realmente.
Eu sempre gritava e tentava impedir a mim mesma, o que sempre resultava em um hematoma.
Abri os olhos, percebendo que estava gritando e estapeando a fechadura da porta dela, e suspirei, fechando os olhos e segurando minha mão.
Abri a porta e liguei o luz, o quartinho dela vazio e bem arrumado, nada de fogo ou fumaça e nem ela mesma estava lá.
Sentei na cama, e peguei o coelhinho do meio dos travesseiros, para encará-lo. Nem sabia ao certo o horário.
- Maldito terror noturno. - Sussurrei.
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18 • O monstro do quarto
Antes de namorar, pensei que tudo fosse como antigamente, tipo, a gente ia passar a semana trabalhando, ele ia vir nos fins de semana ou eu iria, entraríamos em um conflito para saber na casa de quem o outro ia passar a noite.
Mas aí me dei conta de que somos adultos, e na última vez que fiz isso, eu era adolescente. O Harry não aparecia só nos fins de semana, na verdade, ele aparecia sempre, ou eu ia jantar na casa dele de vez em quando, no meio da semana mesmo.
E em outras ocasiões, como nessa, vamos sair para levar a Bella ao shopping, na quinta-feira, porque ela precisa de tintas para a escola e eu não tenho em casa, e nem ele, então pensando nisso, vamos ir lá comprar e depois jantar em algum lugar.
Terminei de me arrumar no quarto e fui até o quarto da Bella para ver como estava. Parei na porta e deixei minha bolsa cair, levei um susto, cheguei a levar a mão ao peito, até que ela riu e soube que estava tudo bem.
Uma figura toda de preto abaixada, ao lado da cama dela, encarando, não sei porque pensei que fosse uma ameaça, talvez o Harry estivesse em uma posição muito parecida com a daquele infeliz na noite em que apareceu.
- A minha mãe levou um susto. - Ela riu, apontando para mim.
- A sua mãe se assusta muito fácil. - Olhou para baixo, amarrando os tênis dela.
- Que engraçado. - Forcei uma risada sarcástica.
- O Harry também sabe amarrar os tênis. - Mostrou um dos pés, e eu fiz uma cara surpresa.
- É que o Harry é inteligente, não é?
- É o Harry inteligente! - Levantou os braços, o fazendo rir.
- É o Harry papai urso. - Ele fez uma voz grossa, nos fazendo rir. - Está rindo de mim, criancinha? - Continuou com a voz.
- Não, não é de criancinha, Harry. - Protestou.
- Mas você é uma ursinha. - Voltou com a voz normal, colocando o capuz de urso nela. - Não é a minha ursinha?
- Sim. - Ele riu, pegando ela no colo.
- Pronta, mamãe urso? - Precisei rir de novo, ele pareceu animado com a ideia.
- Pronta. - Cerrei os olhos.
- A mamãe é uma mamãe urso. - Ela riu, super espertinha, querendo me meter na brincadeira.
- É, e sou muito brava.
Tentei pegar ela do colo dele, mas não deixou, e ela riu, pedindo para ele proteger ela, ficamos assim por uns segundos, até decidirmos descer.
O Justin levou ela para outra cidade no fim de semana, foi visitar o irmão na fazenda, e ela sempre voltava com alguma ideia diferente, a da vez foi ter um cavalo, acho que é porque se parece muito com um pônei, provavelmente.
Saímos de casa e ela perguntou se não íamos de carro, porque nunca tinha andado no dele, e quando chegou com a camionete, fiquei muito animada.
- Nós vamos no carrão do Harry. - Ele riu, rolando os olhos.
- É um carrão o do Harry, mãe? - Assenti, super animada.
Ele abriu a porta, a Bella não sabia bem o conceito de carrão, mas acho que ela pensou que era pelo tamanho dele, que também chocou ela. A apoiou na cadeirinha que não, não era a do meu carro, ele comprou uma nova para ela, achei fofo da parte dele, bem atencioso, disse que comprar uma é melhor que ficar tirando a do meu carro e passar para o dele.
- Quer dirigir? - Abri mais os olhos.
- É sério?
- É. - Riu, me entregando a chave. - Acho que você meio que ama mais meu carro do que eu.
- Não é verdade. - Beijei rápido a bochecha dele. - Mas eu amo seu carro. - Ele riu.
- Então dirige. - Abriu a porta do carona. - Vai. - Me deu um tapinha leve na bunda depois de pegar minha bolsa.
Fiz a volta no carro e entrei, fiquei muito animada, um carro automático é vida, acho que demonstrei essa felicidade para ele um pouco demais, porque riu de mim.
Encaixei o cinto e liguei o carro, estava animada para dirigir, e ele parecia bem tranquilo com a ideia. Imaginem a minha felicidade de dirigir uma camionete gigante, com ar condicionado, e todo o conforto do mundo, muito bom, estava no paraíso.
Enquanto estava a caminho, percebi que ele estava se apegando demais na Bella, tinha jeito com crianças, mas dava para ver que com ela era diferente. Ficou o caminho inteiro conversando com ela e tentando pegar o pé dela, que escondia toda vez, entre risos.
- Eu quero ir no chão. - Ela disse assim que ele a pegou da cadeirinha.
- Ah, tá bom. - Atendeu o pedido imediatamente.
- Bella. - Ela olhou para trás, me encarando. - Tem que me dar a mão, não é para andar sozinha.
Ela queria ir no chão para correr na nossa frente, não tinha noção do perigo que era, e nem do que eu senti em todas as vezes que ela sumiu nas lojas e eu a encontrava nas prateleiras dos brinquedos.
Depois de muita insistência, ela aceitou caminhar segurando nossas mãos, ou era isso, ou o colo, e ela queria caminhar, então fizemos um acordo. A Bella não era mal-educada, sabia se portar nos lugares, se me pedisse algo e eu dissesse que não, então era não, mas era curiosa demais, e às vezes isso atrapalhava ela, porque não tinha noção dos perigos de uma criança caminhando sozinha.
- Olha, Harry, é uma coroa de princesa. - Ela apontou, e ele se abaixou para pegar a caixa. - É de adulto, essa. - Ele riu, e ela sorriu para ele. - É de grande, Harry, serve na sua cabeça?
- Hum...acho que serve, princesa. - Piscou um dos olhos para ela. - Você quer?
- E aí a gente brinca juntos de princesa?
- Claro, eu deixo guardado nas suas coisas, pode ser?
- Pode. - Sorriu grande.
Não acredito que ele fez isso, ainda deu a caixa para ela segurar e ficou andando pela loja inteira com o objeto em mãos, como se qualquer um fosse uma ameaça e só ela pudesse tocar.
Já cansei de dizer para ele não fazer todas as vontades dela, mas nunca adianta, ele sempre está fazendo algo que ela esteja pedindo, seja um favor, brincando, ou comprando a coroa de princesa, e para ele usar ainda por cima, nem era para ela.
Caminhamos bastante até encontrar uma loja que tivesse as tintas que ela queria, eu só precisava de um pote grande, rosa, foi a cor que ela escolheu, pensei que fosse mais fácil achar, mas às lojas pareciam contra a cor.
Ela ficou bem feliz, disse que ia fazer um trabalho de mãos, pelo o que entendi, iam pintar as mãos, cada um com uma cor, e carimbar cartazes. Gosto da creche que ela frequenta porque estão sempre fazendo brincadeiras lúdicas com eles.
Depois paramos na praça de alimentação e pedimos batatas fritas para ela, refrigerante e hambúrguer, não era de costume lanchar aquilo pela noite, mas uma vez não ia nos matar, e acreditem se quiserem, mas a Bella quase consegue comer um hambúrguer sozinha.
Na verdade, o Harry passou um tempão sendo palhaço com ela, prendendo batatas fritas na boca, fingindo que eram dentes enormes, nos fazendo rir.
- Se comporte, criancinha!
- Não, Harry, e é você que não se comporta! - O acusou, apontando para ele.
- Eu!? - Fingiu estar indignado.
- É, e eu não sou de criancinha.
- Nenhum de vocês se comporta, são duas criancinhas. - Os acusei, comendo meu hambúrguer.
- Bella, sua mãe brigou conosco! E agora? - Sussurrou a última parte.
- Dá um abraço nela? - Rimos alto, pareceu uma solução maravilhosa para ela. - Mãe, e eu não sou de criancinha, sou de grande, não é?
- Sim, vai para outra turma no ano que vem. - Concordei. - Quem troca de turma é grande.
- Viu, Harry? É de grande, eu sou. - Ele riu, concordando com ela.
- É sim, linda, já é uma mocinha. - Arrumou o cabelo dela, e depois voltou a comer.
- Ela vai trocar de turma no ano que vem, na creche. - Assentiu com a cabeça. - Tudo bem?
- Tudo. - Sorriu com os lábios. - Ficou bonita com essa jaqueta.
Acho que ele estava debochando, primeiro porque só uso ela, segundo porque ele quem me deu.
- Obrigada, foi um presente. - Ele sorriu mais ainda, assentindo leve.
- Vai ir lá para casa amanhã? É grande demais só para mim.
Não sei qual a dimensão da nova casa dele, só sei que entregaram no meio da semana, não tive oportunidade de ir, mas ele quer muito que eu e a Bella o visite o mais rápido possível.
- Porque mandou fazer um lugar tão grande?
- Ora, para quando vocês fossem viver comigo. - Piscou um dos olhos. - Eu fiz mais ou menos parecida com a minha antiga casa em Los Angeles, gosto de espaço. - Deu de ombros. - É linda, vocês precisam ver.
- Vamos amanhã, você me busca?
- Claro, depois das oito, estou resolvendo umas coisas.
- Alguma pista? - Cerrou os olhos.
- O pior é que estou desconfiando de uma coisa. - Tamborilou o dedo na mesa. - Se for verdade, a investigação não vai dar em nada, nunca.
- Como assim? - Negou com a cabeça.
- Tem coisas que é melhor você nem saber, vai por mim.
- Por que? - Suspirou.
- Porque sim, come sua batata, antes que eu coma. - Invadiu meu prato e pegou uma batata.
- Não gosto quando começa a falar uma coisa e não termina.
- Tem muitas coisas que você não gosta. - Rolou os olhos. - Chata. - Sussurrou, e beijou meu rosto em seguida.
Se não fosse tão comum ele me provocar, estaria brava, mas era mais que normal, na verdade, às vezes ele pedia para a Bella dizer coisas implicantes para mim, já disse para ele parar, mas duvidava que fosse mesmo.
Acho que o Harry fica meio agoniado de vez em quando, nem foi dormir comigo na outra noite, disse que estava preocupado demais e que era melhor não atrapalhar meu sono, e eu quase ri, falou como se eu fosse dormir de verdade. Acordei na sala durante a noite, com coisas nas mãos, tudo ótimo para uma sonâmbula, só não entendi ainda como não tive nenhum ataque na presença dele.
Às vezes acho que ele quase morre por não poder me contar nada, por ser confidencial, e essa é a parte chata de namorar um delegado, não fico sabendo de tudo porque ele respeita até demais os limites dele, dizia que eu já sabia demais e que pode ser perigoso, até respeito os limites dele, mas a curiosidade quase me mata.
Fomos para casa depois, com a Bella querendo andar sozinha e querendo abrir o tal pote de tinta, fez um escândalo, até chorou no carro, tentei explicar que ia sujar tudo e que só podia em casa, mas continuou chorando, tudo isso para dormir depois, estava apagada assim que ele estacionou na frente de casa.
Ela nunca foi uma criança mimada, mas fazia umas cenas de vez em quando que parecia muito ser uma, mas sempre tive muita paciência para conversar com ela. E o Harry foi só o Harry de sempre, não interferiu quando comecei a conversar com ela, e pediu para ela se acalmar, usando as próprias palavras dele, que foram: calma, princesa, não chora.
E foi assim que ele fez ela chorar mais ainda, depois disso deixou para eu resolver.
O mais legal é que com ele não existiu o clima estranho que fica depois que uma criança chora pela primeira vez na sua frente, ele só agiu com naturalidade e ainda pegou ela no colo, dormindo, e levamos até o quarto dela.
Percebi que aceitou sair para se distrair, estava deitado na cama a quase meia hora e não parava de se mexer, para todo lado, nenhuma posição parecia boa, e pela respiração apostava que estava acordado.
- Qual o problema?
- Eu não sei. - Suspirou alto. - Estou estressado, é isso.
- Com seus casos?
- É.
- Por que? Não tem nenhum novo, que eu saiba.
- Não é porque não tem novos, que eu não precise resolver os antigos.
A fala dele não foi ríspido, só óbvia demais, daquele tipo que te faz pensar "ah, é mesmo, tem isso". Não trabalho na polícia, não faço a menor ideia de como seja, presumo que muito difícil.
- Quer falar sobre isso?
- Querer eu quero, mas não posso, te envolver nisso só me traz mais problemas. - Senti ele me abraçar forte. - Sentir seu cheiro já me ajuda.
Sorri grande, igual uma boba, todos os dentes amostra para a escuridão do quarto. Virei para ele, dei um beijinho rápido na boca quente, e o abracei com força.
- Não fique ansioso, amanhã é outro dia, tudo vai dar certo.
Não houve resposta alguma, apenas o abraço apertado, pelo resto da noite, me movi para longe e quinze minutos depois ele já estava agarrado a mim de novo.
A rotina da semana sempre foi chata demais para mim, amo meu trabalho, mas de vez em quando paro para me perguntar se esse é o sentido da vida. Você vira adulto, tem um filho, trabalha, então limpa sua casa, leva seu bebê para a escola, trabalha, volta para casa, e no outro dia a mesma coisa, que chato.
Se eu pudesse escolher qualquer coisa no mundo, acho que escolheria um trabalho que não vire rotina, que seja sempre uma surpresa, e foi aí que me dei conta do motivo pelo qual Harry escolheu essa profissão, o motivo de ter aceitado. Ele mesmo disse que não liga para mudanças, óbvio, está sempre mudando, às vezes as manhãs são agitadas, outras tranquilas, mas então as tardes se tornam agitadas, quando não é nenhum desses dois turnos, então a noite traz uma surpresa, assim como em alguns dias em nenhum dos três turnos ele está acupado. Deve ser o máximo.
Fomos para a creche juntos hoje, perguntei se ele gostaria de ser um dos contatos de emergência da Bella e ter passe livre para ir buscar ela algum dia que eu precisasse, e ele respondeu com todo o ânimo que sim, e só precisou assinar um papel com a responsável. Fiz isso porque sei que um dia vou precisar disso, o Justin nem sempre pode, e já precisei recorrer a Michelle e até a minha mãe que mora a uns quarenta minutos de mim, então, tendo o Harry perto, se algum dia eu precisasse, sei que correria para me ajudar.
Apesar dos meus pensamentos reclamões sobre a vida e sua rotina, havia dias que trabalhar ainda era divertido.
Como hoje, agora, na sala do café. História rápida: Caroline foi namorada do Richard, os dois são colegas nossos, o namoro durou uns quatro anos, mas eles já terminaram tem quase dois, ambos parecem jovens apesar de não ser.
Estamos entre sete na sala, rindo porque estávamos falando sobre casamento e a Caroline disse que alguém queria casar o Richard, mas ela errou o nome, estava querendo falar o nome do Liam, estávamos falando dele, mas o simples fato de ter errado o nome fez todos rirem na sala, e de repente, em segundos, voltamos para a quinta série.
- O Richard vai colocar o anel de casamento bem no meio do bolo de aniversário da Carol. - Simon disse, simplesmente e apavorantemente animado.
Alguém entrou pela sala, Brandon, sorrindo para nós, sem fazer a menor ideia do que estávamos rindo.
- A Carol vai casar. - Brandon franziu o cenho para o Simon.
- Com quem?
- Richard. - Ele encarou a mulher.
- Vocês voltaram?
A pergunta dele foi super séria, e todos caímos na gargalhada de novo, porque a coitada da Caroline já estava vermelha, mas também não ajudava com as piadas sobre casamento.
- Tá, mas quem dos homens está solteiro?
Foi ela quem disse, nos fazendo rir do interesse dela, e a sala se tornou um compilado, agora com oito risadas diferentes.
- Quanto interesse...
- É isso, você precisa se impor! - Diana disse, batendo na mesa.
- Tá, mas das mulheres? Além da Carol, que já percebemos, quer casar...
Rimos de novo, primeiro pelo comentário do Diogo, depois pelo interesse repentino dele.
- A Kay não está. - Simon informou, todo venenoso.
Apenas escondi um sorriso idiota, bebendo meu café, os fazendo murmurar um tipo de "hum" ao meu redor.
- Vocês são tão intrometidos... - Comentei.
- Nega agora! Diz que não está casada! - Diogo bateu a mão na mesa.
- Ela está se fazendo de desentendida. - Diana comentou por cima, se mentendo, querendo que eu falasse.
- E ainda é delegado, que espertinha hein. - Carol bateu no meu braço.
Não contive o riso, era a primeira vez que alguém no trabalho falava sobre meu relacionamento, em quatro meses. Nos assumimos, mas não com palavras, saímos juntos, todos sabem que vivemos na casa um do outro, o pessoal só supõe, mas nunca sabem se é certo, pois não falamos.
- Lábia é para quem tem. - Brinquei, dando de ombros.
- Quanto abuso. - Acreditem, não é normal o Simon se dirigir a mim com tantas palavras. - Como é namorar um delegado? Você sabe tipo, de tudo?
- Não. - Rolei os olhos. - É bem irritante porque sou curiosa, sei do básico, as coisas por debaixo dos panos são como informações impossíveis.
- Que chique. - Mary comentou, estava calada, mas rindo o tempo todo. - Por debaixo dos panos, disse ela, até o vocabulário muda.
- Ah, ela é da alta realeza agora. - Brandon disse, sentando na cadeira próxima a mesa, apoiando a xícara na mesma. - Deveríamos sair. - Deu um gole no café. - Todos nós, sem namorados.
- E que graça tem? Nunca conheci um delegado jovem assim tão perto. - Diana comentou. - É a nossa hora, galera!
Depois de muito sofrer deboche por namorar o delegado, ninguém se convenceu de verdade sobre sair, porque era sempre assim, alguém comentava sobre marcar, todos concordavam, mas no fundo ninguém queria ir.
As únicas ocasiões de encontro eram os sindicatos, para todos do conselho e da polícia, já que trabalhamos diretamente juntos, essas reuniões acontecem pouco, na verdade, está demorando para ter uma, aposto que por causa das crianças desaparecidas, devem estar correndo para fazer uma, mas sem tempo para resolver tantos casos, isso porque quem fala por todos geralmente é o delegado e o reitor do conselho.
Acabo de lembrar que o Harry seria um dos responsáveis por uma reunião. É, talvez eu não esteja preparada para tantos olhares, não por vergonha, mas por tédio, imagine só um monte de gente querendo saber se estão juntos, mesmo que seja óbvio, e você precisar fingir que a fofoca não existe, me dá até preguiça.
Vou subir no palco e dizer ao microfone que o delegado bonito e gostoso já é comprometido, seria divertido e engraçado ver a cara de algumas, mas eu nunca faria. Que desperdício de ideia brilhante.
Fui buscar a Bella às cinco, e foi um dos meus dias infelizes, que eu teria que ter paciência e conversar com ela. Fiquei uns quinze minutos conversando com a professora dela e com a mãe de outra criança. Resumo da história? A professora contou que a colega não quis dividir o brinquedo com ela, e que quando ameaçou bater na Bel, ela não pensou duas vezes e deu um tapa no rosto da colega, um tapa bem mal dado, na verdade, ela nem tinha força o suficiente e nem mirou direito, mas assustou a garota e fez ela chorar.
- Bella, não é para bater nos outros.
Já em casa, ela tinha dormido no caminho, deixei ela no sofá descansando, o Harry chegou mais cedo que o comum e subiu para tomar banho, eu deveria estar me preparando para ir à casa dele, mas estava conversando com ela.
- Mas eu não bato, mãe.
- Mas hoje você bateu. - Ficou calada, me olhando. - Por que fez isso?
- E ela bateu assim no meu braço. - Bateu no colchão.
- A sua professora disse que não bateu.
- E ela bateu! - Ficou brava. - Bateu, eu...eu não minto, a professora mentiu!
- a professora mentiu?
- Sim. - O rosto bravo e cheio de personalidade apareceu. - Não pode!
- Não, não pode, é feio mentir. - Concordei. - Ela te bateu no braço? - Assentiu, calma, me encarando. - E o que você fez depois?
- Bati no rosto dela, forte. - Fechou os punhos, e eu fiquei apavorada.
- Bella! Não pode. - A repreendi.
- Mas ela me bateu, mãe, não pode.
- Mas você não precisa bater de volta.
- Mas não pode chorar, se ela me bate, mãe, eu também posso.
Deu de ombros, simplesmente, foi quando percebi Harry nos encarando no batente da porta, de braços cruzados.
- Bateu na amiguinha, Bella? - Chegou perto, contendo o riso.
- Não, Harry, ela não é minha amiga mais. - Explicou, super chateada. - Ela bateu em mim hoje, no meu braço. - Fez um semblante choroso.
- Machucou seu braço, linda? - Se abaixou, tocando o braço dela, e assentiu, bem chateada, fiquei só encarando a cena. - Ah, não acredito que ela machucou minha princesa. - A abraçou. - A sua mãe está certa, não pode bater.
- Mas e ela me bateu. - Franzi o cenho para a voz de choro.
- E você bateu de volta? - Assentiu, deitada no ombro dele.
Acho que ele não esperava que ela fosse chorar, e na verdade, eu também não, ficou quieto, me encarando, desesperado, me perguntando silenciosamente sobre o que deveria fazer. Ele disse a ela que eu estava certa, o que indica que não quer se meter na educação que dou a ela, mesmo assim, não significa que não vai apoiá-la.
- Eu fico triste se você chora, Bella. - A abraçou forte. - Não precisa ficar chateada.
- A minha mãe ficou triste. - E chorou, falou entre o soluço.
Ele me encarou, sério, e eu fiquei paralisada, a Bella já tinha chorado por isso antes, mas não entendi de onde ela tirou isso agora, só estava querendo que ela entendesse que violência gera a violência.
- Não precisa chorar por isso, meu amor. - Encarei ela, mesmo escondida no ombro do homem que ela estava determinada a agarrar. - Às vezes as mamães ficam chateadas, mas sabe o que é mais legal?
- Não. - Chorou, foi quase engraçado.
- O mais legal é que o amor das mamães não acaba nunca, mesmo chateadas às vezes, é para sempre o nosso amor. - Limpei as lágrimas dela. - E não estou triste, só queria te explicar que não adianta bater nos outros.
- Não ficou triste, mãe?
- Não, só estava conversando, entendeu? - Assentiu, meio desanimada. - Você nem tomou o mamazinho quando chegou, dormiu, não foi? Dorminhoca! - Toquei o nariz dela, mais uma tentativa falha de fazê-la rir. - Quer agora? - Assentiu bem leve.
- Sua mãe não brigou com você, linda, as mamães conversam com os bebês delas quando...
E não fiquei para escutar o resto, queria dar privacidade para a conversa deles, acho que seria bom ela perceber que ele pode ser uma figura confiável e que só queremos o bem dela.
Esquentei a mamadeira, Harry desceu com ela e com a mochila, depois buscou minhas coisas e fomos para o carro dele, ela foi bebendo o leite no caminho, era a primeira vez que eu o via dirigindo o próprio carro, e foi muito lindo ver ele desse jeito.
Acho que o Harry é perfeito mesmo, fez a Bella se acalmar e ainda disse para ela que eu era a melhor mamãe do mundo, me fez rir e a pequena ainda concordou, até me deixou feliz, a paciência que ele teve com ela foi quase surreal, pela primeira vez senti isso com alguém, ele não queria que só eu fizesse parte da vida dele, queria a Bella também.
Quando chegamos na casa dele, eu já estava boquiaberta bem antes de entrar, era enorme, não uma mansão, mas bem mais sofisticada que a minha, a sala estava branquinha, cheia de móveis claros, uma televisão enorme. Escolheu dois tons para a cozinha, branco e azul serenity, cores suaves e delicadas, tinha um escritório no andar de baixo, uma porta que dava para o porão, segundo ele. Outra sala cheia de vidros com vista para o jardim, que ainda era só um jardim, simples, e a escada tinha uma proteção de vidro por toda a extensão. Banheiros embaixo, e em cima, mostrou o quarto de hóspedes e o dele.
Na verdade, ele sussurrou para mim e disse que o quarto era nosso, gostei disso, adorei, na verdade. Lindo, uma cama enorme e bem alta, um banheiro grande com banheira e chuveiro, uma pia enorme com espaço para dois e quando olhei para dentro do boxe, percebi que ele simplesmente escolheu que tivesse dois chuveiros. Uma televisão enorme descia do teto, era só apertar um botão, ficou bem na frente da cama, uma maravilha, e bem ao lado da cama, a uns dois ou três metros, uma parte inteira de vidro que estava fechada por uma cortina, saímos e ele mostrou nossa mini varanda, uma fofura.
Por último, mas não menos importante, fomos até o quarto que ele fez especialmente para a Bella, quando ele contou a ela que tinha um quarto só dela, os olhinhos brilharam. Abriu a porta bem devagar e ela correu para dentro.
Lindo, devo dizer que ele tem muito bom gosto, um quartinho cheio de cores, uma cama grande mesmo sendo de solteiro, um espaço para ela brincar e desenhar, e ele até se deu o trabalho de comprar alguns brinquedos.
- Mãe, tem uma pônei! - Ela correu, pegou o brinquedo e correu de volta para mim. - Harry, você me deu de presente isso? - Ele riu.
- Sim, princesa, tudo que tem aqui é seu. - Sorriu para ela. - Você gostou?
- Sim! - Sorriu grande, depois correu até a mesa dela. - É de desenhar esse papel?
- É, sim. - Ele foi até ela. - Essas são suas coisas para quando você vier e quiser brincar, tudo bem? Podemos comprar mais coisas para arrumar seu quarto do jeito que quiser.
- E como se agradece ao Harry? - Perguntei, olhando para ela.
Ele se abaixou para ficar bem da altura dela, e ela o abraçou imediatamente, dando um beijo no rosto dele, que retribuiu com muito mais de um beijo pelo rosto dela.
- É o meu quarto agora, não é Harry?
- Claro, é só seu. - Levou parte do cabelo dela para trás da orelha. - Que bom que gostou.
Nós ficamos um tempão lá, estava fascinada pelo cantinho dela, mas tudo tinha seus momentos. Insisti em saber o que tinha atrás da porta branca, perto da cozinha, ele não estava muito afim de me mostrar, mas colocou um desenho na televisão e pedimos para a Bella ficar só ali.
Ele abriu a porta e foi na frente, uma escada grande, então entendi que era o portão, mas quando ligou as luzes e chegamos no lugar exato, visualizei o que foi nada mais, nada menos que uma adega de vinhos.
- Aí meu Deus! - O encarei. - Tudo isso é vinho?
- É. - Ele riu, meio sem graça, só não entendi o motivo.
Uma parede gigante, e foi só o que ele fez no porão, uma adega, pensei que fosse guardar algumas tralhas, mas não, a organização dele me assusta às vezes.
Dei passos até chegar bem na frente dos vinhos, eram muitos e eu queria um daqueles, pensei em usar a desculpa de estar visitando a casa nova dele pela primeira vez. Toquei em um dos vinhos que mais me chamaram atenção, e comecei a puxá-lo.
- Esse não!
Me assustei com a reação dele, estava próximo de mim, com o semblante estranho.
- Por que? - Continuei com a mão no vinho.
- É seco, você odeia.
- Ah. - Soltei o vinho. - E onde ficam os doces?
Ele abriu um sorriso imenso, se posicionou atrás de mim, segurou minha cintura e então me fez dar vários passos para o lado.
- Bem aqui. - Deslizou as mãos para os meus ombros. - Os que estão na altura dos seus olhos são os mais doces.
Fiquei encarando eles, todos deitadinhos, vidros mais variados que outros, então peguei um do rótulo rosa, e dessa vez ele não protestou quando puxei.
Lindo, com as escritas em letras cursivas douradas, senti o beijo no pescoço e senti como se já tivesse bebido duas taças de vinho.
- Mãe! - Escutamos a Bella me chamar.
Ele riu nasalmente, subiu as mãos rápido e apertou meus peitos com força, mesmo por cima da blusa.
- Vamos trepar na nossa cama nova, hoje. - Mordeu minha orelha. - Estou pensando em te comer em cima dela desde que mudei para cá. - Mais um aperto maravilhoso.
- Mãe! - Escutei de novo.
Escutar a voz da Bella me despertou do transe, saí de perto dele e escutei a risada atrás de mim, depois ganhei um tapa forte na bunda e subimos, como se nada tivesse acontecido.
- O que foi? - Larguei a garrafa na bancada e fui até ela, estava de pé no sofá.
- O desenho parou. - Apontou para a televisão.
Eu só apertei alguns botões e tudo voltou ao normal. Harry disse que ia cozinhar, então deixei ele na cozinha e fiquei com ela, era mais seguro que ficar perto dele e todo aquele tesão reprimido.
E no final, o jantar foi ótimo, como sempre, acho que se ele não fosse delegado, com certeza seria um bom chef. Ainda comemos pipoca depois e assistimos um filme com a Bella, mesmo que ela estivesse mais interessada em conversar e pular por cima dele do que realmente assistir.
- Você é um filhotinho de canguru, é isso? - A pegou quando pulou de novo.
- É. - Riu. - O canguru é minha mãe. - Ele riu.
- Vou te fazer ficar quietinha agora. - A pegou bruscamente, a fazendo rir e a colocando no colo dele a força. - Dorme neném...
- Não, Harry, não é de neném. - Ele riu.
- Dorme menina grande... - Eu ri, fui obrigada, e ele me acompanhou.
Ela escolheu um dia bem específico para não querer dormir, mas o Harry parecia bem disposto a cansar ela, até correram, ele brincou de princesa, assistiu vídeos no celular, e por último ela decidiu que não podia dormir sozinha no quarto novo.
Tentei convencer ela, mas não adiantou. Por último, o Harry disse para ela que não tinha problema nenhum se dormisse com a gente, assistiu mais desenhos com ela, até que dormiu no colo dele. Quando levantou com ela, pensei que fosse levá-la direto ao quarto, mas não, ficou caminhando de um lado para o outro com a pequena, então entendi a tática dele, queria que estivesse em sono profundo.
Fiquei encarando ela dormindo e senti algo estranho, não neles, em mim, levantei e fui até o banheiro, foi como uma angústia repentina, era difícil sentir que tinha alho errado com um momento ou um lugar, mas senti isso.
Passei água pelo rosto e fechei os olhos, meu coração acelerou e comecei a sentir minha nuca latejar. Ansiedade.
Nem escutei quando ele levou ela para dormir, só o vi abrir a porta do banheiro com um sorrisinho que sumiu quando percebeu que eu não estava bem.
- Tudo bem?
- Sim. - Suspirei e levantei o corpo totalmente.
- Não parece bem.
- Mas estou. - Tentei sorrir. - Foi só um mal-estar.
Ele chegou perto, bem devagar, segurou minhas mãos e ficou me encarando como se quisesse desvendar algo, saber o que estava acontecendo sem me perguntar.
- Eu te assustei mais cedo? Lá na adega?
- Não, de jeito nenhum.
Não sei porque lembrou daquele momento em específico, eu já estou tão acostumada com as besteiras que sussurra para mim que me senti bem.
- Sua cara não está boa. - Negou com a cabeça. - Tem algo errado. - Franziu o cenho. - Não está fingindo só para não trepar, não é? Não precisa disso, é só me dizer que não quer e não fazemos.
- Primeiro para de falar a palavra trepar. - Rolei os olhos. - Segundo, não, eu não estou fingindo, não preciso disso. - Deixei claro. - Me senti mal de repente, acho que é ansiedade.
- Ansiedade por quê?
- Não sei. - Dei de ombros. - Foi do nada, eu...não sei, não me sinto bem.
- Por que?
- Não sei, parece que alguma coisa vai acontecer...
- Para. - Pediu rápido. - Nada ruim vai acontecer. - Me abraçou. - Acho que a trepada fica para amanhã.
- Harry!
- Aí, meu Deus! - Brincou, riu e se afastou. - Tá, sexo, sei lá... - Deu de ombros. - Qual seu problema com trepar?
- É grosseiro. - Rolou os olhos.
- Vou jogar videogame. - Deu meia volta e saiu do banheiro.
Pensei que fosse para a sala ou algo assim, mas quando saí do banheiro, me deparei com ele ligando o aparelho, abrindo uma gaveta, pegando um controle e ligando o comando para a televisão descer e ficar de frente para a cama.
Ele se jogou na cama e apoiou as costas nos travesseiros. Vesti uma camiseta grande dele, tirei meu short e deitei ao lado.
Primeiro fiquei encarando ele jogar, futebol, ou seja lá qual fosse o nome exato do jogo. Uma resolução ótima, nem entendo muito de esportes, mas dava para ver que o gráfico do jogo era dos melhores.
Ele ficou meio irritado com o jogo, murmurou xingamentos para ele mesmo, baixinho, mas acabei pegando no sono, é estranho dizer, mas acho que o som do jogo, dos botões do controle sendo apertados e os murmúrios dele me fizeram dormir mais rápido.
Não sei que horas eram exatamente quando peguei no sono, mas acordei de novo com o barulho do jogo, não tinha nenhum relógio e não encontrei meu celular para verificar as horas, mas provavelmente estava tarde.
Me virei na cama, prestes a pedir para ele desligar e ir dormir, mas não tinha ninguém ao meu lado. Encarei a televisão, parece que do nada o barulho do jogo ficou muito mais alto, fiz uma careta e tapei os ouvidos, parecia no último volume.
Levantei da cama e foi quando percebi uma figura, de costas para mim, mas na porta do quarto, que estava aberta. O reconheci na hora, era o Harry, mas parado, imóvel, como se tivesse algo na frente dele.
- Harry, abaixa esse volume! - Ele não se mexeu. - Harry! Anda logo!
Ele não se mexeu, ficou parado, encarando a escuridão, e de repente, chamas apareceram na frente dele, fogo, o corredor inteiro estava em chamas.
Corri até ele, ainda com as mãos tampando as orelhas.
- Harry, a Bella! - Toquei no braço dele, mas não se mexeu. - Harry!
Puxei ele forte, e se virou, mas quando virou, percebi que não era ele. Soltei um grito agudo e fechei os olhos, a figura, de novo, sem os olhos, todo ensanguentado, de repente nem as roupas eram mais visíveis de tanto sangue que tinha.
- Kayra! Acorda!
Me assustei com o grito perto demais e mexi meus braços bruscamente, senti as costas da minha mão se chocar com algo e abri os olhos.
Só a luz de um abajur iluminava o quarto, a do lado dele, o resto estava escuro, a televisão desligada, a porta fechada e eu próxima a ela, e então encarei o relógio na mesa de cabeceira com os números chamativos em cor vermelha. Três e meia da manhã.
Encarei ele, que estava com uma das mãos no rosto, no maxilar, perto da boca, levei um susto e ele percebeu pelo som que soltei pela boca.
- Não foi nada.
- Aí meu Deus... - Corri e liguei a luz do quarto. - Eu te machuquei. - Não foi uma pergunta, foi uma afirmação.
- Não, tudo bem...
- Não, não está tudo bem. - Cheguei perto e afastei a mão dele.
Meus olhos se encheram de lágrimas, primeiro porque machuquei ele, depois porque estava com muito medo de ainda estar sonhando e ele virar aquela figura horrenda de novo.
Fechei os olhos fortemente e comecei a chorar, não aguentei, não queria encarar ele e passar por tudo de novo, e nem machucar ele, por isso tentei me afastar, mas ele não deixou.
Os braços fortes me envolveram em um abraço cheio de desespero.
- Não chora, meu amor, por favor. - Me apertou mais ainda. - Já acabou, não me machucou, eu juro.
- Machuquei, sim. - Chorei mais ainda, não conseguia controlar.
- Não, tudo bem. - Deslizou a mão pelas minhas costas, me abraçando e fazendo carinho ao mesmo tempo. - Tudo bem, já passou.
Estava chorando, mas escutei passos apressados vindos do corredor e junto deles um choro diferente, o da Bella.
- Mãe! Harry! - E ela chorou desesperada, batendo com força na porta.
Ele me soltou do abraço e correu para abrir a porta, quando abriu, ela entrou desesperada, chorando muito, e alto, se agarrou as pernas dele quando fechou a porta atrás dela.
- Princesa, o que foi? - A pegou no colo.
- A chave na porta, Harry, tranca ela!
Franzi o cenho e limpei as lágrimas, Harry atendeu o pedido dela e chorou mais ainda.
- Linda, para que trancar a porta? - Ele perguntou, mas ela chorou de novo. - Hun? O que aconteceu?
- A minha mãe. - Se esticou na minha direção, chorando.
Peguei ela no mesmo momento, a abracei forte. Continuei não entendendo o pedido dela sobre a porta, mas ficando balançando ela para se acalmar, dizendo que tudo bem, talvez tenha me escutado gritar e ficou assustada.
Harry estava nos olhando fixo, quando franziu o cenho e de repente encarou a porta, como se estivesse escutando algo que eu não estava escutando. Foi até a porta e encostou a orelha nela, achei muito estranho e meu coração disparou de medo.
Ele se afastou bruscamente, andando de costas, sentou na cama e abriu a última gaveta da cômoda. A Bella não estava olhando, estava com o rosto escondido em mim, me abraçando forte, mas reconheci o barulho de uma arma recebendo um pente cheio de balas, mas ele teve consideração e a escondeu quando veio na nossa direção.
- Bella, pare de chorar. - Foi uma ordem um pouco rígida. - O que tinha lá no quarto que te assustou tanto? - Ela não respondeu, estava soluçando de tanto chorar. - Princesa, eu posso ir lá ver para você, só preciso que me diga.
- E eu não... - Soluçou algumas vezes. - Não quero mais o quarto. - Voltou a chorar.
- E por que não, linda?
- Por...porque... - Fechei os olhos com os soluços horríveis dela. - Tem um...um monstro lá.
- Um monstro? - Assentiu, desesperada. - Ele estava no quarto?
- Sim, Harry... - Chorou mais ainda.
- E como ele é? Esse monstro horrível?
- E...uma...uma sombra. - Chorou, tentou parar, mas não conseguiu. - Grande, ele...ele me viu dormindo na minha cama. - Eu estava quase chorando de novo com ela.
- E ele tentou te pegar? - Assentiu, e fiquei desesperada. - Correu atrás de você?
- Sim, mas...mas e eu escapei. - Chorou mais ainda. - E...não quero o quarto de...de presente mais. - Ela me abraçou forte e voltou a chorar.
Ele me encarou, sério, e meu desespero correu pelas veias.
Não era só imaginação, tinha alguém no quatro dela, alguém tentou pegar ela, Harry escutou algo atrás da porta, pegou a arma e teve um motivo.
Tem alguém na casa, além de nós três.
- Não. - Segurei o braço dele, estava prestes a sair. - Por favor, não. - Implorei, quase chorando.
- Tranca a porta quando eu sair. - Pediu.
- Não. - Neguei rápido. - Por favor, não me deixa aqui sozinha com ela. - Segurei com mais força. - Por favor. Por favor. - Implorei em um sussurro.
- Kayra! - Me xingou, sussurrando.
- Por favor, estou com medo, não me deixa aqui. - Tentei de novo, agarrada ao braço dele. - Liga para a polícia.
- Eu sou a polícia, Kayra, ele ainda pode estar aqui dentro!
- Então liga para eles, por favor, e protege a gente aqui dentro.
Ele suspirou fortemente, soltou o braço da minha mão e passou a mão livre pelo rosto, passou pelo cabelo e o segurou por segundos.
- Droga! - Xingou. - Merda! - Murmurou, não entendi se era comigo ou com ele mesmo. - Vem logo! - Fez um gesto com a mão.
O segui para o closet, ele também trancou a porta e me pediu para sentar em uma das poltronas dali. Ficou de pé, voltou ao quarto, pegou o celular e ligou para a polícia.
Estava nitidamente irritado, não queria ficar ali conosco, queria sair e ir pegar quem quer que fosse. Fiquei tentando acalmar ela, mas a voz grossa e irritada dele no celular não ajudava.
- Tudo bem, minha florzinha, a mamãe promete que vai ficar tudo bem. - Falei para ela, massageando o cabelo solto.
- O Harry ficou com raiva, mãe? - Soluçou, tentando se acalmar. - Ele...é furioso agora?
- Não, querida. - Beijei a testa dela. - Ele só não gostou do monstro te incomodando, não está bravo com a gente. - Garanti, mesmo não tendo certeza. - Ele vai ficar bem agarradinho com a gente daqui a pouco, tá bom?
- Mãe...e o monstro não vai mais me pegar? - Perguntou, se abraçando mais em mim. - Ele não me quer mais agora?
- Não, o Harry é policial, os monstros tem medo de policiais. - A abracei forte, balançando nossos corpos de um lado para o outro.
- Mas...e...mãe? O quarto é na casa do Harry, o monstro não...não sabia que ele é polícia? - Soluçou um pouco, a vi limpar as próprias lágrimas.
- O monstro não sabia, por isso se assustou e não entrou aqui, entendeu? - Senti ela assentir.
Depois de um tempão de inúmeros telefonemas, ele abriu uma gaveta e camuflou a arma no meio de algumas coisas, ainda irritado, até que nos encarou e parou por segundos.
Andou em passos leves até nós e se abaixou, tocou o cabelo da Bella e beijou a testa dela.
- Tudo bem, eu já estou resolvendo. - Sorriu para ela, mesmo ainda irritado. - Não precisa mais ter medo.
- E o seu furioso é comigo, Harry? - Ele riu, negando com a cabeça.
- Nunca, minha linda, não tenho raiva de você nunca. - Continuou fazendo carinho no cabelo dela. - É do monstro que pensa que pode invadir minha casa, mas ele vai se dar mal. - Garantiu.
- E a polícia pega ele?
- Claro, a polícia pega todos os monstros. - Garantiu. - Logo você vai poder voltar a dormir no seu quarto.
- Não, Harry. - Negou com a cabeça. - E eu não durmo mais sozinha, é só juntos. - Ele assentiu levemente. - Eu tenho medo.
- Não precisa ter medo, princesa, eu te protejo, lembra? - Beijou a bochecha dela. - Não tem problema ter medo, e nem querer dormir juntos.
- Você também tem medo do monstro, Harry?
- Eu? Não. - Negou rápido. - Ele que tem medo de mim, mas não sabia que essa era a minha casa.
- Não sabia?
- Não. - Chegou perto dela. - Ele é burro!
Foi a primeira vez que ela riu. Ele sorriu para ela, jamais deixando de fazer carinho e dizer para ela que tudo bem.
Meu coração estava a mil, e provavelmente percebeu, sentou ao meu lado e me beijou rápido duas vezes, passou um dos braços ao redor do meu pescoço e fez eu deitar no ombro dele.
- Tudo bem. - Sussurrou e beijou o topo da minha cabeça. - Não vou deixar nada acontecer. - Mais um beijo.
Ficou abraçando nós duas ao mesmo tempo, até a polícia chegar. Escutamos o barulho da sirene. Fiquei assustada e sozinha no closet, ele disse que ia ir lá embaixo resolver tudo.
Eu e a Bella tivemos bastante tempo para nos acalmar, ela estava com medo ainda, dava para notar só nos gestos dela, mas pelo menos não estava mais chorando, só soluçando um pouco, bem baixo, apertando o tecido da minha camiseta, quase não consegui vestir meu short de pijama sem ela perceber.
O Harry entrou no quarto e garantiu para ela que estava tudo bem, que o monstro havia se assustado e sumido, e que agora que sabia sobre a casa ser de um policial, nunca mais ia voltar.
Não tenho tanta certeza disso, parece que o monstro está mais perto do que parece.
Ele me pediu para descer com ela, que se tivesse sorte e ela gostasse dos policiais, se não se impressionasse muito com eles, poderia responder algumas perguntas.
- E grande, e...e preto. - Ela disse. - E aí você desenha na sua folha de polícia? - Ela apontou, fazendo o investigador rir.
- Sim, é o meu caderno de polícia. - Mostrou para ela. - Então, Bella, dá para ver que você é muito esperta. - Ela sorriu, adorando o elogio. - O monstro que você viu era alto assim? - Esticou a mão, indicando uma altura.
- Sim. - Assentiu.
- Grande igual a mim, ou mais parecido com o seu amigo Harry? - Apontou para ele, logo ao lado.
Deu para ver que o investigador tinha uma altura considerável, quase chegando na altura do Harry, mas dava para ver uma pequena diferença entre os dois.
- Hum...igual o Harry.
Ele assentiu e anotou as informações dela. Não sei se ela saberia dizer uma altura exata, mas qualquer detalhe os ajudaria.
- E ele estava vestindo roupas pretas?
- Sim, e o rosto dele era de preto também. - Informou. - E...e tudo preto, tio.
- Tudo bem. - Sorriu para ela, tentando não fazer perguntas tão assustadoras. - E o que você acha que ele estava fazendo no seu quarto?
- Ele queria me pegar. - Se recostou mais em mim. - E ele corre rápido.
- Correu atrás de você? - Assentiu. - E você escapou? - Assentiu de novo. - Uau, Harry, ela é muito corajosa. - Eles sorriram um para o outro.
- Ela é muito. - Harry concordou.
- E como fez isso? Fugiu do monstro sozinha? - Ele fingiu estar super surpreso.
- Eu corri muito rápido! - Sorriu grande. - E ele não conseguiu, estava me olhando, e aí eu corri, ele correu e parou. - Fez um gesto com as mãos. - Porque a minha mãe e o Harry, eles abriram a porta do quarto e me pegaram.
- Entendi. - Sorriu, assentindo. - Bella... - Ele franziu o cenho. - E você viu os olhos dele?
- Sim. - Assentiu.
- De que cor eram?
- Verde. - Se abraçou mais ainda em mim. - Mas era o verde do mal.
- Verde do mal? - Assentiu. - Por que?
- Porque o monstro não é de bonzinho. - Negou com a cabeça. - Ele pega as crianças e leva para a casa dele.
- Oh, entendi. - Assentiu rápido. - E ele te falou alguma coisa?
- Não. - Respondeu com a voz baixa.
Vi Harry encarar ela profundamente depois que falou mais baixo, depois me encarou e por último o investigador, pediu para ele parar de fazer perguntas, a Bella já estava muito assustada.
Ele saiu com o investigador, e eu fiquei sozinha com ela de novo, sabe-se lá quando ela vai querer dormir sozinha, mas para falar a verdade, talvez eu não queira mais que durma sozinha.
Fiquei tentando fazer ela dormir, o Harry ainda estava conversando, mesmo depois de o investigador ir embora e dizer que algumas viaturas ficariam na frente da casa, escutei os passos dele se distanciarem, mas não vi para aonde foi.
A Bella me encarou e sussurrou que queria beber água. Deixei ela no sofá e levantei para ir até a cozinha, mas parei no corredor quando escutei uma voz.
Caminhei mais alguns passos e parei na frente de uma porta entreaberta, abri mais um pouco, bem devagar, e reconheci o Harry, mesmo de costas naquela espécie de escritório em construção, não está pronto, posso ver pelas caixas lá dentro, afinal ele tem mesmo o cantinho da bagunça.
- Virou perseguição, Mitch, eu sei. - Franzi o cenho. - Agora a Bella viu, tem as minhas características, eu vou ser pego!
Me afastei da porta, queria sair dali, mas precisava saber mais.
- Faça isso, vá para longe com a Michelle e o Joe. - Fiquei confusa. - Não, ela não sabe. - Uma pausa. - E a sua mulher por acaso sabe? Ah, pois é, que homem. - Fiquei um pouco chocada com as palavras. - Se qualquer coisa acontecer, se eles encontrarem imagens e me verem nelas, acabou, eu perdi, vou ser condenado.
Dei vários passos para trás, a conversa lá dentro parou, fiquei com medo de ter me escutado, então saí um pouco apressada, mas tentando fazer silêncio.
Não faz sentido, a Michelle não pode ter razão, ele não pode ser o culpado por isso, ele disse para o irmão ir para longe.
O Mitch sabe? Espera, o Mitch está envolvido?
Se ele estiver mesmo envolvido, então a Michelle corre perigo, a minha Bella corre perigo.
Kayra! Que isso? Seu namorado é delegado, ele nunca faria isso.
Mas e quanto a conversa que escutei? E sobre ele dizer que ia ser pego?
Para! Só para de pensar!
Preciso de um xanax, um não, uns cinco, me dopar, dormir por vários dias seguidos. Será que ainda estou sonhando? Isso é verdade? O que está acontecendo?
Parei quando cheguei na cozinha, me encostei na pia e massageei as têmporas, é muita coisa, não consigo lidar com tudo isso. Primeiro que ele tem uma arma bem ao lado dele no quarto, tinha alguém na casa além de nós, e a pergunta que fica é: a quanto tempo? Já estava ali quando chegamos? Estava nos observando na sala? Como sabia aonde era o quarto da Bella? Por que ela de novo?
Perseguição foi a palavra que o Harry usou no telefonema, então alguém está perseguindo ele, logo não faz sentido ele ser o sequestrador, certo? Eu não sei, ele poderia estar falando sobre a polícia o perseguindo, ou sobre mim mesma, até porque foi eu quem o fez ficar no quarto e não sair.
Mas como foi parar bem na minha frente enquanto eu estava sonhando? Escutou meu grito e saiu correndo? Não faz sentido, a Bella chegou só depois, dizendo que alguém correu atrás dela.
Mas e se não for o Harry o sequestrador, mas o chefe de todos eles? E se estava tentando me prender no quarto enquanto...
- Oi. - Senti alguém tocar minha cintura. Levei um susto e tentei me afastar. - Sou eu. - Ele riu. - Calma. - Me abraçou, bem atrás de mim, e suspirei alto.
- Desculpa.
- Tudo bem. - Murmurei.
- Está tremendo. - A voz dele soou preocupada, massageando meus braços ao invés de me abraçar. - Não está frio... - Comentou. - Está com medo?
- Sim. - Fechei os olhos, meu coração disparou, nem percebi que realmente contei a verdade.
- Não precisa, linda, nada vai acontecer, eu não deixaria. - Beijou meu ombro. - Amo você, Kayra, eu faria qualquer coisa para te deixar segura. - Sussurrou.
Segurei as mãos dele, não pode ser verdade, o Harry não é nada disso.
É o meu Harry, o homem que só quer me proteger, a a nossa bebê também, como ele mesmo diz.
- Você promete? - Minha voz saiu trêmula.
- Claro que sim. - Me virou para ele, bem devagar. - Você a Bella vão ficar bem enquanto estiverem comigo. - Sorriu, segurando meu rosto para eu encarar ele. - Pode confiar em mim. - Selou nossos lábios.
- Ainda estou com medo. - Sussurrei, sem dizer que o medo é dele.
- Eu sei. - Sussurrou de volta. - Mas não precisa.
- Eu... - Encarei ele profundamente. - Preciso do meu remédio de dormir...
- Nem pensar. - Negou rápido. - Não vai se dopar com aquilo, te faz muito mal.
- Não vou conseguir dormir se não tomar, por favor, só um. - Ele negou com a cabeça.
- Para com isso, Kayra. - Sussurrou, e me abraçou de novo. - Eu queria poder tirar todo seu medo e passar para mim. - Me apertou no abraço. - Odeio te ver desse jeito.
Agarrei ele no abraço, queria me enterrar no peito dele, ficar para sempre naquele abraço.
Os dois não podem ser a mesma pessoa.
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