#Filho pródigo
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“Quando finalmente caiu em si… Vou retornar à casa de meu pai e dizer: Pai, pequei contra o céu e contra o senhor, e não sou mais digno de ser chamado seu filho. Por favor, trate-me como seu empregado“. Lucas 15:17
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O Beijo que Cura.
Sem Curando as Feridas e removendo as Cicatrizes do Coração. A A POWER POINT – SLAIDSHARE Baixe o slide para melhor visualização dos efeitos. Existem dois beijos ofertados a Jesus que ficaram bem conhecidos: O de Madalena em seus pés e o de Judas em seu rosto: O Primeiro gerou a Salvação de uma mulher que tinha tido uma vida inteira de pecados enquanto que o outro causou a perdição de um…
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#Amor#Beijo#Beijo no chão#Conversão#Dedicação#Filho pródigo#Jesus#Joâo Paulo II#Jose Vaumir#Judas#Kairós#Loteria#Maria Madalena#Nova Chance#Papa#Santa Carona#solo brasileiro#Vida Nova.
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Levantou-se e foi para seu pai.
"Estando ainda longe, seu pai o viu e, cheio de compaixão...
Correu para seu filho, e o abraçou e beijou.
O filho lhe disse:
"Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de me chamar de filho".
Mas o pai disse aos seus servos:
"Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Coloquem um anel em seu dedo e calçados em seus pés.
Tragam o novilho gordo e matem-no. Vamos fazer uma festa e comemorar.
Pois este meu filho estava morto e voltou à vida;
Estava perdido e foi achado’.
E começaram a festejar.
- Lucas 15:20-24
#jesus#cruz#cristã#gospel#filho#abba#pai#aba pai#fé#perdão#amor#crente#church#holy spirit#paz#god#Deus#Pai#pródigo
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Lugares a que não vou dar
São-me tantos ao caminho.
Sou da vida esse filho
Pródigo, sem ter voltar.
E vou por esse relento
De céus, puramente marginais.
Como se fossem reais
O caminho. O rasto. O vento...
... Vento dissimulado
De voz e fado
Indo ter a foz sem mar...
Estou cansado
De estar cansado
Dos lugares onde vou dar...
jorge du val
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𓆸 ⠀ ──── ⠀ a distância não nos permite enxergar melhor,⠀mas achamos que em cima daquele dragão está zoya mannerheim-vyrkhandor, uma cavaleira de vinte e seis anos, que atualmente cursa a quarta série e faz parte dos montadores.⠀ dizem que é obstinada, mas também egoísta.⠀ podemos confirmar quando ela descer, não é?⠀ sua reputação é conhecida além das fronteiras, e dizem que se parece com elle fanning.
⠀ one. ⠀[ .⠀.⠀. ]⠀ 𓆸⠀ ──── ⠀ 𝒃𝐚𝐬𝐢𝐜 𝒔𝐡𝐞𝐞𝐭 .
⠀nome completo: zoya mannerheim-vyrkhandor. ⠀apelidos: zy. ⠀pronomes: ela/dela. ⠀sexualidade: bissexual. ⠀idade: 26 anos de idade. ⠀árvore genealógica: elaina mannerheim, mãe; kynan vyrkhandor, pai; branon vyrkhandor, ancestral. ⠀escolaridade: instituto wülfhere, quadrante dos cavaleiros. montadora de dragão.
⠀ two. ⠀[ .⠀.⠀. ]⠀ 𓆸⠀ ──── ⠀ 𝒃𝐚𝐜𝐤𝒔𝐭𝐨𝐫𝐲 .
⠀⠀⠀⠀⠀⠀❝ Tudo começa assim: há tempos imemoriais, conta-se a história do primeiro general changeling, colocado pela deusa Erianhood como uma luz em meio ao caminho do Imperador. Histórias são passadas em meio às gerações; essa possui uma aura distinta indelével. Branon Vyrkhandor foi moldado em figura histórica, quase mítica, aos olhos dos meio-féericos; a perpetuidade de sua ilíada se deu a partir de seus descendentes. Após casar-se com Celeste Estermont, humana, Bran recolheu-se com a senhora sua esposa, tiveram seus filhos e viveram felizes para sempre. ❞ Essa era a história contada dentro da propriedade, no meio familiar. O final sempre foi desapontante aos olhos de Zoya; seu bisavô já era um changeling de certa idade quando a pequena menina se pendurava no braço da poltrona, pedindo por mais aventuras. O velho changeling sempre partilhava de olhos tempestuosos para os outros ─ nunca para a bisneta favorita. Mediante o pedido, Bran se aprumava em seu assento e decidia, brincalhão, lhe contar uma de suas histórias favoritas: o nascimento de Zoya Vyrkhandor. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀✲ Kynan Vyrkhandor se fez merecedor da alcunha de filho pródigo. Neto de Bran e Celeste, o changeling crescera para se tornar um dos mais gloriosos montadores de dragão de Wülfhere, permeando os céus com a companhia de sua dragão. O esperado era que, como seu pai antes dele, tomasse como esposa uma humana para estreitar as relações normalmente quebradiças entre changelins e humanos; tinha a noção ínfima que a união era comumente mal-vista e não distava do obsceno aos olhos de famílias conservadoras. Tinha nas veias a mesma porcentagem de dever e de sangue e, por isso o choque quando desposou uma colega de Instituto: Elaina era uma bastarda de uma família rica, tinha olhos vorazes e, embora não tivesse conexão com os dragões de Wülfhere, era uma exímia aluna na Infantaria. Não depois de muito tempo de casados ─ cerimônia que se deu em semana simultânea à formatura ─, esperavam a primeira filha: Zoya. A pequena partilhava dos traços indistinguíveis da linhagem que a concebeu: as orelhas pontudas, pele leitosa e pouco reluzente, fios dourados bem claros de cabelo e olhos de cores distintas: o esquerdo no tom natural de verde e o direito, num claro e indistinguível violeta. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀✲ A glória antepassada não tornou-a imune aos preconceitos que nasciam arraigados à existência dos changelings. À margem da influência dos Vyrkhandor, ainda era meio-feérica, e nem uma família como a sua podia dar-lhe uma existência plenamente privilegiada enquanto minoria. A pequena, mesmo miúda, via em seus pais figuras que a inspiravam em minar o próprio medo ─ partilhava também da noção de que seu destino estava traçado em Wülfhere anteriormente ao próprio nascimento. A primeira infância de Zoya, em alguns momentos, foi vivida perto da excelência da corte do Imperador: a família Vyrkhandor nunca perdera a amizade e laços estreitos (ao máximo, a partir do discernimento da ínfima polaridade das raças) com a Coroa. [tw: mutilação] Tal experiência a fez ter tamanha noção de opulência e, em maior medida, de crueldade: não passava de uma figura mirrada quando um grupo pequeno de crianças dos khajols a cercou; como retaliação silenciosa pela sua simples existência como changeling, Zoya teve a ponta de sua orelha esquerda cortada, dissecada de maneira irregular, por uma faca enferrujada, em uma forma que relembraria uma orelha humana; costurada apenas horas depois, quando a dor se tornou tão profunda que não podia mais esconder o cabelo sujo de sangue dos pais [tw: fim do tw].
⠀⠀⠀⠀⠀⠀✲ Aos oito anos, como todo changeling, fora submetida ao Instituto Wülfhere voluntariamente, onde o voluntariado em questão partiu do cerne familiar enraízado ao Instituto Wülfhere. A experiência, por si só, foi intensa desde o princípio: a começar por uma quase-morte por um pequeno deslize nos parapeitos e momentos intensamente difíceis na instituição, sua glória familiar veio aos doze anos ─ um peso que não sabia que pesava seus ombros descansou no dia da colheita dos ovos, onde o instinto pessoal a fez colocar os olhos (e mãos) em um grande ovo em um claro e brilhante tom de dourado. Apesar de inserida em um meio familiar disciplinado, mesmo que amoroso, a instituição foi o lugar que despertou nela seu senso próprio: a primeira filha de uma geração de primeiros filhos, era uma das principais responsável por continuar a guiar o legado da família à glória. Tal realização despertou em Zoya uma voracidade digna de um dragão: a árvore genealógica era extensa e qualquer um podia ter a sorte de se consagrar na sociedade. Ela, particularmente, não acredita em sorte ─ e sua vontade de se tornar a melhor entre os seus se tornou a força motriz de suas noites em claro, intensamente dedicada a se tornar uma aluna exímia, a melhor de sua família; seu centro gravitacional mudou e o ponto primordial deste é que sua figura reside no centro imediato; desde jovem, ainda menina, passou a se reconhecer como sua maior (e praticamente única) aliada. Zoya entendeu inconscientemente que o respeito é o mais viciante dos narcóticos e pensou que, se tornando uma figura consagrada, como o bisavô, poderia conquistar mais do que sendo apenas um efeito colateral de gerações de pessoas boas; seu interesse não residia em ser boa, apenas em ser a melhor; se não mais famosa que Branon, o General, seu desejo mais ínfimo era ser tão admirada quanto. Essa postura ainda a transformou em uma pessoa intensamente calculista e que, aos poucos, a afastou sutilmente dos ramos cadetes de sua família: sentimentos cegam e, no que tange à meia-feérica, a necessidade amarga e aflitiva de se sobrepor aos outros de sua geração familiar fez de Zoya uma peça adversária constante em relação aos seus afins. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀✲ Anos depois, o ovo dourado resgatado por ela na colheita despontou em um filhote voraz e irriquieto. Aeksion, como ela o nomeou, veio a ela como um Flamion enérgico e cheio de energia. A essa altura da vida, Zoya dedica-se imensamente à vida acadêmica, estando no entremeio da quarta e última série de sua formação como cavaleira. Decidiu se especializar em Emboscada Aérea, aprimorando suas habilidades táticas em relação à ataques furtivos em seu dragão e realizar operações mais secretas, sem chamar muita atenção.
⠀ three. ⠀[ .⠀.⠀. ]⠀ 𓆸⠀ ──── ⠀ 𝒆𝐱𝐭𝐫𝐚𝐬 .
𓆘 ⠀⠀ o dragão ⠀ ──── ⠀Aeksion, o Dourado, eclodiu de um ovo brilhante e veio ao mundo como um Flamion deveras animado. Suas escamas apresentam o mesmo tom do ovo originário, um dourado reluzente, com as membranas das asas assumindo um tom avermelhado nas pontas. O dourado se confunde com bronze ao longo dos espinhos da grande cauda do animal, percorrendo o fim da espinha dorsal e, embora mais escuros, são tão chamativos quanto suas escamas. De começo, era notável que a fera não partilhava de índole consideravelmente carinhosa e era, de fato, consideravelmente arredia, não somente com a própria montadora; entretanto, os anos se passaram e a confiança cresceu consoante aos dias convividos em uníssono e, nos dias atuais, apesar de ainda ser uma fera consideravelmente temperamental, a ligação presente na alma dos dois se tornou consistente, espessa e inquebrável, tornando o dragão mais convidativo e carinhoso para com a presença de Zoya constantemente em seu encalço. 𓆘 ⠀⠀ mais conteúdo ⠀ ──── ⠀pinterest; playlist.
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Talvez as circunstâncias estejam lhe dizendo que você caiu e terá que viver caído. O filho pródigo estava caído e disse: “Levantar-me-ei e irei ter com o meu pai.” A lembrança, a saudade do pai foi que o levantou.
O que as pessoas ao seu redor veem em você? Deixe que eles vejam o amor de Jesus, deixe que eles vejam a compaixão de Jesus. O Senhor disse: “Olhai para mim.” Onde as pessoas vão ver Jesus hoje? Um Jesus feito de ouro e de prata? Um Jesus feito de gesso, pintado e levado ao forno? Um Jesus de areia e cimento? Não. As pessoas verão Jesus por meio da nossa vida, do nosso testemunho, dos valores dele demonstrados em nossa vida.
Nós somos o corpo dele. Houve um momento em que os discípulos pediram a Jesus: “Senhor, mostra-nos o Pai.” E Jesus disse: “Quem vê a mim, vê o pai.” Ser cristão não significa aquele que é da religião de Cristo, mas aquele que tem a vida de Cristo.
Deus está interessado em pessoas, vidas, e que elas fiquem de pé, para que a vida delas e o prazer sejam a alegria da comunhão com Ele, de estarem na casa do Senhor, saltando de alegria, de gozo. Não deixe que circunstâncias, algum mau testemunho roube de você aquilo que Deus tem para a sua vida, e saiba que o que Ele tem é sempre o melhor.
Jesus Cristo foi levantado na cruz, nela Ele deu o Seu sangue, deu a Sua vida. O castigo que devia vir sobre mim e sobre você, veio sobre Ele. A salvação é um gesto de olhar para Jesus, entendendo que Ele é o Filho de Deus, o Messias, que somente Ele pode libertar, curar e salvar uma pessoa. Que somente Ele é Deus.
“Àquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele." Apocalipse 1:5.
Deus te abençoe!
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Ministério de Evangelização Fala DEUS 📖🔥
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Me pus novamente a navegar num barquinho de papel, no mar de águas gelidas e turbulentas que cagerrego no peito. Eu gosto da sensação, daquilo que me sustenta ir se diluindo aos poucos, até que eu afunde lenta e dolorosamente, e não ser capaz de enxergar a superfície. Em cada segundo afundando, sinto a temperatura diminuindo gradativamente, então, no primeiro estágio de hipotermia, meu corpo luta com todas as forças para tentar gerar um calor intenso.
Continuei afundando.
Enquanto sigo imersa nas correntes de dor que passam violentas por mim e mudam meu norte, enfim falho na tentativa de me salvar dos meus pensamentos. Minhas estruturas celulares diminuem o fluxo sanguíneo, na esperança de atrasarem o óbito. Nos estágios finais, sem ar, sem opção de sobrevivência, eu morro aqui dentro mesmo, tendo total consciência que provoquei meu próprio fim. Eu gostava de me causar dor. Minha melancolia me acolhia, feito a morte esperando, de braços abertos, um filho pródigo que retornará para seus braços em cada reencarnação. A tristeza se acostumou a abrir as portas para mim. Por anos eu acostumei a ser inquilina. É confortável viver na dor, na tristeza, na insatisfação das expectativas. Ser feliz que é foda. Momentos felizes são curtos, difíceis de serem vividos e alcançados. Ser feliz e sentir alegria exigem muito mais esforços do que se colocar em um barco frágil e permitir naufragar numa imensidão de lamentos.
Ser feliz é para quem tá disposto a viver uma vida em busca de um único segundo de felicidade, que dão sentidos pra uma existência inteira.
Se lamentar é a opção mais fácil. E eu, apesar de me submeter a morte em alguns longos dias, espero acordar na manhã seguinte e acreditar que tenho potencial pra buscar minha alegria, nem que seja ela um segundo, nem que seja um único beijo, um único olhar, uma única música. Um momento. Nem que seja tão curto quanto um milésimo, afinal, ouvi dizer que milésimo são eternos na imensidão de infinitos.
Eu reanimei meu corpo noite passada. Depois de me tornar gelo. Hoje o dia foi ensolarado, e ao sentir os raios de sol tocarem minha pele. Meu corpo entrou em combustão. Hoje eu não visitei o fundo dos oceanos. Hoje eu fui pra estratosfera. Vi planetas, estrelas, cometas. O vazio estava presente lá, porém foi mero detalhe. Meu encanto foi pelo universo que me espera.
— Beija-Flor.
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deus é um círculo ✞ padre charlie mayhew & megan duval
one-short ✞ pt version. entre a angústia & o desejo reprimido.
também está publicada no wattpad, caso preferir ler por lá :)
i don't fear god, but i fear being rotting myself (inspo playlist)
notas da autora: meus caros leitores, essa história de capítulo único nasceu enquanto ouvia minhas músicas, misturado a uma vontade de explorar possibilidades dentro das personagens de Grotesquerie - no caso do Padre Charlie Mayhew & Megan Duval. com isso, comecei a escrever "Deus é um Círculo", como não só uma homenagem a esses personagens tão icônicos quanto também para treinar mais a minha própria escrita, explorando ao máximo o trabalho de desenvolver diálogos e ações em uma história. inspirada principalmente na música God Is a Circle, do cantor Yves Tumor, essa história que conta com mais de 10k palavras dialoga sobre passados, medos, crenças e descrenças.
para quem for ler, desejo uma ótima leitura! críticas construtivas e comentários são sempre muito bem-vindos <3
contagem de palavras: 10k e uns quebrados ao todo.
✞
A casa fedia a morte.
Algo apodrecendo, impregnado na madeira descascada do piso, emanando pelas ranhuras da tinta descascada na parede. Mosquitos zuniam ao redor do mofo que se alimentava da umidade nos cantos. Era tudo tão deprimente, a frágil luz daquele belo dia dominical parecia perder forças dentro daquela casa morta.
Pilhas de resto de comida do jantar da noite anterior ainda estavam na mesa – pratos de porcelana amarelados com rastros de molho de tomate pastoso, pedaços de carne moída sendo comidas agora pelos mosquitos, lenços sujos dobrados, uma vela derretida jogada no meio daquela zona pitoresca. Havia uma garrafa de vinho com a rolha mal encaixada pela metade no canto da mesa, onde no lençol rendado que era para ser alvo mas agora era um tom de amarelo envelhecido, manchas irregulares de vinho traçavam um caminho por toda a mesa de seus lugares.
Charlie respirou aquele ar azedo, indigesto, sentindo certo arrependimento em ter aceitado estar ali. Porém seu coração empático e seu senso de justiça falaram mais alto quando a velha senhora o cutucou logo após a missa matinal, há uma semana atrás, lhe chamou para um cantinho e contou-lhe uma triste história de vida que tocou bem no ponto frágil de sua alma: a história familiar, a parábola do filho pródigo moderno que saiu de casa e quando voltou pedindo perdão, se arrependeu do berço que nasceu, se revoltou e largou mais uma vez todos e tudo para sumir no mundo. Uma história de dor, separação, perdas. O esposo doente que não aguentou o ressentimento de ter criado um filho ingrato, um filho infeliz com a vida simples, ambicionando por tudo, uma neta querida que perdeu as paixões pela vida e agora estava beirando a morte. Sozinhas, aquela aparente doce senhora rogou para que Charlie tomasse suas dores, fosse visitá-la e desse a extrema unção a neta que parecia uma doença desconhecida. Na hora nem passou na mente do jovem pároco a possibilidade de questionar se ela passou por consulta médica, se estava tendo algum acompanhamento profissional ou algo similar, tudo que ele fez foi suspirar profundamente descarregando o peso do mundo de seus ombros, olhar profundamente nos olhos velhos daquela mulher, segurar com leveza seu ombro e confirmar que estaria visitando-as logo mais.
Uma semana passou desde então, ele quase se esqueceu da visita, mas ao revê-la entre a paróquia, sua mente foi impelida pelas palavras dela, o pedido e sua honra em cumprir a própria palavra. Então no final da Missa ofereceu para levá-la para casa, assim iria aproveitar para cumprir com a promessa. Pegou sua maleta em couro preta, com tudo que precisava para a extrema unção: o óleo e água benzidos, sua bíblia e um conjunto de velas finas e brancas que gostava de ofertar à família como um incentivo do que ele chamava da “não perda da fé”: com a vela, os membros da família do enfermo, até mesmo o próprio dependendo da sua situação, eram encorajados a acender a vela e rezar durante seis dias, em busca do perdão e da cura. Ao sétimo dia o descanso viria como forma de regozijo e alívio da tensão pela espera.
Havia também um terço e uma toalhinha, uns folhetins com Ave-Maria e Pai-Nosso nos versos e uma caixinha com balinhas de menta que ele adorava mastigar quando estava ocioso.
O trajeto foi silencioso, ouvia-se o ronco suave do seu chevrolet vegas preto. Na realidade a senhora ficava murmurando o que ele supôs ser uma oração, ou algo próximo a isso, tornando a viagem através da rodovia um tanto quanto… curiosa. O máximo que ela disse foi que tinha que acordar cedo e deixar a neta à sua própria sorte para pegar o ônibus até a igreja. A sua igreja. Com aquela informação, Charlie encheu-se de questionamentos que colidiram com a curiosidade acerca daquela senhora, apenas meneando a cabeça mantendo a concentração na estrada que se abria à frente deles. Enormes árvores nas laterais antes de uma longa extensão de pasto, fazendas, milharais e moinhos abandonados.
A casa da senhora ficava em uma estradinha que cortava a estrada principal à direita, de terra batida, mato alto, levando-os até uma propriedade antiga, média, parecendo uma antiga fazenda que estava parada há anos. Um celeiro grande estava mais aos fundos da casa de madeira, dois andares, uma enorme árvore centenária se retorcia ao lado da casa, envolvendo-a em um abraço sombrio. Apesar do sol acima deles, a propriedade em si emanava uma escuridão própria. Ambos caminharam até a entrada, e pela porta-dupla com a tela transparente ele já notou a situação da casa.
E lá estava ele, parado naquela sala esquisita emanando um odor rançoso de vinagre com gordura pastosa, molho de tomate e vinho acidificado. Estranhamente a senhora estava cheirosa – desde o dia que ela lhe puxou para o cantinho até o dia de hoje, ela lhe chegou exalando à banho tomado, uma fragrância da pele morna e limpa, shampoo e uma borrifada de perfume atalcado.
A mão enrugada e gelada da senhora segurou a sua mão livre, o puxando levemente para a direção do lance de escadas a sua frente:
— Siga-me Padre!
Deixando-se levar, as pernas longas de Charlie caminharam incertas pelos degraus da escada de madeira que rangia debaixo dos seus pés calçados em botas de couro pretas. Subiram as escadas, Charlie contou doze ao total, chegando no segundo andar da casa que era um corredor retangular com três portas dispostas em cada lado e uma no meio, todas fechadas, uma janela fechada acima do lance das escadas, um papel de parede listrado em cor âmbar, o piso de madeira com algumas ranhuras.
— O quarto dela é o do meio…
— Você não irá me acompanhar? —perguntou o homem ao ver a senhora dar meia-volta em seus calcanhares, prestes a descer, ela ergueu seu olhar para ele, havia uma mistura de medo com uma leve ironia pendendo no seu olhar cansado. Sorrindo, as rugas ao redor de seus lábios craquelando mais ainda, ela lhe respondeu num sussurro: — Esse momento cabe apenas a você e a Micaella.. Deu de ombros, descendo a escada. Charlie se virou para frente estarrecido com aquela resposta, suspirando profundamente antes de virar e encarar a porta onde a enferma repousava.
Micaella.
Agora havia um nome para mencionar a pessoa adoentada.
Passos lentos o levaram até a porta onde num gesto automático, ele se pôs a dar três batutinhas na porta, esperando uma resposta. Nada. Apenas um profundo silêncio. Ele tentou mais uma vez, colando sua orelha para escutar melhor algo além da porta – nada. Sua mão foi até a maçaneta de ferro fundido, pesada e gelada, rodando-a para a esquerda abrindo a porta, olhando pela pequena fresta metade do lado direito do quarto: papel de parede floral cor rosa-queimado, uma janela de madeira bege-claro fechada, cortinas de algodão com uma estampa floral completamente branca aberta, permitindo que a luz amarelo-claro vindo de fora penetrasse pelos retângulos da janela embaçada, produzindo um rastro de luz pelo chão. Ao abrir a porta toda, com os olhos atentos e vasculhadores, logo se deparou com a cama de casal em dossel, com um tecido transparente fazendo uma cabana ao redor da figura que ele conseguia observar um contorno. Uma pequena cômoda ao lado direito de madeira escura, com pés entalhados num estilo que remetia ao estilo barroco com ondulações, onde havia uma jarra de vidro com água, um copo com metade do líquido na beirada, uma caneca com uma vela derretida pela metade e uma caixinha de madeira no outro canto. No lado esquerdo havia um guarda-roupa, uma cadeira e outra janela entreaberta que dava para a enorme árvore onde a ponta de alguns galhos arranharam na janela, provocando um ruído chatinho ao fundo.
Charlie pigarreou para chamar a atenção da mulher por trás da manta, mas não houve nenhum movimento. Receoso, ele caminhou até a cadeira isolada no canto, pegando-a, para levar ela até a lateral direita da cama onde uma fresta do manto permitia ele olhar a mulher acamada. A primeira coisa que ele viu foi um braço estendido, pálido, dedos finos quase ossudos, unhas cortadas. A manga da camisola branca abraçava metade do seu braço com um detalhe em renda e uma fita de seda rosa que o apertava na pele. Subindo seu olhar, a pele exposta era muito pálida, quase sem cor, a clavícula muito funda entre a pele, manchas vermelhas e roxas pela ao longo da pele, onde com a outra mão ela segurava seu próprio peito. No pescoço um colar com pérolas pequenas, do tamanho de uma ervilha, onde na sua ponta pendia um crucifixo prateado. Charlie ergueu o olhar, pescoço, queixo, lábios ressecados, nariz, olhar que o encarava, testa suada, cabelo jogado. Olhar. Seu peito ardeu quando encarou novamente aqueles profundos olhos de pupilas dilatadas, opacas, lentas, distantes. Engoliu palavras que vieram até a ponta da sua língua, observando-a como um todo: seu rosto remetia a Pietá de Bouguereau, com uma profunda dor concentrada naquele par de olhos fundos, olheiras vermelhas, cabelos muito espessos ao redor do rosto magro formando um véu.
— Micaella.
— ....
Levantou as sobrancelhas com seu silêncio. Sorriu amistoso a mulher, colando sua mala na cadeira para virar nos seus calcanhares e caminhar até a janela fechada, onde com um tranco ele conseguiu abrí-la:
— O ar fresco irá ajudar a te refrescar! — Voltou-se para ela, respirando o ar que invadiu o quarto pela janela, balançando de leve as cortinas ao seu redor, tudo sendo observado pelo olhar de Micaella que não esboçou nenhuma reação. Charlie colocou as mãos na sua cintura, caminhando até ela: — Você se importa se eu abrir aqui um pouco? — Apontou para o tecido que tampava sua cama. Micaella negou com a cabeça após uma longa pausa, Charlie tomou aquilo como um movimento positivo vindo dela, mantendo o bom-humor que repentinamente lhe pareceu ser uma boa tentativa, ele abriu um pouco daquele tecido para que a luz natural e o ar fresco pudessem banhar o corpo de Micaella melhor, além de afastar um pouco aquela sensação estarrecedora de abafamento que sentia só de olhar para sua cama.
Tirou sua maleta da cadeira, se sentando nela:
— Sou o Padre Charlie Mayhew, fui convidado por sua avó para estar… — Olhou-a repentinamente, mesmo inexpressiva ela o encarava no fundo de sua alma, ouvindo cada palavra dele que pigarreou tomando cuidado com suas próprias palavras: — te vendo, te abençoando, quem sabe conversando…
— Eu te conheço.
— Oi? O que você disse Micaella? — Pego de surpresa, a voz da mulher soou como um sussurro raspante. Micaella finalmente se mexeu – havia vida por todo seu corpo –, apoiando os cotovelos na cama, erguendo-se um pouco até ficar levemente inclinada em três travesseiros que apoiavam seu corpo deitado. Ela apontou para o copo d’água, indicando para que Charlie o pegasse, que foi o que ele fez, entregando-a com uma profunda perplexidade. O toque de dedos fez algo estremecer todo seu corpo – uma onda gélida, um precipício que o encarava de volta, a morte rondando-o diretamente. Micaella bebeu água com uma sede de quem não via um copo d’água há dias. Água escorrendo pelos cantos, pingando no seu colo do peito, na manta que cobria suas pernas. Entregou-lhe o copo, limpando a boca com as costas da mão, esboçando um sorriso tímido. Charlie pegou o copo, colocando-o de volta ao seu lugar com cuidado.
— Eu já fui em algumas missas que você celebrou. Há uns meses atrás… Minha avó te adora!
— Oh — as bochechas do homem ficaram vermelhas, esquentando seu rosto repentinamente: — fico enormemente lisonjeado, porém devemos adorar apenas Deus Nosso Senhor! — Uniu as mãos, sorrindo abertamente, tentando trazer um leve humor engraçado para o quarto. Micaella o olhou de cima para baixo, acenando com a cabeça, as mãos agora unidas em cima de seu colo. Ela perguntou:
— O que te trás aqui mesmo, Padre?
— Eu vim a convite da sua avó. Conversar um pouco com você, rezar pela sua situação, te benzer…
— Extrema unção, seria isso?
Charlie parou de sorrir, ficando sem jeito de rebater a jovem. Poderia mentir, era óbvio que ele poderia abrir a boca e tecer mentiras reconfortantes pois ele se colocava numa situação hipotética onde ele, na idade dele agora – ainda muito jovem – naquela situação de quase morte, enfiado em uma cama, num quarto abafado, no meio do nada, apenas ele e sua avó… Seria de partir seu coração caso um padre estranho chegasse no seu quarto e simplesmente lhe dissesse que estava ali para ministrar uma extrema unção, dando-lhe um voto incerto de cura ou de morte. Porém mentir iria contra seus princípios, tudo que aprendeu nos longos anos como seminarista, iria contra as crenças pessoais dele que sempre traziam a verdade como uma das principais ferramentas de sua evangelização.
Era difícil permanecer convicto com seus princípios quando se encarava uma situação tão delicada quanto aquela… Pobre criatura de Deus! Imaculada pela pureza, açoitada pela doença da carne. Refletiu enquanto ponderava a melhor resposta. Quando movimentou os lábios em uma inflexão do queixo para respondê-la, Micaella o cortou:
— Eu sei que é uma extrema unção Padre, não precisa fugir do óbvio.
Charlie a olhou com dúvida, uma repentina surpresa pela franqueza da mulher que continuou, guiando os olhos opacos em direção a porta fechada, como se enxergasse além da mesma:
— Eu os ouvi ontem durante a janta… Eles quase gritavam que eu estou perdida, sem rumo, sem Deus no coração e é por isso que fui amaldiçoada… Deus me puniu com a doença da carne que apodrece sem motivo aparente, como uma maçã que cai do pomar e não é consumida, largada a`relava, a própria sorte — lágrimas brotaram de seus olhos, pequenos rios que nasciam vindos de uma dor intrínseca: — eles berraram para eu escutar que eu vou morrer, que esse pecado que nasceu comigo nunca será arrancado de mim — suas mãos foram até o peito, na direção do coração: — mesmo que eu já tenha tentando arrancar de mim, não há nada que eu possa fazer. Nada que eu poderia tentar fazer… Minha morte já estava anunciada desde que eu nasci, minha avó por mais que me ame e tente me proteger do mundo sabe que minha existência é tão finita quanto a dela. Eu temo por ela porque não sei se ela aguentaria enterrar outra pessoa que ela ama tanto novamente… e eles continuaram a rir e a dançar e a festejar. Até invadirem meu quarto, me puxar da cama, me forçar a dançar e a beber vinho para celebrar a vida. A vida deles, e a minha morte. Minha morte, Padre Charlie, minha morte! — Seus lábios tremiam, era assustador que mesmo chorando rios grossos com ossos transvertendo, a voz dela se mantivesse calma, quase uma linha perfeita sonora que penetrava na alma de Charlie que estava petrificado na cadeira apenas a escutando.
— Eles me querem morta porque eu sou a ovelha negra da família, a má anunciação, o mau presságio, o apocalipse e o dragão de sete cabeças que veio para atormentar eles. Eu sou o mau, a morte, o anticristo… para eles. Então ontem eu fui obrigada a dançar em cima do meu próprio caixão e beber do sangue sagrado antes que eu morra. Morra por uma doença que veio do nada, que está me consumindo, me deixando fraca, frágil, sensível, que está impregnando a casa com morte e a todos com um humor deprimente. Você se sente estranho Charlie? Se sente estranho por estar aqui agora?
Arrebatado pelo rosto angelical de Micaella que se contorcia em dor e rancor, franzindo o cenho da tez lisa enquanto os olhos molhados tomavam um brilho rancoroso, os lábios dela abriram em um sorriso desalento. Uma mão invisível pegou o núcleo de sua alma e a puxou para perto de Micaella. Ele perdeu a razão por segundos antes de engolir palavras confusas e um choro que surgiu do seu âmago antes de tomar uma consciência estranha do seu corpo como nunca antes. Percebeu que o quarto cheirava a mel, incenso e vinho fresco, e uma cheiro de suor adocicado emanava de Micaella misturado a um óleo de mirra e argan, seu hálito era muito fresco e seu corpo tremia por inteiro, arrepiando após as palavras dela pinicarem ele por um todo.
Sua cabeça zuniu e rodopiava em círculos de pensamentos mórbidos e palavras que Micaella lhe disse.
Ele se sentia estranho?
— Não.
A resposta simples, monossilábica pareceu pegar a mulher de surpresa que se afastou puxando essa alma dele agora conectada à ela consigo. Ele ergueu os olhos pra cima querendo enxergar além da parede cimentada. Murmurou:
— Deus está nos observando agora Padre.
— Creio que sim —
— Isso não foi uma pergunta, Charlie — olhar afiado atravessou ele: — é uma afirmação. Deus está nos observando, sempre especulando nossas vidas, mas ausente o suficiente para não me salvar. Isso não é egoísmo, Charlie?
— Creio que estamos atravessando os limites de uma conversa saudável Micaella, olha eu vim para te trazer inspiração e te benzer para uma cura — com uma repentina pressa, Charlie buscou sua maleta, abrindo-a num clique, remexendo seus pertences, puxando o frasquinho de um óleo ungido junto a sua bíblia. Sentiu a mão gelada de Micaella envolver sua mão que segurava os objetos, a carne macia sobrepondo a dele, quente e frio se misturando. Ergueu o olhar assustado, dando conta que ela se aproximou dele, o corpo pendendo curvado para seu lado:
— Charlie, eu não quero conversar com o Padre. Eu quero conversar com você, Charlie.
— Micaella —
— Por favor — ela agora havia empurrado seu corpo mais para frente, as pernas saindo do lugar onde ela sentou em cima dos tornozelos, uma clemência imediatista vindo de seu rosto: — por favor. Eu te imploro! Estou cansada de ter que dar satisfações à médicos, enfermeiros, psiquiatras, padres… Eu só preciso de alguém com quem conversar antes de morrer.
Charlie suspirou, exalando um peso incômodo que comprimia seus pulmões. Se ele se despisse do seu papel como pároco ali, no meio do nada, ao lado de uma doente terminal, ninguém iria saber… bem, ao menos essa conversaria ficaria entre eles, as quatro paredes florais e o Onisciente Divino. E Deus não iria castigá-lo caso uma vez em toda sua vida ele finalmente se ausentar da sua batina e expusesse seu lado que guardava apenas para si mesmo, seja nos pensamentos falhos ou nos momentos imerso em profundo silêncio e escuridão de seu quarto, seria um alívio conversar sendo apenas o Charlie Mayhew sem o peso do Padre antes do seu nome, uma forma de expor seus sentimentos contidos e os medos humanos que ele como sua figura de pastor não deveria em hipótese alguma expressar a seus fiéis. Seria algo que Micaella levaria consigo para o túmulo – assim como ele. Um segredo que se perderia a sete palmos do chão.
Deus não me julgará por ser honesto e fraco uma vez na minha vida. Às vezes a miséria e ignorância são dádivas divinas.
Acenando positivamente, Charlie anunciou sua resposta deixando a mulher aliviada, que desfez seu aperto na mão do homem que estranhamente sentiu algo vago quando ela se afastou, voltando a se acomodar nos seus travesseiros enquanto Charlie deixava a bíblia e o frasquinho na cômoda.
— Você não desistiu completamente de me ungir, né?
— Vamos fazer o seguinte — Charlie arrastou a cadeira para perto da cama, até seus joelhos de suas pernas cumpridas ficarem comprimidos contra a madeira da cama de Micaella, ele encarou-a sério: — iremos conversar o que você quiser, sem máscaras ou qualquer outra coisa, eu sendo Charlie e você a Micaella. Então, quando terminamos, eu te darei a extrema unção e você será curada.
— Combinado. Apesar de eu ter certeza que nada nesse mundo poderá me curar.
— Como pode afirmar algo assim Micaella? Sua falta de fé me intriga.
— Porque… bem… Já tentamos de tudo. Tudo mesmo, até esses tratamentos alternativos, minha avó gastou uma pequena fortuna, quase arruinou a herança da nossa família. E nada resolveu. Como te disse isso está dentro de mim de uma forma que só com a morte será capaz de ser arrancado. Exterminado. Sinto muito em te decepcionar e ser honesta que nem sua reza poderá me curar.
— Milagres existem Micaella. — Ele rebateu, cruzando os braços encostando-se na cadeira, erguendo ambas sobrancelhas para a mulher que sorriu desafiadora. Charlie viu uma chama vivaz acender nela e isso acendeu nele uma sensação prazerosa de entretenimento. Quanto mais ele pudesse fazê-la se sentir confortável e viva, ele se sentiria bem consigo mesmo, com a sensação de missão cumprida.
— Eu duvido.
— Então você duvida de mim mesmo.
— Como assim? — Curiosidade iluminava seu rosto, ela se sentou completamente na cama, todos ouvidos a Charlie que meneou a cabeça segurando um riso.
— Eu sou um milagre. Um milagre vivo, se assim você quiser pôr! — Abrindo os braços com um sorrisinho pomposo em seu rosto, seu rosto tomou uma luz que acendeu no peito de Micaella que o encarava curiosa. Tomando seu súbito silêncio como um espera que ele prosseguisse com sua história:
— Tudo começa antes mesmo de eu nascer. Minha amada mãe casou muito cedo, acredito que era bem mais nova que você… Quantos anos você tem?
— Vinte e quatro. Em julho eu completo vinte e cinco.
— Pois então! Ela era bem mais jovem que isso, tipo uns dezesseis anos… Então ela engravidou de mim, isso há vinte e cinco anos atrás também, e ela muito jovenzinha morando no meio do nada com meu pai, um homem bruto e ignorante, de pouca fé, foi uma vida miserável e difícil. Uma gravidez muito difícil. Quase sem acompanhamento médico, afastada da família, em um casamento infeliz… Então eu vim à vida. Numa noite em plena primavera — sorriu nostálgico quase com certo orgulho do próprio nascimento: — e foi um trabalho de parto muito, muito longo. Então eu nasci. Mas nasci com o meu cordão umbilical enrolado no meu pescoço, sendo sufocado por mim mesmo — Charlie levou as duas mãos até o pescoço, apertando levemente: — minha mãe me contou que estava roxo já. Ela ficou desesperada, sem rumo, a parteira que eles conseguiram chamar com muito custo teve que agir rápido, fazer uma manobra para me reviver enquanto meu pai chamava a ambulância. Imagine a demora para os socorros chegarem… Então minha mãe começou a orar. Ela dobrou os joelhos, mesmo tendo acabado de dar a luz, e rezou. Rezou com toda sua fé, com sua alma e todos seus órgãos… E Deus a escutou. — Sua voz agora ela um sussurro, seu olhar estava tão escuro e sério que Micaella mal piscou, completamente compenetrada no abismo dos olhos do padre. Charlie sorriu:
— Ele a escutou e quando ela menos esperava ela ouviu um chorinho lá da sala, bem fraquinho. Mas sabia que eu havia sobrevivido. Que eu, seu filho, seu primogênito havia sobrevivido. Um milagre!
— Ela fez alguma promessa?
A pergunta repentina tirou Charlie do seu fluxo de ideias, imediatamente ele piscou sete vezes antes de focar totalmente no rosto de Micaella que o olhava com as sobrancelhas erguidas. Sua voz saiu confusa:
— Como assim? Promessa?
— Sim, uma promessa! Tipo, em troca da sua vida ela nunca mais cortou os cabelos, parou de beber álcool… Ou até mesmo te prometeu ao seminário. Meio que te colocando nessa posição eternamente…?
— Não. — Ele negou com a cabeça veemente, reafirmando mais uma vez: — Definitivamente não….
— Então o que te fez querer ser um padre?
— Você está tentando desviar do assunto principal mais uma v—
— Não Charlie, eu entendi o que você quis dizer com essa emocionante história sobre nascimento e sufocamento. Tudo bem, milagres podem existir, mas você não faz ideia da gravidade do meu caso, e espero que nem queira saber. Eu só estou curiosa com o motivo que o levou até a batina… — Seus olhos desceram pelo rosto dele, tomando cada detalhe de seus traços como a testa larga, a cicatriz que formava um vinco na pele, o nariz fino e arrebitado, os lábios levemente grossos, o queixo e maxilar quadrados, o rastro de barba recém-feita no buço e queixo, o pescoço liso onde o pomo-de-Adão subia e descia enquanto ele falava, o colarinho da camisa preta, a clérgima em plástico branco indicando sua profissão.
Pelo tamanho de seu tronco e pela forma que a calça agarrava nas pernas, Micaella deduziu que Padre Charlie Mayhew era um homem robusto. Suas mãos eram grandes, dedos longos e finos, unhas aparadas e limpas. Eram macias ao toque, como um novelo de lã morno. Ele tinha um cheiro de incenso amadeirado que a remetia ao cheiro da casca da árvore molhada que ficava ao lado da sua janela, um cheiro quase terroso e confortável, misturado a roupa limpa, sabonete de lavanda e um frescor vindo do hálito que parecia uma balinha mentolada adocicada. Ela ficou mais tempo perturbadoramente observando cada detalhe dele, desde o olhar profundamente escuro feito a terra batida quando era cavada, até a forma que as veias trançavam sua jugular e as costas das mãos como linhas de um mapa ligando pontos do que compenetrada no que ele tinha a falar com ela, com aquela voz rouca e macia que acariciava um ponto dentro desconhecido dela. Mas era gostoso o suficiente para ela se sentir confortável.
O homem se mexeu na cadeira, franzindo o cenho, organizando os pensamentos. Molhou os lábios como se isso fizesse as palavras saírem de forma melhor, cruzou as pernas, cruzando as mãos em cima do joelho ele finalmente quebrou seu silêncio:
— Bem… Eu apenas senti que era minha vocação. Algo natural de mim, um chamado que veio do fundo da minha alma como algo que eu deveria realizar. Um caminho inato a seguir. Deus é esse caminho. — A convicção que derramava de sua voz fazia seu peito encher de orgulho de si mesmo; ele tinha uma certa vaidade quando o assunto era sua designação, sua vocação que ele julgava ser algo predestinado à ele.
Micaella molhou os lábios com a língua, unindo seus joelhos magros contra o busto fazendo com que a saia de sua camisola subisse um pouco, repuxada nas extremidades das coxas, revelando um palmo de pele lisa e imaculada numa palidez estranha. Seus pés eram finos, ossudos, as unhas dos dedos cortadas rentes a linha da carne. Detalhes que foram devorados pelos olhos de Charlie que lentamente voltou-se a olhá-la no rosto cumprido, uma indagação formando uma interrogação em seus lábios antes dela questioná-lo:
— Se Deus é o caminho, então por que escolher o mais sinuoso?
— Sinuoso…? O que você quer dizer com isso? — Curioso com o uso da palavra, o homem se curvou para frente, mãos unidas em cima de seu colo, uma interjeição vincada entre as sobrancelhas repuxando a cicatriz da sua testa. Ela sorriu com um orgulhoso por trás dos dentes de esmaltes cinzentos, como se a cor estivesse desbotado ao pouco, vindo de dentro para fora:
— Charlie, os padres fazem votos de castidade. Têm uma séria de regras a cumprir… Restrição, punição, rezas e mais rezas. A busca pela castidade e virtuosidades eternas… Isso não te cansa? Principalmente sendo tão novo?
— Hmn.
Foi a primeira resposta que ele conseguiu formular vindo do fundo de sua garganta, parando para ficar ereto na cadeira, as mãos se soltando enquanto ele relaxava. Coçou o queixo com o polegar, analisando a forma como o papel de parede estava velho e começando a descascar nas extremidades do batente da porta, procurando uma resposta honesta àquela questão. Voltou a olhar para a mulher, sentada com o mínimo de vida que ela se agarrava para continuar tendo aquela conversa fiada. Sorriu com os lábios colados, doces memórias retrocedendo à sua mente como um filme antigo sendo rebobinado.
Sua voz não passava de um tom vago e distante enquanto seu olhar perdia-se no de Micaella:
— Eu deveria ter uns treze ou quatorze anos quando me apaixonei pela primeira vez. Sempre julguei o amor romântico, por que lá no fundo eu sabia que com a vocação que eu iria prosseguir na minha vida, eu não poderia sequer cogitar cultivar esses tipos de sentimentos carnais por alguém… Mas foi uma paixão tão arrebatadora, algo que ultrapassou a mim mesmo que perdeu o controle e eu acabei ficando obcecado por essa pessoa. Profundamente. Passei doze meses atrás dela como um maluco, porque eu nunca vivi um sentimento assim então para mim, naquela idade, se eu o perdesse de vista eu nunca mais iria ter de volta aquela explosão de sentimentos bons que cultivei por essas pessoas. Doze meses obcecado pois eu só sei amar assim: com toda a profundidade de mim mesmo. E doeu. Como doeu… Passar as férias distante pois se tratava de alguém da escola, tendo que ouvir meus colegas compartilharem histórias de verão onde a metade havia perdido a virgindade e outra metade havia experimentado algum alucinógeno em algum festival de música… E eu enfiado no meio do nada, assim como você — apontou para ela, molhou os lábios mais uma vez, suspirou fundo tentando conter o passado dentro de si: — eu passava todo o verão na fazenda com meus pais. Por um lado foi bom porque eu aprendi a valorizar os momentos de solidão e solitude, a me manter centrado no meu propósito, a rezar e ser grato pelo pão de cada dia que Deus nos permitia fazer… A estar perto dos meus pais. Mas era óbvio que a tentação de ir para a cidade grande e curtir com a maioria desses meus colegas e reencontrar essa pessoa especial falavam mais alto. E eu acreditei que ficar longe de todos naquele verão seria bom iria me ajudar… Quando retornei às aulas os sentimentos estavam piores. Mais aguçados, mais pesados, mais… Conturbados. — Piscou. As lembranças que atingiam sua mente dançavam entre cenas de um Charlie adolescente sorrindo para os colegas que tiravam sarro de seu “estilo caipira demais” e para momentos em que ele chorava escondido no banheiro da escola.
Olhou para o lado onde a jarra d’água ainda estava pela metade e o copo havia um dedo do líquido que provavelmente estava morno. Mas o pegou, virando-se para ficar de lado, evitando o olhar da mulher em si tomado pela vergonha. Através do véu que com uma rajada gélida de frio desceu um pouco, Charlie se sentiu em um confessionário. Sua mão grande segurou o copo com água, bebendo-a em goles grandes, sorvendo o sabor alcalino da água misturado à saliva de Micaella que estava na borda do copo. Um beijo indireto.
Quando terminou continuou a segurar o copo entre as pernas, apertando-o como um alívio de tudo que comprimia sua alma.
— E eu era motivo de chacota dos meus colegas de sala, tudo porque eu andava de um jeito “caipira” demais, falava diferente, me vestia com roupas simples. Alguns até mesmo falaram que eu fedia a esterco. Isso acabou comigo, então todas as noites eu rezava para Deus, para que ele tirasse de mim minha mácula em ser quem eu era. Para eu parar de gritar todas as noites, acordar de um pesadelo com a cama inundada de xixi e principalmente para eu parar de gostar de quem eu estava completamente apaixonado. Até que um dia as coisas ficaram realmente infernais… — Respirou profundamente enchendo o peito com a coragem que lhe faltou para encarar aqueles fatos há anos: — Estava com quinze anos. Disso me lembro bem. Franzino, um rapaz do meio do mato indo para o Baile de Inverno. Minha mãe conversou com uma irmã dela que morava na cidade, para eu ter um lugar para passar o final de semana sem ter que voltar para casa altas horas da noite pelo ônibus intermunicipal… Então lá estava eu, sozinho, terno e gravata, cheio de ansiedade… Até eu vê-lo chegar com seu par e eu ficar completamente triste, com aquele sentimento íntimo de perda de algo-alguém que eu nunca tive…
— Ela deveria realmente ser linda para você ficar tão afetado assim. — Constatou a mulher olhando-o pelo véu. Charlie ergueu a cabeça que estava abaixada, os olhos fixaram nela, eram um par de vidro que revelava seu lado mais íntimo de sua alma. Sua voz saiu macia quando ele respondeu:
— Ele. Ele foi o ser mais lindo que eu já pôs meus olhos — parou, olhou-a com profundidade: — até então.
Micaella ficou em silêncio, tomando aquela inesperada resposta para si, associando as coisas. Quis fazer um comentário malicioso sobre o assunto – até pejorativo, mas manteve-se calada.
Charlie estava se abrindo para ela como jamais nenhuma outra pessoa a permitiu ter tamanha intimidade, seria tolice desperdiçar tal chance sendo uma completa idiota. O pároco tomou uma coragem estranha que emergiu junto àquelas memórias: se levantou e adentrou na cama da mulher, sentando-se à sua frente, igualando agora as posições, mantendo a hierarquia entre eles nas suas mãos. Agora, de dente a dente com ela, olho a olho, sobre o véu que deslizava com o vento fresco que cada vez mais puxava as nuvens cinzentas vindas do horizonte para cima deles, Charlie se sentiu em paz para segregar sua vida:
— Eu fui chorar no banheiro mais uma vez, e ele foi atrás mais uma vez. Preocupado, ele pensou que eu estava triste porque não havia nenhuma companhia, o que de um todo não era mentira, mas o que ele não fazia ideia era que essa companhia que eu desejava era ele. Suas palavras sempre foram tão reconfortantes, feito os Salmos Bíblicos que eu sempre li em busca de consolo. Suas mãos eram macias e secavam minhas lágrimas como a mulher que secou os pés de Cristo com os cabelos, e sua presença era um raio quente de Sol que me fazia acreditar na bondade do homem. Na bondade infinita de Deus e seu Filho Salvador à nós… Naquela noite ele estava tão lindo, um anjo! Os cabelos com um gel penteado para trás, o terno branco, o sorriso sereno. Ele estava tão próximo de mim que eu não aguentei a tentação — parou de repente, um brilho no seu olhar fez com que o coração de Micaella saltitava, um sorrisinho surgiu nos lábios dele: — eu mordi a maçã. E devorei com fome e ele fez o mesmo e tudo se tornou uma só coisa, meu espírito… era como se meu espírito saísse de mim e fosse aos braços dEle… O Deus, como eu amei aquele momento. Até que a porta foi aberta e vozes vieram para cima, logo socos e chutes e palavras horríveis contra nós. Um pandemônio. Meu coração foi despedaçado assim como eu por inteiro, saí de lá com uma fratura séria na costela, uns dentes que tive que fazer próteses de prata no fundo da boca, essa cicatriz medonha na testa que como uma chaga de Jesus Cristo. Meu estigma de quem eu sou. Da minha história.
— Uau. Nossa Charlie, isso é realmente — Micaella nem soube buscar as palavras corretas, sua resposta foi segurar na mão de Charlie apertando-a com carinho. Quente e gelado, morto e vivo. O pároco sorriu com ternura, sobrepôs sua mão em cima da mulher, acariciando-a:
— Está tudo bem, eu já paguei pelos meus erros do passado, estou quite com Deus… E isso já não doí mais… Não como doeu naquele dia e nos próximos anos.
— Você — ela começou incerta. Parou, as palavras na ponta da língua, mordeu o lábio inferior. Charlie deitou a cabeça, seu olhar incentivando que ela continuasse. Micaella desembuchou:
— Você tem contato com ele…?
A pergunta curiosa poderia desfazer daquele momento de ternura e carinho entre eles, porém Charlie sabia separar as coisas e a menção ao seu primeiro amor aparentemente não o afetava tanto assim. Com um simples aceno ele lhe deu a resposta curta e grossa da realidade: não.
Micaella acenou com a cabeça, tentando imaginar quem seria o tal rapaz que aquele belo homem um dia amou. Provavelmente era tão mais bonito que ele. Imaginou-o como a imagem que uma vez viu, a um tempo atrás e que ficou gravada na sua mente de Davi e seu melhor amigo e alma gêmea Jonas. Encaixou então nessa nova reimaginação Charlie Mayhew com seu topete, alto e robusto, olhar penetrante e postura de um guerreiro da fé ao lado de um belo homem que andava ao passo da moda da época: cabelos cumpridos nos ombros, calça boca-de-sino, um colete expondo um torso nu definido, a pele bronzeada e o olhar doce de quem era muito amado. Estranhamente sua mente não deixou de desenhar a imagem da amante e uma das esposas favoritas de Davi, genitora do sábio dos sábios Rei Salomão como a sua própria imagem. Estando saudável e corada, ela tinha um braço envolto ao seu esposo enquanto se via nua, banhada no óleo de canela e água de flor de damasco como na primeira vez que Davi a viu e ficou enfeitiçado. Seria possível Charlie Mayhew ficar enfeitiçado por ela?
— Mas infelizmente não controlamos nosso coração e eu me vi em tentação novamente. — Aquela repentina confissão a arrancou de seus devaneios acordada. Seus olhos pousaram imediatamente nos do homem que negou com a cabeça repetidas vezes algo, antes de esfregar as sobrancelhas vigorosamente.
— Foi um erro enorme.
Micaella olhou para Charlie assustada com a nova revelação que caiu em seu colo e explodiu em mil fragmentos de dúvidas. Aquele servidor de Deus estava a surpreendendo. Charlie por sua vez sorria envergonhado da sua própria história, pedaços de memórias rasgando seu cérebro, dilacerando a carne macia, expondo os podres do seu passado. Uma massa cinzenta podre. Podre, ele já foi podre um dia. Coçou com o polegar o canto do queixo:
— Eu estava no seminário, jovem e imaturo. Inconsequente dos meus atos, mesmo com tudo que me aconteceu desde o… infeliz incidente — dentes cerrados, uma amargura transparente na expressão revelando um nojo de si mesmo: — eu ainda estava aprendendo a lidar comigo mesmo. Com a besta interna que sempre me perseguiu, que sempre me fez seu refém: a besta da tentação. Estava servindo à Deus, meu único refúgio, quando de repente fui transferido para um convento temporariamente devido a problemas estruturais no seminário que eu vivia. Lá eu conheci uma freira. Mas velha que eu há uns cinco, sete anos… Experiente. Muito bela, seu rosto me fazia relacionar aos anjos que via pintados nas capelas. No início foi tudo muito polido, muito formal entre nós, ela sempre se demonstrou muito solícita a minha educação, segundo ela como a mesma era professora de filosofia e de catequese para jovens da comunidade poderia me ajudar com os meus estudos. Eu vislumbrando com sua bondade e sua beleza me deixei levar pela oratória dela… E passamos a estudar às noites no meu quarto improvisado. Sempre com a porta aberta, com horário para ir dormir e despedidas formais, é claro.
Pausou, suspirou, o indicador destro foi até a clérgima no colarinho que parecia estrangular seu pescoço, puxando-a levemente para fora.
— Até o fatídico dia que ela nos trouxe vinho. Nunca havia bebido vinho na minha vida – não como ela queria que bebessemos. Eu poderia ter simplesmente recusado… Ter dito não. Mas eu aceitei, de braços abertos. Tolo, frágil, manipulável… — Charlie parou, a voz diminuindo gradativamente enquanto seus olhos pararam no rosto de Micaella, suas pupilas dilatadas quase consumiram a íris das órbitas: — Você me faz lembrar dela.
Aquela frase incendiou Micaella com uma chama que percorreu por todo seu corpo. Sentiu-se sendo queimada viva, o sangue fluindo pelo corpo frágil, revigorando a podridão que sentia em si, dilatando suas pupilas, umedecendo os lábios, corando as bochechas magras, respirando pesado fazendo os seios subirem e descerem em movimentos lentos, suor quente brotando na testa. Pequenos detalhes de vida na carne fresca dela devorados pelos olhos nostálgicos do Padre.
Charlie engoliu as palavras que contavam obscenidades causadas pelo vinho e pela luz baixa daquela noite. Engoliu o desejo da carne macia entre os dentes, das unhas cravadas na pele quente, do suor que colava corpos e de toda união entre criatura e verbo que aconteceu naquela noite. Suas lembranças eram um emaranhado de corpos se fundindo onde o rosto da freira que lhe desvirtuou não surgia com nitidez para si. Apenas fragmentos feitos com osso quebrado na sua mão, como a costela de Adão sendo retirada de si para criar Eva. Ele se feriu para criar a partir dele a sua Eva.
Sentiu uma dor pontuda na própria costela direita. Uma reação da matéria diante o pecado cometido. Um aviso permanente que tinha sempre que era assombrado pela sua falta de castidade.
— O que aconteceu depois…? — Micaella sussurrou apoiando as mãos em cima dos joelhos que esmagavam as coxas entre si, os dedos amassando a boca carnuda. Charlie virou sua cabeça quase a deitando em seu próprio ombro, um ar de compaixão distante na voz:
— O Bispo ficou sabendo das visitas frequentes da Irmã nos meus aposentos em horários suspeitos, armou uma tocaia, a pegou saindo do meu quarto e… — Ergueu a cabeça, sério com a imagem do homem velho surgindo do meio das sombras, olhar hostil segurando a mulher pelos braços, mesmo assim Charlie não conseguia definir seu rosto, não passava de uma mulher sem face nas suas memórias, que chorava enquanto se debatia para sair do aperto do homem. Sua voz tomou uma acidez que repuxou seu rosto em uma careta ao cuspir as palavras: — bem, terminou com tudo. Eu recebi uma nova chance, fui transferido e desde então me foquei completamente na penitência e rendição mútua a Deus.
— E ela?
— Não existe ela.
A resposta seca arrancou Micaella do estado de fogo, pondo-a de volta naquele estado gélido e vazio.
Aquele silêncio perpétuo deles foi interrompido quando ouviram leves batidinhas na porta, para logo ser aberta e a cabeça branca da senhora surgir na fresta. Sorrindo tímida, a senhora abriu mais a porta segurando uma enorme bandeja nas mãos velhas, tremendo levemente com o peso. Charlie lançou uma olhada séria para Micaella antes de se levantar da cadeira num pulo indo acudir a senhorinha que sorriu em agradecimento anunciando:
— Parece que o senhor vai se demorar um pouquinho mais na conversa com Micaella, e já está na hora do almoço, então achei de bom tom trazer um almoço feito agora para vocês dois — olhou para a jovem através do véu, reforçando as palavras entredentes: — é para comer viu Micaella? Não adianta alimentar a alma se o corpo padece! Não é mesmo Padre?
— Com toda certeza, Sra. Silas.
O olhar do homem focou na garrafa de vinho, olhou para a senhora desconfiado, a mesma sorriu:
— Um pouco de vinho não fará mal a ninguém! Agora se me dão licença, irei terminar com meus afazeres…
Deu as costas. Antes de sair do quarto, parada na porta com a mão na maçaneta, lançou um olhar cheio de tristeza e peso para Micaella, voltando-os para Charlie parado no meio do quarto com a bandeja nas mãos. Sorriu pesarosa:
— Aproveitem! E fique a vontade Padre, o senhor sempre será muito bem-vindo no nosso lar.
Saiu antes que Charlie pudesse agradecer.
— Eu nunca bebi vinho.
A voz de Micaella falou atrás dele. Charlie se virou para ela, confusão no seu rosto para logo suavizar tentando resgatar o bom-humor que ele trouxe consigo nos primeiros minutos de conversa com ela:
— Bem, sempre há uma primeira vez para tudo, Micaella!
Charlie se serviu de pão quente e vinho morno, levemente avinagrado, mas palatável. Micaella o olhou receoso com o copo com sua metade preenchida pelo líquido alcoólico roxo, observando-o beber do vinho com vontade. Uma sede desesperada que vinha do fundo da sua vontade.
Micaella ficou parada com o copo de vinho na mão. Assim que Charlie terminou seu longo gole, bebendo metade do vinho, seus olhos brilhantes de serenidade causados pelo sabor da bebida olharam para a mulher diante de si. Erguendo uma sobrancelha perguntou curioso:
— Não vai beber seu vinho não?
— Eu estava pensando aqui… se eu o beber, seria como o sangue de Cristo?
— Não — Charlie negou com a cabeça, um sorriso orgulhoso pela pergunta surgiu iluminando todo seu rosto, aquele era de longe um dos tópicos que ele mais gostava de debater.
— Então eu não quero beber deste vinho! — Micaella impôs, estendendo o copo para o homem à sua frente. O pároco apenas revidou aquela ação com um olhar divertido:
— Não vai beber nem se eu o transformar no sangue dEle?
A pergunta capciosa pegou algo do centro da alma moribunda de Micaella. Algo ascendeu novamente nela, uma sede repentina secou-lhe a garganta, a simples menção de beber o sangue puro e divino provocando nela um êxtase de espírito. Sorrindo largo, ela acenou positivamente. Charlie pigarreou, puxou a bandeja para o centro da cama, esvaziando-a dos itens que estavam em cima dela para colocar os dois copos com vinho, a garrafa de vinho no centro e o pratinho com pães caseiros ao lado. Ele sabia que não estava no melhor ambiente para fazer a transmutação divina, porém diante as situações delicadas, realizar aquele ritual soava como uma forma de trazer o Salvador para dentro daquele lar fadado a apodrecer.
Sua voz saiu de sua boca com suavidade:
— Quando nós falamos em transformar o vinho em sangue — apontou com uma mão solene o copo: — e o pão em carne, nós não estamos fazendo uma simples metáfora. Mas sim de uma realidade, algo místico e que resume bem os mistérios da nossa fé. De fato estamos consumindo Jesus Cristo. Corpo e alma, em nossas bocas, sorvendo em nossas línguas, saliva, carne. Bebemos da divindade e mastigamos de seu perdão infinito. Fundimos nossas carnes e nos tornamos um só. Um só corpo, um só espírito. Esse é o significado da eucaristia — suspirou profundamente, fechando seus olhos, pegando o pedaço de pão entre suas mãos: — é através dela que comemos Jesus Cristo, Deus, tudo e todos. E nos tornamos algo infinito.
Micaella estava extasiada com as palavras do sacerdote, sentindo o peito encher de graça e paixão que queimava sua alma, tocada pelo verbo. Charlie tinha um dom – a forma como ele se expressava eram profundamente extasiadas para qualquer criatura viva. Ouví-lo disseminar seus conhecimentos deveria ser motivo de se sentir honrado.
— Então Jesus Cristo tomou o pão e dissestes: eis aqui o meu corpo, tomai todos e comei. — Ergueu o pedaço de pão, olhando-o fixamente, murmurando palavras que eram ruídos incertos aos ouvidos de Micaella. Depois de morder um pedaço, mastigando-o e engolindo, ele repousou o pão de lado, tomando o copo de Micaella (que estava mais cheio) em mãos, o erguendo e pronunciando: — Tomais todos e bebei, porque isto é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados… — Ergueu mais ainda o copo acima deles, murmurando mais uma vez as palavras incertas: — Fazeis isto em memória de mim!
Com isso ele bebeu do vinho.
Bebeu do sangue de Jesus Cristo.
Olhou para a mulher oferecendo o copo:
— Beba do sangue de Nosso Salvador, minha irmã.
Envoltos em um clima único que os abraçava entre o vinho e o vento gelado que assoviava lá fora, Micaella pegou o copo, posicionado exatamente a borda onde os lábios do homem envolveram, beijando-lhe mais um vez, bebendo dele e de Jesus, sentindo o sabor doce alcoólico e levemente avinagrado do vinho descer pela sua garganta, sentindo que agora seu corpo estava se fundindo aos dois – tanto a Padre Charlie quanto a Jesus Cristo, fazendo parte de algo bem maior que ela poderia cogitar pertercer. Um filete de vinho escorreu do cantinho de sua boca, traçando uma linha fina até seu queixo, pingando no colo de seu peito, sendo perseguido pelos olhos escuros do padre. Num gesto sôfrego, Charlie passou o polegar no queixo de Micaella, vendo a pele manchar com o vinho. Seus olhos estavam conectados, ela terminou de beber vinho mas ainda estava bebendo dele. Charlie então levou o polegar molhado com o vinho que saiu dos lábios dela, tocando-o contra os seus lábios endossando aquele beijo divino.
— Comungamos de nós mesmos, Padre.
Micaella sussurrou, observando-o se afastar dela.
Com passos lentos e pesados, a mente perdida em devaneios, Charlie foi tomar um ar na janela aberta onde o vento fazia as cortinas balançarem. Micaella desceu os olhos para o corpo de Cristo mordido pelo pároco, pegando sua outra metade, mastigando-o e engolindo com gosto terminando a sua ceia celestial. Uma sensação de saciedade tomou-lhe o corpo, preencheu lacunas no seu espírito, ceiar com Charlie sozinha provocou nela uma sensação de pertencimento. Pertencimento à ele. A Ele.
Charlie parado diante a janela, as mãos na cintura, observou as nuvens escuras carregadas d’água se aproximarem acima dele. Raios estouraram logo a frente, o vento sibilava que uma tempestade se aproximava.
— Droga, vou ter que esperar o temporal passar.
— Bom, pelo menos você está seguro — comentou a mulher, chamando a atenção de Charlie que a olhou curioso: — comigo. Conosco, aqui em casa. — Sorriu para ele. O padre sorriu em retribuição, concordando com um aceno de cabeça, sentindo respingos d’água contra seu corpo. Lá fora uma chuva grossa começou a cair, pingos roliços açoitavam o batente da janela respingando nele e no chão. Com um solavanco ele desceu o painel da janela pela metade, interrompendo a pequena inundação. Atravessou o quarto fechando a outra janela. Seus passos eram meticulosamente observados pelos olhos de Micaella que sentia uma sensação de leveza e de vazio na sua mente.
Quando Charlie se sentou na cadeira mais uma vez, pegando seu copo, arrancando a rolha da garrafa de vinho com os dentes, enchendo seu copo de vinho – quase esvaziando a garrafa –, deixando o resto no copo de Micaella, ele comentou após largar a rolha na bandeja:
— Está se sentindo bem? Com o sangue em forma de vinho?
— Hmnnn — Micaella pegou seu copo, erguendo-o contra a luz: — é realmente gostoso! Não sabia que Jesus poderia ser tão gostoso assim!
Charlie riu. Micaella o olhou com um sorriso orgulhoso por fazê-lo rir com vontade.
— Meu Deus, que pecado! — Comentou tapando a boca: — Mas eu concordo. É uma delícia!
Ambos beberam de seus copos, sorridentes. Um silêncio agradável entre eles pairando naquele quarto, que parecia para o homem agora tão mais familiar quanto o dele próprio.
— Charlie —
— Sim?
— Você acredita em amor, reencarnação e na vida após a morte?
— Pergunta muito específica. Você acredita?
— Minhas crenças hoje são as suas, padre. Suas.
Aquela palavra reverberou na mente de Charlie, como as gotas que pingavam repetidas vezes na borda da janela, um torpor gostoso de domínio preencheu sua alma, ele gostou de ouvir aquilo. Ter em mãos as crenças de uma outra pessoa o levaram a sensação de domínio e vaidade que ele tentava lutar contra todas as vezes que estava diante do púlpito. O sorriso vaidoso escapou entre o copo de vinho que ele bebeu mais um gole, antes de respondê-la:
— É lógico que eu acredito. Em algum grau de credulidade… Eu acredito em algo.
Seus olhos eram carvões em chamas. Seu sorriso era sereno, ele tinha plena convicção no que falava. Micaella queria mais. Mais dele. Queria que sua voz a envolvesse e de certa forma sua alma fosse abraçada por sua sabedoria etérea:
— Como você explicaria essa crença a um leigo, Charlie?
— Bem — começou, coçando o queixo com o polegar, buscando com o olhar algum ponto para descansar os pensamentos: — eu explicaria que sem o amor somos apenas sacos vazios rodopiando ao vento. Que sem a crença na ressurreição, não acreditamos num dos principais mistérios entre a carne e a alma humanas. E sem a credulidade na vida após a morte — seus olhos repousaram na figura frágil de Micaella: — não há justificativas para nos mantermos alinhados a Deus.
— Como assim? — Ela questionou, um brilho nos olhos vidrados em Charlie: — “Não há justificativas para nos mantermos alinhados à Deus”?
— O que eu quero dizer Micaella, é que sem um credo nós não iríamos andar na linha da civilidade humana. Sem um deus nós seríamos apenas animais racionalizados brigando um pelo outro por causa de um pedaço de osso duro e podre. Entende?
— Entendo… — Murmurou de volta, reflexiva. Ele conseguia enxergar através daqueles enormes olhos assustados o momento em que as engrenagens se encaixam e tudo pareceu suavizar e fazer algum sentido na sua mente. Charlie olhou pelo ombro, através do vidro da janela, pela forma como o céu carregado e nublado estavam, a chuva que caia e crepitava contra a madeira velha da casa, o cheiro do quarto se tornando fresco e vivo misturado ao odor de terra e mato vindo de fora, tentando constatar quantas horas eram.
Suspirou virando-se para a mulher. O silêncio entre eles poderia ser constrangedor, porém para Micaella era agradável o suficiente para a mesma lançar um sorriso cheio de dentes perolados para Charlie que se surpreendeu por ambos não serem minimamente amarelados. Em um movimento reflexivo, o mesmo passou a língua por cima dos próprios dentes lembrando-se das inúmeras vezes que a mãe o botava na camionete velha da família, enfrentava horas de estrada até a cidade grande apenas para levá-lo até o dentista, investindo um dinheiro considerável para o tratamento bucal do filho; segundo ela – e isso foi um ensinamento que o mesmo carrega consigo até os dias de hoje – “dentes saudáveis são a porta para uma vida longínqua!”.
Mexeu a cabeça para afastar a voz da mãe, olhou com carinho para Micaella, um sorrisinho em seus lábios provocando na mulher um curiosidade:
— Que foi? — Ela perguntou, sorrindo para ele também. Charlie meneou os ombros comentando com a voz leve:
— Nada… Só acho que eu já falei muito sobre mim e escutei nada sobre você — abriu os braços: — que é o principal motivo de eu estar aqui!
— Oh Padre! Não tenho muito do que falar de mim… — De repente uma vergonha tomou conta da mulher que se encolheu, capturando uma mexa espessa de seus cachos ruivos em seu dedo o enrolando lentamente. Com os mesmos olhos gentis, Charlie ergueu sua mão para que com o indicador e o polegar pegasse e erguesse o queixo da mulher, nivelando seus olhos, sussurrando com entusiasmo:
— Isso já é um começo, minha querida! Sou todos ouvidos à você agora, fale-me qualquer coisa.
— Qualquer coisa? — Repetiu, sentindo as bochechas esquetarem com o toque leve e os olhos negros fixos nela. Charlie abriu mais ainda seu sorriso, acenando um sim com sua cabeça, repetindo:
— Qualquer coisa, Micaella.
Micaella viu diante de seus olhos as poucas memórias que ela realmente julgava valer a pena serem compartilhadas. Eram um punhado de cenas onde ela era a protagonista da sua própria história – como as dos livros que ela vivia lendo na biblioteca pública nas tardes que passava na cidade grande. Na maioria das vezes ela sempre se enxergava na vida das outras pessoas, colegas de sala que eram convidados para os bailes ou os momentos que era apenas uma sobra na vida do pai omisso. Não seria difícil contar ao Padre os momentos que ela tomou para si o holofote e viveu algo interessante. Charlie afastou seu toque, provocando na mulher uma sensação de vazio contra sua pele. Mas ela decidiu tomar a coragem e deixar que sua voz tomasse a forma dos pensamentos que queriam sair de si:
— Eu já fui beijada uma vez — olhou de rabo de olho para o Padre que ergueu as sobrancelhas, uma sombra de sorriso nos lábios, uma genuína curiosidade em seu rosto, ela continuou: — mas não foi um beijo beijo! Foi mais só um selinho. Algo tão breve que eu nem senti direito… Infelizmente. Mas foi quase uma amostra, um gostinho do Paraíso. — Sorriu sonhando com o quase beijo acordada. Era estranho que agora sua mente apenas projetava um cenário onde ela e Charlie estavam selando seus lábios em um beijo. O homem pigarreou ao fundo acordando-a de seus devaneios:
— Então você pensa que beijar alguém é o mesmo de ter um “gostinho do Paraíso”? — Fez aspas, perplexo com a ligação da mulher. Micaella afirmou com a cabeça, veemente.
— Bem, curioso — disse, desviando seus olhos da mulher.
— Você não acha isso Padre? Não foi isso que aconteceu no seu pri–
— Não exatamente Micaella — rapidamente ele cortou a mulher: — infelizmente não tive meu momento de ascensão até o Paraíso… O que é triste para mim, visto que sou um servo de Deus. — Riu seco, fazendo graça de si mesmo. Micaella tentou o acompanhar porém não sentia a mesma graça, na realidade sentiu uma grande desolação vinda dele.
— E eu duvido que eu terei mais uma chance de viver como qualquer pessoa normal, Charlie. A última vez que tive uma experiência mundana, eu fui com uma amiga minha, a única na realidade, para esses boliches e foi tão bom! —Seus olhos brilhavam em animação: — Eu juro por Deus que se têm algo que eu mais anseio é ir em algum lugar onde servem comida bastante gordurosa, tenha música agitada e alta e onde eu poderei rir, dançar e jogar bolas pesadas contra negócios de madeira, uma vez atrás da outra, até meus braços não aguentarem mais!
— Isso soa maravilhoso, Micaella! — Pousando uma mão generosa e quente sobre as mãos da mulher, Charlie sorria caloroso, querendo transmitir paz para a jovem. Lá fora o temporal suaviza, na medida que o Sol descia no horizonte, indicando que já entardecia. Eufórica e se sentindo acolhida, mais uma memória surgiu nas lacunas da mulher que voltou a falar, mais enfática:
— Eu também tenho uma boa lembrança de quando eu era menor! Foi em um dia ensolarado com meu pai, quando atravessamos a cidade para irmos no lago. Foi uma tarde tão boa, eu lembro dos patos nadando, das outras crianças brincando enquanto meu pai me ensinava a nadar. Foi uma das únicas vezes que tivemos algo assim… — Encolheu os ombros, desviando o olhar para longe.
Charlie percebeu o quão sensível ela ficava quando citava o seu pai, como uma ferida aberta que ela não gostava de cutucar. Olhou por cima do ombro, na direção da janela, já percebendo que o véu da noite recobria o céu.
— Como o tempo passou rápido… Uau, isso que foi uma conversa interessante, minha querida! — Comentou juntando as mãos, sobre os olhos atentos de Micaella. Sorrindo com doçura ele se levantou, as mãos na cintura, direcionando seu olhar gentil para ela:
— Antes de eu ir embora, eu realmente gostaria muito de lhe oferecer a unção, jovem. Para eu ir em paz sabendo que eu te abençoei.
— Tudo bem — ela confirmou, serena. Já havia aceitado sua própria sina aparentemente, deitando-se na cama, olhando para o teto, aguardando ser ungida pelo homem que compartilhou seus segredos mais íntimos naquele dia atípico de domingo. Charlie suspirou, pegou o frasco de óleo ungido, amarelo ocre gorduroso, na sua maleta abrindo-o, sentindo o cheiro gostoso de oliva misturado a mirra subir pela sua narinas, deslizou a ponta do polegar no gargalo do vidrinho o entornando contra o dedo, umedecendo o dedo com o óleo, aproximando do corpo da mulher.
Sobre a luz do quarto e o ângulo que ele estava notou através do tecido o volume dos bicos dos seios dela, o formato dos seios e um leve vinco entre as pernas; desviou imediatamente os olhos, começando a rezar para que Deus o ouvisse;
—... que essa jovem possa encontrar Sua luz, meu Senhor! Seja curada de todos os males, que sua carne e espírito sejam purificados para que a mesma encontre na vida, os pequenos prazeres que Vós nos deixou — fez o sinal da cruz na testa dela, deslizando o polegar sobre a pele lisa e levemente amarelada de Micaella. Estava curvado para ela. Antes que voltasse a ficar ereto, a mão da mulher agarrou firmemente seu pulso o travando naquela mesma posição, nariz com nariz, olhos com olhos, lábios com lábios. Ela respirou forte o suficiente para o hálito quente e doce tocasse o rosto do homem que franziu o cenho, realmente confuso com o movimento.
Ela então murmurou, clemente:
— Padre… Charlie… Você poderia me conceder um último desejo?
— Sim, claro Micaella — sussurrou de volta sorrindo tenso. O aperto em seu pulso ficou mais firme de forma que ele teve que usar o outro braço de apoio, ficando quase deitado por cima dela. Micaella fechou os olhos para que a coragem lhe tomasse as últimas palavras:
— Você poderia me beijar?
A pergunta simples porém perigosa acertou o homem como uma lança em seu peito. Diante aquele quadro onde a mulher acamada, com óleo ungido secando na sua testa, olhos grandes cheios de desejo e medo pela vida e pela morte, com os lábios entreabertos ansiando para serem tocados uma última vez… Oh, Deus, me dê discernimento., clamou na mente fechando seus olhos. Novamente mais um pedido sussurrado:
— Por favor, Charlie. Eu só quero ser beijada por você.
Charlie levou sua mão livre para o rosto dela, pegando-o feito uma maçã podre, pálida porém com a carne apetitosa em seu veneno proibido, passou a língua nos lábios secos, engoliu aquele sentimento amargo, lamentou mais uma vez a Deus: Deus, não deixe eu cair na tentação, me dê um sinal.
Quando percebeu a mão da mulher subia seu braço alcançando seu ombro, seu pescoço que arrepiou-se diante o toque da palma fria, acolhendo seu maxilar. Estavam tão próximos que suas respirações e pensamentos já beijavam-se. Os lábios estavam quase se tocando, os hálitos já fundiam-se quando Charlie repentinamente desviou a direção do beijo contra a testa dela. Um beijo lento, demorado, sorvendo o sabor da pele levemente suada misturada ao óleo ungido. Havia deus e ela naquele beijo tão carinhoso.
Se desvencilhou do toque dela, a olhou uma última vez sorrindo com serenidade, pegando sua maleta e dando meia-volta. Na porta antes de fechá-la, ela a olhou uma última vez:
— Que Deus te cure, Micaella.
Foi embora, fechando a porta atrás de si.
✞
Engolido pelo silêncio do seu próprio quarto, imerso no escuro e nos pensamentos caóticos, Charlie Mayhew só conseguia pensar no rosto angelical em sua morte anunciada de Micaella. Com uma dor dilacerante no coração, como se uma coroa de espinhos o envolvesse, ardendo na febre de uma paixão avassaladora, em lágrimas ele se ajoelhou na sua cama, unindo palma contra palma para rezar mais uma vez, em clamor do perdão e da salvação da alma daquela pobre criatura de Deus.
Confuso com os delírios daquela febre imaculada, ele sentiu o medo.
Eu não sinto medo de Deus, sussurrou para si mesmo naquela escuridão vazia do seu ser, mas sim de eu apodrecer por inteiro.
✞
— Padre Charlie? — Irmã Marie surgiu na porta do seu escritório naquela segunda-feira normal da sua vida, faziam sete dias desde o dia que foi visitar a jovem Micaella e desde então não houve notícias – nenhuma ligação, carta ou presença da sua avó nas missas durante a semana. Olhou para a freira que segurava um papel em mão, sorriu caloroso:
— Sim Eunice, com o que posso te ajudar!?
— Telegrama para você! — Se aproximou dele estendendo-lhe o papel com um recado impresso, ele agradeceu, esperando que ela saísse para ler o que tinha sido escrito para ela.
Seus olhos leram com atenção o recado:
“Senhor Mayhew,
Sua benção! Aqui quem vos fala é a Sra. Silla, avó da Micaella. Queria apenas te agradecer pela sua visita e unção! A minha garotinha presenciou o milagre da vida e amanheceu faz poucos dias completamente curada! Até mesmo o médico está sem acreditar na melhora repentina dela, porém eu sei que foi por causa de você com sua fé que a curou! Louvado seja tu, Padre, e louvado seja Deus! Se quiser conversar com a minha garotinha, vou deixar nosso telefone registrado. E você sempre será bem-vindo à nossa humilde casa, Padre.
Novamente, seremos eternamente gratas pela sua misericórdia e seu milagre operado! Que Deus continue te iluminando meu jovem. Micaella disse que foram as suas palavras que a resgataram da morte iminente.
Atenciosamente,
Sra. Silas.
Telefone: x-xxx-xxx-xxxx.”
Charlie ficou sem acreditar. Leu mais uma vez em voz alta, sentia o coração bater acelerado com uma alegria que nem ele sabia ser capaz de sentir. Olhou para o telefone fixo do seu escritório, leu novamente o texto, pegou o fone do gancho, discando os números com pressa.
Tum… Tum… Tum…
Ele já ia desligando quando a linha parou por segundos, logo um chiado surgiu sendo seguido de uma voz serena o sobressaltando:
— Alô, Micaella Silas na linha, com quem eu estou falando?
— Micaella…
— Charlie, é você?
Silêncio. Ela repetiu a pergunta mais uma vez, confusa. Charlie suspirou antes de finalmente deixar as palavras saírem de seu coração:
— Sou eu sim, Micaella. Agora eu consigo compreender os sinais de Deus… E eu não preciso mais temer nada. — Seus olhos ergueram-se no quadro de um Jesus Cristo crucificado na sua frente: — Pois agora eu tenho certeza que você será o meu milagre da minha podridão.
FIM. (...)
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Cornucópia
Uma grande divindade e representante do arquétipo da Grande Mãe é Cybele, uma figura milenar cultuada inicialmente na moderna Turquia central, entre o povo Frígio daquela terra que era conhecida como anatólia na era clássica. Sua influência se alastrou até amadurecer em colônias Italianas como as da região de Nápoli e Sicília, conhecida antigamente como Magna Graecia. O povo devoto a sua imagem a chamava de Magna Mātēr, para referi-la como Grande Mãe.
Cybele é a personificação do arquétipo junguiano da Grande Mãe, sobretudo, a semiótica do arquétipo se dá em termos homônimos devido a sua relevância, posteriormente a amplitude do arquétipo da Grande Mãe, desenvolvido por Jung, foi esmiuçada por Neumann, chegando até mesmo a escrever um livro sobre essa figura tão intrigante que é a da Mãe e a simbologia do sagrado feminino; na segunda parte de seu livro, ele retrata a presença imagética da Grande Mãe em mitos (como o da própria Cybele, Deméter, Rhea e Gaia) e em figuras religiosas (como a Virgem Maria no cristianismo, ou a deusa Kālī, no hinduísmo).
Sankhya indiretamente referenciou o arquétipo de maternidade pelas gunas geradas da relação entre Prakrti e Purusha: sattva, rajas, tamas, que representam três princípios extremamente relevantes no arquétipo da Grande Mãe, os princípios traduzidos do sânscrito seriam: bondade, paixão e escuridão. O aspecto luminoso do arquétipo, seria o conceito da maternagem como nutrição, nutrição simbolizada até pela própria amamentação, onde o bebê é dependente do leite que por um tempo considerável é sua única fonte de alimentação, e que além de gerar saciedade e sustento, gera sensação de acolhimento e estimula os laços simbióticos de mãe e bebê. Esse e colo materno exercendo seu papel se torna substancial para a sobrevivência da criança, pois suas necessidades só são supridas pela mesma e sua fonte aparentemente inesgotável de afeto e cuidado, que lhe gera força para crescer. O lado sombra no arquétipo seria justamente o poderio enigmático que a autoridade da mãe exerce, a ambivalência em seu poder de nutrir e desnutrir. Aliás, para que uma mãe seja mãe, é necessário ter filho, é necessário simbiose, por parte de uma doação materna para com o filho, o que consta na devoção de quem é nutrido. Sua figura maternal gera um espaço de conservação e segurança, como uma muralha que o protege do exterior; esse ambiente envolve e o limita a não agir por si mesmo, e de modo sorrateiro, por debaixo dos panos sua “tirania” se apresenta, porque caso haja algum indicativo de autonomia por parte do filho, ela o faz desmamar. Sua força é quase que implícita por ser atrativa, seu colo que acolhe, é o mesmo que te domina, e assim essa possessividade se mascara de passividade magnética. Apesar desse dom deífico, nossas mães ainda são humanas, e justamente por isso são finitas por natureza, e o filho que suga todo o leite como infinito, não sabe que um dia o poço de conservação presente no peito da mãe se esvazia. Esse choque em reconhecer que sua própria mãe não pode ser eternamente seu porto seguro, e que ela ainda é um indivíduo apesar da simbiose advinda da maternidade, cria a desilusão causadora de um corte abrupto no cordão umbilical e a partir disso, se desenvolve um conflito com a projeção que fazemos da nossa própria mãe dentro de um arquétipo desumano.
O arquétipo da Grande Mãe, é representado por divindades inesgotáveis, figuras femininas determinantes que representam fertilidade, como a própria Gaia, que como Mãe Terra, ao mesmo tempo que fertiliza, soterra, que nutre desde as maiores pragas até as mais belas paisagens, que alimenta o filho mais degenerado até o filho pródigo na mesma intensidade. Outro exemplo de Mãe Sagrada seria a própria Mãe de Deus, Virgem Maria, que com seu Coração Imaculado é capaz de perdoar até quem o faz sangrar, que ama desde sua prole, o Deus Filho, até o maior dos pecadores, e ainda os concede a graça da contrição perfeita e amor baseado em redenção. Talvez a Deusa Kālī seja a Deusa mais próxima de uma mãe humana; também conhecida como a “mãe amorosa e terrível” que, ao mesmo tempo que cuida, pune, que apesar de mãe não extingue sua individualidade como anima em prol da maternagem. E um padrão notado desde a Grande Mãe cristã até a pagã, é que seu amor é infinito e perfeito, é um colo almejável que nunca vai embora. E esquecemos que são figuras sagradas, referências divinas que projetamos nas referências humanas. Por fim o resultado disso tudo é que o filho após a cisão com a primeira mulher de sua vida, se desenvolve um desejo consciente por uma anima, mas um desejo inconsciente de encontrar um seio que supra a nutrição inesgotável que lhe foi negada, fica enterrada no seu mundo onírico, e só é apresentada nas nuances de seus desejos. Como mito filosófico, Prakrti dança diante de Purusha para la rememora do “conhecimento discriminatório”, não se remete ao arquétipo da Mãe, mas sim o arquétipo da anima, que reiteradamente se manifesta na psique do homem como uma semelhante à figura de sua mãe, devido ao desejo do filho em reencontrar esse seio.
Assim a figura imagética da anima passa por uma transição, que Jung descreve em quatro estágios, chamados de Eva, Helena, Maria e Sofia, onde a psique masculina conceitua as verdadeiras formas da Anima. No primeiro estágio, o homem ainda associa todas as mulheres a mesma imagem de sua própria mãe, que por consequência da maturidade sexual e puberdade, dado ao desencanto proveniente da falta de semelhança com o papel da anima com o de sua mãe, inevitavelmente faz com que ele, saia desse do estágio Eva para entrar no segundo estágio. O estágio Helena, que seria onde o Eros se apodera do homem com o intuito de libertação da imagem da mãe dentro de um relacionamento amoroso; um verdadeiro divisor de águas entre sua mãe e outras mulheres. Um problema advindo do segundo estágio seria a objetificação e banalização do feminino, proveniente da dissociação do respeito obtido por sua mãe, para com as outras mulheres, já que elas já não compartilham a mesma imagem conscientemente. Até que com a sequência natural das relações, a psique masculina entra no seu terceiro estágio, onde as expectativas e projeções se esvaem, e ocorre a observação factual da anima, um processo semelhante com o da introspecção, como olha para si, de modo mais humano e compreensivo, consequentemente passando a adquirir admiração pela parceira por seus aspectos como indivíduo, além de qualidades nas dinâmicas do relacionamento, dissociando cada vez mais quaisquer projeções. Até que no último, o quarto estágio, a anima adquire uma imagem de musa ao homem, porque é onde o ciclo se reinicia, onde a maternidade é concedida a anima, e todo o espírito maternal presente no ambiente, avassala o coração do antigo filho e agora pai, e o faz encantar-se novamente pelo feminino, porque aquela mulher gerou sua prole, e sacrifica de seu corpo e tempo para nutrir seu filho. E nesses quatro estágios vividos na mente masculina, se vê uma reconexão com o feminino, provenientes da apreciação e beleza da maternidade.
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𝕬𝖙𝖔 𝖉𝖊 𝕮𝖔𝖓𝖘𝖆𝖌𝖗𝖆çã𝖔 𝖉𝖔 𝕲ê𝖓𝖊𝖗𝖔 𝕳𝖚𝖒𝖆𝖓𝖔 𝖆𝖔 𝕾𝖆𝖌𝖗𝖆𝖉𝖔 𝕮𝖔𝖗𝖆çã𝖔 𝖉𝖊 𝕵𝖊𝖘𝖚𝖘
Dulcíssimo Jesus, Redentor do gênero humano, lançai sobre nós que humildemente estamos prostrados na vossa presença, os vossos olhares. Nós somos e queremos ser vossos; e a fim de podermos viver mais intimamente unidos a vós, cada um de nós se consagra, espontaneamente, neste dia, ao vosso sacratíssimo Coração.
Muitos há que nunca vos conheceram; muitos, desprezando os vossos mandamentos, vos renegaram. Benigníssimo Jesus, tende piedade de uns e de outros e trazei-os todos ao vosso Sagrado Coração.
Senhor, sede rei não somente dos fiéis, que nunca de vós se afastaram, mas também dos filhos pródigos, que vos abandonaram; fazei que estes tornem, quanto antes, à casa paterna, para não perecerem de miséria e de fome.
Sede rei dos que vivem iludidos no erro, ou separados de vós pela discórdia; trazei-os ao porto da verdade e à unidade da fé, a fim de que, em breve, haja um só rebanho e um só pastor.
Senhor, conservai incólume a vossa Igreja, e dai-lhe uma liberdade segura e sem peias; concedei ordem e paz a todos os povos; fazei que, de um pólo a outro do mundo ressoe uma só voz: louvado seja o coração divino, que nos trouxe a salvação; honra e glória a ele, por todos os séculos. Amém.
Concede-se indulgência parcial ao fiel que recitar piedosamente este ato, e plenária quando se recitar publicamente na solenidade de Jesus Cristo Rei.
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“Caindo em si, ele disse: Quantos empregados de meu pai têm comida de sobra, e eu aqui, morrendo de fome!” Lucas 15:17
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Tudo que você sempre quis.
Tudo que você sempre quis! “Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei contemplar a face de Deus? ” (Salmo 41 2) Quando nos referimos à palavra “QUERER” e principalmente quando resumimos o “TUDO” como sendo o centro de apenas um único alvo específico, seria muito de se estranhar dizer assim,…
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Existem ajudas que atrapalham!
Se o filho pródigo recebesse uma cesta básica antes de voltar à casa do Pai, talvez ele não tivesse se arrependido de sua imprudência. A escassez, muitas vezes, é um chamado de Deus para ir até o lugar certo.
Pra. Viviane Martinello
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Colóquio e as Imagens Convalescentes do Cotidiano
O esboço do pão à vida presente O exercício das mãos recordando tristezas Tenho a virtude habituada por um grito E nada acontece, nada estimula, nada o aceita Irrompe o mistério Sob tal arbítrio Corre rio abaixo O quebranto para o espanto É imperativo fazer-se dor Imperar o amanhecer e o recriminar O próprio corpo como objeto democrático de hipnose Teimando uma hipótese controversa Estreitam os laços, entre imagem e vislumbre Revistas alinhadas em funis e goelas Gargantilhas e espartilhos como deuses Remodelando o corpo à fórceps E eu não deveria respeitar o meu silêncio, deveria grita-lo Até tingir a noite azul moderna em uma substância púrpura Escondendo minhas feridas, lavando meu rancor, afogando meu medo Entretendo, tudo é um pesadelo monótono sem nada para transgredir E mesmo que eu invente álibis Minta, ao afirma que não me diz respeito É claro que as mãos invisíveis atadas no meu pescoço Pesam o fôlego e a força como âncora. Então, a devo negar Estreita rezas minguadas, rezas em becos iconoclastas Outra vez, pela última vez, eu prometo tecer a vaidade Tal um filho pródigo, concebê-la e ama-la E ninguém me verá renegá-la Como eu, as mãos estão silenciadas Sem o constrangimento do tato, Palavras prenhas de mentiras ensaiadas Textos rancorosos de semiótica míope
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10 de Março de 1979
A Paula ama-me também. A Júlia, mudámos de carteiro, entregou-me uma carta dela que é uma autêntica declaração de Amor. Jogámos Futebol, a minha equipa ganhou por 3 a 0, eu marquei os três golos. Os colegas abraçaram-me… o filho pródigo está de regresso. Iniciámos hoje a „CAMPANHA DO PAPEL“ durante um mês vamos juntar todo o papel velho que encontrarmos em Ermesinde, no fim vendemos a peso e…
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O ÓDIO E O PECADO DE SER
Odiar é muito difícil.
Pessoalmente, acho que é infinitamente mais fácil cometer uma violência, sair no tapa em razão de um destempero, ir à guerra e matar, do que odiar.
A violência é uma loucura. O ódio é puro estado de loucura! Odiar demanda uma determinada “instalação” na alma que só pode acontecer como semente do mal. O ódio como estado do ser significa que o potencial do amor foi transmudado em seu oposto: o antagonismo total da possibilidade da Graça.
Onde há ódio não há Graça e onde há Graça não há ódio!
Até o ofensor que peca contra o irmão setenta vezes sete é um filho pródigo da Graça, pois, para que alguém se arrependa tantas vezes e peça perdão, tem que pelo menos ter acessos súbitos de percepção do outro ofendido — o que só é possível como Graça! Aquele que tem o dom desse perdão tão freqüente e que perdoa apesar de ser alvejado tão aleatoriamente, é, sem dúvida, filho da mais profunda Graça!
O ódio, todavia, não conhece nem o perdão nem o arrependimento — mesmo que seja como surto. Saul, o perseguidor de Davi, tinha surtos de culpa, não de arrependimento. O publicano que subia ao templo diariamente para pedir perdão a Deus pelos seus pecados, tinha, no mínimo, surtos de autoconsciência, algo longe de ser almejado como estado para o ser — mas que mesmo assim ainda coloca o publicano num estado muito superior de alma em relação a Saul. O publicano tinha surtos de arrependimento. Saul apenas tinha surtos de culpa, e sentia raiva de se sentir culpado, daí odiar cada vez mais intensamente. Afinal, Davi se tornava o culpado de Saul sentir-se culpado de odiá-lo.
Odiar é difícil porque o ódio precisa se instalar como uma espécie de Direito Adquirido contra o ser do outro. E a experiência desse estado implica em algo muito mais profundo do que cometer um pecado. Implica no verdadeiro estado de pecado.
Só o ódio instala o estado de pecado no ser, assim como é no crescimento do amor que a Graça se enraíza como estado cada vez mais profundo do ser. Daí o apóstolo João dizer que aquele que odeia não conhecer a Deus e jamais tê-Lo visto, pois Deus é amor.
Aquele que odeia nunca conheceu o amor. A ira é um acesso. O prolongamento de seu estado dá lugar ao Diabo na medida em que afasta o ser de sua única proteção: o amor. Sem amor todos os flancos estão abertos para o que é mal. Mas com ódio, o mal já tomou posição soberana na alma.
Odiar é difícil também porque torna aquele que se faz capaz desse estado o ser mais cativo de todos. Ninguém é livre para odiar. Quem odeia se torna escravo do ódio. Ora, o ódio tiraniza o ser contra si mesmo, em razão de que o entrega à sua obsessão destrutiva pelo próximo.
Odiar é difícil sobretudo porque aquele que odeia des-existe. Desiste de ser e existe para o não ser, pois existe para não viver, visto que sem amor sobra-nos apenas des-existência. Ora, nesse estado há apenas a morte como cenário para a vida. E a morte nunca embelezou a vida e nem fez ninguém viver, e jamais o fará.
Aquele que odeia a seu irmão traz em si a semente maldita. Assim como aquele que ama a seu irmão carrega no ser a divina semente.
Eu creio no poder devastador do ódio. Há quem o busque e o pratique como Direito Ad-querido. Mas também sei que sua experiência instala o “software” do inferno no “HD” do ser como aplicativo primordial. A máquina psíquica passa a não “rodar” sem esse tal programa. Roda até congelar a existência na des-existência.
Então vem a morte, não daquele a quem se pretende fazer o mal, mas daquele que o intenta. A prolongada intenção de fazer o mal pelo mal pode criar o pior de todos os estados na alma: o da soberania do ódio!
Devo, entretanto, dizer que odiar é difícil apenas para aquele que vê o ódio como o pecado contra o ser. Quem se ama não consegue odiar, assim como também não consegue não amar de alguma forma o seu irmão — mesmo que seja como expressão da misericórdia que chega como um relâmpago iluminando a noite da vingança.
O amor é o único Dogma Existencial estabelecido por Jesus. Daí, na mesma medida, o ódio ser a maior blasfêmia.
O amor cobre multidão de pecados. O ódio tenta esconder-se des-cobrindo pecados existentes e até fabricados contra o próximo. Por isso aquele que ama vive com uma esperança redentora e aquele que odeia existe movido pelas pulsões da destruição.
O ódio paralisa tudo: interrompe orações e nega a Deus, pois Deus é amor. E quem pode viver sem amor? Só conheci até hoje "existências" nesse estado, mas nunca vi vida em tais existências.
Odiar é difícil porque remete a vida para a morte. E quem consegue viver se já está morto?
Perdão aos que pensam diferente, mas para mim simplesmente não dá.
Nele,
Caio
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