Um pouco de mim nunca me é demais. Tudo de mim é-me suficiente.
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Receio não ser quem julgo que sou. Receio reconhecer-me falaciosamente quando me vejo ao espelho; como se soubesse que aquilo com que me deparo é uma versão de mim que guardo carinhosamente. Não sabendo se sou eu.
Por entre páginas de constitucionalismos tento descobrir a minha constituição. Tento integrar-me num saber, caracterizar-me através de uma enumeração, sentir o que sei que se sente. Abraçar sentimentos porque sei que é o suposto; amar a lua porque quem não a ama? Agradecer pelo sol porque quem não agradece por ele? Tranquilizar-me sobre o céu azul porque quem não o faz?
Receio não ser quem julgo que sou, pois faço tudo isso consciente de que não existe um átomo que seja que não o faça. Contudo, faço-o porque algo dentro de mim pede e não porque extrinsecamente me desvendam a beleza das coisas mundanas.
Instintivamente peço por sentir; peço por admirar a lua, agradecer pelo sol e tranquilizar-me através do azul safírico do céu. Peço por ser. Quem não?
Se tudo o que posso ser está confinado em tudo o que sou, como não recear não ser quem penso que serei?
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Amo o amor como quem ama a lua, a ama. Amo com o mais simples sorriso, com um mero toque; com a cabeça vazia, debaixo de água.
Amo amar-te dentro de mim, enquanto me esculpes e me torno na mais bela obra de arte. Amo amar-te fora de mim, quando te vejo naquilo que me rodeia, abraçando-me sem teres de me tocar.
Amar-te faz de mim quem de melhor posso ser, porque posso ser contigo. Ser enquanto sou feliz; amar-te enquanto te amo, enquanto me amo, enquanto amo o mar e o céu e as estrelas e a lua e nos vejo em cada um desses.
O amor não tem de ser fácil para me preencher. Aliás, talvez se o fosse não me preencheria. O amor tem de ser. Simplesmente. Tem de existir entre os ramos das árvores, entre as pequenas brechas da calçada portuguesa. Dentro de mim, de ti, dos momentos tolhedores e sofridos.
Dentro de piqueniques bonitos, discussões de verão, dentro de idas ao cinema e desentendimentos de inverno. O amor tem de existir no meio de tudo isso.
O amor existe dentro de mim, sempre que te fazes sentir. Isto é, sempre.
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Sozinha na paragem de autocarro, como de costume. Vinda de um lugar que me era costume, no entanto que agora pouco se assemelha às minhas memórias.
O tempo passa e os minutos que me levam até à minha boleia para casa voam como se fossem folhas. Eu permaneço no mesmo lugar, esperando pelo tempo que não volta mais.
O passado é tão inalcançável quanto as certezas do futuro e por isso de nada me serve correr atrás dele. De nada me serve sentar-me aguardando que ele chegue até mim.
Já nada é o que costumava ser. O costume dissolveu-se. O animus e o corpus dissiparam-se em todos os lugares em que já estive depois deste.
Restam as memórias.
Lembro como ser criança é ser feliz e como agora penso que outrora não pensava sê-lo, mas era-o. Talvez daqui a uns anos olhe para mim agora e me veja criança, novamente.
Inevitavelmente, o passado passa. Por isso essa designação e por isso a dedicação com que tento fazer as pazes com ele.
O sítio que em tempos me foi casa, pouco mais me é agora. Julgo que neste momento aquilo que me cabe fazer é tornar do presente constante.
Não deixar que a minha casa desvaneça ou desabe, como esta que me rodeia, enquanto estou sozinha na paragem de autocarro, como de costume.
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Hoje o dia não foi bom. Aliás, refraseando, hoje o dia foi repleto de abertura e incompletude de mim e para mim, por isso foi intenso.
Ando a sentir-me conectada à versão que sou neste momento, e com isso tenho sentido mais necessidade de perceber quem fui e quais as variações de mim que aqui tenho dentro.
Pensei em mim com menos de dez anos e com os outros todos. Li os meus cadernos antigos e temi por todas essas partes de mim. E chorei por elas também. E chorei ainda porque elas continuam a viver em mim.
Talvez a tristeza que sinto é crónica. O oco, o vazio. Talvez o problema seja já irremediável e eu esteja condenada a nunca estar em sintonia perfeita comigo.
Hoje foi um dia em que me forcei a ter de lidar comigo. Cansou-me, fez com que perdesse a paciência por tão pouco; fez com que chorasse.
Não faz mal.
Não acredito que isto não tenha solução. Mas acredito, de facto, que preciso de me cansar muito antes de me compreender totalmente.
Estou cansada e só me quero ir deitar.
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Olho para o futuro sobre a lente da incerteza. Tudo o que está para ser que ainda não o é é-me ignoto. A imprevisibilidade do que aí pode vir move-nós todos os dias.
Se não estivéssemos à espera de um desfecho diferente ao ir deitar, porque haveríamos sequer de acordar?
O futuro é incerto. Mas o presente não o é. Mesmo não sabendo aquilo que quero que chegue posso sempre escolher como quero chegar a esse destino.
Acho que é verdade aquilo que dizem de que o futuro está nas nossas mãos.
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Espero pelo autocarro, descansadamente, ainda que em casa tenha acumulada numa pilha uma enchente de pensamentos.
Agora, contudo, não penso em nada, porque está frio e sinto o nariz vermelho; os dedos prendem-se-me ao escrever estas palavras por entre as camadas que tenho vestidas.
Quem me ouvir acha que emigro na zona nórdica. Não, emigro apenas de mim, num sítio algures. No sítio que calhar.
Hoje foi num banco de uma paragem de autocarros familiar.
Está realmente frio e eu estou realmente descansada, ao ponto de haver uma parte de mim em excessiva preocupação.
Perdi trinta minutos à espera de um autocarro que não veio? Ou ganhei meia hora em que não estive a pensar?
Se todo o tempo fosse como estes minutos talvez não fosse satisfatório viver. Nunca tentei sobreviver consumindo somente o mínimo de pensar.
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A família rodeia a mesa da sala de jantar de onde vivo. Riem e sentem e ficam em silêncio, tudo num espaço de segundos. Abraçam-se em segredo e sem discrição, simultaneamente. Gritam e adoram, ao mesmo tempo também.
A família anda às voltas pelo lugar onde vivo. O que será que procuram? Talvez a mim. Escondo-me dos olhares deles, despropositadamente, no entanto tudo o que eles acham que vêem sou eu.
Por que me escondo de parte de mim?
Sinto uma distância inquebrável resultante do desapego, mas enquanto isso sinto também um aconchego intolerável de quem não existe sem o calor familiar.
Como posso ser tão antitética? Como posso sentir tanto e ser capaz de mostrar tão pouco?
Inevitavelmente espero que saibam que a minha família vive dentro de mim.
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Por vezes sinto-me encurralada no tempo, mas é paradoxal, porque não sei sequer para onde este foi.
Será que já fui criança?
Tudo aquilo que tenho dentro de mim está encriptado; não me lembro de chorar ou de rir; se os meus pais me iam buscar à escola, ou se era a última a sair. Lembro-me que lia e que gostava de me perder de mim, e em mim, própria.
Talvez ainda hoje o faça.
Será que já fui criança? Ou será que, não sabendo para onde foi o tempo, ele não passou?
Talvez se pudesse visitar a minha infância pudesse dizer-me se fui feliz. Mas olho para trás e tudo o que vejo nitidamente são lembranças fotográficas e materiais desassociadas do que foi a verdade.
De qualquer das formas, quem saberá a verdade?
Será que já fui criança? De todas as maneiras, já não posso voltar a sê-lo. Por vezes seria bom poder sentir a serenidade de uma, no entanto não gostaria de voltar ao tempo em que não sabia quem era, nem sequer sabia o que isso queria dizer.
O crescimento traz completude.
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Se tudo o que pudesse sentir fosse amor, senti-lo-ia sem questões. Se pudesse escolher somente amar, não o escolheria, no entanto.
Amo como uma ínfima parte de mim, mas com tudo o que tenho, mas amar não me basta. Só amar, desgasta.
Gosto, entusiasmo-me, entristeço-me, perco-me, levo-me. Deixo-me ir. Porque o amor é muito mais que amar.
Se tudo o que pudesse sentir fosse amor, senti-lo-ia sem questões. Se pudesse escolher somente amar, não o escolheria, no entanto.
Porque não é amar que me faz querer passear contigo pela Baixa lisboeta. É algo muito maior, mais forte, que me prende e faz sentir a pessoa mais livre que poderia ser.
É algo para o qual ainda não tenho nome. Acho que ninguém tem.
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Naquele momento éramos só nós. Tudo parou. As ondas pararam, as nuvens abrandaram, o vento cessou. Só o amor sobrou.
Naquele momento tudo o que éramos percorria-me; tudo o que somos percorre-nos, enquanto corro pelo areal que espero que me leve a ti.
Neste momento só espero por ti. À beira mar, de sapatos na mala e coração na mão. Espero sempre por ti, de onde quer que venhas, como quer que venhas, como quer que sejas.
Espero por ti e já sei quem és: o reflexo que encaro quando me fito no cristal da água do mar. És o retrato de cada chapéu de sol e do que se passa debaixo dele; o retrato de cada alga que se prende ao meu tornozelo. És o teu retrato. E o meu retrato também.
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