jadautin
João Adauto
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Artista em desenvolvimento e aprendendo a usar esse treco. Ou tentando pelo menos :) Falando sobre quadrinhos e cultura num geral
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jadautin · 3 months ago
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Em um de seus documentários sobre quadrinhos, Rogério Sganzerla e Álvaro de Moya afirmam que "Se os gregos antigos fizessem quadrinhos, eles fariam como a leveza clássica da linha de Alex Raymond". Grande citação!
Documentário:
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jadautin · 2 years ago
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Laerte, eu não preciso te entender! (Ou o porquê da nossa necessidade de compreensão).
Esse texto não é sobre tretas. É sobre Laerte, arte, e comunicação. Ou quase, se eu fizer me entender.
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Eu adoro essa tira. Foi uma das primeiras que li da Laerte, uma artista que passei mais tempo lendo suas tiras no Instagram do que gostaria de admitir.
Em uma primeira olhada, é apenas uma grande brincadeira com a linguagem, utilizando-se da expressão "Cair a ficha" em um contexto mais absurdo. Porém, pesquisando sobre essa tira em específico, se percebe uma carga política muito maior do que se aparenta. Ela foi publicada em junho de 2013, no auge dos protestos que seriam a base para o anti-petismo, e esse serviu como o berço do bolsonarismo. E não é apenas alguma voz na minha cabeça estabelecendo esta relação, já que vários autores discutiram posteriormente essa profética tira (Bibliografia ao final do texto), e a própria Laerte é uma figura politizada desde seu início de carreira na década de 80, nos dias atuais sendo abertamente contra a figura do Bolsonaro, desde a época do Impeachment da Dilma alertando de forma sutil o que ocorreria na política brasileira após as Jornadas de Junho
Com isso em mente, agora deixo uma reflexão: Meu pensamento inicial, tratando a tira meramente como um jogo de palavras e imagem, estava errado? Alguém que lesse essa tira e não entendesse a carga política por trás dela, está equivocado? Na minha visão, não, não está. Em primeiro lugar, as tiras da Laerte Coutinho não possuem uma limitação de interpretações, e elas podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes (A própria não vê nenhuma conexão de linguagem naquilo que faz). Em segundo lugar, destaco a diferença de tempo. Eu não sabia que a tira era de junho de 2013, e nesse ponto muitas pessoas no Brasil nem mesmo se recordam do que foram as Jornadas de Junho ou tem noção do seu impacto da política nacional, e as tiras e charges publicadas em jornais possuem a característica de serem atuais em seus temas. Portanto, até mesmo para muitos leitores que receberam essa tira no dia em que foi publicada, não entenderam sua provocação. A ficha ainda não tinha caído.
Recentemente, essa artista tem sido alvo de um meme muito curioso: As pessoas começaram a bombardear seus posts de tiras no Twitter com imagens dizendo se entenderam ou não, com variações em meio a isso.
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A artista comentou sobre essa onda em uma entrevista, onde sua principal reclamação foi de que era um bombardeio, não uma conversa. Ela está correta, afinal, os memes se disseminam na cópia, e são representações extremamente simples feitas para serem entendidas por um grupo de pessoas usuárias da internet, sejam esses grupos amplos ou não. Mas a questão aqui não é reclamar sobre o meme, pois eu não estou aqui para receber acusações de "estragar o meme" ou qualquer desculpa de quem se sente muito engraçado dentro da internet. Aqui queria pensar o entendimento da arte. ou melhor, a nossa necessidade de entendimento.
A cultura ocidental se baseia em valores ainda muito clássicos e naturalistas. Toda a nossa ideia de desenho, escultura, poesia ou teatro vem de uma idealização de culturas greco-romanas, e com uma representação que busca mostrar da forma mais fidedigna possível a realidade, a exemplo dos renascentistas ou neoclássicos, que instituíram essa como a "regra" na hora de se fazer arte. Muitos podem argumentar que esses movimentos artísticos são muito antigos, e que não impactam mais o nosso imaginário, mas isso é mentira. Para qualquer um que desenhe, como é meu caso, é muito visível que nossos estudos de anatomia, perspectiva linear, pintura e etc., tirando algumas poucas exceções, ainda são essencialmente para representar a realidade de forma verossímil. Ou seja, o artista valorizado, o "gênio artístico", ainda é aquele que representa a realidade de forma quase fotográfica, em detrimento de artistas com estilos menos realistas.
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Com isso em mente, nossa cultura é constantemente perseguida por essa visão de entendimento realista da arte, e se entranha em nossas percepções da arte. Um exemplo disso é, depois de mais de um século de existência, a pintura "Abaporu" ainda é alvo de constantes críticas de cunho naturalista, afirmando que a obra é ruim por não significar nada para o locutor ou por não seguir as técnicas acadêmicas instituídas nos períodos do renascimento e do neoclassicismo.
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Dentro desse contexto, as histórias em quadrinhos são historicamente diminuídas como forma de arte por esse caráter técnico e de representação. Por muito tempo, os pesquisadores de literatura consideravam as HQs uma leitura menor em relação aos textos literários, os pesquisadores de artes visuais viam a arte sequencial-simultânea como algo menos artístico em comparação às artes moldurais, como ilustrações isoladas e pinturas, e os pesquisadores e artistas de quadrinhos eram mínimos em comparação as duas anteriormente citadas.
Laerte é uma das artistas que, dentro do contexto brasileiro, traz em suas tiras um imaginário surrealista e de cotidiano em conjunto. Em suas tiras, constantemente se retratam os momentos em que a comunicação falha, seja ela gestual, visual ou verbal. Eis um exemplo:
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Suas tiras possuem um foco no ruído, como dito em um vídeo sucinto, mas bem feito, do HQ sem roteiro. Ela retrata momentos em que nossa linguagem não consegue suportar nossa necessidade de comunicação em diversos momentos, e as transições por meio dos quadros consegue aumentar o absurdo, e esse mesmo absurdo aumenta o ruído. É apenas uma interpretação pessoal, mas perceba que essa interpretação só surge da falta de clareza explícita nas tiras. Ironicamente, a artista consegue passar o que deseja de forma direta, ao mesmo tempo que distorce o caminho para chegarmos até essa representação, coisa que seria impossível em artes que só tem como base a representação fiel da realidade. Sem a realidade, Laerte consegue ser absurdamente humana e comunicativa.
Em suma, o entendimento de uma tira ou história da Laerte não é necessário, tampouco o ponto principal de suas obras. A artista possui outros focos, e a perspectiva limitada, que muitas pessoas infelizmente ainda possuem sem perceber, faz parecer razoável tirar sarro desse surrealismo de sua obra. Laerte e sua geração de quadrinistas brasileiros nos convida a abandonar padrões pré-estabelecidos, e abraçar personagens e situações absurdas que conseguem ser sofisticados na mesma medida que se comunicam com a população de forma muito ampla, essencial de uma boa tira de jornal. Não se preocupe exclusivamente com o entendimento da arte, e se permita ver outras facetas do que aprecia. Perspectivas diversas geram entendimentos diversos, visões distintas. E talvez seja isso que Laerte realmente deseje ver com sua arte, e não uma massa homogênea de memes que buscam, de forma imparável e muitas vezes inútil, observar a arte em um maniqueísmo de compreender ou não compreender.
Isso sim, eu não entendo.
Para Laerte, com carinho,
João Adauto
Referências
Instagram da Laerte: Laerte Coutinho (@laerteminotaura) • Fotos e vídeos do Instagram
A ficha: A ficha, a grande ficha, em algum momento… ela precisa cair – ESCUTA. (wordpress.com)
O texto menos sensacionalista que achei citando todo o caso: A Laerte não entendeu o meme sobre não entender suas tirinhas (nucleo.jor.br)
Definição básica do neoclassicismo: Neoclassicismo: as ideias e valores por trás da arte – Gare Cultural
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