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27/06/2017
Querido amigo,
Hoje senti uma imensa necessidade de escrever. 00:37. Ela dorme na ligação. Escrevo ao som de 4 Non Blondes: What's Up e está quente. Sinto meus braços suados e sim, os olhos já começam a pesar. Eu estou numa fase tão perdida e com tanto medo, pra falar a verdade. As preocupações não são totalmente minhas e na verdade são. Sinto medo por ela que agora dorme esperando por mais uma consulta mais tarde. Sinto raiva pelos pais dela. Raiva da irmã e do pai e da mãe e do resto da família não ser tão próximo. Eu queria engolir todos eles e chorar. Sinto medo por ela. Estou ficando sem saber o que dizer, sem ter o que esperar e ela sabe que não tem mais o que ouvir além do meu: “sinto muito”. Mas eu realmente sinto. Essa música é tão boa. Eu nem entendo a letra toda, mas melodia me deixa de um jeito melodramático, como se eu precisasse de ajuda pra isso. Eu lembro do prednisona na aula de farmacologia. Eu lembro que me interessei particularmente por essa matéria e hoje acho que grande parte é pela quantidade de drogas que ela precisou e ainda precisa usar. Não pela variedade, mas pela eternidade da terapia. A professora estava medindo as palavras, e ela realmente estava. Ela teve medo em falar das pessoas que usam essas drogas por muito tempo. Sobre a qualidade de vida diminuída. Hoje eu estou tento tanta raiva delas, das drogas. Parece patético aquele amigo nosso procurar a paz tomando várias delas. Parece ironia. Eu tenho realmente medo do que vai acontecer. Eu queria que fosse mais fácil. Queria que alguém dessa família tivesse realmente um emprego seguro, dinheiro e estabilidade. A partir disso eu penso em tantas pessoas passando por isso ou pior. Tantas mulheres e filhos e gente que eu não posso ajudar. É tanta gente podendo ajudar mas não ajuda e tanta gente precisando ser ajudado, mas invisível pra todo mundo. Gente que é invisível. O mundo anda cheio de gente invisível e mais cheio ainda de quem não procura ver. Eu queria que alguém visse e se importasse. Está tocando Oasis: Wonderwall e eu gosto tanto dessa música. Eu acho que não tenho mais músicas só minhas. Todas as coisas boas que eu conheço quis compartilhar com ela. Eu queria estar bem e ter uma solução. Queria que fosse fácil. Não precisava ser bom, mas não precisava estar piorando o tempo todo. 5mg, 20mg, corticoide, analgésico, quimioterápico, boca, esôfago, estômago, digestão e absorção, corrente sanguínea, receptores de dor, diminui imunidade. Tudo em tão pouco vai matando e matando, não é? Mas tudo mesmo. A gente só caminha pra morte. Acelerar ou desacelerar na verdade nem importa, ou importa? Você pode estar na melhor dieta do mundo, exercício físico, acupuntura, noites tranquilas, emprego certo, sem tantos radicais livres no sangue. Ai vem um carro, um assaltante, um acidente. Qualquer acidente e já foi. Outra pessoa pode se envenenar um zilhão de vezes por dia e viver mais anos que a primeira pessoa. Está tocando Stop Crying Your Heart Out e realmente não sei como não estou chorando agora. Como você dorme em paz quando quem você mais ama não está em paz? Sensibilizar demais é de menos, acredite. Eu e minha visão romântica e fácil das coisas não se organizou para as realidades em tapas que a vida dá. Idiopática é a pior palavra já inventada em minha opinião. Uma palavra pra encobrir o “eu não sei”, ou “eu não entendo”, “ninguém entende”, “deus quis”. Foda-se. A medicina podia fazer melhor. Porque tantas peças, vida? Não deu, não consegui não chorar. Deve ser agradável pra vida ver lágrimas alheias. Acho que deve regar esse humor satírico dela de brincar com a dor das pessoas. Tudo é regado demais quando se mexe com dor. Faz um bom tempo que os dias pararam de ter sentido pra mim. Eu só queria que as coisas fossem tranquilas. Está uma bagunça e dói. Dói ver tudo bagunçado e não poder arrumar nenhum cantinho. Stop cry. Não regarei mais hoje o ego da vida pelo sofrimento alheio. Não vou. Literalmente viver é uma guerra interior com lutos constantes e explosões diárias esperando hoje não sentir a mesma dor. Me ajuda a cura-la. Com amor, L.
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