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O oitavo tentáculo do polvo
Era uma vez uma velha que lavava roupas na praia quando apareceu diante de si um enorme polvo. Ele estendeu um gordo tentáculo em sua direção quase como que tentando a mulher a cortá-lo.
A velha prontamente o decepou, levando-o para casa e comendo-o com satisfação.
No dia seguinte, ao ir novamente lavar suas roupas no mar, o mesmo polvo veio e lhe estendeu outra perna. Isso se repetiu por mais cinco dias — até que chegasse no oitavo tentáculo.
A senhora retornou à praia na intenção de levar a cabeça do polvo consigo desta vez. Ele a esperava como sempre, com o único tentáculo que restava estendido.
A mulher se adiantou para cortá-lo e, num piscar de olhos, o polvo saltou em cima dela, enrolou o tentáculo restante ao redor de seu pescoço e a arrastou consigo para as profundezas do oceano.
(Distrito Minamitakaki, Nagasaki)
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Esse é um dos meus contos folclóricos japoneses preferidos, e achei que nada seria mais apropriado do que traduzi-lo e publicá-lo na noite de Halloween.
Eu o descobri pela tradução da Fanny Hagin Mayer do folclorista japonês Kunio Yanagita, no The Yanagita Kunio Guide to the Japanese Folk Tale, volume que é uma tradução do Nihon mukashibanashi meii 『日本昔話名彙』, compilado pelo Kunio Yanagita em 1948 e editado pela editora da NHK.
Felizmente consegui encontrar (e baixar!) a obra escaneada no repositório da Biblioteca da Dieta Nacional japonesa, aqui: https://dl.ndl.go.jp/pid/1124179/1/95.
Infelizmente, a qualidade dos scans não é muito alta, o que dificulta reconhecer as letras (até porque são usados ideogramas já obsoletos).
Ainda assim, achei que seria legal deixar a transcrição do japonês aqui, para quem quiser dar uma olhada (tendo em mente que talvez alguns kanjis estejam errados).
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蛸の足の八本目
昔婆が海邊で洗物をして居ると、すぐその前に大きな蛸があらはれて、これを切れと云はぬばかりに一本の大足をさし出した。婆は早速その足を切取つて帰り喜んで食べた。翌日も又洗物をして居ると昨日の蛸が足を一本切り取らせかうして七日間續いたが八本目のことである。婆さんは今日こそ、頭も一緒にと
ってやらうと思つて出かけて行くと、蛸はいつもの通り残つてゐる一本の足を出して待つて居た。さうして婆さんがその足を切取らうとすると、急にその蛸がをどりかゝつて來て、残りの一本の足を婆さんの首に巻つけ海の底に引つばつて行つた。
―――長崎県南高来郡―――
日本放送協会 編 ほか『日本昔話名彙』,日本放送出版協会,昭和23. 国立国会図書館デジタルコレクション https://dl.ndl.go.jp/pid/1124179 (参照 2024-10-31)
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Nem todo ruído é ruim
Talvez você não odeie ASMR, não.
Ao mesmo tempo que o termo ASMR parece ter se espalhado e popularizado pelos Instagrams e TikToks da vida, com unboxings e publicidade (disfarçada ou não), vejo uma onda de pessoas que dizem odiar esse tipo de vídeo.
Muita gente reclama nos comentários: “abre esse pacote de um jeito decente“, “que coisa irritante essa edição” etc. Para falar a verdade, eu não discordo totalmente deles. Mas também acho que as pessoas que fazem esse tipo de marketing não entendem fundamentalmente o que é ASMR e o que tornou esse gênero de vídeo popular, pra início de conversa. E, claro, tamboriladas e barulho de plástico amassado não são os meus gatilhos.
Sim, isso aqui é uma defesa do ASMR. Meu objetivo não é fazer ninguém gostar, mas entender do que se trata e talvez até refletir sobre seus próprios “gatilhos”.
ASMR é uma sigla para “autonomous sensory meridian response” (resposta meridional sensorial autônoma), que nada mais é do que uma sensação de relaxamento, prazer, cócegas diante de “gatilhos” visuais ou auditivos. Esse potencial audiovisual deu origem a um gênero de vídeos com essa etiqueta. Só que, como tudo no capitalismo tardio, também virou pretexto para exibir alguma embalagem de produto sendo aberta com um tamborilar irritante de dedos, que não causa relaxamento a ninguém (mas talvez ajude no engajamento do ódio).
Na verdade, existem centenas de categorias de gatilho, desde imagens como a de areia escorrendo por uma ampulheta, passando por barulhos de pingo de chuva num telhado, até gatilhos mais situacionais, como a experiência de receber algum tipo de atenção pessoal de uma pessoa, como de uma maquiadora ou de um alfaiate ou de uma médica fazendo o tão famoso exame do nervo cranial.
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[A criadora coreana Latte ASMR é uma das veteranas da comunidade. Nesse roleplay, ela simula uma maquiagem no seu rosto, um dos tipos mais comuns de vídeo.]
Muito do deboche que eu vejo em relação ao ASMR também ocorre porque, como tudo na internet, ele já foi cooptado pela regra 34: existem vídeos de roleplay com apelo erótico, claro. O que na verdade é muito natural para um fenômeno que lida com estímulos sensoriais, mas obviamente incomoda (ao menos na frente dos outros) uma certa parcela puritana.
Por outro lado, nem todo estímulo sensorial é sexual por natureza, e acho que muitas pessoas perdem de se divertir e se descobrir por medo de passar vergonha diante dos outros, por medo de serem vistos como estranhos ou pervertidos ou qualquer coisa assim.
Na verdade, eu sou da opinião de que todo mundo gosta de ASMR — porque todo mundo gosta de sentir algum tipo de prazer proporcionado por um estímulo externo.
A maioria só não sabe que isso tem um nome, e talvez não conheça muito bem os próprios gatilhos (da mesma forma que muitos não sabiam até pouco tempo que existia uma palavra para fobia de padrões regulares de furos, a tripofobia).
Talvez você ache vergonha alheia aqueles vídeos em que uma boca cheia de gloss sussurra palavras de afirmação no microfone. Vídeos com fonemas isolados (como o célebre sksksk) ou de objetos apertados, tocados, tamborilados me causam mais irritação do que relaxamento. Sabonetes sendo cortados com estilete me dão agonia. Faz parte. Tem muita gente daquelas milhares de visualizações que não só adora como também alega que as imagens ou sons ajudam a reduzir a ansiedade delas.
Eu particularmente adoro sussurros e voz baixa. Se for em outros idiomas, então, inclusive nos que eu não entendo, melhor ainda. Mas não é qualquer sussurro ou voz baixa; tem toda a atmosfera relaxante, a entonação de quem fala.
Acredito que a maioria das pessoas sabe qual é a sensação, mas devido a alguma experiência no mundo não virtual.
Apesar de não ser religiosa, durante um curto tempo minha mãe me levava a um centro espírita. Eu odiava os discursinhos, o ambiente não me comovia em nada… e daí vinha a hora do “passe” ou “imposição de mãos”, que deve ter alguma explicação religiosa que eu ignoro. A sensação (talvez a expectativa) de uma pessoa aproximando as mãos do seu rosto, sem tocá-lo, enquanto você fecha os olhos… ali eu sentia essas cócegas misteriosas e achava agradável. Inclusive, sabendo hoje sobre ASMR eu fico pensando quantos fenômenos sensoriais pouco estudados cientificamente são explorados pelas religiões e ganham um status mágico.
Também me recordo das visitas à biblioteca, com pessoas falando baixo e ruídos de páginas folheadas, de lápis riscando o papel. De idas à cabeleireira — coisa que os vídeos da categoria de “roleplay de atenção pessoal” tentam reproduzir, com o microfone estrategicamente posicionado para parecer que a pessoa está realmente lavando, secando e penteando o seu cabelo. E quem nunca conheceu uma pessoa cujo mero tom de voz funciona como um copo de leite quente?
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[Aqui Ben Barnes lê um trechinho de Shadow and Bone em estilo ASMR, totalmente ciente do quão sedentas são as leitoras.]
Para além dos gatilhos audiovisuais simples, hoje em dia existe muita exploração criativa dos ASMRs situacionais, em que os criadores investem em cenários e narrativas para tentar conseguir um efeito de imersão maior, às vezes trazendo uma experiência quase cinematográfica. Você pode assistir a um vídeo simples de uma pessoa simulando uma maquiagem no seu rosto e conversando como se fosse sua amiga próxima, ou pode assistir a um cenário de filme noir, em que você é a testemunha entrevistada. Nesse modo POV, de visão em primeira pessoa, você pode ser uma pessoa qualquer, um objeto futurístico ou uma criatura mágica sob o escrutínio de detetives, elfos — e até da dona Dimitrescu.
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[Aqui a ASMRtista francesa do Moonlight Cottage ASMR cria todo um cenário de filme noir em que você é uma testemunha.]
E também existe uma outra categoria de vídeos ASMR que eu amo: pessoas fazendo tarefas manuais e explicando coisas em minúcias. O estímulo sensorial é acrescido do interesse no assunto e até do interesse no idioma.
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[Aqui o artista japonês do canal Carm ASMR explica sobre a arte do bonkei e monta 2 paisagens em miniatura.]
Enfim, analiso o meu amor por esses vídeos como uma forma de me conectar com a voz humana. Eu sou uma pessoa fundamentalmente sozinha e silenciosa, e às vezes sinto falta de ouvir alguém falar, ainda mais de forma delicada e calma. Sem dúvida, um roleplay não é a mesma coisa que um amigo perguntando como foi seu dia, ou um namorado mexendo no seu cabelo e consolando você por um péssimo dia no trabalho. No entanto, quando o objetivo do vídeo é um estímulo sonoro ou visual, pouco importa se se trata de realidade ou não; você está suficientemente disposto a mergulhar na ilusão.
O mundo é cheio de ruídos, boa parte desagradável. A maioria, aliás, nós já naturalizamos a ponto de ignorar. Música é algo maravilhoso e tem o seu momento, assim como o silêncio. Mas os sons mundanos/corriqueiros agradáveis, a gente nem sempre para pra pensar neles.
Acho que a minha maior defesa do ASMR, sem contar toda a criatividade das pessoas envolvidas na produção desses vídeos, é que a compreensão do fenômeno nos ajuda a perceber que existe, sim, uma certa beleza, uma certa harmonia nos sons aos quais raramente dedicamos a nossa atenção — nos ajuda a descobrir sensações e a dar um nome e atribuir uma importância a elas.
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Hiperfoco musical: Wilmot's Warehouse OST
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Nos últimos dias, a trilha sonora desse joguinho de organização, Wilmot’s Warehouse, tem me acompanhado no trabalho e até em outras tarefas de escrita, nas quais eu preciso de concentração.
Não sei muito do jogo em si, a não ser que é do tipo “quebra-cabeças organizacional”, mas a trilha, composta por Eli Rainsberry, tem uma série de musiquinhas instrumentais eletrônicas ótimas, um misto de vibes relaxantes com “perdendo a sanidade lentamente tal qual Raito Yagami tentando superar L em Death Note” (como é de se esperar da música de fundo de algo dentro do gênero puzzle…).
Tem também no Spotify e Apple Music.
O jogo, em si, tem versão para PC no Steam, ou para os consoles Nintendo Switch, PS4 e Xbox One.
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Eu tenho tentado estabelecer uma rotina de ir ao parque, dar uma volta, sentar e rabiscar num bloquinho, esvaziar a cabeça.
Por acaso, em abril surgiu uma mostra aqui. Uma das obras é interativa, chama Peixe-Passarim, da artista Mari Nagem. Consiste numa plataforma pantográfica, uma grua hidráulica que eleva a gente a uns 12 metros do chão. No início, eu achava que era só alguma coisa de manutenção do parque, não uma instalação artística. Mesmo depois de entender que fazia parte da mostra eu não me interessei muito.
Daí um dia, na segunda semana de maio, eu sentei perto da grua para descansar e desenhar e acabei ouvindo a explicação da obra. A artista foi para a região amazônica na época das cheias e achou interessante a perspectiva de dentro do barco, com a água tão alta que se via a copa das árvores na mesma altura ou abaixo de si.
Hoje eu tomei coragem de subir. Fui no fim de tarde. Doze metros. Eu queria ter gritado alguma coisa importante. "Não deixem privatizar a Sabesp!", algo assim. Mas eu sou bem covarde. Só de fantasiar com isso já fico nervosa. Mas fui e vi a copa das árvores de cima da água. Ou da névoa de carros da paisagem urbana. O barulho das sirenes e das buzinas torna meio difícil abstrair. Os prédios enormes que cercam o parque (que quase foi prédio também, não fosse a luta da comunidade local contra a administração do prefeito cujo nome batizou o espaço sem merecimento nenhum) também interferem um pouco na experiência.
Ainda assim, me fez pensar na cheia. Teve uma hora que um pássaro migrou de um galho para outro, fez um estardalhaço — a moça que operava a plataforma até se perguntou se já era morcego àquela hora. Me fez pensar nos pássaros que fizeram seus ninhos em galhos mais baixos; será que eles sabiam da cheia do rio que viria?
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Rosy afternoons 🌷
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Quadro 1 - Rato: "Como você lida com decepções?"
Quadro 2 - Caracol: "Mal."
Quadro 3 - Rato: "Mas que atitudes você toma especificamente?"
Quadro 4 - Caracol: "As erradas."
(Poorly Drawn Lines)
disappointment
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Redes sociais, banshees e o desespero: conexão e temporadas de amizade
Em 2023 eu assisti a esse filme com Colin Farrell e Brendan Gleeson (e Barry Keoghan, que virou pauta de discussão recente por outro filme...), e a obra basicamente passou o resto do ano morando na minha cabeça, inclusive enquanto eu escrevia a minha série de textos sobre redes sociais. Banshees conta a história de dois amigos, Pádraic (Farrell) e Colm (Gleeson), que moram numa pacata ilhazinha irlandesa. Um belo dia, Colm decide que não quer mais levar a amizade adiante. Acabou; agora ele vai se dedicar a outras atividades, outras relações. Só que Colm não tem um motivo específico para esse ponto de ruptura e não oferece nenhuma possibilidade de Pádraic "consertar" as coisas, por mais que este queira desesperadamente continuar com sua única amizade. Os dois estão confinados, juntos, naquela cidadezinha, e a situação vai escalando em absurdidades até os dois quase se destruírem.
Eu gosto da empatia que a obra tem pelos dois personagens: de um lado, você tem um cara simplório, bobão alegre protagonista de anime sociável, que construiu toda a sua identidade em torno dessa amizade, e toda essa amizade em torno de conversas rasas, humor pastelão, discussões de coisas cotidianas; do outro, temos um cara sensível, artisticamente ambicioso, complexo... e desesperado com essa perspectiva de vida mundana, ordinária. Uma das cenas que mais me pegou foi justamente a que Colm está no confessionário e o padre pergunta algo do tipo: "E aquele seu desespero, como vai?".
Você entende e se angustia por ambos, pela solidão de um, pelo enfado do outro, pelo fato de os dois estarem basicamente condenados a viver numa comunidade minúscula em que todo relacionamento é obrigatório e vitalício, e as opções de fuga são escassas e/ou brutais. O filme se passa no início do século XX, se não me engano, mas a reflexão acaba sendo relevante agora.
(Claro, existem várias camadas de interpretação possíveis; é um filme que oferece muito pano pra manga. Porém, eu vou me deter nessa perspectiva das amizades.)
As redes sociais criaram uma situação esquisita para as relações humanas: você tem o potencial de não sumir da vida de ninguém — e todas as pessoas da sua vida têm o potencial de permanecer também indefinidamente no seu campo de visão virtual.
Considerem a vida moderna pré-rede social: as pessoas frequentavam a escola e se formavam; algumas iam para a universidade, outras formavam família e/ou começavam a trabalhar. Havia quem mudasse de curso, emprego, cidade, estado, país... E, a não ser que se fizesse um esforço consciente para manter contato, trocando-se cartas, telefonando, viajando etc., era mais comum passar anos sem notícias, sem saber que fim levou fulano. Isso significa que era bem trabalhoso — de um ponto de vista prático — conservar amizades a longo prazo (a não ser, é claro, que os amigos morassem para sempre numa cidade pequena, sem perspectiva de mudança, com certa estabilidade social e tendência a um estilo de vida pacato... como no filme).
Com as redes sociais, por mais que se mude de vida ou localização geográfica, estão todos ali, ao alcance de uma curtida, de uma mensagem pública ou privada. E em vez de ser reconfortante, a ideia pode ser motivo de tensão...
A gente precisa mesmo saber que uma ex-professora da qual a gente gostava agora virou propagadora de notícias falsas e discursos de extrema direita? E o que dizer daquele colega de escola com o qual eu nunca tive nada em comum querendo manter um contato capenga e me obrigando a descobrir que ele virou coach de finanças e Testemunha de BitCHcoins?
Mas talvez o pior sejam mesmo as pessoas que nos renderam boas memórias afetivas, e que agora estão em caminhos diferentes (não necessariamente opostos ou ruins, apenas diversos), antigos "melhores amigos", porque você não sabe se elas guardam o mesmo sentimento positivo ou se elas se sentem desconfortáveis quando você curte ou comenta uma foto nova ou envia uma mensagem. Será que elas se ressentem pelo fato de você não ter mantido contato constante ou consideram o afastamento como algo natural? Você não sabe se, agora que vocês dois mudaram consideravelmente, a outra pessoa não julga suas palavras, seus valores e seu estilo de vida como ridículos. As redes também têm um componente de espetáculo, afinal de contas. Será que eu sou o circo particular de alguém?
Ano passado também viralizou esse vídeo da imagem, que foi amplamente criticado e zoado, pois a pessoa dá uma espécie de tutorial de como "terminar" com um amigo usando uma linguagem extremamente técnica e robótica, com chavões de terapia.
"Eu valorizo nossa temporada de amizade, mas..."
Confesso que inicialmente não entendi o porquê de toda a comoção, porque para uma pessoa neuroatípica, qualquer tutorial de como demonstrar a emoção correta parece válido em primeira análise. E a minha dúvida quando alguém critica algo assim sempre é: tá bom, então qual é o certo? (Sério, me ensina, pelamordedeus!)
Parece que as respostas variavam entre "nunca terminar uma amizade", "dar ghosting no amigo" e "sair na porrada". Ou "não tem resposta certa, mas também não saia usando linguagem de terapia com as pessoas no dia a dia se não quiser parecer um psicopata". Banshees opta por uma outra opção mais sangrenta, que não parece muito eficaz também...
Banshees, aliás, são um tipo de espírito feminino da mitologia celta que agem como carpideiras, pranteando, berrando e entoando cânticos diante da morte de alguém. Elas lamentam um ente querido que se foi ou prenunciam uma perda. De certa forma, elas são a personificação desses sentimentos que nos acompanham por toda a vida, tanto de luto como de medo das perdas inevitáveis.
Uma grande dúvida minha é como essa era de hiperconexão está afetando nossa relação com as perdas, já que todos continuam online, mas ao mesmo tempo não tem quase ninguém realmente presente nesses murais. Parece que o mundo todo está ao nosso alcance, mas a gente mal consegue diferenciar o humano dos bots, mal consegue distinguir uma tentativa de publicidade disfarçada de uma opinião genuína...
Claro que o fim de uma amizade nunca foi fácil em nenhuma era, mas será que esse limbo social é melhor do que os processos de encontro, distanciamento, evolução, reencontro, ruptura e tudo mais? Sinceramente, eu não tenho uma resposta.
Eu me vejo no Colm, mas também me vejo no Pádraic.
Às vezes eu não sei mais lidar com uma pessoa que já foi muito próxima e quero me distanciar mesmo; os assuntos e interesses que nos mantinham conectados acabaram, e manter o diálogo se tornou mais uma tarefa — uma tarefa que concorre com as tentativas de manter o desespero sob controle.
E às vezes eu me agarro desesperadamente a relações que não são necessariamente recíprocas, só porque não consigo conceber o que vou fazer sem elas; qual vai ser o meu rumo... Como eu vou me definir sem a outra pessoa?
Bom, eu não abandonei por completo nenhuma rede, pois ainda é uma forma de saber dos outros quando as interações reais são tão raras. Atualmente eu alterno entre ser corroída emocionalmente pelo Instagram/Facebook e espiar o BlueSky, mas quando é pra dizer alguma coisa, recorro aos blogs mesmo.
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