#podem responder até só com diálogo se quiserem
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pacopallas-blog · 6 years ago
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A competição escolar de boxe que aconteceria no final da tarde não poderia ter sido mais ansiada por Paco, longe dos ringues por tempo mais do que suficiente, em sua impulsiva opinião. Uma pena que Rupert, seu pai, tivesse resolvido escolher justo aquela manhã para checar se o rapaz estava tomando os remédios. Talvez fossem os ânimos aflorados que o tivessem denunciado: já que deveria estar emocionalmente sedado vinte e quatro horas por dia, e não balançando a perna direita num tique frenético enquanto mastigava o desejum. De qualquer maneira, acabou sendo obrigado a colocar o comprimido na língua e o engolir sob a vigília de um olhar sério e atento; a água amargando pelo ódio do sentimento de impotência perante a figura de autoridade.
Agora, os corredores decorados pelos cartazes da spirity week o abraçavam, mas Paco já não conseguia sentir a mesma intensidade de empolgação. As pálpebras pesavam, a boca seca o incomodava, a garganta protestava. Levando a mão até a gravata de seu traje formal, a retirou e jogou com raiva em uma das lixeiras no caminho até a piscina. E lá, cercado por toda aquela água não potável, percebeu que definitivamente precisava beber algo. Foi quando notou a garrafa/copo sobre o acento da arquibancada, ao lado de um aluno sentado próximo a si. Movendo-se na direção da pessoa, chamou sua atenção com dois toques no ombro alheio antes de falar. “É seu?” Umedeceu os lábios com a língua, depois apontou com o queixo para o objeto. “Se importa se eu tomar um pouco?”
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informarbem · 4 years ago
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ATENÇÃO: NOTÍCIA PUBLICADA PELO DN EM 02/01/2019
Sobrinho Simões, médico, 71 anos, investigador na área do cancro, e Elsa Logarinho, 46 anos, especialista em genética e líder da equipa que descobriu o gene da juventude, falam sobre as doenças e a sociedade que aí vem.
Uma hora e dois minutos. Foi quanto bastou para que Sobrinho Simões e Elsa Logarinho lançassem algumas questões sobre o futuro. Poderiam ter sido duas, quatro, quantas pudessem levar-nos a esmiuçar o sentido de cada palavra, de cada pensamento de um e de outro, para melhor aprofundarmos o que de inquietante aí vem. Mas sempre no pressuposto de que o que dizemos hoje pode não ser verdade em 2064. Tudo vai depender dos políticos que mandarem no mundo e das políticas que definirem. Fala-se muito do esgotamento dos recursos naturais mas, na opinião dos cientistas, a política, a comunicação e os relacionamentos também se esgotaram. «Hoje já não somos só o que comemos, somos muito mais e seremos cada vez mais aquilo que os políticos definirem para o nosso bem-estar, desde as políticas ambientais, de saúde, de trabalho, de natalidade, de compensação, etc.», diz Sobrinho Simões.
Seremos tudo o que conseguirmos prevenir e fazer para mudar a nossa vida. Sem medos nem receios da palavra envelhecimento, porque este é o caminho a partir do momento em que se nasce. «Começamos a envelhecer assim que nascemos», diz Elsa Logarinho. Afinal, é esta a doença que aí vem, de forma crónica, não aguda, e para todos, «se não dermos antes cabo do mundo», alerta o professor.
Hospital de São João, no Porto, numa manhã de terça-feira antes do Natal. As agendas dos dois cientistas estão recheadas de compromissos, mas um e outro adaptaram-nas. Para a conversa levaram pensamentos, ideias para discutir, mas também uma só pergunta: o que vai acontecer? O DN lançou outra.
Que doenças vamos ter em 2064? «Muitas, não tenho dúvidas, e a Elsa? Não sabemos o que nos vai acontecer, isso é impossível. Sabemos que vamos ficar muito velhinhos, vamos esticar tanto a idade das pessoas que vamos ter mais doenças, mas de outro tipo. Os cancros, por exemplo, serão pequeninos. O corpo de um velhinho não tem energia para que um cancro se desenvolva. Vão aparecer na mesma, até mais, mas quanto mais velhinhos ficarmos mais pequeninos serão.»
"Os políticos podem decidir que a partir de hoje ninguém come carne, ninguém anda de carro e ninguém usa plásticos. Nós obedecemos e assim acredito que possa haver mudanças."
«O que tem graça é que os cancros vão aumentar muito como incidência, mas não como causa de mortalidade», completa Elsa. «Vamos morrer de outras coisas. Em relação às doenças neurodegenerativas e ao Alzheimer, está previsto que em 2050 dupliquem, mas a esperança média de vida também vai aumentar para os 80 e muitos anos. Se hoje uma pessoa com 65 é capaz de procurar um geriatra, em 2064 projeto que só o faremos com 75 ou mais anos.»
Mas quais são as doenças que nos vão atacar mais?, insistimos. As que já existem, como o cancro, a diabetes, a artrite reumatoide, ou outras? Para o professor Sobrinho Simões, «vamos ter é insuficiência cardíaca, doenças cardiovasculares, insuficiência sistémica, essas vão ser as grandes doenças». Elsa Logarinho fala em «infeções e doenças virais. «Nem vai ser preciso que sejam vírus de estirpes muito raras, podem até ser de estirpes banais, mas se atacarem alguém em idade mais avançada será difícil dar a volta à infeção. Consegue fazer-se isso em pessoas mais jovens, mas com idade avançada não, porque já houve uma perda de resposta autoimune.»
O professor olha para a doutora e explica: «O que a Elsa está a dizer é muito importante. Vêm aí as doenças por falência da capacidade de resposta do organismo, porque vamos chegar a muito velhinhos e perder cada vez mais a eficiência na reparação de erros no nosso organismo, os erros que se vão acumulando ao longo do tempo. Só que seremos tão velhinhos que nada disto será dramático.»
Não? Nem assustador ou doloroso? O envelhecimento não nos fará sentir assim? «Não. Nada será dramático», responde o professor já reformado. Pelo contrário, «vai ser a possibilidade que temos de sobreviver com uma qualidade de vida muito longa».
"Vêm aí as doenças por falência da capacidade de resposta do organismo, porque vamos chegar a muito velhinhos e perder cada vez mais a eficiência na reparação de erros no nosso organismo."
Lado a lado na sala de reuniões do serviço de patologia, o diálogo entre os dois faz-nos perceber que vamos chegar a velhos, a muito velhinhos, com cancros, infeções e sem resposta imunitária para algumas situações. «À medida que temos envelhecimento vamos tendo ou não resposta imunitária à inflamação. Por isso, hoje usamos muito uma palavra, inflammaging», diz Sobrinho Simões.
O que é o envelhecimento senão um estado inflamatório? A diferença, diz Elsa Logarinho, «é que é um estado inflamatório crónico e não agudo. Não é como uma gripe». A bioquímica, que aos 15 anos soube que queria seguir investigação, esclarece: «O nosso organismo vai acumulando células velhinhas, zombies, senescentes, e essas células são pró-inflamatórias, enviam para o sistema imunitário químicos e proteínas que provocam estados inflamatórios. Mesmo as células saudáveis que estão vivas e na vizinhança acabam por estar sujeitas a essa inflamação. Daí o inflammaging.»
Sobrinho Simões interrompe: «Em 2064, as pessoas vão ter mais de 100 anos. A doutora sabe disto muito mais do que eu. Ela estuda o envelhecimento. Mas há algo que eu sei: temos muito pouca tradição de começarmos a cuidar-nos desde o nascimento.»
A conversa toca num ponto essencial: «Temos a palavra cuidar, mas ao contrário do que se pensa o cuidar não é compaixão - que também é importante. Mas este cuidar tem que ver com a ética do care. É o cuidar desde o nascimento. Portanto, a primeira coisa a fazer para se ter um velhinho razoável, saudável, é que seja cuidado desde recém-nascido, para já não falar da gravidez», afirma o patologista, acrescentando que se há mudanças que temos de fazer no futuro esta é uma delas. «As pessoas têm de começar a pensar em cuidar-se muito antes. As crianças têm de brincar, saltar à corda, têm de se mexer e têm de se relacionar.»
"A falta de atenção, de tempo, de ausência de relacionamentos, pode levar-nos a doenças ainda mais graves: às sociopatias. Serão estas as doenças do futuro? Não, Estas já são doenças do presente."
Elsa Logarinho interrompe-o também: «Isso é muito interessante. Os estudos sobre o envelhecimento estão a tentar perceber qual é o impacto a nível celular de todas as receitas que conhecemos, como as dietas, a restrição calórica, os períodos de jejuns, a importância do sono, o respeitar o ciclo circadiano, o exercício físico. Todos estes fatores estão a ser testados no modelo animal para se perceber a nível celular e molecular como podem influenciar e aumentar a esperança de vida no modelo animal e, depois, certamente no humano.»
Sobrinho Simões lança a dica da fome à investigadora e ela responde: «A fome é um aspeto muito curioso. Quando ficamos doentes, o que nos acontece logo? Deixamos de comer. É uma resposta ao estado inflamatório do nosso organismo. Faz-nos jejuar para baixarmos a inflamação.»
Ele acrescenta: «É uma resposta inteligente do organismo. As pessoas têm de dormir, as crianças têm de brincar, de aprender a lavar os dentes, não podem ter cáries, tudo isto importa.» E ela garante: «O pior no envelhecimento é o açúcar.»
Sobrinho Simões continua: «Há dietas que podem associar-se a certos tratamentos de doenças. Não são aquelas em que nos dizem que podemos comer muitos brócolos. Gostam de brócolos? Comam, mas não se encham disso. Temos é de ter esta noção: diminuir os hidratos de carbono. Os portugueses fazem uma alimentação hipercalórica, encharcam-se em açúcar.» Neste momento, e de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), trinta por cento das nossas crianças sofrem de obesidade. Não pode ser, algo tem de mudar. E a carne? Há que eliminá-la de vez da alimentação?, perguntamos. «Isso não, mas consumi-la com bom senso», defende o professor.
«A carne também tem o problema da sustentabilidade ambiental. A sua produção está a destruir o ambiente», argumenta a investigadora. O professor brinca: «As vacas é que estão a dar cabo disto tudo, mas nós gostamos tanto de carne... A grande descoberta é que em dois milhões de anos o ser humano ficou muito esperto. É algo extraordinário, e não sou crente. Saiu melhor do que as encomendas, mas agora podemos dar cabo de tudo.»
Dar cabo do mundo? «Claro», responde o professor. «Não é o capitalismo que vai dar cabo disto. Muito antes de acabar o capitalismo acaba o mundo, literalmente. As pessoas não fazem ideia do que está a acontecer com o clima ou com a biodiversidade.» A investigadora do I3S, que integra o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), interrompe-o: «O desequilíbrio da biodiversidade compromete o futuro e, em termos de projeções de doenças, podemos dizer que os grandes predadores - ratos, insetos, mosquitos -, que estão a ter migrações muito atípicas, são os maiores portadores de vírus. Na pior das projeções para 2064, posso prever que apareçam novas estirpes de vírus que não conseguiremos controlar. Estirpes com outras temperaturas, humidades. Por exemplo, o degelo do Ártico. Está tudo preocupado com o aumento do nível do mar, e com o que está no gelo? É que ali também estão vírus e bactérias que desconhecemos e que podem chegar cá.»
O ambiente e a biodiversidade entram na conversa. «Havia uma diversidade brutal de espécies e um equilíbrio que nos mantinha, mas se rebentarmos com ele ninguém consegue prever o que vai acontecer... e certamente que não é bom. Depois, em 2064, não vamos caber todos, seremos uns dez mil milhões a ocupar o solo, a usar a água e todos os outros recursos. Não vamos aguentar.»
Mas se há doenças que prevê para o futuro são as infeções e a falência do sistema. Todas as outras já nos acompanham e vão ser tratadas ou retardadas. «Estamos a esquecer-nos de uma coisa: os implantes», alerta Elsa. «Os ciborgues», ataca o professor. «Mas tudo quanto é prótese e implante só irá funcionar para cinco por cento da população. Pode haver um ciborgue para um Simões, mas para um milhão será difícil.» Ri-se: «Gosto muito dela porque pensa muito bem. Está a pensar melhor do que eu pensava [riem-se]. Nós cientistas devíamos conversar mais vezes.»
Como cientistas muito têm falado do fim dos recursos naturais - da água, do esgotamento dos solos, mas há outros dois pontos que se esgotaram: «A política esgotou-se. Por isso temos um desequilíbrio brutal. Veja a erupção dos populismos disparatados. E há outra coisa que queria discutir : a pouca disponibilidade para termos atenção. Ninguém tem atenção, não acha?», questiona o patologista.
«Acho. Isso é o que algumas pessoas chamam de personalidade computorizada. Estamos a tornar-nos pessoas do yes, no, like, delete. Transpondo isso para as doenças, serão as que implicam questões psicológicas.»
Sobrinho Simões vai mais longe e defende que a falta de atenção, de tempo, de ausência de relacionamentos, pode levar-nos a doenças ainda mais graves. «Às sociopatias.» Serão estas as doenças do futuro? Não, diz, estas já são doenças do presente, mas «podem agravar-se no futuro».
A cientista concorda: «Serão mais graves porque há a perda de contacto com a natureza, com a comunicação. As pessoas sabem cada vez menos relacionar-se. Já não contam histórias uns aos outros», comenta o professor, contador nato de experiências vividas. «A falta dessa componente afetiva e emotiva vai refletir-se social e economicamente», argumenta Elsa Logarinho. «Às vezes penso que quando há grandes desequilíbrios na sociedade aparecem medidas retificativas. No futuro, quero acreditar que vai acontecer o mesmo e que alguma coisa será feita.»
«Tem de ser feita alguma coisa, quanto mais não seja por medo», argumenta o cientista. A investigadora reforça: «Tem de haver uma mobilização mundial. Independentemente dos políticos doidos ou não, tem de haver algo que permita convergir no sentido de medidas retificativas e eficazes, quer no ambiente quer no trabalho ou em todas as outras políticas. Os políticos podem decidir que a partir de hoje ninguém come carne, ninguém anda de carro e ninguém usa plásticos. Nós obedecemos e assim acredito que possa haver mudanças...»
A sociedade de que falam, a que não tem disponibilidade para a atenção, tempo para relacionamentos, deixará de ser competitiva?
«Não sei», responde o professor. Será uma sociedade repleta de personalidades computorizada? «Já é uma sociedade do imediatismo, em que acabou toda e qualquer forma de nos expressarmos que não seja por uma emoção. Não há tempo para os sentimentos, já ninguém os quer. O imediatismo trouxe a recompensa imediata para tudo. Por isso pergunto à Dra. Elsa: o que vai acontecer? Como serão estes miúdos dos computadores? Serão competidores? O que vão eles trazer-nos?»
«Eles podem ser competidores ou não, mas a adição à tecnologia é um comportamento aditivo e isso nunca é saudável. Ou seja, pode acontecer que muitas das pessoas desta geração, ao terem este comportamento aditivo, percam uma certa noção da responsabilidade com o trabalho, com a família e isso...» O professor interrompe e lança mais uma certeza: «A família acabou. E não só. E o sexo? Como vai ser? É que isto também tem importância.»
«O sexo será virtual», diz Elsa Logarinho a rir. O professor insiste: «Isto é muito importante. Há muitos estudos que dizem que os jovens fazem cada vez menos sexo.» E isso vai tornar-se uma doença? Vai influenciar o envelhecimento? «Vai afetar a demografia», responde Sobrinho Simões. «Acabaram as crianças nas sociedades desenvolvidas, eu não vejo crianças, só vejo corpos velhinhos. Mas não sei o que vai acontecer, sou de uma geração em que o sexo era das melhores coisas que havia. Agora, parece que dá um trabalhão, que é uma chatice.»
O sexo será ou não uma compensação para o ser humano? Uma expressão de afeto? Será só uma necessidade? Poderá ser substituído por outros estímulos? As perguntas ficam no ar. Elsa ri-se. «Eu tenho miúdos pequenos e fico passada quando me dizem que não têm nada para fazer, se a televisão está desligada ou se estão sem o tablet. Digo-lhes logo: vão brincar. Mas isto é o que acontece hoje, tanto crianças como jovens têm pouco contacto com o exterior. E isso vai influenciar também a forma como vamos envelhecer.»
Vivemos a geração das crianças superesterilizadas. Onde é que isso irá levar-nos? A mais autoimunidades? Sobrinho Simões reage: «As alergias estão a aumentar extraordinariamente, em parte por isso. É assustador. Os pais e os professores têm medo de que as crianças brinquem, que se sujem, que tenham contacto com a água ou com a terra. Eu não queria acreditar quando li que um terço das crianças portuguesas não sabiam saltar à corda.»
Para os cientistas, esta questão é importante e faz-nos regressar às doenças. Quais vão ser piores? Quais as que são o mal menor? Como as prevenir? O investigador não tem dúvida: «Para mim, as piores, se não estiver diminuído mentalmente, serão as que estão associadas à falta de mobilidade, visão e audição. E o mais engraçado é que estas aparecem em grande parte porque não temos a tal ética do cuidar, do care, de um estilo de vida que nos leve a viver muito mais fora do que dentro.»
A investigadora do I3S, também nascida e criada no Porto, curso feito na universidade da cidade, relembra que «o envelhecimento é contínuo, nós próprios adiamos a nossa idade desde o dia em que nascemos». Por isso, tudo o que se fizer para o nosso bem-estar «tem de ser preventivo e não retificativo. Espero que em 2064 a sociedade esteja mais informada sobre qualidade de vida, acredito que haverá maior tendência para seguir boas dietas, para se fazer exercício físico regularmente e que tudo isto ajude a aumentar a esperança média de vida, porque a que se alcançou até agora foi pela melhoria dos cuidados médicos.»
Agora é a vez da medicina. O que nos trará no futuro a área que progrediu à velocidade da luz no último século - da penicilina à robótica? «Vamos ter mais capacidade para tratar, prestar cuidados médicos», diz Sobrinho Simões.» O mais interessante vai ser perceber «quanto mais a medicina e a investigação poderão estender a nossa longevidade pelo tratamento dos órgãos», lança a bioquímica.
«Se nos mantivermos todos com os nossos órgãos, se não fizermos substituições de peças, até onde poderemos ir? Há um estudo sobre a esperança média de vida para indivíduos com 100 anos que é igual tanto para o início do século xx como para o xxi. Parece que os 100 anos são a nossa base genética. O que acha?» Sobrinho Simões responde: «A espécie tem limites. Individualmente, poderemos ir até aos 110 ou 120, mas no geral não.»
Sendo o cérebro o órgão mais difícil de tratar e estando as doenças neurodegenerativas a aumentar, o futuro é assustador? «Não. O que é preciso é estimular a regeneração», explica o patologista. «Sabemos que as células pró-inflamatórias no cérebro estão a contribuir para a incidência ou para o agravamento das doenças neurodegenerativas, como Alzheimer ou Parkinson. Se conseguirmos retificar estes estados inflamatórios, através de melhor qualidade de vida, ou de medicação que se descubra entretanto, talvez possa adiar-se a neurodegeneração», diz a investigadora.
O que envelhece primeiro no nosso organismo? É possível saber? Não, dizem-nos. Os órgãos comunicam uns com os outros. Mas o que é pior? Ter um fígado velho com um cérebro jovem ou um cérebro mais velho e um fígado novo? Isto será inevitável? «Não, mas é uma verdade», diz o professor. «Pode haver assimetrias em que nem a cabeça nem o corpo funcionam», adianta Elsa Logarinho, que espera que o futuro traga «terapias antienvelhecimento eficazes».
E a depressão? O tempo que tinham para conversar está a terminar e ainda não se falou da doença que dizem ser a epidemia deste século. Portugal é dos países da Europa onde mais se consome ansiolíticos e antidepressivos. A perspetiva de uma sociedade computorizada levará a que a doença aumente ainda mais? Para a investigadora, «a depressão vai crescer», mas diz que esta não é a sua área e que tem muita dificuldade em classificar as doenças. «O que me preocupa é o rótulo dado a estas doenças.» Sobrinho Simões comenta: «Há muitas demências, mas não sei se há mais depressão. O que sei é que somos dos povos do mundo que mais medicamentos tomamos para a depressão. Somos grandes consumidores de pastilhas, pingos e TAC.»
«Eu tomo algumas. Só de pensar que vou ter uma dor de cabeça tomo logo uma pastilha», confessa. Elsa assume: «Não tomo nada. Mas no caso do professor parece funcionar, pelo menos previne.»
Depois do riso, a preocupação. «Ninguém sabe se a depressão está a aumentar, o que está a aumentar são os velhinhos. E voltamos ao mesmo, às doenças do futuro, que, no fundo, será uma só: o envelhecimento.»
Doenças previsíveis como artrite reumatoide, artroses, diabetes, cancro e Alzheimer vão acompanhar-nos. Disto não há que duvidar. Poderemos ser surpreendidos pelas imprevisíveis: as virais. E a surpresa pode chegar pelo simples facto de se rejeitar a vacinação. «Podemos voltar a ter doenças que pensávamos estarem erradicadas», alerta Elsa. «Mas podem trazer algo mais sério, como o que aconteceu na viragem do século xxi, o vírus HN1, ou até uma peste. É catastrófico, eu sei, mas é o imprevisível.»
Para 2064, Sobrinho Simões tem um grande receio: «Como vai ser o poder? Vai ser mais concentrado, mais capitalista, de face chinesa ou americana? Vão ser poucos a mandar e o resto a trabalhar? Vão querer que sejamos muito saudáveis e felizes para sermos mais produtivos? Ou vão querer apenas mão-de-obra barata e tratar-nos à bruta? Esta é a grande questão: como vai ser a política?»
«Se não forem parvos, vão querer que sejamos civilizados, magrinhos, saudáveis, simpáticos, bem-educados», diz a rir-se. Elsa acrescenta: «E põem-nos a trabalhar até aos 80 anos.» «Exatamente. Não tenho dúvidas de que as doenças do futuro serão aquelas que os políticos quiserem, aquelas que surgirão das políticas que aprovarem quer a nível ambiental quer de trabalho, natalidade, lazer, prazer. Tudo isto importa.»
No final, ainda há tempo para elogios, perguntas e comentários entre os dois. «Aprendi imenso com ela. Pensa muito bem. Ainda está na fase em que pensa que é praticamente imortal. Eu já estou na fase em que não estou assustado, mas triste com a velhice. A Dra. Elsa ainda tem o olho brilhante quando fala de tudo.»
Elsa Logarinho contra-argumenta: «Eu é que continuo a aprender com o professor. É um exemplo do que é o envelhecimento ativo. Portanto, não pode estar pessimista. É o que todos deveríamos projetar para nós em 2064.» Ele, que já passou por um acidente vascular cerebral, confessa: «Sabe, tenho uma toxicodependência: o trabalho. É uma fuga em frente.» Ela responde de forma positiva: «Apesar de tudo, não é bom estar aqui?» «Sim, é bom. Se pudermos levantar-nos de manhã», responde o professor a rir-se. O tempo acabou. Agora esperava-o uma reunião em Coimbra.
Será esta a receita para 2064?
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ultraisabarrosmartins1978 · 5 years ago
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Luisa Mell rebate Anitta sobre críticas a protesto pela Amazônia
Neste sábado, 24, Luisa Mell rebateu Anitta após a cantora criticar a ativista por participar de uma manifestação pró-Amazônia em que as pessoas aparecem xingando o presidente Jair Bolsonaro (PSL). A dupla de amigas decidiu expor publicamente para os fãs a divergência de opiniões entre elas sobre o assunto.
Tudo começou quando a defensora dos animais defendeu o ato da última sexta-feira, 23. A funkeira, por sua vez, achou pertinente a atitude da amiga, no entanto, não gostou dos xingamentos contra Bolsonaro e as bandeiras do PT levantadas, e ainda pediu para Luisa “não descer o nível” durante suas participações nos protestos.
youtube
Veja abaixo o comentário de Anitta na íntegra:
“Amiga, amei muito esse seu vídeo com as crianças. Me emocionei. Mas ontem fiquei triste sobre a passeata sobre a Amazônia. Estava doida pra compartilhar os vídeos.
Vim [SIC] um monte de gente xingando o presidente, alguns com bandeiras vermelhas se aproveitando da situação para promover outro partido? Eu entendo as razões pelas quais o governo atual não tem sido nada favorável às questões ambientais e sociais (quando se trata da questão LGBT), por exemplo. Entendo que tem se tornado uma guerra política.
Mas não acho que xingamentos e agressividade seja o caminho. O presidente foi eleito pela democracia e seus eleitores vão sentir o mesmo que os eleitores da Dilma sentiram quando tiraram ela do poder aos gritos. Isso pode virar uma guerra civil e nada ajudaria à questão principal que amamos, a natureza. Além disso você nunca conseguirá fazer o outro te escutar se chegar de forma agressiva. Vai fazer com que eles fechem ainda mais os ouvidos ao que você tem a dizer e ter amas para te diminuir usando seu próprio comportamento.
Não deixe a raiva falar mais alto. Não desça ao nível das pessoas que repudia. Sei que é triste, mas precisamos manter a disciplina de quem sabe pelo que luta e tem consciência tranquila de seus atos. E você é essa pessoa.
Quantas vezes você não me perguntou porque eu não partia para cima das pessoas X ou Y que estavam me prejudicando? Quantas vezes você me disse que não teria saco para coisa tal que estava me acontecendo? Eu te respondi que com calma eu ia conseguir.
E você vê hoje eu conseguindo. Me ferrei? Muito. Engoli sapo? Muito. Mas pelo menos cheguei ao meu objetivo. Vamos pensar nisso juntas. Te amo muito, muito.”
Luisa Mell
Em seguida, Luisa Mell rebateu o comentário de Anitta em uma série de stories em que explica suas opiniões.
“Me desculpa. Não dá para ficar muda e imparcial quando isso tá acontecendo. Essa é minha preocupação maior na vida, né. Eu tenho um filho de quatro anos e outro dia fui buscar ele na escola e comecei a chorar. Eu olhei para as crianças e pensei: ‘nossa, que futuro elas vão ter? Um futuro apocalíptico, é isso? Por culpa nossa’. Tá nas nossas mãos, agora, e a gente vai ficar brigando porque tinha bandeira? Tinha gente lá com a bandeira. Por que vocês não estavam lá com a bandeira de vocês?”, disse ela em certo trecho.
Confira a resposta na íntegra:
“Vou responder a minha amiga Anitta e todo mundo que me acompanha. Sim, a manifestação tinha foco contra toda essa política ambiental do governo Bolsonaro, a mais absurda da história da humanidade.
Ele (Bolsonaro) queria extinguir toda a pasta do meio ambiente, mas com a pressão internacional, ele fez pior, colocou um cara que é contra o meio ambiente. Está sempre do outro lado. Quem deveria defender o meio ambiente está contra.
Esses incêndios não são por acaso, consequências do destino. Tem culpa e responsabilidade sim. O próprio presidente disse que queria acabar com as multas do Ibama. Isso fez com que houvesse muito mais desmatamento, que causam incêndios dessa magnitude.
Queria lembrar a vocês que, quando um cachorro morre a pauladas, nossa, todo mundo acha meu trabalho maravilhoso. Quando macacos, aves e diversos mamíferos da maior biodiversidade do mundo são queimados, vocês já imaginaram ser queimados? Aí eu sou louca e Petista.
Eu estou só falando que, na parte ambiental, está uma tragédia. Quando o diretor do Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) falou que o desmatamento havia subido, Bolsonaro demitiu o cara.
Quando saiu a fumaça preta em São Paulo, Ricardo Salles (ministro do Meio Ambiente) disse que era fake news. Agora mandaram um avião. Depois de 20 dias. Teve que vir sanç internacional (ação de países contra outros).
Temos dois ministros da Agricultura. Ricardo Salles (ministro do Meio Ambiente) não defende o meio ambiente. E quando afetou o agronegócio, resolveram mandar os aviões. Mas o pior de tudo foi acusar as ONGs. Como assim, você não vai investigar e ver o que está acontecendo? Inacreditável.
Pra quem quer falar que é histeria, não existe assunto mais importante que o meio ambiente. Vão esperar o que? As pessoas se matarem por falta de água? Você acha que isso virou assunto por que? É um assunto muito sério.
Eu não levanto bandeira nenhuma. Já fui dos dois lados e minha bandeira é o meio ambiente. Os animais e o meio ambiente. A gente precisa que Bolsonaro escute a população e mude a sua política de meio ambiente. Agora, se ele não mudar, eu acho o maior problema de todos. A floresta amazônica é fundamental sim. Pra ele, o problema é sempre das ONGs.
Para os que perguntam se a culpa é só de Bolsonaro, não. Eu postei vídeos criticando todos os governos. Eu sempre batalho pelas mesmas causas há vinte anos. Desta vez, a causa tomou uma proporção maior e meu trabalho repercutiu muito mais.
A gente está à beira do colapso mundial. Temos um problema gravíssimo, que afetará todos nós da mesma maneira. Vocês acham que vai acontecer o que se a água acabar? Vai ter cada vez mais imigração e disputa por água. Nós somos muito abençoados, mas estamos destruindo tudo.
Desculpa, mas não dá para ficar muda e imparcial, enquanto tudo isso está acontecendo. Tenho um filho de quatro anos e, uma vez fui buscar ele na escola e comecei a chorar, pensando: Que futuro essas crianças vão ter? Um futuro apocalítico por culpa nossa? Está nas nossas mãos.
Eu vou ficar brigando porque tinha bandeira? Tinha gente lá com a bandeira. E por que vocês não estavam lá com a bandeira de vocês? Podem me chamar de chata e o que quiserem, mas é a verdade.
É importante para as pessoas, principalmente os que votaram em Bolsonaro, pois tem obrigação de fiscalizar em quem você votou. Não é porque você concorda com quase tudo que tem que concordar com isso. Só se você tem interesses pessoais.
O maior problema da política brasileira é que vocês brigam pelos partidos. Bom, acho que é isso. A manifestação é realmente contra o atual governo, em relação ao meio ambiente, exigindo uma resposta imediata.
Adotar uma política ambiental séria e verdadeira, diferente do que está acontecendo ainda hoje. Não existe manifestação contra nada. Vocês achavam que era o que? Uma manifestação contra Deus?
Eu sofro muito com tudo isso e estou sofrendo durante toda a semana. Essa é a nossa maneira de dizer ao presidente que isso é importante para todos nós. Eu não mandei queimar o presidente. As pessoas estavam fazendo uma metáfora.
‘Se você está queimando a Amazônia, vamos queimar o seu governo’, não era queimar o presidente. Respeita minha história e respeita o meu trabalho. A gente não está vivendo uma campanha, estamos lutando pelo país.
Amiga, Anitta, o que que eu falei quando a gente se abraçou no Réveillon? O que eu te falei? A coisa mais importante da minha vida quando acordo todos os dias? Estou vendo as coisas piorarem e isso é desesperador. Tem gente pedindo para desistir, mas não, vou lutar até o fim.
Então, Anitta é maravilhosa e tem coisas que a gente diverge, mas na maioria a gente acredita nas mesmas coisas. Mas não dá para esse assunto ficar mais importante que o fogo na Amazônia. Vamos focar no que é realmente importante”.
A LUÍSA MELL COMENDO O ** DA ANITTA “NÃO DA PRA FICAR IMPARCIAL” pic.twitter.com/dAOLHtSuRe
— leto (@euletoo) August 25, 2019
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Anitta
Em resposta aos vídeos, Anitta compartilhou alguns trechos das falas de Luisa e afirmou: “A gente conversa e às vezes eu tenho opiniões que são diferentes. Ela vem com as dela, mas a gente segue super acreditando na causa que ela me fez abrir os olhos, que é o meio ambiente”.
“A gente segue se admirando se amando. Esse tipo de conversa sempre aconteceu. Quis mostrar que é super possível dizer que dá para continuar convivendo e se amando”, finalizou a cantora.
Anitta e Luisa Mell reproduziram publicamente as conversas que elas tiveram no privado. O intuito disso foi mostrar como um diálogo saudável pode mudar opiniões e ideias, assim como Luisa fez com Anitta. Confira: pic.twitter.com/vwQWu0Jb1i
— Acesso Anitta (@AcessoAnittaR) August 25, 2019
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Veja também: Anitta diz não temer matadores de aluguel após falar da Amazônia
Veja também: Luisa Mell se revolta com fake news sobre queimadas na Amazônia
Veja também: Anitta e outros famosos são contra política de Bolsonaro para Amazônia
Luisa Mell rebate Anitta sobre críticas a protesto pela Amazôniapublicado primeiro em como se vestir bem
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informares-blog · 7 years ago
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“Let Go, Let Gov”: Um olhar político e tragicômico acerca da vigilância
Por Victor Buqa*
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“South Park” é uma premiada sitcom (comédia de situação) americana criada por Trey Parker e Matt Stone para o canal Comedy Central, estreada em 13 de agosto de 1997. É uma série televisiva muito debatida pelos seus conteúdos controversos, que versam sobre questões contemporâneas com humor negro.
Em sua 17ª temporada (2013) “South Park” abre com o episódio “Let Go, Let Gov”, dirigido por Trey Parker, que aborda o tema da vigilância após o caso “Edward Snowden” no mesmo ano. O episódio gerou uma audiência de 2.89 milhões nos EUA — a maior dessa temporada — e foi exibido em 25 de setembro de 2013. O episódio pode ser visto na integra pelo site oficial de “South Park”, aqui.
"Let Go, Let Gov” se inicia com Stan, Kyle e Kenny, personagens da sitcom, reunidos em um ponto de ônibus. Stan e Kenny escutam as reclamações de Kyle a respeito de pessoas que falam ao celular com o alto falante ligado. No tocante, ele afirma: “ninguém quer ouvir suas malditas conversas (...) você não é tão importante”.
Será mesmo?
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É nesse momento que o personagem Cartman entra em cena, falando com alguém pelo alto falante do celular. Kyle, ao ouvir o diálogo e considerando falsas certas afirmações, tenta refutá-las. Cartman o interrompe, abafando a saída de som, e diz: “Kyle, essa é uma conversa privada”, e Kyle responde: “Então desligue a merda do alto falante”. Vê-se, nesta situação, um conflito entre as noções de público e privado.  
Em determinado momento, ainda na primeira cena, Cartman pede para que Kyle pare de ouvir a conversa — apesar do alto falante ligado —, e pergunta se ele é da NSA (Segurança Nacional Americana). Depois, relembra a Lawrence — o personagem que está do outro lado da linha — a respeito de uma conversa que eles haviam tido sobre como a NSA escuta as conversas dos celulares e lê todos os e-mails. Toby, outro personagem que está com Lawrence, do outro lado da linha, afirma, ainda, que seu pai teria lhe dito que o governo possui dados de todos.
Na segunda cena, vê-se Cartman na cafeteria da escola, falando com alguns amigos em uma videoconferência. Ele diz: “Eu estou falando para vocês, pessoal, o governo pensa que eles podem fazer o que quiserem, e nós não temos mais nenhuma privacidade! Só entre vocês e eu, eu penso que todo mundo é muito estúpido para ver no que tudo está levando. Vocês leram ‘1984’? ”. O personagem refere-se ao livro “1984” de George Orwells, que trata de Winston, um homem que vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão (Companhia das Letras).
 Cartman, então, tem a ideia de formar um comício para dizer ao governo que fique longe das vidas privadas. Para organizar o comício, diz: “Eu vou enviar um e-mail a todos e colocar nas minhas páginas de blog”. Neste momento, Cartman revela a sensação de estar sendo espionado e demonstra certeza de que o governo possui uma longa ficha sobre ele. O personagem, logo, começa a gravar um vídeo para seu blog “Stop listening to me”, convocando os leitores para o comício. Apesar da sensação de estar sendo vigiado, insiste — mesmo após dizer que vai colocar todos os detalhes no Twitter — que é um assunto supersecreto.
No decorrer do episódio, Cartman fala ao celular, com o alto falante ligado, acerca do comício, quando Kyle se aproxima e pede para que ele leve a conversa a outro lugar. Cartman, mais uma vez, acusa o garoto de estar invadindo sua privacidade e diz a todos que brincam no pátio que pode haver um agente da NSA no local. O personagem Butters, que virá a ser relevante na trama, é introduzido a partir da dúvida a respeito do que é a NSA.
Cartman responde que a NSA vê tudo o que é feito, “sempre assistindo (...) dizem que é para nos manter seguros! Mas que preço é seguro, Kyle?”. – Cartman pergunta. Butters aproxima-se e questiona, temeroso: “O governo vê tudo o que fazemos? ”.
A cena seguinte ocorre no quarto de Butters, à noite. É estabelecido um diálogo entre o personagem e um vulgo “Deus”, substituído aqui na oração particular de Butters pela concepção do Governo. Ele diz: “Governo... Sou eu... Butters. Eu só gostaria de dizer que obrigado por olhar por mim e tudo o que eu faço. E por favor, olhe mamãe e papai e meus amigos (...) Boa noite, governo. E muito obrigado, presidente Obama, por me fazer sentir seguro”. Está aí uma referência aos poderes da vigilância do Deus bíblico, representados pela onipresença, onisciência e onipotência.
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Outra crítica trazida pelo episódio se apresenta quando Cartman percebe que, ao entrar no site da Amazon para comprar um jogo (Grand Theft Auto V), uma propaganda diz que ele pode ter interesse também em um Blu-Ray de Star Trek, pelo qual ele demonstra total interesse, e, provavelmente, teria sido pesquisado por ele anteriormente. Observa-se, aí, uma manipulação dos dados, a partir de gostos pessoais, utilizados para a prática do comércio.
Cartman, então, decide infiltrar-se na NSA parar encontrar seus segredos e expô-los, divulgando-os publicamente, uma clara referência ao caso “Snowden”. Mas diz precisar de algo melhor que o Twitter. É quando o personagem Lawrence lhe apresenta “Shitter”, uma ferramenta que permite o envio dos pensamentos diretamente à internet, sem o intermédio de um celular ou de um computador. A respeito disso, Kyle pergunta: “Você está ok com tudo que você pensa indo diretamente para a internet?”. Cartman responde: “Sim, porque o governo não vai respeitar a minha privacidade”. Tal discurso pode ser tomado como uma forma de rebeldia diante do controle estatal.
Butters reaparece na trama, já em outra cena. O garoto aparenta estar assustado, esperando para ser atendido por um departamento estatal, como se tivesse feito algo muito ruim. Ele diz: “Meus pais sempre me disseram que ‘Se você fizer algo terrível, você deve admitir ao seu protetor para que você tenha o perdão”. Quando é chamado, ele se utiliza do departamento para desabafar, como em uma espécie de confessionário católico.
A relação entre Deus e governo — como aquele tudo vê e julga — é reforçada na cena em que Butters recebe a visita de duas Testemunhas de Jeová. As duas mulheres, apresentando um panfleto, querem saber se o menino deseja conhecer a verdade. No panfleto, há uma referência ao juízo final, com a imagem de uma menina em chamas. Butters diz que suas interlocutoras não deveriam estar entregando panfletos como aquele, pois o governo estaria observando-as. Em seguida, ele apresenta as religiosas ao referido departamento do Estado, como sendo o lugar próprio de desabafo.  Ele fala: “Seu governo está assistindo vocês e seu governo as quer felizes”.
A próxima cena retorna a Cartman sendo apresentado à NSA, após haver conseguido entrar para conhecer o lugar, onde “boas pessoas” trabalham, “pessoas que só querem manter a América segura”, segundo o chefe do local. Alguns dos funcionários apresentam informações tiradas de dados da internet, mas apenas uma capta a atenção do chefe. Trata-se de informação relativa a um homem que havia publicado no Twitter seu ódio à América e o desejo de explodir o Memorial Lincoln. Momentos depois, Joe, o chefe da NSA, leva Cartman à casa do homem para averiguação. Este, por sua vez, ao ser surpreendido, responde que estava “chapado” e indaga: “Que direito tem o governo de ler meus e-mails privados? (...) Vocês não leram a Constituição? ”.
Joe, então, responde ao homem: “Há muitas pessoas que pensam como você, pessoas que acham que o governo não tem o direito de colocar o nariz nos e-mails dos cidadãos. Isso é, até um avião bater em torres e uma garotinha perder a vida.”,  uma clara referência ao terror gerado pelo ataque às torres do World Trade Center, em Nova Iorque.
É interessante à análise a cena em que Cartman retorna à NSA e é apresentado ao funcionamento do sistema. Um dos detetives lhe diz que todo mundo possui um arquivo. Pessoas que têm o status de “Ameaça”, “Possível ameaça” e “Pessoa de interesse” têm prioridade. O status de Cartman é, por exemplo, revelado como “sem importância”.
Para mostrar sua importância, Cartman revela sua intenção ao detetive, após haver conhecido o grande computador central da NSA, onde Papai Noel (figura que se relaciona, também, à onipresença, onisciência e onipotência) está preso a cabos que sugam suas informações. Em seguida, Cartman aparece aos prantos, em seu quarto, e lamenta não ter conseguido atingir seu objetivo. Ele explica à sua mãe: “Eu pensei que todos ficariam chateados sobre o que eu expus do governo, mas ninguém ligou. Ninguém liga se o governo está ouvindo tudo.”. Sua mãe, então, lhe revela que sabe do caso do Papai Noel, mas que o governo, ao agir assim, está mantendo-os seguros. Neste aspecto, demonstra-se que muitos cidadãos sabem e não problematizam o fato de serem vigiados pelo governo, confiantes de que é tudo para o bem, ou estão, simplesmente, anestesiados ou seguindo o fluxo.
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Vale, neste ponto, ressaltar que o indivíduo vigiado “tem cada vez menos consciência dos momentos em que pode estar sendo observado ou controlado direta ou indiretamente, mesmo estando ciente de muitos dos mecanismos de controle que permeiam sua vida cotidiana” (Cardoso, 2010, p.53)
Quase aproximando-se do final, Butters encontra Cartman e diz que ele pode se salvar, que “o governo não ouve parar punir, mas para manter a honestidade sobre os seus erros”. Cartman torna-se, dessa forma, membro do grupo religioso criado por Butters no departamento que utilizara para seus desabafos, e afirma amar o país.
Retomando questões essenciais à problemática, tem-se por origem do termo “vigilância” uma reminiscência do Panóptico de Jeremy Bentham, do final do século XVIII, embora possa-se tecer que a vigilância está intrinsicamente ligada a ideias anteriores, como a de uma vigilância divina, a exemplo da onipresença, onisciência e onipotência, características do Deus bíblico, já citadas anteriormente.
O Panóptico de Bentham, por sua vez, é uma concepção arquitetônica que traz esses valores da vigilância a uma relação mais carnal, para uma sociedade disciplinar que visa a disciplina dos comportamentos — não apenas por uma ameaça divina, de uma moral religiosa, mas pela criação de um vigia humano posto no centro, erguido a uma altura superior à dos vigiados. É o estabelecimento de uma relação de poder concentrado a partir da visão, que promete a solução para o crime, para a violência e todo o comportamento indesejável. É um “ver sem ser visto”, onde o vigiado não sabe se está sendo observado. Seria, então, uma inovação tecnológica, uma “solução final para os conflitos na sociedade” (Cardoso, 2010, p. 41), embalada pela violência e pelo medo.
Assim, embalada pela retórica da violência e do medo, vê-se que a indústria da segurança, vem investindo cada vez mais em novas tecnologias com o objetivo de criar e comercializar sistemas cada vez mais sofisticados e, em tese, menos custosos, com a promessa sedutora de proteger os cidadãos contra a violência. Essa indústria atende não só os consumidores privados, como também o próprio Estado, em sua necessidade de manter a segurança e, também, o controle social, por meio de técnicas de vigilância. Essas técnicas são, em teoria, moralmente neutras, valendo o registro de que “a técnica se constitui como real apenas através da ação humana, e esta desconhece a neutralidade moral” (Arendt, 1964; Bauman, 1998 apud Cardoso, 2010).
Em uma sociedade marcada pela vigilância tecnológica, muitos atos que deveriam ser efêmeros ganham a possibilidade de serem eternizados, em bancos de dados ou na Internet, “limitando intensamente o direito dos cidadãos à intimidade e à vida privada” (Cardoso, 2010, p. 36). Ao utilizar técnicas de vigilância eletrônica, o Estado adota uma prática de controle, sem que tal medida seja absolutamente relacionada à preservação da segurança dos cidadãos. A principal crítica a essa forma de vigilância está no argumento de que ela é uma potencial violadora da intimidade e privacidade daqueles que são objeto de observação.
Com a produção e compartilhamento, em grande escala, de informações na Internet, os próprios cidadãos contribuem, de certa forma, para o sistema de vigilância social. Ao ingressar nas várias plataformas sociais, o cidadão adere a regras sem saber ao certo o que será feito dos seus dados. Assim, o cidadão segue criando narrativas, formando suas linhas do tempo, dando opiniões, publicando fotografias, textos e outros dados, de modo que é possível traçar-se um perfil a partir desse material, sem que ele tenha certeza das consequências futuras dessa prática. No particular, vale lembrar que, quando na Internet, o que foi postado adquire uma autonomia relativa e passa a não estar em nenhum ambiente em particular, mas a estar potencialmente em qualquer lugar, sendo que algumas informações podem se apresentar fora do contexto original, dando margem a diversas interpretações. Vê-se uma incompreensão “de um universo sócio-técnico que cada vez mais lhes escapa do controle, ao mesmo tempo em que é dominado de forma natural” (Cardoso, 2010, p.283).
*Victor Buqa é pseudônimo de João Victor Tourinho
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