#perdidosvenceremos
Explore tagged Tumblr posts
perdidosvenceremos · 3 years ago
Text
Deixei morar em mim
Deixei morar em mim
Pessoas que não existem
Lugares invisíveis
Histórias mentirosas
Deixei morar em mim
Os deuses de outro povo
Arcanos subterrâneos
Saberes desconexos
Deixei morar em mim
Miragens sedutoras
Discursos estrangeiros
De um avatar afim
Pessoas que não existem
Arcanos subterrâneos
De um avatar afim
Deixei morar em mim
Deixei morar em mim
Deixei morar em mim
Semente curiosa
Um germe da ciência
Um broto do saber
Deixei morar em mim
Problemas de outro mundo
Amigos diferentes
De laço umbilical
Deixei morar em mim
Passagem transitória
Prum universo aparte
Um arco de marfim
Semente curiosa
Amigos diferentes
Um arco de marfim
Deixei morar em mim
Deixei morar em mim
Deixei morar em mim
Um horizonte novo
O fuso-horário oposto
Diversa perspectiva
Deixei morar em mim
Curiosidade ativa
Partidas dolorosas
Chegadas amorosas
Deixei morar em mim
Viagens migratórias
Planeta intergaláctico
Transformação sem fim
Um horizonte novo
Chegadas amorosas
Transformação sem fim
Deixei morar em mim
Deixei morar em mim
1 note · View note
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Passa pelas telas e me atinge em cheio
Granizo que cai com a tempestade na sacada Passa pelas telas e me atinge em cheio
A luz do por do sol enquanto toca Djavan Passa pelas telas e me atinge em cheio
Perdido, um filhote do pássaro que fez ninho no telhado Passa pelas telas e me atinge em cheio
Mesmo com a touquinha, o cheiro dos seus cabelos Passa pelas telas e me atinge em cheio
A música tocada nessa caixa de som chique Passa pelas telas e me atinge em cheio
A bola que saiu do pé do time adversário Passa pelas telas e me atinge em cheio
Um brinco, enquanto eu espero na Pinheiros o metrô Passa pelas telas e me atinge em cheio
O rosto do meu amigo que faz anos que eu não vejo Passa pelas telas e me atinge em cheio
Amiga da minha amiga que eu nunca vi da vida Passa pelas telas e me atinge em cheio
A recomendação do algoritmo das redes Passa pelas telas e me atinge em cheio
Mosquito desgraçado entra à noite no meu quarto Passa pelas telas e me atinge em cheio
Mais uma notícia ruim sobre política Passa pelas telas e me atinge em cheio
Aquela mensagem linda que você me mandou Passa pelas telas e me atinge em cheio
A propaganda de algo que eu não quero nem morto Passa pelas telas e me atinge em cheio
Tudo sobre a vida de dois mil desconhecidos Passa pelas telas e me atinge em cheio [...]
2 notes · View notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Você me montasse outra vez
Inspiração minha, distante, Eu tanto queria, de novo, Ouvir de minha boca sua voz Selar-me, postar-me pra que Você me montasse outra vez Ó musa sumida, saudades Minha lira só sabe seu nome Meu corpo virou seu boneco Deitei-me, esperando que um dia Você me montasse outra vez Sou peça escrita há muito tempo, Em língua já morta e enterrada, Mas me ressuscita o seu palco. Que bom se, com luzes radiantes, Você me montasse outra vez. Sou quebra-cabeça difícil Mas vejo-me em sua memória Reconstituído, inteiriço. Pedia-te, em cacos, que um dia Você me montasse outra vez Com mil engrenagens rangendo, Sonhava com manutenção. Que alguém me pausara, limpara, Lubrificara, pra que então Você me montasse outra vez. Reflexo bonito no espelho, Há tanto tempo não te vejo! Minhas roupas escolha, minhas mãos Oriente, de forma que assim Você me montasse outra vez Espírito errante, cadê Suas coxas por sobre meus ombros? Sussurros seus nos meus ouvidos? Incensos queimei só pra que Você me montasse outra vez Não vejo poeta por perto. Pois eu, idioma, te peço: Me arranje de forma bonita. Dispus verbos meus a fim que Você me montasse outra vez.
2 notes · View notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
casa
Você dirige um ônibus.
Ele tem 40 passageiros,
pesa 15 toneladas,
sua velocidade máxima é 150 km/h
e sua placa é DFG-7565.
Como chama o motorista?
Você lê sobre uma casa.
As paredes são douradas,
o piso é macio e brilhante,
o teto é alto e bem iluminado
e há crianças brincando lá fora.
Do que é feita a casa?
1 note · View note
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Poema verdade
Este poema é verdade Segundo a mais rígida Lógica E toda epistemiologia. Deduz-se a partir dos axiomas Fundamentais da Matemática. Este poema é verdade. Provado nos laboratórios De Harvard, Stanford e Oxford Por célebres pesquisadores Laureados c'o prêmio Nobel. Este poema é verdade. É fruto de um levantamento Com mais de cem mil respondentes De todas as macro-regiões Do território brasileiro. Este poema é verdade Na avaliação de um doutor Em filosofia da ciência Que já lecionou, inclusive, Em escolas de outros países. Este poema é verdade. Eu li-o num livro esquecido Num sebo de alguma cidade E o nome do autor eu não lembro Mas desde então tenho-o por certo. Este poema é verdade. Está no meu livro sagrado Que já tem milhares de anos. Foi Deus que ordenou suas palavras E é seu Profeta quem o lê. Este poema é verdade E é claro, faz todo sentido. Combina com tudo que penso Faz coro com gente famosa. Como poderia não ser?
Este poema é verdade De um jeito que quase nada é. Tem por trás de si um orçamento De quinze bilhões de reais Em marketing e publicidade.
Este poema é verdade Meu pai me mandou pelo zap Encaminhando do meu tio Que disse que veio de um amigo Que tinha uma fonte segura Este poema é verdade Senti-o em meu peito por anos De lida como jornalista Levei outros anos, no entanto Até conseguir redigí-lo
[...]
Este poema é verdade Você, quando leu, não sentiu?
1 note · View note
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
na guerra de libertação
A língua colada no céu da boca feito velcro. Suor na nuca, atrás das orelhas. Têmporas latejanto. A primeira conclusão era ressaca. Aquele destilado nojento que ele fazia quando vinha batata nas rações dos soldados, que ele tinha aprendido a fazer na cadeia... bastava dois goles pra você querer morrer no dia seguinte. Mas não tinha batata nas rações fazia semanas. Tentou mexer as mãos — amarradas. Os pés, mesma coisa. Tinha sido capturado. Abriu os olhos e percebeu, para sua surpresa, que estava sentado. As mãos atadas atrás do encosto da cadeira de madeira e palha, surpreendentemente confortável. Seus pés fixados aos pés da cadeira. Diante de si, uma mesa, também de madeira, com dois copos de papel e uma garrafa de plástico com água. Do outro lado da mesa havia outra cadeira, vazia. E mais atrás, olhando para ele, um soldado, alto, moreno, com o rosto relaxado e um rifle atravessado em frente ao peito. O soldado percebeu quando ele abriu os olhos. Virou-se para trás, onde havia uma porta, abriu uma frestinha e falou baixo algo para alguém que estava do outro lado. Poderia ter falado alto, não fazia diferença; ele não entendia o idioma. O soldado fechou a porta e voltou a olhar na direção da mesa. Além do suor na nuca, sentia também as virilhas umedecidas. Os pés, dentro das botas, moviam-se como se estivessem submersos. Se conseguisse soltar as mãos... mas talvez não fosse inteligente fazer isso. Mexeu os membros procurando folgas nos nós, mas não achou nada: poderia muito bem estar pregado à cadeira. Olhou em volta mas com exceção da mesa, das cadeiras, dos copos e da garrafa, a sala estava vazia. A cabeça continuava latejando. Tentou se lembrar de como tinha ido parar lá. A memória mais recente que tinha era de quando saiu da base. Onde tinha ido? Ele e mais dois especialistas sob seu comando tinham uma missão. Lembrava dos holofotes dolorosamente fortes que iluminavam a saída da base com algo pesado nas costas, e as luzes foram sumindo na distância quando eles andavam. Batidas na porta. O soldado virou-se, abriu a porta e se afastou, olhando para o chão. Por ele passou um homem de altura baixa mas postura imponente. O rosto dele também estava tranquilo, assim como seus passos, e se não fosse o respeito evidente do soldado por ele, seria difícil imaginar que ele seria importante. Mas era o que parecia. Fez uma breve pergunta ao soldado, que lhe respondeu sem tirar os olhos do chão. Então virou-se e falou: "Me disseram que você já tentou matar um dos nossos. Quero soltar suas mãos, mas preciso que você prometa que não vai tentar nada de estranho". Por um momento, o espanto por ter entendido superou a dor de cabeça. Afinal, aquele homem de postura imponente tinha lhe falado na sua língua materna. Não tinha vontade de responder.
O homem imponente virou-se para o soldado e falou, de novo, no idioma deles. Rapidamente o soldado foi até atrás da cadeira e desatou suas mãos. Esfregou-as uma na outra para recuperar a sensibilidade. O soldado já tinha voltado à porta. Não havia nada que ele pudesse fazer com as mãos que compensasse a desvantagem de ter alguém com um rifle tão perto de si, e bloqueando a única saída. ** "Posso te servir de água"? "..." Pegou a garrafa e despejou água em um dos copos. Deslizou-o pela mesa até ele. Enchou o outro copo e pegou-o na mão, dando um gole. Depois ficou olhando por cima da mesa, com olhar de expectativa. "Não vou beber isso aí". Dobrando o corpo pequeno para a frente e esticando o braço, o homem imponente pegou o copo que estava do outro lado da mesa e deu outro gole. Voltou a sentar-se na cadeira. "Se é de veneno ou drogas que você tem medo, espero que isso te tranquilize". Talvez, se não fosse a dor de cabeça, ele conseguiria dizer se havia risco naquilo. Com a dor, só conseguia pensar na água. Esticou o braço, pegou o copo e bebeu. Tentou não demonstrar como estava sedento. "Por aqui me chamam de comandante Costa. Talvez você já tenha ouvido falar de mim”. Ele não tinha. “E você, como se chama?" "Vocês pegaram meus papeis, vocês sabem meu nome". "Sim, mas o costume é que quando duas pessoas se encontram assim, elas falam seus nomes uma para a outra" Hesitou "Meu nome é John Wick" O comandante Costa e o soldado atrás dele riram "Também é costume rir do nome dos outros? Só porque eles tem o mesmo nome de um personagem de filme?" "Não é isso. É que esse não é seu nome". "Vocês não viram meus papeis?" "Sim, e sabemos que eles não trazem seu nome verdadeiro". "Não sei o que dizer". "Bom, que tal dizer 'Jack Gonzalez'?" Gelou. Como ele sabia? "O que você está falando" "Ora, seu nome. Não precisa fingir" "Eu não sei quem você acha que capturou, mas..." "Jack Gonzalez, marido da Mirah Celadon, pai da Julie e da Valerie"? Era demais. "Que porra é essa? Como você sabe??" Queria bater na mesa, mas percebeu que seria inútil, além de perigoso. Só de ter levantado a voz, percebeu o soldado ajeitando as mãos no fuzil. "A gente sabe de coisa pra caramba. Mas não se preocupe, elas estão bem. E, para você não ficar muito em desvantagem..." Se mexeu na cadeira e tirou do bolso da bunda uma polaroid borrada que fez deslizar sobre a mesa até perto dele. Mostrava um casa abraçado, em trajes de gala. "Minha esposa se chama Cleide. Esse ao lado dela sou eu, embora hoje eu esteja com a cara toda acabada. Infelizmente ainda não tivemos a oportunidade de ter filhos". Olhou de volta para o comandante. De fato, o rosto dele estava endurecido, envelhecido. Quem visse apenas o rosto dele diria que a tropa da qual ele fazia parte estava sendo massacrada. E, no entanto, cá estavam. Mexeu nervosamente os dedos enxarcados de suor nas botas antes de perguntar: "O que você quer?" O comandante tinha se esticado de novo sobre a mesa para pegar a foto de volta. Nessa hora, pensou em tentar agarrar e torcer aquele braço, mas hesitou — ainda tinha os pés presos, e aquele homem não parecia alguém que se deixaria cair numa armadilha tão simplória. "Nós queremos te fazer uma oferta, Jack. Você tem algo que nós queremos muito. A localização da central de comando e comunicações — a C3. Em troca, nós também estamos dispostos a te dar algo muito valioso". De uma só vez, lembrou-se de tudo: a elusiva C3, que ninguém sabia onde ficava. As mochilas com os cartões de memória, os mapas, os códigos. As senhas e chaves criptográficas que ele teve que memorizar. A emboscada... depois da emboscada não havia mais nada. O comandante já tinha sentado de novo. Testou de novo a corda dos pés: ainda estavam presos. Limpou a garganta e provocou: "Minha vida, eu imagino?" "Sim... Mas talvez não como você imagina". "Como então? Vão cortar minhas mãos antes de me mandar de volta?" "Eu não sei qual propaganda passaram para o seu pelotão antes de te despacharem para cá, mas a gente não faz esse tipo de coisa por aqui". "Então?". "A informação que você tem é capaz de realizar o mesmo objetivo que eu tenho e que você tem: acabar a guerra. Se você colaborar, em algumas semanas você será um cidadão pleno nosso. Terá moradia e alimentação garantida pelo Estado, educação pública para as suas meninas, saúde pública para vocês quatro. Imagino que seja mais do que você tinha antes de te mandarem para tão longe, e muito mais do que você tem agora. Sua vida, do jeito que você merece viver". Era verdade. "E se eu recusar?" "Se você recusar, nós te mandamos embora" "Não é assim que se diz 'matar' nessa língua" "Eu sei como se diz matar. Nós não vamos te matar. Nós vamos te mandar embora. Para fora daqui. Te anestesiamos e você acorda em algum lugar no meio da selva aqui perto, com comida e água para dois dias". "Só isso? Nem um mordomo para me alimentar? Uma enfermeira gostosa pra cuidar das minhas feridas? Um prato típico para eu levar de presente para a base?" ** "Bem Jack, você sabe que isso aqui é uma guerra. A gente te daria um presentinho sim, mas não algo que você vá gostar. Acho que você nunca ouviu falar na doença de Lagas, não?" Ele nunca tinha ouvido falar. Ficou quieto. "Pois é. É uma doença dos países pobres, então muitos conterrâneos seus nem sabem que ela existe. Mas ela existe, e já matou milhões de pessoas no mundo todo... Bom, resumindo: é um verme que entra no seu sangue e se aloja no seu coração. Ele fica lá se alimentando e crescendo, fazendo o seu coração inchar junto com ele. E eventualmente ele faz seu coração explodir. Pode ser em alguns anos, em algumas décadas..." Fazia um tempo já que ele sentia o coração latejar nas têmporas, mas nesse momento parece que a sensação piorou. Queria mover as mãos, queria sair de lá, queria atacar o comandante, mas sabia que não tinha chance. Também não queria mover as mãos sem um propóstivo e por isso sentia-as como duas pedras sobre as coxas. "Por muitas décadas, essa doença devastou famílias por aqui. Não é só o infectado, a comunidade toda se sente condenada quando alguém pega. Imagina viver a vida sabendo que amanhã você pode morrer de repente. Ou que você pode chegar aos 60 e nunca sentir nada. Imagina saber que cada dia do seu pai, do seu marido, do seu filho, podem ser o último. É devastador. E mesmo assim, por décadas, ninguém se interessou muito em achar uma cura. Afinal, é uma doença de pobre. As pessoas que precisariam de uma cura nunca conseguiriam pagar por ela, e por isso a doença continuou arrasando justamente as famílias mais pobres daqui. E olha só, quando a gente finalmente resolveu expulsar daqui quem só nos explorava e investir na nossa própria população, a gente descobriu uma cura em questão de meses. Uma cura que é só um comprimido..." Mexeu de novo na cadeira e tirou, de outro bolso, um comprimido, que ele mostrou com braço esticado. "... que você toma uma vez". Pôs o comprimido na boca, pegou seu copinho de água e bebeu. "Sendo bem claro, Jack. Você agora está infectado com o parasita. Se você colaborar, tem outro comprimido desses no meu bolso pra você. Se não, você acorda amanhã em um local desconhecido, com comida e água para dois dias, e com o verme ainda no seu corpo. Talvez você sobreviva a guerra e talvez o seu lado ganhe, mas isso não vai te curar. E não acho que as três mulheres da sua vida mereçam passar por isso". Tinha afundado na cadeira. Estava ainda consciente demais das batidas do seu coração. O calor tinha passado, mas tinha sido substituído por um frio ainda pior. Seus dedos dos pés formigavam dentro da bota. Em frente à porta, o soldado lhe olhava com o que parecia ser uma mistura de empatia e cuidado. "Vou te dar um tempo para pensar", disse o comandante se levantando. Ao perceber o movimento, o soldado já se virou e abriu a porta. Viu então as costas do comandante Costa: sabia que aquele nome, naquela língua, também se referia àquela parte do corpo. E pensou de novo: quem só visse suas costas diria que seu exército estava sendo massacrado.
O dono das costas foi saindo lentamente e, perto da porta, acrescentou: "Ah, seus dois companheiros já aceitaram. Se você topar, quem sabe daqui a um ano vocês não comemoram junto o aniversário do Ahmet?" Jack não tinha a menor ideia de quem era Ahmet, mas lembrou-se que um dos especialistas que saíram com ele naquela noite tinha traços que ele achou que eram italianos. Seu nome era Dominic Ducocco, mas é claro que aquele não era o nome dele.
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa
Tomate, cebolinha, queijo branco, feijão preto, Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Farinha, sal, Maizena e dois saquinhos de fermento Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Granola, leite, pão, café, manteiga e queijo prato. Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; O queijo gorgonzola, sempre caro, sem pagar Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Carrinho cabe tudo, cabe até mais do que deve E eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Bandido bom e vivo que o vigia ia linchar Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Aquele dia lindo com os amigos lá no parque Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; O teu sorriso largo depois que eu contei piada Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Acordo, pego os sonhos, limpo e dobro com cuidado Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; No peito cabe tudo, cabe até mais do que deve E eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; O seu direito pleno de usufruto da cidade Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Aposentadoria à qual você tinha direito Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Dinheiro que era seu mas a inflação surrupiou Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Dignidade sua, da sua mãe, dos seus amigos, Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Na pasta cabe tudo, cabe até mais do que deve E eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; O pão para comer e aquele chão para dormir Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; O amor que tu me destes, que era vidro e se quebrou, Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Um dia, quando a chuva me disser que não cai mais, Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa; Ideias que sobraram e eu não quis jogar aqui Eu boto na sacola e levo embora pra minha casa;
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Força estranha
Por isso uma força me leva a cantar Falaram Caetano E plateia juntos Segundos depois Chegou a surpresa Baixou dele os braços Cá da natureza Uma outra potência Ou talvez a mesma? Risadas ecoam Olhando na tela A curiosa cena Por isso uma força Levou-me a cantar Talvez essa força Que moveu Caetano Talvez foi aquela De Newton amiga Não sei qual foi, delas, Que moveu meu canto E moveu meus pés Por tortas calçadas Sem força bastante E eis que eu, risonho Plagiando o baiano Imito seu canto E imito sua queda Que força foi essa? 
(para o vídeo ESTABACO DE CAETANO VELOSO EM BRASÍLIA, https://www.youtube.com/watch?v=IGm33mba3XY )
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Entao você brigou com alguem por causa de algo que sonhou
Se acordou de sono incerto e discutiu com seu parceiro sobre infidelidade Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Se a manhã lhe surpreendeu com novidades sobre si Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Se pediu devoução de algum produto que comprou porque notou no fim das contas que ele não era o que pensou Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Se a derrota causou dor maior do que você esperava Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Deixou o medo do fracasso ou da mediocridade numa noite calorenta segurar as suas pálpebras Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Se você se apaixonou mas se frustrou logo em seguida Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Se revoltou ao perceber que dependia dos seus pais muito mais do que achava Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Ficou nervoso porque a fila demorou mais que o previsto Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Você sentou pra escrever porque pensava que sabia, mas depois que terminou foi que entendeu que não sabia Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
Fizeram mais do que você pensava que eles poderiam Então você brigou com alguém por causa de algo que sonhou
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Belezas inusitadas
A beleza inusitada da vista da janela do escritório
A beleza inusitada da pessoa séria quando ela sorri
A beleza inusitada de um rabisco feito sem prestar muita atenção enquanto se falava ao telefone
A beleza inusitada de uma máquina
A beleza inusitada de uma frase comum falada com um sotaque diferente
A beleza inusitada do som do ar condicionado
A beleza inusitada de uma pomba que toma sol na praça
A beleza inusitada do poema que revela novas maneiras de compreender palavras
A beleza inusitada da pessoa que vemos todo dia quando ela se arruma para uma festa
A beleza inusitada da nossa casa quando voltamos de viagem
A beleza inusitada do calor no meio do inverno
A beleza inusitada do frio no meio do verão
A beleza inusitada da sala de aula quando as carteiras são afastadas para os cantos
A beleza inusitada dos gestos de um lojista que dobra roupas para guardar
A beleza inusitada do arroz quando vira arroz doce
A beleza inusitada da pessoa dura, tornada subitamente vulnerável
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
De cadente
Pensamento Em corrente Evidente Ocorrência Uma década De cadência
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
e o dia nem começou ainda
Uma série de linhas, pontos e vazios que representam o quanto os buracos da persiana estão sujos se projeta sobre o rosto sonolento. 
O lençol amarrotado, o cobertor enfiado debaixo dos pés, o pijama suave na pele, a quentura do colchão, barco que levou um navegante através do oceano da noite até o cais do dia. As pedrinhas de sujeira que se formam no canto dos olhos, a estranha lacrimação que tornam os globos recém-despertos semelhantes aos olhos de bois e vacas no pasto, a estranha lisura da pele, a ausência de substância dos músculos que exigem ser esticados antes de mais nada, a necessidade de se mudar o ritmo da respiração para se adequar ao metabolismo mais ágil que a vida desperta exige, os resquícios de um sonho lindo se esvaindo com toda a esperança de poder continuar deitado indefinidamente, a massaroca em que os cabelos se transformaram ao longo das últimas horas, o gosto de vazio na boca, a língua transformada em capacho, a oleosidade dos vãos que unem o nariz ao rosto, a necessidade de se fazer do pudim dos tendões algo rígido o suficiente para suportar os ossos, a luta contra o torpor para conseguir desligar o despertador insistente, o trailer que passa na mente de todos os principais momentos do dia que já são conhecidos e, então, o medo, a desesperança, a incredulidade diante do fato de que tudo que já aconteceu tantas vezes antes vai se repetir mais uma vez, e depois outra, e depois ainda muitas outras, muitas mais do que é possível conceber, a luta para pensar em outra coisa, o ímpeto que os maus pensamentos dão ao sair da cama, a porta que range suavemente ao ser aberta, o corredor ainda surreal, a casa quieta e vazia, como se ela também dormisse, a cozinha branca e gelada, o piso frio que ecoa levemente os passos, a água, o pó, o filtro, o barulho borbulhante da cafeteira enquanto realiza seu trabalho, a busca na geladeira, na despensa, o arremedo de refeição que se cria com o que lá se encontra e se joga para dentro do estômago ainda revolto, ou então o cuidadoso preparo de algo já premeditado, o cheiro de torrada, o barulho que ela faz ao realizar seu bonito salto ornamental para longe da torradeira, a manteiga derretendo lentamente ou resistindo ao calor, caso estivesse na geladeira por muito tempo, o vapor subindo da xícara de café, ainda em ritmo onírico, a reativação do olfato e do paladar por meio desse exercício cotidiano, a paisagem escura ainda janela afora, o dia ainda feto, o dia ainda um projeto de ser, inconsciente de si, desprotegido por qualquer útero, descuidado por qualquer mãe, existindo em estágio embrionário sem necessitar nenhum cuidado além dos que lhe conferem as leis da física, a cidade aparecendo, plano após plano, além do vidro da janela da cozinha, as estrelas lentamente desarrumando seu show de mágica do palco do céu, a lua ainda resistindo à claridade, como se esperasse, cada vez, que ela não viesse, os postes de luz, insuficientes, em breve não mais necessários mais ainda assim acesos, o concreto infinito mais uma vez desvelado pela baça luminosidade que já chega através das nuvens, uma ou outra poça de água que se formou na rua durante a noite, como se formou no canto dos olhos uma de fluidos corporais, o banheiro escuro, o banheiro agora aceso, a água gelada no rosto, como se o sono fosse algo que se pudesse simplesmente lavar ou limpar, a toalha já endurecida pelo uso, a escova já endurecida pelo uso, o sabor familiar da pasta, o barulho ritmico das cerdas sobre os dentes, os cutucões que elas dão nas gengivas frágeis, a espuma lentamente se formando na boca, escorrendo pelos cantos dela, o holocausto bacteriano provocado pela escovação da língua, o reflexo de engasgar provocado pela escovação da língua, os estranhos ruídos que esse reflexo emite, a sensação de quase virar do avesso, o barulho de cuspir tudo para fora, a conchinha com as mãos para pegar água da pia, o frescor da água na boca mentolizada, uma passada de língua nos dentes que ressalta sua higienização e conforta as gengivas, os infinitos padrões de batuques na pia para tirar o excesso de água das mãos, antes de recorrer novamente à toalha gasta e, então, com coragem, o espelho, si mesmo, a realização, novamente, de ser-se, de dar cara àquilo que atravessou mais uma noite, mais uma manhã rotineira, mais um cabeçalho de dia, e que precisa agora se preparar para, infelizmente, fugir da toca que lhe foi permitido, após muita perseverança, formar num canto do mundo para poder garantir a possilidade de voltar a ela, sair para poder voltar uma hora, mas antes o quarto novamente, o mesmo padrão de pontos, traços e vazios, espécie de código Morse que, quem sabe, talvez já traga escrito tudo que vai acontecer no dia para aquele que souber decifrá-lo, as roupas de baixo, as de cima, o pente, o pensamento se acelerando agora, encher os bolsos, encher a bolsa, verificar mais uma vez se nada foi deixado para trás, assassinar mais uma vez, como se faz todo dia, o animal calmo e simples que existe em cada um de nós, espremer seu pescoço, resistir às suas unhadas, segurá-lo enquanto ele se debate, suportar seus rugidos primeiro, depois seus gritos e então seus gemidos cada vez mais fracos, vê-lo ficar agora branco, depois roxo enquanto toda vontade de ficar na cama, de ficar em casa, de simplesmente existir desaparece, e o dia nem começou ainda. E então, finalmente, ...
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Pesos reconfortantes
O peso reconfortante do livro grande que se pretende ler.
O peso reconfortante da cafeteira cheia.
O peso reconfortante do prato no kilo.
O peso reconfortante das roupas sobre a pele no inverno.
O peso reconfortante do embrulho do presente da pessoa generosa.
O peso reconfortante do sabonete líquido no lavabo da casa abastada
O peso reconfortante do corpo da pessoa amada sobre o nosso.
O peso reconfortante da garrafa de água cheia no verão.
O peso reconfortante das tripas que, sabe-se, logo haverá boa oportunidade de esvaziar.
O peso reconfortante da ideia abstrata e complexa lentamente incorporada à nossa mente.
O peso reconfortante das botas impermeáveis antes de sair na chuva.
O peso reconfortante de uma tarefa difícil para a qual nos sentimos plenamente preparados.
O peso reconfortante do corpo cansado que descansamos no sofá.
O peso reconfortante dos golpes de uma guerra de travesseiros.
O peso reconfortante do gato que desce de perto da janela.
O peso reconfortante da conversa incômoda que finalmente tivemos.
O peso reconfortante da música abrasiva que reflete o nosso humor.
O peso reconfortante das lágrimas que enfim podem sair.
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa irônica Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa artística Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre desencontros Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre provar do próprio veneno Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre você se arrepender depois Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre brincar com fogo e se queimar Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre aceitar um tostão e ganhar um milhão Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre eu estar na sua e você também estar na sua Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre não dar valor ao que você tem até a hora que você perde Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre não apedrejar o vizinho se a sua casa tem telhado de vidro Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre não reclamar quando fazem com você o que você faz com os outros Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre quem fala o que quer também precisar ouvir o que não quer Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre nem descer para o parquinho se você não sabe brincar Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre saber encarar as consequências das suas escolhas Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre eu estar na minha e você também estar na minha Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre plantar vento e colher tempestade Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre não ser mesquinho com carinho Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre isso agora ser problema seu Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre eu ter te avisado Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa sobre schadenfreude Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa que agora tem graça Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa meio comum Ou alguma coisa do tipo
Alguma coisa triste Ou alguma coisa do tipo
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
vaidade ébria
...e ela me perguntou se eu fumava, o que me pareceu uma pergunta idiota, porque afinal eu estava fumando, mas aí eu me dei conta que eu, na verdade, não fumava, e que ela provavelmente percebeu algo de estranho na forma como eu segurava o cigarro ou tragava e, por isso, perguntou, o que revelava uma certa perspicácia da parte dela, algo que eu não esperava, não sei bem por que, mas essa atenção dela me deu vontade de conversar, então eu respondi, “não, só quando eu estou bêbada”, eu só me dei conta de que isso era também uma confissão depois que era tarde demais, mas pensando bem, a gente estava no fumódromo de uma balada, era sábado à noite, dizer que eu estava bêbada era quase redundante, ela demorou um pouco pra responder e eu temi que, na verdade, aquela pergunta não demonstrava nenhum interesse em mim, vai ver ela só veio me perguntar se eu fumava pra pedir um isqueiro ou um cigarro, e agora que eu disse que não ela iria embora, exceto que ela não foi embora, ficou ali me olhando com uma cara estranha, demorou uns 10 segundos até eu entender que ela não tinha ouvido o que eu falei, então eu cheguei perto do ouvido dela (tomando, é claro, o cuidado de manter uma distância respeitosa) e repeti, dessa vez ela ouviu, deu uma risada e disse “eu também”, “quer um cigarro?”, eu perguntei, “você tem aí?”, ela perguntou, e veja só que ridículo, eu não tinha, nem lembrava onde eu tinha arrumado esse, e nada disso me impediu de oferecer um cigarro pra ela como se eu fosse capaz de tirar um da minha orelha, expliquei a situação pra ela numa tentativa de transformar minha própria idiotice em objeto do nosso riso compartilhado e deu certo, ela deu risada, virou pra uma outra pessoa X que estava lá perto e pediu um cigarro (imagino), era um cara com cabelo raspado curtinho dos lados da cabeça e comprido no meio, de óculos com aros grossos, uma barba rala tentando se passar por barba cheia, todos os signos da moda somados num resultado incongruente, essa somatória incongruente tirou um cigarro do bolso, estendeu pra ela, depois ainda pegou o isqueiro do bolso e acendeu quando ela pôs na boca, ele começou a falar alguma coisa mas ela virou as costas, ele também virou e ficou contemplando a noite, talvez chateado pela situação, talvez apenas curtindo uma tranquila brisa de fumante, enfim, depois de uma tragada, ela me perguntou “por que será que a gente só fuma quando fica bêbada?”, uma ótima pergunta, me pareceu na hora, “ótima pergunta”, eu disse, dando um trago, ela soltou fumaça e começou, “pode ser uma questão meramente logística” (adorei aquela fala complicada dela, e me senti honrada com a suposição de que eu entenderia aquela frase, se bem que talvez ela só estivesse muito bêbada e não fosse capaz de tomar os múltiplos cuidados que a inteligibilidade exige), “eu nunca teria coragem de comprar um pacote de cigarros”, ela continuou, “e eu só tenho cara de pau de pedir quando eu tô bêbada, então pode ser isso”, “verdade”, eu concordei, de forma não muito entusiástica, porque eu sentia que havia algo mais na questão, então eu emendei “dizem que, quando a gente tá bêbado, a gente não fica diferente, a gente só fica como realmente seria se não tivesse vergonha de ser”, a frase me pareceu absolutamente disléxica quando eu cheguei no final dela, mas acho que ela entendeu, porque em seguida ela perguntou “então você acha que na verdade nós somos fumantes frustradas?”, eu respondi, feliz com aquele “nós”, “não é bem isso…”, e fiquei procurando palavras, nervosa, enquanto ela me olhava com atenção, uma atenção que eu nem por acaso merecia naquele momento, sem falar nada com nada, com os cabelos fedidos de cigarro, mas eis que eu encontrei mais palavras, e segui “eu pelo menos sinto que o ato de fumar é um pouco teatral demais, eu acho difícil de tolerar quando eu estou sóbria, eu fico me sentindo uma personagem de mim mesma, fico autoconsciente demais, tenho um pouco de vergonha”, ela ficou quieta, talvez pensando no que eu tinha falado, talvez simplesmente com preguiça de pensar no que eu tinha falado e pensado em um jeito de responder mesmo assim, sem dar na cara que ela não tinha prestado atenção, quando eu bebo eu esqueço que eu não preciso dar respostas prolixas e complicadas pra tudo, na hora que eu vi que ela estava silenciosa eu fiquei triste, e de repente me dei conta de que ela era incrivelmente linda ou de que eu estava incrivelmente bêbada ou das duas coisas, mas eu nem me sentia tão bêbada assim, então ela deveria ser linda mesmo (ou era a minha autocrítica pesando a mão e deixando mais bonita a pessoa que eu achava que tinha entediado), e eis que ela responde “Pode ser, faz sentido, eu nunca tinha pensado nisso, mas do que é exatamente que você tem vergonha?”, a minha felicidade por ela ter respondido encobriu o fato de que eu estava sendo relativamente posta no divã, eu nem me dei conta na hora mas pensei sobre isso, e aí falei “não sei, não é que eu ache cigarro feio, mas eu acho feio uma pessoa ter essa postura tão posuda, se esforçar tanto pra sair bem na foto”, eu disse, dei um trago, ela deu um trago, “vaidade?” ela perguntou, eu não entendi que era uma pergunta, achei que ela simplesmente tivesse falado “vaidade” por que veio na cabeça dela a palavra, tentei entender qual malentendido poderia ter levado ela a achar que a palavra “vaidade” era uma resposta adequada à minha fala, ela percebeu minha confusão e perguntou mais uma vez, “é da vaidade que você tem vergonha?”, e eu respondi na hora “não, não é vaidade”, mas ela me olhou levantando uma sobrancelha só e eu reconsiderei, percebendo que eu estava de fato numa pose meio pitoresca com o cigarro numa mão do lado da cara, o outro braço cruzado em frente ao corpo, e então eu emendei “tá, talvez seja vaidade”, pensando em todas as ocasiões em que eu havia fumado bêbada, e talvez o que ela tinha dito fosse um pouco verdade, talvez a minha vergonha era de me ver como personagem de um filme, como alvo de atenções, como alguém com uma posição de destaque, digna da apreciação dos outros, de olhares desejosos, de fantasias, talvez alguma coisa nesse sentido existisse na minha vergonha de sair fumando por aí, talvez uma vergonha das minhas próprias fantasias ou da própria noção de Fantasias, que eu via como algo infantil e desnecessário, algo que algumas aulas de teatro talvez ajudassem a contornar, eu sempre quis fazer aula de teatro, talvez isso tenha alguma coisa a ver, bom, o fato é que eu fiquei pensativa de repente, o que deve ter assustado ela um pouco, porque ela emendou um “eu sou assim também”, e de repente ela estava toda frágil, de novo, pode ter sido só impressão minha, mas acho que ela ficou tão desconcertada com a observação que ela mesma fez quanto eu, e então eu me dei conta que, quando eu achava que estava sendo posta no divã, talvez era ela mesma que estava se analisando, talvez eu tenha sido só um interlocutor neutro com quem ela podia, na verdade, falar com ela mesma, que intensa ficou essa conversa de repente, pensei, e sorri, e ela sorriu também, e a intensidade passou um pouco, mas eu queria que passasse totalmente, então resolvi falar e falei a primeira coisa que veio na minha cabeça, que foi “você também nem precisa ser vaidosa, você já é linda”, idiota?, idiota mesmo, mas já tinha falado, fui sincera, então nem vermelha eu fiquei (não mais do que eu já fico quando bebo), e talvez por causa disso ela ficou um pouco vermelha, e sorriu de mostrar os dentes e disse meio de lado “você também”, nessa hora já tinha dado tempo de eu me tocar de que não havia uma relação muito bem definida entre a beleza de uma pessoa e a necessidade dela ser vaidosa, pelo meu raciocínio só as pessoas feias precisariam ser vaidosas, o que não tem nada a ver, com frequência é a falta de vaidade que determina a feiúra, então achei que era necessário defender a vaidade um pouco, então falei “que a gente se lembre de não ter vergonha de ser vaidosa então”, e ela gostou e disse “um brinde a isso”, e tirou o cigarro da boca, eu tirei o meu também e a gente fez um tim-tim de cigarros, depois cada uma deu uma tragada bem profunda se olhando, e pensando bem naquela hora eu já estava bem vaidosa, caprichei na olhada e acho que deu certo, porque logo depois de soltar a fumaça, ela chegou perto e me deu um selinho, meu coração deu aquele pulinho que às vezes acontece nessas horas. Mas...
0 notes
perdidosvenceremos · 4 years ago
Text
No momento de seu uso
A camisinha guardada na carteira E a camisinha no momento de seu uso
A roupinha de criança no chá de bebê E a roupinhasde criança no momento de seu uso
O corpo esticado na cama enquanto dorme E o corpo no momento de seu uso
O alfabeto enfilerado em cima da lousa E o alfabeto no momento de seu uso
O computador desligado E o computador no momento de seu uso
A furadeira guardada na maleta E a furadeira no momento de seu uso
O pano de chão estendido sobre o braço do vendedor E o pano de chão no momento de seu uso
A roupa no cabide E a roupa no momento de seu uso
O violão desafinado encostado na parede E o violão no momento de seu uso
O quadro sob as pinceladas cuidadosas do pintor E o quadro no momento de seu uso
A vaca cutucando carinhosamente um bezerro com o focinho E a vaca no momento de seu uso
O escovão encostado do lado da privada E o escovão no momento de seu uso.
O concreto girando lentamente na betoneira E o concreto no momento de seu uso
A casa abandonada E a casa no momento de seu uso
O palco vazio E o palco no momento de seu uso
O véu junto ao vestido na vitrine E o véu no momento de seu uso
As taças na cristaleira E as taças no momento de seu uso
O alarme de incêndio do prédio do trabalho E o alarme de incêndio no momento de seu uso
A alavanca de emergência do ônibus parado no trânsito E a alavanca de emergência do ônibus no momento de seu uso
Uma arma descarregada E uma arma no momento de seu uso
Uma seringa em sua embalagem de plástico E uma seringa no momento de seu uso
O desfibrilador no carrinho E o desfibrilador no momento de seu uso
O seguro de vida quando se assina o contrato E o seguro de vida no momento de seu uso
A pá jogada na grama entre duas lápides E a pá no momento de seu uso
[...]
0 notes