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Minha Querida Livia por Geovanna Maria
Era comum que Livia pegasse aquele mesmo livro toda segunda-feira e devolver uma semana depois, escolhendo então o próximo da tetralogia. Mesmo tendo poder aquisitivo para comprar tudo, ela adorava a rotina de ir até a antiga biblioteca, passear pelos corredores e escolher um livro. Ou como a própria dizia: seu destino de viagens… O cheiro do papel levemente puído pelo tempo, as letras datilografadas e a escrita do início do século XX eram seus vícios. Não era a toa que cursava Literatura na faculdade. — Você deve gostar muito desse livro. Sempre que vem aqui o escolhe. Livia ergueu os olhos para o suplente. O bibliotecário estava de licença médica desde o mês anterior por cair da escada enquanto arrumava a seção de mistério. — Eu amo! — Exclamou com um gritinho esganiçado e escorou-se no balcão, mirando fundo naqueles olhos proeminentes. — E você? De que livros você gosta? — Livros de pesquisa. — Coçou a orelha, aonde repousava uma caneta azul sem tampa. — Fantasia é pra quem tem um tempo. Acenou com a cabeça e foi para casa. Sentou-se no sofá e abriu o livro. Era como se ela fizesse uma visita aos personagens. Imaginava-se tomando um chá com a heroína, jogando futebol com o mocinho e debatendo com o vilão. Em dado momento um pedaço de papel caiu sobre seu peito. Deveria ter sido cortado a régua e a caligrafia não era das melhores, além da tinta da caneta parecer ter falhado. “Minha querida Livia. Seus cabelos são lindos como macarrão da Itália.” Ela riu, olhando os cachinhos loiros que caiam sobre seus olhos. Quem teria escrito isso? Na semana seguinte, voltou para a biblioteca. — Eu encontrei um bilhetinho dentro do livro. O suplente se virou. — A é? De quem? — Não tem remetente. — Mostrou o pedaço de papel. — Só tem meu nome… sendo que eu nunca me apresentei pra ninguém daqui. Ele travou. Nas outras semanas, Livia pegou os outros três livros. Todos continham um bilhetinho. No segundo era: “Minha querida Livia Seus olhos como o mar do caribe Contrastam com as rochas magmáticas que são os meus.” Na terceira: “Minha querida Livia. Seu sorriso ilumina mais que o sol E é mais quente que as areias do deserto do Saara.” E, finalmente no último livro: “Minha querida Livia, Pelo pouco que já conversamos, vejo que não é fria como a Antártida. E espero que veja que não sou tão soturno quanto a Ilha de Uedinenia. Então, eu gostaria de saber se gostaria de sair comigo…” E foi com esse último bilhete que teve certeza de quem seria seu “admirador secreto”. O vento passou pela janela do quarto e a deu uma ideia. De praxe, na segunda-feira retornou a biblioteca e, com um pouco de pesar, devolveu o livro o empurrando no balcão. Viu o suplente e sorriu, mirando novamente seus olhos, sendo correspondida. Deu uma desculpa e foi embora rápido. E ele ao abrir o livro, pôde ler em vermelho. “Estou livre no sábado, e você?”
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Aula 8 - Geovanna Maria
Letícia quer um cachorrinho
Se perguntassem para Letícia o que ela gostaria de ganhar, seja de aniversário, de dia das crianças ou de natal, a resposta seria sempre a mesma:
— Um cachorrinho fofinho e felpudo.
Samara e Douglas não passavam um dia sequer sem que a filha de seis anos pedisse pelo animal, e a resposta também era sempre a mesma:
— Só depois que você ficar grandinha.
E o resultado era Letícia sair batendo os pés até o quarto. Quando isso acontecia, seus pais se olhavam, tentando arranjar uma desculpa com mais sentido.
Desde quando a criança começou a falar, ela pedia por um “au-au”. Ela era apaixonada por filmes como Beethoven, 101 dálmatas, Scooby-Doo era seu preferido.
— Uma hora ou outra ela vai entender que ter um cachorro no momento é impossível. — Samara comentou, direta.
— Talvez ela nunca possa. — Douglas respondia mais manso. Tinha o coração mais mole que o da esposa. — Ela tem alergia a pelo de cachorro, lembra? E o corpo dela mal consegue se adaptar aos remédios.
Ouviram Letícia cantar a abertura do desenho do Scooby-Doo. Suspiraram de forma pesada. Então Douglas tirou o celular do bolso e abriu o buscador. Se levantou e foi até Samara, mostrando a tela do aparelho.
Uma foto de um robô em forma de cachorro com detalhes em “led” azul chamaram a atenção dela.
— Tá, e daí? — Ela tentou mover a imagem.
— Podemos dar esse cachorro pra ela. E o melhor: sem cocô pela casa. — Riram. — Vende que nem água lá no trabalho. Tenho certeza que ela vai gostar.
Samara fez um bico, inchando ainda mais seus lábios grossos.
— Esse é o futuro da humanidade: trocar seres vivos por robôs…
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Aula 7 - Geovanna Maria
Gönnen
As palavras em itálico se referem a palavras usadas no cotidiano dos personagens
— Você tem mesmo que ir embora? As íris escuras como a noite da menina miravam o seu irmão mais velho arrumar a última mala. Havia conseguido passar em uma faculdade longe da cidade onde viviam, então ele moraria em uma República. — Henrique, eu te fiz uma pergunta: você tem mesmo que ir embora? Ele passou a mão pelo cabelo acobreado e se aproximou da garotinha de rabo de cavalo. — Vou sim, Carol. — Mesma altura, olho no olho. — Mas vai ser por pouco tempo… — Quatro anos. — Ela o cortou. — Eu ouvi você e a mamãe conversando: você vai passar quatro anos longe daqui. Você abandonou a gente? — Claro que não. — Henrique sorriu para acalmar a irmã. Ela mantinha uma feição desacreditada. — Todo dia eu vou mandar mensagem pra mamãe, pro papai e pra você. Se quiser, eu tiro fotos de lá. Sabia que tem uma praça cheiinha de flores amarelas, vermelhas, rosas, e até lilases como o seu tutu de balé? — Isso não é o suficiente: quem vai me levar pra tomar sorvete além do papai? Quem vai me ajudar a andar de bicicleta além da mamãe? Quem vai ler pra eu dormir? — Carol se aproximou do irmão e tocou em seu queixo sem barba, acariciando as bochechas e maçãs do rosto com os pequeninos dedos. — Eu… eu… não quero que você vá embora... não quero te deixar sozinho… não quero ficar sozinha… Os olhos da garotinha enrubesceram em segundos, deixando lágrimas caírem sobre o chão de taco. Henrique puxou a irmã para um abraço caloroso: os braços grossos envolveram a garota como um urso de pelúcia gigante. Nisso, ele não reprimiu suas lágrimas de escorrerem pelo rosto. — Vou sentir sua falta, biuzo… — Eu também… buiza…
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Aula 6 - Geovanna Maria
Uma pequena confeitaria.
A vitrine lotada de doces era um convite para quem passasse pela rua. Eram bolos, tortas, biscoitos, pães doces, era mais que suficiente para uma pessoa saudável se tornar diabético Tipo 2 apenas olhando. Seria um sacrifício sem dor. Ao abrir a porta de vidro com barras de madeira nas extremidades, vários odores diferentes entrariam nas suas narinas, como forma de cumprimento. Alto-falantes circulares no teto tocavam músicas de uma rádio local. O chão de madeira escura e com um papel de parede em amarronzado, sem falar do clima acalorado que saia da cozinha mesmo com a porta fechada davam um charme de “casa da vovó”. Haviam quatro mesas, todas com lugares no mínimo para duas pessoas e um pano branco com alguns bordados brancos nas extremidades. Em uma mesa colada na parede havia uma cafeteira que estava sempre a disposição dos clientes. Bastava pegar um copinho e pegar o café. Os pedaços de bolos decorados tão perfeitamente que seria difícil acreditar que foram braços humanos e não máquinas que o fizeram eram dispostos em na vitrine principal como obras de arte. Era muito difícil você entrar e sair de lá sem ao menos três biscoitos.
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Aula 5 - Geovanna Maria
Catarina estava sentada à mesa na casa de Mary. A amiga havia a convidado para tomar café-da-tarde após uma troca de mensagens durante a madrugada.
— Tá, me explica esse negócio direito, pelo amor de Deus.
A voz de Mary expressava uma tranquilidade que apenas uma grande amiga poderia fazer, diminuindo o turbilhão na cabeça de Catarina.
— Eu… descobri… que o Saulo… — As mãos tremiam assim como sua voz. Mary, que já sentia um asco inefável pelo dito cujo desde o dia em que ficaram frente-a-frente, mordeu a língua com força. — Agrediu uma criança…
Catarina agora deixava lágrimas cheias descerem o rosto e caírem sobre o chá sobre o colo. Estava tão entregue que nem percebeu o calor da xícara queimar suas coxas. Mary acariciava o ombro nu da amiga, enquanto pensava no que responder. Dar conselhos não era o seu forte.
— Meu Deus... por onde você viu?
— Num programa policial vespertino… mostraram até imagens das câmeras de segurança. — A voz de Catarina estava rouca pelo choro. — Mary, foi horrível… mostraram a criança toda ensanguentada no hospital… o depoimento da avó… a mãe que desmaiou no velório da menina… como ele pôde?
— Cat, eu sempre te avisei sobre esse cara. — Mary precisava ser direta, mesmo que isso magoasse a amiga. — Ele não aparenta ser normal, e de fato, ele não é! Nunca achou estranha aquela história que dele de: “saí de Santa Rita por impulso, queria outros ares?” Ah, pelo amor.
— Mas ele parecia tão bom…
— Quem vê cara não vê coração. — Mary inspirou fundo, retirando os cabelos encaracolados do rosto da amiga.
— O que eu devo fazer?
Mary engoliu em seco: terminar e ligar para a polícia daria muito na cara.
— Pede um tempo. — Mary aconselhou, mas quando percebeu o olhar da amiga, quase caiu da cadeira. — Você ainda gosta dele, né?
Catarina afirmou com a cabeça. Bebeu um pouco do chá e depois continuou
— São quase oito meses juntos… ele me trata tão bem. Ele cuida de mim como ninguém jamais cuidou... mas eu quero acabar com isso…
Mary inspirou fundo e molhou a garganta. Mirou os olhos da amiga profundamente e deu o golpe de misericórdia.
— Se você ama o pequeno Teodoro, acabe. Com. o. Saulo…
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Aula 4 - Geovanna Maria
Encontrado o corpo de mulher com 30% do corpo queimado. “Sinto falta do calor dela”, disse o marido.
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Aula 3 - Geovanna Maria
Devaneios no metrô
Muito obrigada, Meu Deus! Encontrei uma cadeira vazia no metrô no horário de pico. Isso é uma baita sorte milagrosa! Certo, certo, um pouco de descanso. Nina do céu, que olheiras são essas? Parece que você não pregou os olhos de noite. Talvez por trabalhar quase doze horas atendendo telefone e resolvendo problemas dos outros, né minha filha? Pena que hoje é quarta e só folgo no fim de semana. Não pegue o celular… não pegue o celular… não pegue… Três mensagens novas de duas conversas. Ah, é o chefe: cheguem 7:30 amanhã, pessoal. A empresa vai fazer uma promoção via telefone (gif de cachorro animado). Meu pai amado… Menos tempo pra descansar… Ah, é um áudio da mamãe: vai demorar, Meu Bem? O seu macarrão vai esfriar… Respondo por mensagem: não, não. Já estou em Corinthians/Itaquera, logo eu chego em casa. Mamãe deve estar sentada na cozinha assistindo novela, enquanto olha o meu prato vazio pela milésima vez. Duda deve estar debaixo da saia dela e pedindo carinho… o metrô parou.
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Aula 2 - Geovanna Maria
Fim de sexta-feira. Sol do meio-dia rachando.
Um grupo de estudantes do ensino-médio vagavam até o “Podrão do Juca”, para comemorar o fim da semana de provas. Bastava descer a rua cheia de falhas da escola, atravessar na frente de uma mecânica e seguir até encontrarem um prédio pintado de vermelho, roxo e amarelo.
Uma garota do grupo, dona de uma mochila vermelha cheia de bottons, entrou primeiro e já foi falar com a atendente. Todos pediram a mesma coisa: um hambúrguer que pingava gordura, igualmente às batatas super salgadas e, para ajudar na digestão, um copo americano de refrigerante genérico.
— Atacar! — Um dos garotos do grupo exclamou, após todos se sentarem.
Além desses dois, o grupo contava com dois irmãos gêmeos, tão parecidos que só se podia diferi-los (graças) pelo gênero.
Encontraram um homem jovem. Mais velho que eles, vide a barba rala que lhe adornava o rosto. Ele sentou-se numa mesa próxima ao grupo, apoiando o braço que segurava a mão na cabeça na mesa, enquanto usava a outra mão para escrever algo invisível na mesa de metal enferrujada. Suspirava a cada letra que desenhava com o dedo.
A dona da mochila vermelha mirou o homem e cutucou o gêmeo com o cotovelo.
— Pobrezinho. Não é uma boa falar com ele?
Os outros viraram-se disfarçadamente para o referido.
— Sei não. — O primeiro garoto falou. — Ele me parece suspeito.
— Só porque ele tem uma tatuagem no pescoço? — ela continuou. — Ele parece bem triste…
— Tá, tá, tá. — O garoto arregou, bebendo o refrigerante. — Chama o cara.
Assim ela fez, movendo a mão para que o homem se aproximasse. Conversou com eles, desabafando sobre alguns fatos em sua vida que não estavam indo bem. Possuía um bom papo, fazendo-o durar até os grilos cantarem.
No fim ele se despediu dando um abraço em cada um, e virando a rua.
Depois, foi a hora de todos irem para casa, despedindo-se num quarteirão. Ao chegar em casa, ele encontrou a mãe na cozinha. Estava séria e um pouco melancólica.
— O que foi mãe?
A senhora mordeu os lábios.
— O filho da Mercedes morreu. — Ela disse, colocando uma peça de louça no escorredor de metal.
— Putz… — Ele comentou. Sentiu um leve impacto, mas foi só isso. — Quem era ele mesmo? Não tô me lembrando.
— Pega meu celular, tá carregado lá no quarto. — A mãe pediu e o garoto obedeceu, quando voltou, apoiou as costas na geladeira e esperou as próximas orientações. — Vai no Zap e clica no grupo aqui da rua. Mandaram lá pelas oito e meia, procura uma foto aí.
Novamente, o garoto obedeceu. Rolou com o polegar até encontrar a tal foto. Esperou renderizar e observou a foto. Sentiu novamente um impacto, mas dessa vez, como se um caminhão em alta velocidade o tivesse atingido em cheio.
— O coitado não tava bem da cabeça, parece que foi suicídio. — A mãe continuou. — Era um rapaz tão bonito, sempre com a barba ralinha…
…E com uma tatuagem no pescoço…
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Aula 1 - Geovanna Maria
Margarida
Caso perguntassem à Daniel um dos motivos de ele sempre tomar café no mesmo barzinho, sentar sempre na bancada e beber o mesmo café com leite, ele normalmente responderia: “Sou clientela recorrente. Pago mais barato.” Seguido de uma risada baixa.
O homem de quase trinta e quatro invernos não mentia, mas certamente essa não seria a principal razão. Ela possuía nome de flor: Margarida. Ele a viu pela primeira vez em uma tarde chuvosa de terça-feira, tirando o excesso de água nos cabelos encaracolados e negros. Se encantou pela moça de imediato pelo sorriso que parecia iluminar o local escuro pelas nuvens.
Aquele presente dia também era uma terça-feira, mas não chovia uma gota sequer.
— Boa tarde, Dani. — Ele retomou a noção quando ouviu a voz levemente rasgada da garçonete o chamar. — Vai ser o mesmo de sempre?
— Vai, sim… vai sim… — Daniel respondeu, limpando a garganta para não engasgar nas palavras.
E aí terminava a conversa entre os dois, exceto se alguém comentasse sobre o clima da cidade, os problemas do país, ou qualquer matéria que passasse na televisão de tubo presa no alto da parede.
Daniel nunca teve coragem de abrir a boca e perguntar mais alguma coisa. Nem mesmo uma leve fuçada anônima em qualquer rede social. Deixava tudo para o destino resolver. “Eu quero que fiquemos juntos.” Ele pedia para o universo.
— Aqui está: pingado sem açúcar.
Daniel sorriu, mas o desfez quando notou um anel no dedo anelar da moça.
— Bonito anel. — Outro frequentador comentou.
Ela agradeceu, sorrindo largamente. Um sorriso que provavelmente, Daniel nunca mais teria ao seu lado.
O café desceu queimando e mais amargo do que fel, assim como seu choro.
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