#gente se tiver outro trigger e eu não me toquei favor avisem q
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amordemaeve · 4 years ago
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◜⋅ ༄ 𝐓𝐀𝐒𝐊 𝟎𝟎𝟓. 𝕴 𝖈𝖆𝖓 𝖋𝖊𝖊𝖑 𝖙𝖍𝖊 𝖋𝖑𝖆𝖒𝖊𝖘 𝖔𝖓 𝖒𝖞 𝖘𝖐𝖎𝖓.
                                they're burning all the witches, even if you 𝔞𝔯𝔢𝔫'𝔱 𝔬𝔫𝔢                                               they got their pitchforks and proof                                                   their 𝓇𝑒𝒸𝑒𝒾𝓅𝓉𝓈 and reasons                               they're BURNING all the witches, even if you aren't one                                                                                          𝐒𝐎 𝐋𝐈𝐆𝐇𝐓 𝐌𝐄 𝐔𝐏!
trigger warning: o texto a seguir contém uma retratação de uma cena de abuso psicológico e físico. Desaconselhada a leitura caso seja um assunto sensível.
               As aulas da manhã passaram como um borrão para a sereia. O olhar sempre tão altivo e interessado nas aulas, visto que mesmo sempre tão atenta era capaz de tirar notas relativamente ruins, ocasionalmente se lançavam para a floresta de onde um chamado percorria, adentrando o próprio corpo e fazendo com que os ossos tremessem; o frio cortante era capaz de transpassar a pele, tal como fazia com que as noites de sono se tornassem dificílimas. Até mesmo seus sonhos usuais eram sempre permutados pelo constante chamado que a levaria para a Floresta Assombrada. Seria loucura partir em tal aventura não dispondo de quaisquer habilidades para defender a si mesma! A típica loucura que uma criatura como Maeve, sempre tão ligada à própria autopreservação, não faria. Ou, ao menos, não até Úrsula entrar em contato consigo.
                                                                           ***
              A alvorada fora avistada pela filha da Bruxa do Mar em seu passeio matinal pela orla do Mar Prateado. Não se aproximou o suficiente para que a água a transformasse, todavia, era capaz de inspirar uma quietude que apenas o mar poderia lhe proporcionar. O som das ondas se quebrando nas rochas era reconfortante e até lhe fazia se esquecer do cântico que emanava de todo canto. Entretanto, a tranquilidade que viera buscar em seu habitat natural se dissipou quando uma enguia apareceu bem abaixo da pedra na qual descansava, olhando para as águas prateadas.
              ‘ Maeve. Finalmente! Comecei a acreditar que não conseguira nada minimamente interessante. ’ A voz inconfundível de Úrsula se fez audível para a filha que não surpreendeu-se. Embora derrotada, Úrsula jamais perdera seus poderes, assim, era capaz de utilizar-se da feitiçaria com poções para encantar as criaturas marinhas. No entanto, fazia pouco após sua derrota para Tritão e Ariel. Era, inclusive, uma das razões para jamais mencionar para a mulher que estivera auxiliando a filha de Ariel em uma tentativa de presentear uma das colegas de instituto.
              ‘ A senhora sabe onde me encontrar mamãe. Não precisa desse show todo. ’ Não, nem um: “como está?”, mas exigências que eram habituais para a Bruxa do Mar. A Styliani soltou o ar gradativamente. Sua mãe era sempre tão carinhosa e maternal quanto ouriços do mar! ‘ Eu hipnotizei Margaery Pendragon no ataque dos ogros. Consegui invadir a mente dela uma vez, derrubei as barreira; hipnotizá-la depois será mais fácil. Mas preciso de algo que me ajude a chegar lá sem uma cauda, mamãe. ’ O tom era firme. Há anos Úrsula a prometia algo que a ajudasse a utilizar os poderes fora d’água, mas nunca chegava. ‘ Eu também consegui algumas coisas de Neevan. Ele acreditou em mim quando disse que estava grávida. Mas não serviu para muita coisa. Ele não se importaria em ter um filho sem se casar, por exemplo, e eu não poderia mentir por muito tempo. Não iria engravidar para isso. ’ O que era uma verdade incontestável. Jamais, nem em um milhão de anos, iria engravidar para prender homem a si. ‘ Oh, também mandei para a China uma capa do jornal em que consta Meili e Qili. Mas fiz por vingança. Qili me queimou, mamãe! ’
              ‘ O que posso fazer? Sou um pouco dramática. ’ A resposta viera em tom bem-humorado, no entanto, para Úrsula nunca era o suficiente. ‘ Só isso? Você some por dias e me volta com meia dúzia de coisas sem importância? Enganar um príncipe com uma gravidez falsa? Isso é a coisa mais ridícula que você já fez e você é estúpida o bastante para fazer diversas coisas ridículas. E você é burra, Maeve! Como posso ter criado uma filha tão burra?! ’ Parecia indignada, abrindo sua caixa de ofensas. Não deveria se abalar por estar acostumada com o tratamento que sua mãe dispensava para si, entretanto, a face retorceu-se em uma careta ligeiramente melancólica; a surpresa tristonha que não deveria existir. ‘ Irritar os filhos de Fa Mulan? Eu deveria arrancar cada escama da sua cauda! Você não tem poderes, filha. Eu preciso sempre lembrá-la de como nasceu? ’ Maeve engoliu em seco com a fala da mãe. ‘ E por que ele a queimou? Ora, tenho certeza que você foi burra o bastante para ter deixado a chegar nesse ponto — e não duvido. Você não faz nada certo. Não tem nada que possa valer a pena um contrato de verdade para que seja útil para você. Sinceramente, por que eu e seu pai perdemos nosso tempo com você? ’ A enguia viajou alguns centímetros, como se estivesse lidando com a possibilidade de retorno ao alto mar.
              ‘ Mas Margaery é importante! Ela-ela pode-pode nos ajudar com seus poderes. ’ O volume de sua voz baixou ligeiramente quando a enguia retornou, afastando-se da borda da rocha alguns centímetros. Geralmente, terminava sendo eletrocutada pelo animal que sua mãe escolhia para aparecer.
              ‘ Não diga como se fosse uma conquista. Não é nada. ’ Proferiu a bruxa em desgosto. ‘ Então é só isso que você tem? Nada? ’ O questionamento a levou a encarar os olhos amarelados da criatura, tentando perceber a mãe dentro deles. Ora, embora Úrsula fosse ligeiramente hostil, precisava acreditar que a Bruxa do Mar a amava. Embora de um jeito torto, mas estava pensando em seu bem-estar, não é? Era o que ela dizia. Era para Maeve se tornar rainha para que ambas pudessem ter a vida que lhe fora negada por Tritão. Portanto, Úrsula se importaria consigo caso externasse suas preocupações.
              ‘ Depois do ataque dos ogros, uma voz estranha tem ecoado na minha cabeça. Me chama para ir à floresta. Diz que é para encontrarmos os aprendizes que desapareceram. ’ Contou-lhe o resumo do que ouvia, pensando na possibilidade de sua mãe lhe relatar o que poderia vir a ser aquilo. Não era necessariamente uma informação, também; tratava-se apenas de uma preocupação da cria da bruxa.
              ‘ E você foi? ’ Diante da negativa da filha, a bruxa irritou-se novamente. ‘ Eu deveria tê-la lançando aos humanos, Maeve! Lançada aos caçadores! É o que deveria ter feito quando vi que era uma sereia! ’ E fora o pensamento que passara pela cabeça da mulher quando as ovas eclodiram, revelando a cauda preta com pontos roxos de sua cria. ‘ Certamente seria melhor do que lidar com todas as suas burradas! Por que não foi? É a sua chance de pegar algo que seja minimamente útil! Algo que possa utilizar ao meu favor! Ao nosso favor. ’ Usualmente, não era sempre o “nós”, mas geralmente o “eu” — e sempre em referência a Úrsula. Mas a crença de que o benefício viria para ambas não abandonava o cerne da sereia. ‘ Você vai! Não me retorne de mãos vazias. ’
              A incredulidade fizera com que se aproximasse do Mar Prateado. Sentiu a corrente elétrica do animal marinho após alguns segundos em silêncio. O gritinho de dor fez com que seu corpo retornasse ao ponto original. Por sorte, porém, não respingara água em si. ‘ Achei que tivesse morrido com essa expressão de mosca-morta. ’ A mãe proferiu, fazendo com que Maeve limpasse a garganta.
              ‘ Mas, mãe, eu posso morrer. ’ Talvez estivesse hiperbolizando, ou talvez fosse, de fato, uma possibilidade com a qual lidava constantemente em Aether. Os perigos da Floresta Assombrada eram muitos, pois se tratava da parte mais sombria e escura da Ilha.
              ‘ Ao menos fará algo útil. Vamos, não tenho o dia todo. Merlin pode me sentir a qualquer momento. Vá e não retorne sem alguma coisa. ’ Proferiu a Bruxa antes que a enguia voltasse a ser um animal comum. Maeve até tentara chamar pela cecaelia, entretanto, a enguia apenas a encara sem tanta racionalidade. Úrsula se fora e a jovem ficara de posse de uma missão.
                                                                            ***
               Piscou ao perceber o aviso do professor sobre o término da aula. Encontrava-se tão imersa na discussão --- ou monólogo --- com Úrsula que não vira o tempo passar. Procurando a sua mochila para que a colocasse em seu ombro com os pergaminhos do dia, retirou-se do espaço com passos exaustos. De acordo com sua grade daquele semestre, poderia retornar para seu quarto na Imre e descansar, pois não possuía qualquer aula após História da Magia. Entretanto, o caminho fora exatamente o oposto. Sua mãe deixara bem claro o que deveria fazer e, muito embora Maeve sentisse o medo percorrer sua espinha, sabia que era uma ação necessária. Ora, cabia a ela salvar sua mãe e salvar a si mesma! Não poderia depender de Merlin. Contos não se ganhavam com terceiros, mas sozinhos. No máximo teria um par romântico, o que não era necessário de fato. O que ela precisava era uma chance de fazer algo grande realmente e, então, Úrsula poderia ver o quanto era valiosa.
               O hall de entrada do castelo indicava que Maeve se encontrava fazendo o caminho oposto do que muitos aprendizes. Àquela altura, muitos funcionários não se importariam com a sereia andando para a orla da floresta. Era apenas dizer que possuía uma aula naquele horário ou inventar uma desculpa qualquer. Era realmente boa em enrolar funcionários.
              Venha até mim…  Venha até mim… Venha até mim… Venha até mim…
              Começara sua caminhada atendo-se à trilha dos primeiros metros de vegetação, conquanto, quanto mais se embrenhava na floresta, percebia que a tal trilha desaparecia. As copas das árvores se fechavam acima de sua cabeça, tal como os troncos tornavam-se mais escuros enquanto o ar se tornava um tanto mais úmido. É certo afirmar, também, que já não sabia se era dia ou noite, porém, sentia as pernas reclamarem da caminhada. Pensou mais de uma vez em desistir, todavia, o chamado voltava a ecoar em sua mente. Ir até ele e resgatar os que se foram. Poderia, de fato, descobrir o Jason Bee perdido ou até mesmo Cheryl Labouff. Qualquer um. E seria recompensada por isso. Sua mãe iria a recompensar. Sonhar com os elogios que nunca chegavam fê-la se inebriar cada vez mais com o chamado.
              Em dado momento, porém, a trilha cessou. Os uivos se tornaram mais altos e Maeve apertou as alças de sua mochila preta com bolinhas roxas. A confiança fora se dissipando à medida que se embrenhava na Floresta Assombrada. Por vezes olhou para trás, sentindo olhos sobre as suas costas ou tendo a nítida impressão de estar ouvindo passos. Mais de uma vez, também, quando um galho se agarrava aos fios soltos, a garota virou-se, deixando com que um gritinho escapasse de seus lábios. Quase tropeçou em outras tantas, pois sua visão já não conseguia enxergar muita coisa. Percebeu-se, por fim, perdida dentro da floresta. Perdida, mas não sozinha.
              ‘ Está muito longe do Castelo Dillamond, aprendiza. ’ Ouviu às suas costas, girando-se em seus calcanhares rapidamente. Procurou quem falava consigo, mas mantinha seu olhar erguido, como se procurasse uma pessoa de um metro e sessenta, no mínimo. ‘ Aqui em baixo, garota! ’ Impacientemente, a criatura demandou, fazendo com que seu olhar recaísse sobre a criaturinha sentada em um cogumelo gigante.
              Um gnomo! Certo, ele era realmente feio. Seu nariz parecia ter uns quinze centímetros, fácil, enquanto sua cabeleira caía pelas laterais já que muito parecia ser calvo no meio da cabeça diante da touca que utilizava. Para completar, água parecia ser um recurso em falta naquele lugar, pois a criatura não tomava banho havia muito tempo. Estava sentado de perninhas cruzadas enquanto observava a aprendiza com curiosidade e desdém.
              ‘ Hm, é. Eu vim- É você quem está me chamando? ’ Ora, dentre todas as possibilidades terríveis que passava por sua cabeça, um gnomo calvo e imundo não era uma delas.
              ‘ Eu a chamando? Claro que não! Eu não perderia tempo com os aprendizes de Merlin. Vocês são tão arrogantes quanto o seu Mestre. ’ O gnomo respondeu, saltando do cogumelo para inspecionar a garota. ‘ O que você está fazendo aqui? ’ Demandou. Observar a criaturinha andando em suas pernas fê-la ficar tonta.
              ‘ Quer parar, por favor? Estou ficando tonta! ’ Pediu ao parar a cabeça. Olhar para baixo também lhe dava torcicolo, portanto, decidiu se abaixar na altura da criatura. ‘ Eu estou aqui pelos aprendizes perdidos. Diz que eu encontrei respostas dentro da Floresta Assombrada. ’
              O gnomo avaliou a aprendiza por um longo e constrangedor minuto. A sestra fora para o queixo enquanto alisava os fiapos de uma barba que já não existia há muito tempo. Ao término da sua análise, proferiu: ‘ Você pode falar com as fadinhas. Elas moram na Árvore das Profecias. Dizem que todas as profecias um dia proferidas — ou que um dia proferirão — estão inscritas nas folhas dessa árvore. E, a cada uma que se cumpre, uma folha cai. ’ Maeve sorriu com a resposta tão objetiva, começando a gostar do gnomo rabugento, mas ele rapidamente tratou de retirar o sorriso da face da sereia. ‘ Não fique tão feliz! As fadinhas que guardam a árvore não conversam com qualquer um. Você precisa convencê-las a falar com você. E você só pode fazer isso se dar algo preciso e de valor inestimável para elas. ’ Algo de valor inestimável? Ora, Maeve não viera com peças de ouro!
              ‘ Onde eu encontro essa árvore? ’ Perguntou tentando não se desanimar. Era boa de lábia, conseguiria convencer as tais fadas a concederem respostas para si. ‘ Ah, você vai saber quando encontrar, só continuar andando. ’
              Verdade. Styliani soube no momento em que se aproximou da Árvore das Profecias que se tratava da mesma. Uma árvore tão imponente e com tantas folhas brilhantes... E, claro, as fadas. Mesmo em uma floresta escura, elas brincavam com diversos animais, fazendo com que a sereia se recordasse do cachorro perdido que até o dia atual não encontrara dono, ficando em seu encalço.
              ‘ Ah, oi! ’ Começou ao se lançar com um sorriso. Era desavergonhada o bastante para acreditar que apenas sua lábia seria o suficiente. ‘ Eu gostaria de uma informação. ’ Proferiu, mas, surpreendentemente, a aprendiza não obtivera resposta. As fadinhas pareciam realmente mais interessadas em suas brincadeiras. Os ombros caíram, ligeiramente decepcionada e constrangida. Ora, nunca fora ignorada! ‘ Hey, eu estou aqui! ’ Chamou outra vez, sendo ignorada novamente. Certo, não havia vindo aqui por nada! Mas, se precisava de algum objeto de valor para as fadinhas, o que poderia conceder? Não possuía nada naquele momento! Seus brincos de conchas eram bijuteria perto das joias. Sem valor nenhum, Rogerinho!
              Mexeu-se irritada, ouvindo o baque em sua mochila. Ao passar o dedo para ver o que acontecera, a sereia pode sentir o chaveiro que ganhara de presente de Alistair. Segurou o objeto por um momento, sentindo-se incomodada com o fato de deixá-lo ali mesmo depois de ambos terem terminado definitivamente. Tentou tirar diversas vezes, mas sempre dissera que era bonito e ele tinha bom gosto. Depois, ele a ajudara durante o Calanmai e tentara a salvar de sua ideia burra de pular janelas. Acabara se tornando o mais perto de um amigo — ou o mais perto do que seria nutrir sentimentos românticos por alguém, mesmo que ela jamais fosse compreender o que era realmente gostar de uma pessoa. ‘ Eu tenho algo que vocês podem querer. ’ Palavrinhas mágicas por aqui, aparentemente, pois tão logo o proferiu e as fadinhas pararam as brincadeiras, olhando para a Argyris. ‘ É valioso. ’ Passou a mochila para frente do corpo a fim de retirar o chaveiro. Ao fazê-lo, esticou-o para que as fadas vissem. ‘ E foi um presente. É valioso pra mim. ’
              ‘ Coisas valiosas não são objetos que podemos trocar por muitas peças de ouro. ’ A fada cujo cabelo lhe parecia vermelho a meia luz proferiu ao se aproximar do chaveiro, tomando em suas mãos com um sorriso satisfeito nos lábios. ‘ O que você quer? ’
              ‘ Quero saber o que aconteceu com os aprendizes desaparecidos. Ou algo que possa me dar a resposta. ’ O tom talvez fosse impaciente. Aquela viagem estava começando a lhe custar caro.
              ‘ Não temos essa resposta, mas o Oráculo dos Mares tem. ’ A fadinha de cabelo esverdeado se aproximou.
              ‘ Oráculo dos Mares? ’ ‘ Sim! Ele sabe como você pode encontrar respostas para todas as perguntas do Universo! ’ Oh, certo, e onde ela poderia encontrar esse Oráculo? Entreabriu os lábios para perguntar quando foi interrompida pelo pigarrear de ambas as fadas.
Se com o Oráculo quer falar, não é difícil não Com o Guia da Balsa deve falar e escutar com atenção O Guia da Balsa tem um segredo que de você vai esconder A concha não importa, o que tem dentro deve ver.
               O farfalhar das árvores acima de sua cabeça revelou uma folha que despencava do alto. ‘ Uh, uma profecia se cumpriu! ’ Comentou uma das fadinhas, animada. Maeve, entretanto, possuía um caminho todo para fazer. O Guia da Balsa era um dos responsáveis de levar os filhos dos contos marinhos para Atlântica.
                                                                          ***
               A vontade era bater em alguém por ter feito todo o caminho de volta. Deveriam tê-la dito que o Guia da Balsa era a resposta! Teria evitado toda aquela caminhada! Embora, racionalmente, pensasse que não havia quem pudesse lhe dar aquela direção a não ser as tais fadinhas que acabaram ficando com algo que lhe pertencia. O projeto de bruxinha do mar se aproximou do cais onde o Guia da Balsa sempre estava, esperando com que um dos integrantes da Corte de Atlântica resolvesse ir para o mais profundo do Oceano.
               Bom, para os marinheiros de plantão que estejam se indagando: “afinal quem é esse tal de Guia da Balsa?”, respondo-lhes: trata-se de um caramujo de quatro metros com uma concha no lugar do casco. Sua aparência é lilás, com pequenas manchas azuladas; possui olhos grandes e brilhantes, tal como uma única crista semelhante às encontradas em galos. Usualmente, é o responsável por levar os filhos dos mares para as profundezas e está sempre à serviço de Aether, portanto, possuía bancos que se ajustavam à necessidade; isto é, à quantidade de alunos. Tinha mais bancos agora do que quando ela chegou em Aether, segundo sua memória. Pegara o ônibus para a escola, mas nunca o pegara de volta para casa.
               ‘ Uma para atravessar? ’ Indagou o Guia. Sua voz era melódica, calma, mas parecia possuir séculos de vida. Seu nome? Delfos.
               ‘ Não. Eu quero saber onde encontrar pistas sobre os desaparecidos! ’ Sem tempo para rodeios, Maeve soltou.
               ‘ Então ninguém para atravessar? ’ Meneou sua cabeça, fazendo a crista se balançar. Ora, era sério? Styliani olhou para a água. Sabia que iria se transformar caso subisse nos bancos, mas, bem, era sua grande chance! A chance de orgulhar sua mãe. Provar para Merlin que poderia encontrar alguma coisa útil.
               ‘ Uma para atravessar! ’ Proferiu ao se lançar no banco próximo, as pernas tocando as águas do Mar Prateado. Praticamente no mesmo segundo, sua cauda deu o ar das graças, rasgando uma das raríssimas calças que ela utilizava --- pois não acreditava que ir para floresta de saia seria uma boa ideia. As barbatanas eram alongadas, assemelhando-se às pétalas de flores, enquanto quatro escamas, semelhante às asas de uma fada, cresciam; duas em cada lateral e uma menor que a outra. A cor, obviamente, preto e roxo.
               ‘ Ora, por que não disse antes. Segure-se. ’ Indicou ao imergir na água. Enquanto o sol da tarde era visualizado pela sereia, pegou-se pensando no que as fadinhas da Floresta lhe disseram e, então, olhou para a concha.
               ‘ Senhor Delfos, o que há dentro da sua concha? ’ Era sempre importante mostrar respeito e candura quando fazia as perguntas difíceis. Descobriu com a profissão que exercia em Aether. Jornalismo era importante.
               ‘ Por que a curiosidade? ’
‘ Por que o senhor está escondendo um segredo de mim e tenho certeza que está dentro da sua concha. ’ Dito isso, o caramujo a olhou com um sorriso astuto; aparentemente, era uma das poucas aprendizes que lhe pedira isso. Poderia ter continuado em linha reta, todavia, a criatura foi para o branco de areia no fundo do mar, fazendo com que a Argyris saísse do lugar onde se assentava, afastando-se da criatura alguns centímetros para dar-lhe espaço.
               A concha era em tom lilás, tal como o resto da criatura; parecia que estava vendo uma ostra sobre um caramujo. Ao abri-la, Delfos emitiu uma luz. Não havia realmente nada dentro da mesma, apenas um espelho que refletia Maeve com um olhar confuso. Ora, o que aquilo quer dizer? Disseram-lhe que Delfos possuía um segredo que esconderia dela e, possivelmente, estava dentro da concha! Mas tudo o que via era ela mesma, olhando para si, indo de descrença para confusão, e depois para melancolia, como se a resposta certa não existisse. Inspirou algumas vezes, olhando para a criatura e, então, para si, no espelho. O guia da balsa tem um segredo que de você vai esconder... ‘ Você é o Oráculo de Delfos. As histórias dizem que você guarda o espírito de Delfos. Descende de Delphine, a criatura dos mares. ’ A concha se fechou ao término da fala da sereia e Maeve se afastou para encarar o rosto do Oráculo de Delfos.
               ‘ A concha não importa, o que tem dentro deve ver. ’ Repetiu a linha. ‘ Você entendeu, muito bem. Poucos entendem. ’ Não era o que havia dentro da concha de Delfos, mas o que havia dentro da concha de Maeve; por detrás da sua casca, da sua imagem, o que havia? Uma garota que, por mais que fosse cheia de Cs e Ds, possuía um conteúdo muito vasto; alguém que sabia as histórias dos mares como nenhuma outra criatura poderia pensar em conhecer. ‘ O que você quer de mim? ’ A indagação da criatura fê-la inspirar algumas vezes, sem saber o que perguntar. Estava diante do Oráculo dos Mares; poderia perguntar qualquer coisa! Mas, ainda assim, mantivera-se no que fora perguntar. Só teria uma chance. Talvez, no futuro, voltasse para conversar com ele — se é que estaria ali.
               ‘ Como faço para encontrar os desaparecidos? ’
               ‘ O que você quer é uma questão de difícil resposta. Você não encontrará nada concreto, mas uma pista. Deverá ir para as Profundezas do Desespero e encontrar o Espelho da Neblina. Para encontrar o Espelho da Neblina, terá de confiar em si mesma e terá de fazer um sacrifício. ’ Afirmou a criatura, piscando para que Maeve compreendesse o que estava lhe dizendo. ‘ Que tipo de sacrifício? ’ Indagou a sereia, esticando-se um pouco mais para frente. ‘ A Profundezas do Desespero são perigosas e necessita de uma forma subaquática que é provida por tentáculos e não por uma cauda. Para conseguir chegar ao Espelho da Neblina, você terá de desistir da sua cauda e trocá-la por tentáculos. ’ Meio segundo se passou entre a informação e a fala de Styaliani. ‘ Eu não quero trocar minha cauda! ’ Respondeu num rompante, negando-se. Embora sempre tenha dito que odiava a sua versão sereiana, aquela ideia lhe trouxera pânico. ‘ Você não odiava sua cauda? ’ Indagou o Oráculo, fazendo com que a sereia se calasse. Touché! ‘ Mas, caso mude de ideia... ’
               A concha se abriu novamente. Desta vez, possuía em seu interior um colar de pérolas roxas. ‘ Com este colar, você poderá desejar tentáculos no lugar de sua cauda. As pérolas ficarão pretas ao fazer. Se estiver na forma humana quando todas as pérolas voltarem para o roxo, recuperará sua forma sereiana. Se não, será sempre uma cecaelia. ’ Afirmou o Oráculo antes de retornar para a superfície, deixando a sereia com o colar e um caminho para percorrer em busca do Espelho da Neblina. Por muito tempo, desistir de sua cauda para ter tentáculos fora seu sonho; se ela ao menos pudesse trocar! Todavia, agora, diante da possibilidade real de fazer tal barganha, a sereia se encontrava estática, sem uma resposta.
               O caminho para as Profundezas do Desespero era incerto, mas conhecido por um dos cidadãos dos mares. Assim, não tivera problemas em se dirigir através dos corais e recifes, aprofundando-se nas águas que tanto conhecia. A barreira de Merlin poderia vir a ser um problema, todavia, não era como se estivesse indo em frente, mas cada vez mais profundo. Percebia que se encontrava completamente longe da superfície ao notar que a luz solar fora perdendo a sua intensidade. A visão, aos poucos, se adaptava a pouca iluminação.
Em uma conversa com Fa Meili, dissera para a chinesa que estava acostumada com as profundezas, todavia, jamais estaria acostumada com as Profundezas do Desespero. Muitos que foram para o local, jamais conseguiram retornar e Maeve, embora soubesse o caminho, jamais se aventurara para as águas mais sombrias e temíveis dos Sete Mares. Procurava manter-se otimista, no entanto; sabendo que estava prestes a ver o que ninguém mais tinha visto. Talvez sua mãe ou Tritão, mas eles eram personagens mais velhos do que ela. De sua geração, seria a primeira e isso era motivo para Úrsula se orgulhar. Ou, ao menos, mantinha o pensamento positivo ao se adaptar cada vez mais a escuridão ao redor.
               Estava nadando há quanto tempo? Não sabia. Todavia, parecia que jamais chegava ao túnel que disseram haver para que se chegasse às profundezas. Maeve estava ligeiramente cansada, embora um tipo diferente de cansaço; algo mais mental do que necessariamente físico. A atlântica, por fim, parou, olhando ao redor para saber onde estava. Bem, não fora decepcionante ao constatar que não estava em lugar algum. Havia água e mais água ao seu redor, mas nenhuma criatura ou...
               ‘ Eu quero tchu! Eu quero tcha! Eu quero tchu, tcha, tcha, tchu- Hey! É feito observar um peixe-quimera limpando sua casa! ’ Ouviu a repreensão de um peixinho verde e amarelo que parecia falar pela cabeça. Estava se lavando com uma anêmona. Que curioso! ‘ O que você acha que tá fazendo, sereinha? Nossa, mas sua cauda é linda, deixa eu- ’
               ‘ Não! ’ Maeve se afastou. Peixes-quimera eram extremamente venenosos. ‘ Você acha que eu sou trouxa? Tu vai me envenenar. Eu caio dura no chão e você come meu corpo! ’ A jovem repreendeu o ser marinho, olhando-o com as pálpebras apertadas.
               ‘ Sua cauda já está toda lascada, não faz diferença. Mas não respondeu minha pergunta. Vir pras Profundezas do Desespero é literalmente a decisão mais estúpida que alguém pode tomar. ’ A expressão da sereia se modificou: os dentes foram expostos e um guincho escapou pela garganta. ‘ Calminha, deusa guerreira. Eu não tô te chamando de estúpida. ’ O peixe nadou para perto de Argyris, mas não a tocou. ‘ E aí, garota? ’
               ‘ Eu quero falar com o Espelho da Neblina. ’
               ‘ Você sabe que não vai chegar lá com essa cauda, não é? Ninguém passa pelo Fosso do Desespero com uma cauda. Tem de ter força. Desculpa, deusa guerreira, mas essa sua cauda é delicadinha demais. ’
               ‘ E eu não pedi sua opinião. Você é o peixe-quimera sábio dos mares agora? ’ Cruzou os braços sobre o peito, olhando para o peixe abissal em expectativa. Não a culpe por sua irritabilidade; estava começando a se cansar de uma busca que não dava a lugar algum!
               ‘ Não. Só vivo aqui e vejo muita coisa. Pode continuar descendo, inclusive. Mas se quiser companhia, vou com você, deusa guerreira. ’
               ‘ Acabou de dizer que não pode ter uma cauda para ir. Se com cauda eu não vou, você com esse corpinho não passa. ’ E contra fatos não há argumentos. O peixe não comentou mais nada, todavia, Maeve não sabia para qual lado descer. ‘ Mas eu te conto o que descobrir se me levar à entrada do Fosso. ’ Os olhos jabuticaba tentaram denotar a sedução, tal como a hipnotize estava empregada em seus dizeres. É claro que a criatura abissal a acompanharia.
               A descida de mais alguns quilômetros ocorrera de forma silenciosa. Maeve, então, acabara chegando em um fosso cuja luz não emanava, sua visão se acostumando minimamente. Era capaz de discernir formas, mas incapaz de chegar à conclusão acerca das cores; era como se enxergasse vultos, em verdade. ‘ É aqui, né? ’ Os olhos vagaram para o fosso diante de si. Teria de nadar através dele para chegar ao Espelho da Neblina. Oh, certo.
               Argyris começou sua caminhada, sentindo a pressão naquele fosso maior do que o esperado, embora não incômoda totalmente. Continuava nadando, sem olhar para trás ou para os lados, embora fosse possível sentir que não estava sozinha. Além, é claro, de ouvir o silvo de algo sempre passando perto demais de sua cabeça. Confiar em si mesma. Ela poderia fazer isso. Confiar em si mesma para chegar ao Espelho da Neblina e descobrir o que quer que estivesse à sua espera. À medida que nadava, porém, a pressão crescia, tornando-se mais difícil chegar ao seu destino. Mas desistir não era uma das suas opções.
              Era capaz de vislumbrar a luz no final do túnel quando sentiu um aperto em uma de suas barbatanas. Ao lançar o olhar para ver do que se tratava, percebeu que algo se prendera, puxando-a para o lado direito. Ao tentar nadar, porém, a sereia sentiu que o aperto se intensificou. Sacudia-se, mas anda realmente era funcional. Aos poucos, notara que se afastava da saída do fosso, sendo feita refém de sombras que eram incapaz de ver. Apenas quando o corpo fora envolvido por uma das formas, sendo capaz de tocá-las, fora capaz de discernir a textura. Tratava-se de uma espécie marinha de uma planta que se encontravam no mais profundo dos Oceano, alimentando-se de qualquer ser vivo. Eram como plantas carnívoras, mas não havia realmente uma forma de matá-las. Tentou se soltar, mas acabara se prendendo cada vez mais. A única coisa capaz de lutar com as algas era...
               Procurou livrar o próprio braço, tocando as pérolas roxas com a mão livre. ‘ Eu quero trocar minha cauda por tentáculos. Cauda por tentáculos. ’ Um brilho incandescente fê-la fechar os próprios olhos, percebendo guinchos aqui e acolá de criaturas acostumadas à escuridão. Quando o brilho diminuiu, sentiu o corpo diferente, percebendo que já não possuía mais sua cauda. O que foi que eu fiz? Constantemente repetia em sua cabeça, todavia, preocupou-se em se livrar dos apertos da planta marinha e carnívora. Cada tentáculos — e possuía oito — envolveu-se em uma pétala gigante diferente, empurrando-a com força para que o topo se abrisse. Como era característico para os cefalópodes, era capaz de produzir e liberar uma tinta que confundia os predadores. No caso da cecaelia, era o suficiente para desnortear qualquer um em contato; o suficiente para tornar o aperto em seu corpo mais leve, livrando-a da planta. Um de seus tentáculos fora puxado, mas a Styliani rapidamente, se livrou, nadando para a sua luz. No caminho, obviamente, fazia a incidência de tinta aumentar, causando desconforto nas plantas para que, em sua volta, passasse sem problemas. Havia uma cortina de água escura diante de si, fazendo com que ela, ao atravessar a boca do Fosso do Desespero, tenha levado consigo pigmentos de tinta preta, olhando para trás ao perceber que estava livre.
               Passaram-se alguns segundos encarando o local de onde viera até perceber que a luminosidade ao seu redor mudou. A claridade não a incomodou, entretanto, olhar para os novos tentáculos sim. A cor era a mesma, tal como era capaz de visualizar as marcas causadas por Fa Qi Liang, entretanto, não parecia consigo de fato. Sentia deslocada, como se sua consciência estivesse em outro corpo. Styliani não se demorou em observá-los. Rapidamente buscou o que estava atrás de si, atentando-se no que parecia o crânio de uma criatura há muito tempo extinta. Era branco como marfim e de seu interior uma luz intensa emanava, revelando uma ostra branquíssima tal como a lã no centro. Aproximou-se com cautela, rondando o objeto como se esperasse que se abrisse ao notar a aproximação de alguém.
               ‘ Quem está aí? ’ Indagou uma voz que não a sobressaltou, surpreendentemente.
               ‘ Maeve Styliani Argyris. A filha de ’
               ‘ Úrsula. Eu sei quem você é. O que você quer aqui? ’ E, ao proferir o questionamento, um peixe ligeiramente gorducho saiu de uma pequena caverna. Parecia ser a caverna construída para que fosse a sua morada. Indagou-se se a criatura passaria a eternidade guardando o Espelho da Neblina.
               ‘ Eu quero saber onde posso encontrar uma pista sobre os desaparecidos do Instituto Aether. ’ Proferiu. Ao aproximar-se de si, porém, a criatura possuía uma expressão reticente.
               ‘ Você veio de tão longe para perguntar isso? O Espelho concede uma única resposta por toda a sua vida. Não terá como voltar e perguntar novamente. Vai desperdiçar sua única chance com uma pergunta como essa? Pode saber qualquer coisa: se será protagonista de seu conto; se vai recuperar sua cauda... ’ Argyris pressionou os lábios diante daquilo. Sempre almejara ser famosa em seu conto; ser a protagonista era tudo para si e saber se iria conquistar isso, bem, poderia dizer-lhe se estava no caminho certo. Poderia saber agora. Ao mesmo tempo, descobrir que não seria poderia decepcioná-la por sua vida! Ademais, não voltaria com o que sua mãe quisera e... Tinha uma chance ali. Uma chance real de saber algo que ajudaria outra pessoa além de si mesma. Havia dado algo valioso para si em troca daquela aventura! Não que fosse preocupada com qualquer pessoa além dela, mas, ali, parecia cada vez mais ponderativa quanto à possibilidade de descobrir algo real. No mais, sabia que poderia utilizar a tal pista ao seu favor --- e o faria ---, tal como Úrsula gostaria dela caso voltasse com algo concreto. Se trocasse pela informação do seu futuro, talvez estragasse as chances reais que havia de fazer algo que sua mãe iria reconhecer.
              O tempo em silêncio fora compreendido pelo peixe, afinal, era uma decisão difícil. Uma única pergunta em toda sua vida. Saber onde estava o pobre Jason Bee ou saber o que era seria sua vida. O Narrador só poderia estar de brincadeira por confiar nela para tomar aquela decisão da melhor forma! Sua mãe constantemente dizia que era burra e estúpida, que não fazia nada certo, então por que faria agora? Por que confiaria em si mesma para tomar a decisão que seria, no final, a que o Narrador veria como a correta? A que mudaria a sua história.
               ‘ Eu ’ parou. Esperava não se arrepender daquilo. ‘ Eu quero encontrar qualquer coisa que me leve aos desaparecidos. O meu futuro ainda vai me esperar e eu irei vivê-lo, mas talvez os aprendizes não tenham um amanhã. ’ E ao proferir aquilo, arrependeu-se profundamente, mas já era tarde.
               O peixe passou por si, soprando contra a ostra que se abriu, revelando uma superfície espelhada. Alguns segundos em silêncio e fora capaz de contemplar uma neblina emanando da pérola em seu interior. Seus olhos seguiram para a névoa, mas rapidamente se voltaram para o Espelho. A imagem era um pomar onde diversas frutas estavam espalhadas, entretanto, não era acima d’água, mas dentro da mesma; ela sabia onde isso ficava! Mas a imagem não acabara. Os olhos da garota focaram no pergaminho dentro de uma esfera cristalizada.
               ‘ É onde encontrará o que procura. ’
               Maeve estava perto de sair, fazendo o caminho inverso, quando a imagem tremeluziu, revelando algo adiante lhe chamou atenção. Olhando para si, envolto em neblina, dentro do Espelho, o Tridente de Poseidon se mostrava para si. Reconhecia o local, afinal, estava nele. Ao levantar a cabeça, percebeu a arma forjada para o antigo rei de Atlântica. Era o que sua mãe queria em mãos e estava diante de si, embora soasse-lhe como uma miragem demasiadamente sedutora.
               ‘ Isso é... Real? ’ Indagou, aproximando-se do objeto. O Rei Poseidon fora o mais lendário dos governantes; também seu avô. Mas não obtivera resposta. O primeiro ímpeto foi, de fato, tocar o tridente, mas se arrependeu no instante seguinte. O choque que lhe percorreu o corpo só não era maior do que a incidência da voz em transe da criatura atrás de si.
A meio atlântica às Profundezas do Oceano descerá E com a cura voltará As filhas de Poseidon à caverna dos pesadelos devem seguir E uma na outra confiar Para a maldição de ambas se encerrar
              Ao soltar o Tridente, este desapareceu e Maeve curvou-se, sentindo a mão que tocara a arma do rei queimar. Ao olhar para a mesma, percebeu que, agora, possuía as letras do que ouvira gravada em sua mão, como se o objeto tivesse se derretido ali. Ao olhar para trás, encontrou-se sozinha novamente. Era melhor ir embora daquele lugar de uma vez.
              Ao pegar o peixe-quimera no caminho, precisou controlar o ímpeto alheio para não comentar sobre seus tentáculos. Mas é claro que o peixinho tinha muito o que dizer, mas, como prometido, acabara lhe contando o que fariam.
              ‘ Vamos aos Campos Elísios. ’
                                                                         ***
              Os campos Elísios se tratava de um grandioso pomar onde diversas frutas se encontravam. Foi criado em uma fenda que dizem ter sido atingida por um raio — e daí o nome —, porém, nada realmente certo. Era apenas uma nova história que Maeve conhecia aleatoriamente sobre seu reino. A aprendiza se aventurou pela fenda com um pouco de dificuldade, afinal, os tentáculos eram espaçosos demais. Ao conseguir passar, encontrou-se diante de campos floridos e as mais estranhas frutas. Foi ao ouvir um silvo diferente que ela pode tocou o colar. Ao lançar as pérolas diante da face, pode ver que duas das três pérolas se transformaram novamente, assumindo a coloração arroxeada. Sim, precisava se apressar. E possuía muito tempo de nado para voltar à superfície.
              Por dentro da fenda, poderia ser capaz de contemplar quase um outro mundo. Diversas frutas, das mais diversas cores se encontravam ali. Era quase o paraíso, se é que existia algo assim. Mas, caso fosse esquecida, não se importaria em ser enviada para aquele lugar.
              ‘ Estamos procurando o quê, gata guerreira? ’ Indagou o peixe-quimera.
              ‘ Uma esfera perolada com um pergaminho dentro. ’ ‘ Ah, então é aquela ali. ’ Indicou com o dedo para a esquerda. Sempre a esquerda!
              Os olhos da aprendiza focaram na esfera que vira no Espelho, aproximando-se e tocando-a com um dos tentáculos. Obviamente, tinha uma pegadinha. Sentiu o choque no mesmo instante, queimando a ponta do tentáculo, mas sabendo que, ao tocar, era capaz de abrir uma pequena fissura.
              ‘ Espere um momento... ’ O peixe-quimera proferiu, rodeando a esfera enquanto a analisava. Não acreditava que aquele peixinho seria realmente útil até que se provara de grande ajuda em sua aventura. ‘ Me dê suas pérolas. ’ Pediu ao esticar as finas barbatanas.
              ‘ Espera, o quê? Preciso disso para virar sereia e humana de novo! ’ Recusou-se, colocando a mão sobre as pérolas. Caso desse para ele e falhasse, jamais retomaria sua forma sereiana.
              ‘ Olha, garota, eu sei, mas esse campo só vai se dissipar se colocarmos algo duro o bastante para suportar sua carga por um tempo. Esse campo não foi feito de raio atoa. Ou você me dá isso ou veio em vão. ’ O peixe respondeu impaciente, deixando-a pensativa por um momento. Era essa sua escolha? O seu sacrifício? Desistir da sua vida como sereia em prol daquela resposta? A pior parte era que, mesmo sabendo o que estava prestes a fazer, a sua decisão já havia sido tomada.
              ‘ Mas. ’ Comentou a garota, olhando para os tentáculos. Tudo bem, não eram ruins, mas não era ela. Não era quem gostava de ser. No entanto, talvez o colar não se quebrasse como imaginava... Oh, bem, imaginou errado. Torceu, é claro. Quando o peixe-quimera colocou as pérolas no lugar exato para abrir uma fenda que possibilitou a bruxa a pegar o pergaminho, pensou que daria tempo de retirar o colar, mas segundos mais tarde, ele se desfizera, juntamente com a sua oportunidade de retornar para a forma sereiana.
              Passaram-se alguns bons minutos com Maeve segurando o pergaminho sem lê-lo, olhando para seus tentáculos enquanto contemplava os restos do colar. Oh, certo, ela odiava ser uma sereia no geral. Os poderes limitados, o modo como a água era sempre um problema, ou até mesmo o preconceito que existia em Aether para com outras criaturas. Caso fosse uma cecaelia, sua vida teria sido muito mais fácil, porém, ao contemplar os tentáculos agora, sabendo que ficaria assim — e sem mimetismo — a aprendiza não conseguia deixar de pensar em como aquilo era tudo, menos reconfortante. Naqueles minutos contemplando seus tentáculos, descobriu que amava a vida acima d’água e até mesmo sua cauda. Era deslumbrante, diferente, dava-lhe acesso a todos os locais do Oceano. Não, ela não queria ser uma cecaelia como sua mãe. Ela queria que Úrsula gostasse de si, queria ser amada pela Bruxa do Mar, e se fosse possível se transformar, faria, mas não queria realmente ser.
              ‘ Você pode comer a fruta que revela seu verdadeiro eu. ’ O peixe se aproximou, sem tocar na cecaelia. ‘ É aquela dourada. Dizem que se você comer, ela vai revelar quem você é de verdade. Mas precisa de uma Bruxa ou uma Fada das Águas para fazer o feitiço. ’ Bom, Maeve conhecia várias bruxas, só precisava de uma delas. E, no final, não custava tentar, não é? Entretanto…
              ‘ E se o meu verdadeiro eu for igual a minha mãe? Tentáculos, e não cauda. E se eu não puder voltar a ser humana novamente? Tá, eu nunca trocaria minha cauda por humanidade, como a Ariel --- ela foi burra sim! ---, mas… Eu gosto de ser humana na medida que eu posso. Gosto de fazer parte do mundo humano. ’ Os ombros caídos enquanto observava a ação do peixinho. Ele possuía pouco mais de quarenta centímetros, nadadeiras amarelas enquanto seu corpinho era em tom verde neón. A característica marcante, certamente, encontrava-se em sua boca: esta se encontrava em seu crânio. O peixe-quimera, com dificuldade, retirou uma das frutinhas dourada de seu ramo, voltando-se para a sereia.
              ‘ E será realmente tão ruim? Você ainda será você. Uma deusa guerreira. ’ Aparentemente, o peixe-quimera possuía uma grande capacidade de bajulação. ‘ Você foi às Profundezas de Mítica para saber sobre pessoas que nem gosta tanto, enfrentou o Fosso do Desespero e sabia sobre os Campos Elísios. Você pode ser louca por fazer tudo isso, mas fez. Essa é você --- e não conquistou isso por causa de tentáculos ou cauda. ’ Caso alguém indagasse acerca do que ocorrera naquele momento, negaria até a morte. Mas a verdade é que, diante de palavras tão bonitas acerca de si mesma, os olhos de Agyris preencheram-se de lágrimas. Oh, não.
              Fungou, fingindo que nunca passara por si tal emoção. Sereias eram capazes de controlar as lágrimas até mesmo no luto. Todavia, diante de emoções positivas, era incapaz de não sentir-se verdadeiramente emocionada.
                                                                           ***
              Quando retornou para a superfície, o tom azulado que vira ao partir fora tomado pela escuridão. Estrelas brilhavam intensamente, indicando a parte alta da madrugada. O tempo realmente passara como imaginado, tal como sua mochila continuava à beira do cais. Entretanto, não estava sozinha --- e percebeu tardiamente que não estava. Apenas quando Ophelia exclamou seu nome é que notara a presença da fada. Ela esteve sentada na beirada, com os pés dentro d'água, até a chegada de Maeve.
              ‘ Ih, ala, é a fada que você falou. Ela tem jeitinho de gata guerreira também. ’ Não era capaz de cutucar o peixe pela sua falta de educação, mas batera na água para lhe chamar atenção. ‘ Eu falo o que vejo, deusa guerreira. ’ A mandíbula, que se encontrava perto do crânio, travou; o peixe-quimera estava contrariado por ser repreendido.
              ‘ Ele não tem contato com seres humanos, não tem modo para agir. ’ A cecaelia abriu um sorriso exausto. De fato, estava exausta de toda aquela viagem.
              ‘ Ah, não tem problema. Gata guerreira parece um elogio. ’ Ela retribuiu o sorriso, mas parecia tão cansada quanto. Seu olhar caiu então para os tentáculos de Maeve, que levaram uma expressão confusa ao seu rosto. ‘ Mas Maeve... o que aconteceu com sua cauda? ’
              Explicar para Ophelia a razão por detrás dos tentáculos não fora realmente difícil, embora não tenha lhe falado toda a verdade. Maeve fora bem mais heróica do que necessariamente queria expor aos colegas, afinal, sua moral de vilã precisava ser mantida. Não que ela possuía uma grande moral em Aether, porém, era minimamente respeitada por aqueles que não queriam ser expostos no Jornal de Aether; ou sabia de vários segredos e era o suficiente para que ninguém a importunasse.
              ‘ Eu preciso de você para um feitiço. Esse peixe-quimera disse que essa fruta pode trazer minha cauda de volta. ’ Terminou sua explanação, esticando a fruta para a fada. Expectativas de algo bom acontecer? Maeve não possuía tantas assim, todavia, Ophelia era quase sua Fada Madrinha. Deveria confiar que se havia alguém capaz de desfazer aquele feitiço era a fada.
              ‘ Uh... Eu nunca tentei transfigurar alguém tão drasticamente antes, mas se você diz que isso pode trazê-la de volta… ’ Ela estudou o fruto em sua mão. Embora não parecesse confiante, sacou a varinha de condão e encarou Maeve novamente. ‘ Ok, eu preciso que você diga exatamente qual é o seu desejo. Desejo ter minha cauda de volta. Assim. ’
              Os lábios se pressionaram novamente ante a inspiração da cecaelia. ‘ Desejo ter minha cauda de volta. ’ Proferiu na direção da fada.
              Ophelia balançou a varinha e, da ponta dela, saíram pequenas fagulhas prateadas.
              Certo, talvez estivesse esperando algo grandioso decepcionando-se ligeiramente com as fagulhas prateadas. Mas, aparentemente, terminara. Era só morder.
              Styliani tomou a fruta dourada entre os dígitos, olhando-a por um momento. De acordo com a fala do seu mais novo guia, ser ela mesma não era ruim. Se possuísse tentáculos, poderia se virar com isso. E, quem sabe, não pudesse pedir a Merlin um objeto que a transfomasse de volta em humana? Ele tinha obrigação de fazê-lo.
              Com o pensamento mais positivo, Maeve mordeu o fruto dos Elísios. Era doce, quase enjoativo, mas não fez uma careta ao provar-lhe. Em verdade, preocupava-se bem mais com o que poderia ocorrer, acabando sendo surpreendida pela luz que emanava dos tentáculos, tal como o ardor. Ora, se havia algo para ocorrer, definitivamente ocorreria.
              Segundos mais tarde, quando o brilho cessou, a descendente de Úrsula já não possuía oito tentáculos pretos com manchas roxas, mas a sua tão conhecida cauda. As escamas brilhantes, as quatro nadadeiras --- duas em cada lado do corpo --- e os as manchas arroxeadas no fundo preto.
              ‘ Eu tenho cauda! ’ Comentou ao utilizar-se da pouca força que possuía em um nado até as profundezas daquela bacia do Mar Prateado, utilizando-se do impulso para fazer um arco acima da cabeça de Ophelia, cruzando o pier completamente. A retomada para água fora digna de um dez. Sentou-se no pier, esticando a cauda com as conhecidas marcas para fora d’água, esperando que se secasse. ‘ Ok, vou abusar. Pode fazer um feitiço para me secar mais rápido? Quero saber se sou humana de novo! ’ O pedido era empolgado, como uma criança. ‘ Eu desejo que você me seque! ’ Afinal, era como os poderes da fadinha funcionavam.
              Ophelia concordou e, quando Maeve fez o pedido, a fadinha apontou a varinha para ela e uma rajada de ar quente saiu do objeto mágico, deixando-a seca outra vez.
              Com perninhas queimadas de novo, mas igualmente suas, e completamente nua, Argyris colocou-se de pé, afastando-se da água para que não voltasse a se transformar. ‘ Eu nunca mais falo mal das minhas pernas, com certeza. ’ Afinal, embora não fosse poderosa como Ophelia, possuía coisas que apenas duas pernas poderia lhe conceder.
              ‘ E-eu acho que você devia me desejar umas roupas. ’ Disse Goodwyn, que, diante da figura nua de Maeve, virara o rosto avermelhado para o outro lado.
              A reação alheia fê-la lançar um olhar para o próprio corpo. Ora, não tinha problemas com a nudez, é verdade, mas sabia que em Aether era o suficiente para Merlin fazer um feitiço para que, ao se transformar, seu corpo fosse tomado por uma cobertura que escondesse os seios.
              ‘ Ah, certo. Eu desejo roupas novas. Nada de Cinderella. ’ Advertiu à filha da Fada Madrinha.
Com outro aceno da varinha, Ophelia conjurou o uniforme da Imre sobre o corpo da sereia, provavelmente constrangida demais para pensar em algo mais criativo. Guardou o instrumento mágico no bolso e, enfim podendo olhar para Maeve outra vez, perguntou: ' Isso é tudo? '
              ‘ Acho que sim. ’ Olhou para o uniforme, pegando o pergaminho. Afastou-se alguns passos para pegar sua mochila, pois precisava guardar a pista e lê-la em outro momento. Precisava pensar, também, em como convencer Merlin a trocá-la consigo por alguma coisa, pois, se havia algo que Maeve não faria, seria permanecer de posse de algo que a levaria para quem estava sumindo com os aprendizes. Tá doido? Ela jamais o faria! ‘ Boa noite, Quimera! ’ Acenou para o companheiro que voltou para as profundezas, agarrando-se ao braço de Ophelia como se a obrigasse ir para o Castelo Dillamond consigo. ‘ Me conte: o que você está fazendo do lado de fora, Fada Madrinha? ’
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