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weaversound · 1 month ago
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Uma Viagem Estética à Web-Art dos Anos 1990
Conexão discada. O chiado inconfundível ecoando na sala, um grito analógico que qualquer um que navegou na internet dos anos 1990 reconhece na hora. A "rede mundial de computadores" — sim, era assim que chamavam a web na época — acabava de explodir no mundo, trazendo um turbilhão de possibilidades e virando contextos de cabeça pra baixo.
A World Wide Web começava a se firmar como um espaço acessível, mas ainda cru, quase selvagem. Interfaces gráficas simplórias, conexões lentas e uma estética que era puro reflexo das limitações técnicas: pixels grosseiros dançando na tela, GIFs animados piscando como luzes de Natal, paletas de cores saturadas e reduzidas, fontes que iam do Arial ao Times New Roman — com passagem pela infame Comic Sans (!). Um completo caos visual!
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Sim. Esse era o site da USP, em março de 1997. Print: Blog da Informática
Esse jeitão "lo-fi" não era só uma barreira — era um convite. Um terreno bruto e fértil onde artistas mergulharam pra criar, experimentando uma abordagem que escancarava as falhas e os tropeços das interfaces da época.
A Web-Art chacoalhou o boom dos computadores pessoais e sistemas como o Windows 95/98, transformando glitches e bugs em matéria-prima de uma revolução estética.
InfluĂŞncias da Web-Art
A Web-Art se aproveitou das GUIs — essas interfaces gráficas toscas que viraram o playground dos artistas. Eles pegaram estruturas que todo mundo conhecia e subverteram tudo: erros viraram poesia, brechas viraram sátira, e a lógica de navegação dos sistemas foi pro espaço, debochada até o último pixel.
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The First Life of Net Art: UBERMORGEN, JODI, Vuk Cosic, Olia Lialina. Imagem: net-art.com
O espírito anárquico do Dadaísmo, aquele movimento de vanguarda nascido em 1916 no meio do caos da Primeira Guerra, pulsava forte na Web-Art. O Dadá era puro grito contra a racionalidade, contra a arte engessada das academias, defendendo o nonsense e a espontaneidade. A Web-Art herdou esse DNA rebelde, rindo na cara da ordem tecnológica.
E tem mais: o ethos punk do "Do It Yourself" — faça você mesmo — foi o combustível pra essa explosão criativa. A partir do uso de ferramentas simples como HTML, Flash e JavaScript, artistas deram vida a obras sem precisar de galerias ou instituições. Bastava uma hospedagem vagabunda na web, e pronto: a Web-Art ganhava o mundo.
Contexto HistĂłrico da Web-Art
A internet dos anos 1990 era um território sem lei, uma "terra de ninguém" digital. Sem as gigantes que hoje ditam as regras, sem padrões rígidos ou censura pesada, os artistas tinham liberdade total pra cutucar o meio. As empresas que dominam a web atual ainda eram embriões — ou nem tinham nascido.
Esse cenário abriu as portas pra uma crítica afiada à tecnologia. A Web-Art jogava na cara a ambivalência do tal "progresso" digital, rindo da ingenuidade que víamos na nova era. Sátiras à usabilidade e às limitações dos sistemas esticavam as falhas até o limite, transformando frustração em surpresa e bugs em arte.
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O duo JODI — pseudônimo de Dirk Paesmans e Joan Heemskerk — criava trabalhos que faziam “tudo de errado na Internet que (poderia) ser feito errado” (Baumgartel 167). Nesse trabalho, janelas dançantes faziam parecer que o computador do usuário estava sendo infectado por vírus. Print: Blog Netart2web
Comunidades online brotaram em fóruns como o Rhizome, listas de e-mail como Nettime e chats como mIRC, ICQ e MSN. Era uma colaboração descentralizada, um caldo criativo que conectava artistas do mundo todo, sem chefes ou hierarquias.
A Web-Art nĂŁo era um Movimento
Por mais que existisse essa troca intensa, a Web-Art nunca foi um movimento estruturado, com manifesto na parede como o Futurismo ou o Surrealismo. Era mais um enxame de expressões — individuais, colaborativas, caóticas —, unidas pela provocação em experimentar o digital e detonar as promessas de inovação dos sistemas.
Ainda assim, nomes como JODI, Alexei Shulgin e Olia Lialina viraram faróis nessa bagunça, trocando ideias em redes informais. Era um fenômeno global, mas fragmentado, com artistas como o brasileiro Fábio Fon trazendo seus contextos locais pra conversar com a cena internacional.
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A narrativa poética também fazia parte dos movimentos de Web-Art. A ilustração acima complementa a obra de Annie Abrahams, sob o título Being Human (1997). Print: net-art.org
Ser humano é sobre comunicação com o outro. Essa outra pessoa que você não conhece, mas que deve se parecer com você em algum lugar e, portanto, precisará de alguma garantia de vez em quando também. Pedi às pessoas que tranquilizassem um outro desconhecido. — Annie Abrahams, Being Human (1997)
Estética: O Charme do Caos
A estética da Web-Art dos anos 1990 é puro reflexo daquele tempo. Glitches eram reis: telas azuis de erro, pop-ups absurdos e mensagens que não levavam a lugar nenhum viravam assinatura artística.
A interatividade era errante, quase uma trollagem — sites que te prendiam em loops infinitos ou te jogavam num labirinto de cliques sem sentido. Tudo isso com um visual que hoje podemos chamar de "nostálgico digital": cores berrantes, GIFs tremendo, fontes gritando na tela.
Essa bagunça não era só estilo — era um manifesto vivo. A Web-Art usava o "crude" da tecnologia pra rir dela mesma, pra mostrar que a perfeição prometida pelos sistemas era uma ilusão. E ninguém capturou isso melhor que Fábio Fon com seu "ONOS - On Operating System".
"ONOS": A Web-Art Sarcástica Brasileira
Chegamos ao ápice dessa viagem: o trabalho de Fábio Oliveira Nunes, o Fábio Fon, com o "ONOS", lançado em 1999. Imagine um Windows 95/98 que deu errado — ou, melhor, que deu gloriosamente errado.
O "ONOS" é um sistema operacional fictício, "errante e autorreferente", como o próprio Fon descreve. Feito em Flash, ele imita as janelas e os menus que todo mundo conhecia, mas te joga num pesadelo cômico de erros falsos, loops e interações que zombam da lógica.
No Brasil de 1999, onde a internet ainda engatinhava e o Windows reinava com seus travamentos ��picos, o "ONOS" era um soco no estômago. Ganhou terceiro lugar no FILE 2000 em São Paulo e rodou o mundo em exposições como "México Imaginário" (2002). Inspirado por JODI, Fon trouxe o glitch global pra um sabor local, debochando da nossa relação sinuosa com a tecnologia importada.
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Prints do "ONOS", de Fábio Fon. Imagem: fabiofon.com
O "ONOS" é Web-Art em estado bruto: uma sátira que ri da dependência cega em sistemas e da ilusão de controle. Ele não funciona — e é exatamente por isso que funciona tão bem.
Legado da Web-Art Hoje
A Web-Art dos anos 1990 perdeu o fôlego com a chegada da Web 2.0 e a internet comercializada, mas seu fogo não apagou. Hoje, ela renasce em projetos nostálgicos, como o vaporwave ou os arquivos do Rhizome, e se mistura a novas formas — NFTs, instalações interativas, realidade aumentada.
O Flash perdeu força em 2010 com o HTML 5 e o fim do suporte no iPhone — e morreu de vez em 2020, mas obras como o "ONOS" sobrevivem em emuladores, lembrando a gente do que a web já foi: um espaço livre, bagunçado e vivo.
A Web-Art nos adverte ainda hoje. Ela pergunta: até que ponto a tecnologia que abraçamos sem pensar realmente nos serve? Fábio Fon, JODI e companhia nos deixaram esse legado — um convite pra olhar o digital com desconfiança, humor e um tesão danado por subverter tudo.
Curioso por navegar nas obras de Web-Art? Achei este link que reune várias manifestações. Mas não se assuste! O site net-art é muito fiel à estética "lo-fi" que falamos lá no começo do post!
Quer ver como eram sites de empresas conceituadas, como bancos, provedores e universidades? Achei esse post no Blog da Informática, com imagens interessantes da era jurássica da web!
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