#escritosdeumagentequalquer
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o ser artista
Talvez o papel seja a única prova da minha existência. Mesmo assim, pedem pra que a existência seja cautelosa. Lembra? Tempos de baile de mascaras, decida seu lugar na festa. Confesso que prefiro ser aquela sempre num local arejado próxima a saída, rodeada de fumaças e com álcool por perto. Me aventuro na pista, danço do meu jeito, já cansei de esperar por sorrisos por cima das máscaras. O que eu quero atiçar com meu olhar, com minha bunda, com minha existência é o que está abaixo desse acessório que confunde a visão. É disso que tenho sede. É isso que procuro no espelho. Foda-se o Narciso! Ele acha que as aparências é o que chamamos de real, mas não sabe que hoje a rede social é tecida por ondas eletromagnéticas e código binário. VIRTUAL. Mesmo assim, ótima vitrine. "Revolução! Agora as máscaras são blindadas! Você pode ser quem você quiser", menos você mesmo, esqueceu de dizer o anúncio que aparece na sua frente sem ser convidado. E caso queira ser algo, lembre-se que precisa se justificar: eu sou isso, eu trabalho com isso, eu cresci aqui, eu conheci tal (ninguém) alguém.
Quem diria que uma historiadora questionaria a contextualização. Pois bem, não questiono sua importância, mas questiono suas intenções de uso. A forma como a contextualização vem sendo encaixada é perversa: somos todos desqualificados antes de sermos. Parece que o modelo da Polícia Militar foi adotado em todas as esferas: todos somos culpados até que se prove a inocência. Os princípios foram invertidos utilizando as mesmas ferramentas: revolução que na verdade é golpe, morte que na verdade é assassinato, passeata pacífica que na verdade pede a morte de milhões. As máscaras. E eu, como alguns outres, que tentam colocar na cara apenas um óculos com lentes transparentes para ajustar o grau da visão, somos desestabilizados e corajosos. Ou seja, não firmes e firmes perante riscos. Mas é claro que somos tudo isso, mesmo parecendo contraditório. "Penso, logo existo", não é? Desestabilizados porque não somos polímeros rígidos, corajosos por falar disso tudo. 'O que vão pensar? As pessoas do seu trabalho, a tia-avó que compartilha orações digitadas, o flerte que virou contato, os militantes’ (sabe-se lá o que essa palavra significa hoje já que decidiram mascarar até os conceitos). É o famoso "o que os vizinhos vão pensar?". Ora, eu sei lá. Não sou o Alfa e Omega, não sou onipotente, onipresente. Mas eu existo! E deus que me ajude!
Titubeei em alguns momentos em que procurei a paz. Cheguei a buscar os moldes de máscaras, pensei em como personalizá-las, disseram que seria o caminho da ESTABILIDADE, vendida em panfletos e de novo nesses anúncios que aparecem no meio do jogo atrapalhando a estratégia. Tive tonturas, enjoos, respondi mil vezes que não era gravidez, vasculhei nos meus ouvidos. "Talvez seja as músicas que estão altas demais quando você as escuta". Mas não. Descobri que era o grito de dentro, silencioso, que fazia meus labirintos tremerem no mais absoluto vazio de palavras pré-prontas reproduzidas por máscaras apáticas. E o mais engraçado são essas máscaras me julgando, me observando, dizendo "eu te conheço, eu sei qual é o rosto dos seus familiares, sei se você namora ou se casou, sei se tem ou não animais e qual cerveja você mais gosta de beber. Vi tudo lá, nas redes sociais que você insiste em se mostrar". Meus caros, ninguém pode conhecer nada pelo virtual. Alguém já perdeu a vontade de ir ao Louvre porque fez uma visita virtual? É dispensável o toque dos lábios porque se mantém um webnamoro?
O que quero dizer é que não se faz parte de nada se o único movimento é o da barra da timeline. E o medo do não-pertencimento faz com que nos contentamos com o virtual, com os códigos-fonte. Alimenta a inveja, a raiva, a sensação de incapacidade quando diante daqueles que existem mesmo não sendo sempre (ou quase nunca) doce existir. Sobretudo sem máscara. Então alguns nos chamam de artistas, pra poderem nós desclassificar como meros seres mortais e continuarem no movimento covarde de olhar para o espelho com a máscara posta.
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Talvez o tempo livre bagunce mais minha cabeça, ou só explícita que de fato não tenho pensamento linear ou disciplina para ser lúcida. Nunca disseram (será?), mas pra ser lúcido é preciso ter rotina, seja ela qual for. Talvez o ser humano seja louco por natureza, mas nunca tivemos tempo para descobrir isso. Talvez seja por isso que os idosos quando impossibilitados de ter rotina se entregam aos devaneios da mente, às memórias de tempos quase apagados, de romances não consumados até que se prendam nesse mundinho e partam para o eterno sono. Talvez se o ser humano tivesse um tempo não domado pelas tabelas e planilhas, teríamos menos tempo de vida nessa encarnação. Talvez, se evitássemos esperar a velhice para desconfigurar o tempo, poderíamos destrinchar nossos karmas. E então seríamos todos loucos. Sem glamour, sem genialidade, sem produção, apenas loucos. Já não cabe mais para mim romantizar a loucura. Tem momentos em que minha mente se descola, e flutua. Sem dobras, sem significância, sem forma. É uma algomeração de luz e sombra, elástica e etérea, que se põe a frente dos meus olhos invisíveis e fica ali para ser observada. Tem vida própria, além da minha. Não fala minha língua, não tem meus símbolos, mas de alguma forma guarda detalhes de memórias nem tão vividas assim, ultrapassa os sentidos básicos e não aperta o coração nem com tristeza e nem com amor. Inércia? Não, inércia não tem vida. E isso pulsa, mesmo sem intensidade. E ultimamente tenho tido tempo. E tenho observado essa massa de lantejoulas de plasma. E é solitário. As vezes me desespero com a ideia, com a possibilidade da loucura. E engraçado que quando eu era criança, pedia para minha irmã não deixarem me prender numa instituição caso ficasse louca. Seria o fim para mim. Ela sempre prometeu que não o faria. Agora estou encarcerada na minha casa, sem rotina tabelada, sem produção junto à sociedade. "Você está suspensa temporariamente da sanidade", sussurram no meu ouvido repetidamente. Tento manter o desejo da escrita, as vitaminas C e D em dia, as mensagens de carinho para minha família que está a quilômetros distantes numa terra que brilha verde e tem cheiro de frescor. E vivo minha loucura que aos poucos se aproxima mais e mais, dependendo da posição da Lua no céu. Que eu seja capaz de conter as dobraduras do tempo, sem que eu me descole do meu tempo.
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você vai fechar os seus caixões?
Tem dia que tudo começa atravessado. Ou melhor, a maioria dos dias começam atravessados. Ou melhor, alguns dias começam certos. E eles costumam já mostrar quais as dificuldades dessa diária no BR planeta terra via láctea, em sinais quase que místicos pra aqueles que querem acreditar nos sentidos agindo em conjunto. Hoje não seria diferente. Veio a claridade tímida pelas frestas na janela, cama quente, carinhos, carícias, querência de prazeres. Eis que vem o primeiro sinal, incômodo e agudo, pedindo para que fosse notado. Os prazeres teriam que ser pela metade. Se não, o prazer se transformaria em dor. Que pela metade seja. E foi. Nenhum pecado nisso, mas ficou um clima de estranheza no ar. E minha cabeça começou a destravar as engrenagens, pensando se aquilo seria um sinal desses que anunciam o dia. Segue. Conversa mansa, assuntos irrelevantes. Me fez lembrar de algo, que já não lembro o que. E isso me fez lembrar de outra vez que algo parecido aconteceu, o que me lembrou um ou uns certo(s) alguém(s), um certo lugar, um certo cheiro, uma certa reação dentro de mim. Me desviei nas memórias e recordei sentimentos. E questionei. Um pergunta besta, de uma situação antiga, de um problema que não existe, e se existisse, não faria diferença alguma no presente. Mas ao questionar, a resposta veio. E a resposta é algo louco, porque ela não permite alimentar as ansiedades e os seres humanos ocidentais são, inevitavelmente, ansiosos; vendem as ansiedades e consomem as ansiedades. Quando não a temos, restam outras categorias que são mais tímidas e ainda me falta maturidade para manipulá-las de um jeito sereno. A cama foi se esfriando, o incomodo saiu de mim e tentava contaminar o resto. Me recuso a iniciar um dia de sol já contaminado. Abro a janela, deixo sol e a brisa entrarem ostensivos nos meus olhos, no leito, na mesa amontoada numa organização confusa e eterna de papeis, livros, computador, garrafas, plantas, elásticos, gavetas e quatro pés. Muita informação. Dou os primeiros passos e mudo de cenário. O banho acalma e de alguma maneira purifica o corpo visível e invisível. Abro mais os olhos e os pulmões. Volto para o quarto fresco. Precisamos conversar. O dinheiro, a casa, nós, você, eu. Estremeci. É assim que eu quero e assim diz que você topa. Mas me explico em demasiado, minhas engrenagens já fazem vapor, o incômodo volta a pinicar do lado de dentro da barriga. Aumento o tom de voz, (tenho medo de te machucar), argumentações em lógica linear, (não quero que você vá embora), falo em planilhas, em tempo, em justiça, (o que eu realmente quero dizer é que gostaria que você ficasse), divisão de responsabilidades e recordo as individualidades de cada, (mas eu gosto de ser dois com você), clara e objetiva, tateando essa novidade de vida, adulta, entende que talvez eu não esteja preparada pra ser essa adulta?, você percebe (mas sem eu dizer) que minha cabeça, as vezes, não deixa ser regida pelo fruto e sim pelas raízes? Agressiva. Numa manhã de sol, com a vida despertando em paz. Porra! Saio de novo. Água na chaleira, sabão em pó na água, um olhar fixo no sabão. Preciso lavar, de novo. Porra! Te quero por perto, desculpa pela ferocidade mal cabida, de novo. Te preparo uma comida improvisada e um chá, você agradece feliz, mas vejo que no fundo dos seus olhos o cansaço sendo alimentado, de novo. Você admira que eu seja real, e eu insisto em me debruçar no mundo interior de luas e zumbis. Quero só as luas, quero você comigo, quero me reconhecer real.
A bolsa de valores volta a apitar. A parte óbvia e sem graça da vida adulta chama. Te vejo em breve, te desejo o tempo todo. Vou te fazer uma comida improvisada e com amor. Vou te dar carinho, você vai ser gentil. E sabe-se lá quais símbolos aparecerão até o planeta terminar sua volta em si mesmo. Todo mundo gira em torno de si.
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