Tumgik
#conto umminuto
adrianmagro · 5 years
Text
Uma noite qualquer
Quando tentava coordenar os seus pés e braços para desfazer-se do abrigo e dos sapatos ao mesmo tempo escutou um ruído. Se calhar o ruído estava lá há muito tempo, mas ele era agora que chegara a casa. Entrou na cozinha para tentar localizar a origem do ruído e não precisou de ligar a luz, porque as luzes da rua iluminavam a mesa que se tossia e se mexia. Ligou a luz e viu que a pia estava a fazer-se cortes na sua pele metálica e que a torneira olhava para ela e chorava. Desligou a luz e foi para a sala. Deitou-se no sofá e não demorou em escutar o sofá a ameaçá-lo em voz baixa com romper-lhe as costas e parte da cabeça. Fechou os olhos e todo os outros ruídos do apartamento começaram o soar à vez. Era domingo e ao dia seguinte estava convencido de que a cozinha quereria tomar um duche, os seus sapatos não se teriam suicidado, mas (e ainda bem) nenhum botão da sua camisa tentaria fazer paraquedismo. Pensou no escritório incontinente na que trabalhava, no computador disléxico que lá o esperava, nas janelas que estariam em folga, na imperatividade diagnosticada do frio e na quantidade de pessoas que trabalha no mesmo edifício, mais funcionam com um fuso horário distinto do seu. Procurou o som do frigorífico, cadenciou a sua respiração a ele. Depois continuou a procurar até encontrar a história para dormir que os canos do apartamento contavam. E então adormeceu.
5 notes · View notes