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lirianlemos-blog · 5 years ago
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Sobre as curvas daquela amante
Conheci uma mulher interessante... Era amante dos sóbrios, que, por raras vezes, eram tomados por insanidade... Amante de si, como quem nada mais necessita, senão seu próprio peito e leito. Amante de suas curvas, tão belas por fora, mas microscopicamente tortuosas, monstruosas curvas... Turvas! Ah, me tirava e dava o fôlego esta mulher, que de arrogância possuía oceanos, mas ninguém nunca havia percebido. Sua doçura era quase inexistente, mas fazia-se ver por doce, elegante e querida. Cantava pelas avenidas e ruas desertas, e deixava as folhas quando, no outono, estas secavam. De pura, tudo possuía, uma pureza íngreme, extrema. Quase indesejável pureza, que, em seu âmago, tornara-se com o tempo - ou simplesmente com a observação do espectador - amarga. Era jubilosa, regozijava-se de suas conquistas, e estas, trazidas ao mundo com alegria, sucumbiam ao desespero ao seu fim, tão intensamente quanto vieram a si. Pudera ser prudente, com aparente loucura - ainda que se o foi, eu, nem tu, nem ele, eles ou elas saberiam, ainda estamos imersos em suas intermináveis curvas -, pudera, sequer ter ouvido as preces dos empobrecidos de paixão pela grande amante... Pudera... Mas não o fizera, apenas alimentou sua aparente sanidade para que no fim do dia se revelasse oposta ao que inicialmente se propusera. Pudera, mas não quisera. E, portanto, não o fizera. Ah, grande amante que por nós e por tanto tempo fora chamada de vida... Uma sarcástica e sádica mulher nos manipulando com suas cordas e canções quase angelicais. Poderia, ao menos, ter parecido gentil, mas já era plano teu nos matar por dor. Teu grande plano era nos perder pelo desgosto recorrente, mas nunca assim revelastes... Um mistério caído por terra ainda te envolves, como uma serpente que cerca e sufoca a presa. Estás presa e perdida em si, senão morta em si mesma enquanto nos mata e nos faz arder nas chamas de tuas incertezas. Amante, falsa amante! És apenas outra sofredora como nós, que somos apenas teu reflexo. Talvez, nós sejamos os sádicos por fazê-la existir. Estás presente em nós, mas não nos possui. És vítima daqueles que tem fôlego por ti, não podes se desfazer desta condição sem que sejas condenada por si só. Amante, vida, escrava... Estrategista empobrecida por si mesma. 
Lirian Lemos
Cerquilho, 2015
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