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It’s a kind of magic por Amanda Monteiro
Estamos nos anos 80 e, poucas coisas no mundo, são melhores do que ser um feiticeiro. O Prince é uma delas. Vivo em uma realidade onde a caça as bruxas nunca aconteceu e, por isso, para onde quer que olhe, há um feiticeiro, um mago, uma bruxa, como preferir. Cada um de nós tem um poder específico, um tipo de magia diferente. Alguns nascem com o dom para fazer poções, outros conseguem controlar objetos, os sortudos podem controlar pessoas e por conta do dinheiro se especializam em magias para trazer amor, dinheiro, e etc. Poucos, como eu, controlam magia obscura, e isso não quer dizer que somos maus, apenas que nossa magia não está sujeita às regras da magia comum de troca equivalente, nós podemos fazer o que quisermos.
Para alguém de espírito livre como eu, esse é o melhor cenário possível. Minha especialidade são portais, posso viajar para qualquer lugar nesse mundo ou em outros, dentro ou fora da realidade onde nasci. As únicas regras que regem meus poderes são: Se eu sair da minha dimensão, preciso assumir o lugar de alguém nativo da realidade para onde estou indo; tenho que viver uma vida inteira lá e uma vez que morrer, voltarei para minha própria realidade; por último, na minha nova vida, não me lembrarei nada sobre quem fui, mas quando voltar para minha própria vida, lembrarei de tudo o que vivi. Bem simples na verdade, nada demais para quem é imortal.
Já vi e vivi de tudo. Já fui um príncipe Scylla, destinado a casar com o guerreiro que derrotasse o Kraken. Nessa vida, morri bem velhinho depois que meus filhos assumiram o trono. No princípio, odiava o tritão com quem me casei, mas aquele idiota acabou me conquistando. Nessa realidade, a Era dos deuses e criaturas gregas nunca chegou ao fim. O Olimpo dominou e subjugou a todos. Depois, fui para uma realidade bem interessante. Neste mundo futurista, escritores não escrevem seus livros de maneira tradicional. Existe uma tecnologia que possibilita que entrem em um programa e assumam o papel de um personagem estabelecido previamente. Eu era um escritor policial famoso e estava trabalhando na minha obra prima. Entrei no corpo de um dos meus personagens favoritos entre todos os que já criei. Um jornalista, tão obcecado por crimes, que decidiu cometer o seu próprio. Durante meses ele manipulou seu co-protagonista até deixá-lo à beira da loucura e por fim, presenciar sua morte. O livro foi um best-seller, me rendeu muito dinheiro, mas, passar meses na mente perturbada de um personagem, foi demais para mim e acabei morrendo em uma festa. Não foi minha primeira overdose.
Minha penúltima viagem foi a mais perturbadora. Entrei no corpo de um astronauta pouco antes dele ser convocado para uma missão. Fiquei séculos preso em uma câmara bizarra, navegando em uma nave a mercê do universo. Pelo menos, tive um final feliz. Conseguimos chegar no nosso destino, minha esposa e filhas acordaram bem, assim como toda a tripulação e as demais famílias. Conseguimos estabelecer nossa primeira base e, com sucesso, conseguimos trazer mais uma geração. Aos poucos, mais tripulações foram chegando, estabelecendo novas bases e pouco antes de morrer pude ver a nossa nova casa engatinhar. Morri de velhice com toda a minha família e a sensação de dever cumprido.
Por último, decidi ir atrás de mais emoção. Assumi o corpo de um rei intergalático, megalomaníaco, obcecado por ser imortal. Foi a primeira vez que assumi o papel de um “vilão”. Fui um conquistador e tive um fim digno para tal. Sofri um golpe de Estado no melhor estilo Júlio César. Esfaqueado pelo meu próprio filho caçula enquanto dormia.
Depois de viver tantas vidas, decidi que queria viver a minha própria, pelo menos até que ela me entediasse. Me mudei para (neo) Tóquio e me encontrava completamente deslumbrado por toda a estética. Me sentia Rick Deckard, vivendo minha fantasia de Kaneda ao som de 1984 da Junko Yagami. Quem precisa do dia e do sol, quando se tem a noite e os neons. A eternidade tinha a duração de uma madrugada.
Andava pelas ruas, transformando estranhos em amigos, quem sabe em amantes ou até mesmo parceiros para crimes futuros. A vida fica infinitamente mais fácil quando se aceita que as coisas não tem um significado real além do que atribuímos a ela. Ser livre é se permitir ressignificar tudo. Entender que as coisas não precisam durar, é possível se apaixonar perdidamente por alguém que conheceu há cinco minutos e sequer saber o nome, como também é possível apenas gostar de alguém que conhece a vida toda. Tempo, sentimentos, experiências, tudo é relativo. Tudo é mutável, nenhuma dessas coisas precisa ser um peso.
Tudo ia muito bem, até que, em uma noite andando pelo centro, a procura de algo para fazer ou de um problema para causar, encontrei exatamente o que queria. — Sabe que é considerado falta de respeito deixar sua identidade a mostra em um bairro humano, não sabe? — Com um sorriso, me sentei ao lado do dono dos olhos violetas mais lindos que já vi em todas as minhas vidas. Muitos podem considerar minha atitude imprudente, até mesmo eu considero isso. Estávamos sozinhos, sentados no banco de uma praça deserta e ele não parece nada amigável. Antes que me perguntem o que faço aqui: meu apartamento fica próximo dessa praça e eu uso ela para cortar caminho. Me teletransportar é legal, mas hoje estava afim de uma caminhada.
Vestido de preto dos pés a cabeça. Seus cabelos tão escuros quanto suas roupas, e longo, mesmo preso em um rabo de cavalo, podia ver que chegava a altura de sua cintura. Ele com certeza era mais alto do que eu, maior e mais forte também. Seus punhos causariam um grande estrago a minha pessoa, mas pela sua aura, podia ver que sua magia era inofensiva para mim. Ele controla pessoas, mais especificamente a mente delas, lavagem cerebral. Não afeta outros feiticeiros. — Não tem ninguém aqui. Prefiro que continue assim, estou aguardando uma pes- Espera! Esses olhos, é você? — Seu tom começou áspero e, no momento em que levantou o olhar, sabia que sua intenção era me intimidar. Como cortesia, deixei minha marca a mostra, meus olhos assumiram sua cor natural, o tom entre o amarelo e o ocre, minhas pupilas verticais como as de um gato, mas mais estreitas como a de um réptil. Com essa mudança, passei a enxergar melhor no escuro, bem a tempo de ver a expressão surpresa no rosto dele. — SOU EU!? — Falei animado — Por que me espera? — Nina me disse que eu te encontraria aqui.
— Nina? Aquela bruxa doida do akai ito? Uma mentirosa. Acho que está me confundindo
— Duvido, agora posso ver sua aura… Você é o bruxo dos portais. — Sou, mas isso não é segredo para ninguém. — Ela me disse que eu estava ligado a um feiticeiro de magia obscura, sua especialidade é a única que explica essa loucura toda. — Será que podemos correr para a parte da conversa onde você me conta o que tá acontecendo e eu fujo pra uma dimensão bem longe daqui? — NÃO! VOCÊ NÃO VAI A LUGAR NENHUM.— Ele se exaltou e eu me assustei com a mudança repentina. — Estou ligado a você, então nem pense em fazer outro salto em portal. — Ligado a mim? Então foi essa a mentira que Nina enfiou na sua cabeça? Ligações não existem, o fio vermelho do destino é só uma farsa, inventada para consolar humanos que acham que vão morrer sozinhos — Então como me explica isso? -- Ele falou entre dentes e arrancou a luva da sua mão esquerda. Baixou todos os dedos e deixou apenas o mindinho levantado, podia ver um fio vermelho bem fino brilhante, parecia um delicado anel de barbante tatuado em sua pele. — É uma tatuagem bem fofa. — Falei em tom de brincadeira, o que o fez suspirar e revirar os olhos — Olhe a sua mão direita. — Foi minha vez de revirar os olhos, mas o obedeci. Por todos os deuses ativos e aposentados, que merda é essa? — QUANDO FOI QUE COLOCOU ISSO EM MIM? ESTÁ CONTROLANDO A MINHA MENTE, NÃO ESTÁ? — Apontava o meu mindinho para ele. Lá estava a mesma marca vermelha, o mesmo fio, a mesma “tatuagem fofa” — Mais do que ninguém, deveria saber que não posso controlar a mente de outros feiticeiros. — Então, repetindo sua pergunta, “como me explica isso?” — Já te expliquei.
— Não é o suficiente.
— Não tem outra explicação. Ligações acontecem ao acaso, sorte, azar. Faça um ritual e invoque Khaos, pergunte diretamente para ele.
— Ainda não me prova nada! Se somos mesmo ligados, por que não posso usar a sua magia?
— Apenas a magia mais forte é compartilhada, no caso a sua. — VOCÊ ANDA USANDO MEUS PORTAIS? — Não! Mas sou arrastado junto toda vez que você pula em um. — O que quer dizer? — Aindrea, o tritão com que você se casou; seu editor; seu braço direito no comando da nave; o seu conselheiro real. Todos, eu. — Mentira. Você leu minha mente. — Quantas vezes vou ter que falar que não tenho acesso a droga da sua mente!? — Prove.
— Provar o que?
— Prove que viveu como todos eles. Fale algo que só nós saberíamos. — Você odiava quando eu mimava as crianças e dava espadas de brinquedo para elas, “Scyllas são nobre e não bárbaros”. Eu tentei te impedir de escrever aquele livro e nós tivemos uma briga feia, você me demitiu, mas nunca preencheu papelada nenhuma, então ninguém sabe. No centro de treinamento, fui eu quem sabotou o sorteio e fiz com que se casasse com aquela médica antes da missão. Já está bom? — Isso é tão bizarro — Falei, completamente estático e em choque. — Bizarro… — Ele repetiu. — E agora? — E agora nós temos que achar um jeito de quebrar essa ligação, porque eu não aguentaria viver mais uma vida tendo que te aturar
— Que fofo, obrigado pela parte que me toca — Respondi com ironia — Por onde começamos? — Precisamos encontrar uma das bruxas originais. Elas são as únicas que tem o poder para isso.
— É impossível encontrar elas, há milênios não são vistas por ninguém.
— Temos tempo, mas eu tenho uma ideia. — Qual ideia?
— Amanhã nós conversamos melhor, já está tarde. — Ele falou e então se levantou. — EI! Aonde vai? — Para o seu apartamento. — Para o meu o que? — Seu apartamento. Não sou daqui, não tenho onde ficar e nem dinheiro para pagar um hotel. — Será que você pode pelo menos me dizer o seu nome antes de invadir minha casa? — Me chamo Newe. — Sou Erian.
— Eu já sei. — Ele respondeu seco e continuou andando. Eu permaneci sentado no banco da praça, olhando para o céu e tentando aproveitar as últimas horas de paz que teria. Algo me dizia, que a partir de amanhã, minha vida seria mais louca do que qualquer outra que já vivi.
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E hj, o look foi de @amandamonteirovestidos que ganhei de presente dela!! Amei, querida!! #lookoftheday #moda #fashion #modabrasileira #orgulho #amandamonteiro #bapho
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@claudinhaleitte em Momeento de oracão com suua equipe e famiilia *-* #hillsong #claudinhaleitte #festivaldepromessas #oracao #marciopedreira #claudiojunior #gospel #zizisantana #amandamonteiro #claudialeitte #fé #Jesus #Deus #love (em Festival de Promessas !)
#amandamonteiro#marciopedreira#love#festivaldepromessas#hillsong#claudialeitte#jesus#zizisantana#claudiojunior#claudinhaleitte#gospel#deus#fé#oracao
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' #instalove#instalindas#irmã#amandaMonteiro..<3 (em minha casinha. (:)
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“Uma pintura é um poema sem palavras.“ por Amanda Monteiro
Se pensar é uma cláusula pétrea na constituição da existência, eu gostaria de ser um vácuo, nada. Criar, criar, criar, sempre criando, algum cara muito famoso já disse algo como “a obrigação de produzir, aliena a paixão de criar”, e me desculpe por não me lembrar do nome do autor, é que meus últimos neurônios estão se agarrando a essa frase tão poderosa, que finalmente pôs em palavras a minha agonia. Meus dedos doem de segurar um pincel, meus olhos ardem ao olhar para uma tela em branco. O modelo que tenho, e a quem dediquei toda a minha exposição e carreira, quando se transforma em arte pelas minhas mãos, perde toda a sua angelical beleza… queria honrá-lo em toda a sua perfeição, mostrar a ele que o adoro tanto quanto Alexandre adorou Heféstion. Meu objetivo era eternizá-lo, dar-lhe o presente da vida eterna, assim como Basil Hallward fez com Dorian Gray.
Sonhava em esculpi-lo, tão grande quanto David, e colocá-lo em um lugar sagrado como a Pietá… porém não sou Michelangelo. Erastes e Eromenos, amante e amado, mestre e pupilo, Alcibíades e Sócrates. Muitas facetas de um amor que não pode se reduzir ao romance, não se perde no carnal, pois tocá-lo seria o mesmo que maculá-lo, e vai muito a além da atração entre intelecto e beleza. Cuidado e proteção, quero criá-lo para que me deixe, desenhar suas asas para que doa menos ao vê-lo voar. Meu dever é de ensinar, guiar, e imortalizar o jovem mais belo de Atenas, que parece tão entediado em seu celular.
Nossa história muito tem a ver com a do Imperador Adriano e Antínoo, do seu início ao fim, com algumas licenças poéticas da contemporaneidade. Por exemplo, ele nunca foi meu escravo, e espero que nunca se sacrifique voluntariamente pela minha saúde decadente… deixe que meus pulmões se dissolvam na tinta, e viva! A ideia de entregá-lo a Caronte me consome, imaginá-lo navegando pelo Rio Estige só não é mais perturbador do que visualizá-lo no fundo do Nilo… entendo Adriano, também seria capaz de fundar uma cidade e um culto em seu nome. Devaneios… é muito difícil estar diante de Aquiles, entretanto, uma presença tão esmagadora facilita a catarse artística. O medo de encontrar seus olhos verdes, força minha concentração, me obriga a expressar de outro jeito esse turbilhão confuso que toma meus pensamentos.
Estamos em 2020, contudo, sua beleza é tão irreal que só pode ser descrita pela antiguidade clássica e o renascimento. Arte pela arte, preciosismo, estética, um amor parnasiano… objetivo e impessoal.
Nossa sessão chega ao fim. Nos despedimos com um abraço, digo que o encontrarei na mostra e brinco que não terá paz porque todos querem conhecer pessoalmente meu misterioso muso. Fecho as portas e me sento diante da tela, admirando a ilíada em forma pintura, uma odisseia em pinceladas, tantos sentimentos que até mesmo Ovídio ficaria hipnotizado e encantado. Tenho em minhas mãos, a perfeição no sentido mais literal. Minha obra-prima.
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Aula 8 - Amanda Monteiro
Como magos, ao contrário de feiticeiros, nascemos sem magia e tivemos que adquiri-la com muito esforço e anos de prática, estudo de verdade, sem nos render a pactos como bruxos fazem. Ao completarmos dezoito anos, nosso mestre conduziu o ritual que nos diria a qual das oito escolas de magia estamos destinados a nos especializar: abjuração, Adivinhação, Conjuração, Encantamento, Evocação, Ilusão, Transmutação, e por fim, a única que nos interessa, Necromancia.
A arte de estudar o fluxo da vida e da morte. Um poder tão inigualável quanto raro, poucos são dignos de acessar esse conhecimento. A alma humana é o tipo de energia mais pura que existe, e quando perdidas, podem ser canalizadas sem afetar o equilíbrio natural. Um meio fácil de se corromper, a possibilidade de criar exércitos com grandes heróis do passado, e conquistar impérios, é atraente… eu mesmo já pensei nisso inúmeras vezes, mas Elthas é diferente.
Anos atrás sofremos uma grande perda, durante o ritual, Lealta, nosso amante, perdeu sua vida tentando manipular os resultados. Descontente com o caminho da Ilusão, queria vir conosco para necromancia, incapaz de aceitar uma separação temporária. Foi um período muito traumático, eu me afundei em estudos a respeito de como voltar a unir uma alma com seu corpo, todavia, logo a esperança se esvaiu com os resultados nada satisfatórios. Elthas por sua vez, entrou de cabeça em estudos a respeito de como acessar o mundo dos mortos através dos fluxos vitais… e ele conseguiu, depois de mais de uma década, o vi desaparecer em uma fenda, ser arrastado para um buraco escuro, e fui tomado pelo medo de ter mais um homem que amo arrancado de mim.
Um dia, uma semana, um mês, o tempo é insignificante diante do meu desespero. Tentei de tudo para abrir outra passagem, quase perdi minha sanidade no processo, viver sozinho é algo impensável. Estava quase desistindo, até que, em uma noite, meu quarto foi tomado por uma luz roxa e um estrondo ensurdecedor. Acordei com o coração na mão, estalei o dedo e fogo surgiu em minha mão, olhei ao redor incrédulo… eles estavam lá, sim! Eles, no plural.
Ainda sem assimilar a realidade, sai da cama e pulei na direção dos corpos que conhecia tão bem quanto as feições que trouxeram paz para o meu ser. Eu os abraçava, ignorando totalmente o visco que os cobria, temendo que pudessem virar pó a qualquer segundo.
— Nerneth, eu fiquei tão assustado, você nem imagina… céus, pensei que nunca mais fosse poder fazer isso… te abraçar — Disse Lealta exausto e com a voz embargada. Nós três chorávamos, o conforto e a familiaridade dos toques permitindo que toda a angústia e sentimentos negativos fossem lavados dos nossos corpos… finalmente estamos juntos.
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Aula 7 - Amanda Monteiro
Pronoia
Correm boatos de que uma nova doença vem acometendo o povo das montanhas. Algo tão hediondo que faz até com que os ursos-coruja temam por seus criadores. Claramente fruto de uma maldição há muito lançada por uma bruxa, passada de geração em geração nesta tribo. Para nós, médicos humanos, ainda é um completo mistério, nem sequer temos o verdadeiro nome da doença, tudo o que temos é uma transcrição fonética da qual não conseguimos retirar qualquer sentido em qualquer língua dos homens. Pronoia, é assim que nos referimos a esse hediondo feitiço. Quais são os sintomas? Você deve estar se perguntando… bem, falando assim pode não parecer tão assustador, mas o único e principal traço, é o surgimento de asas. Até parece legal, certo? A ideia de sair voando por aí é atraente, as implicações são lindas, mas não é bem assim… As penas aparecem uma por vez, e marcam a contagem regressiva para a morte, quando as asas se completam, o paciente já se encontra sem vida. Pulmões perfurados, vértebras e costelas esfaceladas, ombros deslocados, e diversas outras marcas auto infligidas por conta da agonia causa pela dor da primeira vez que as asas se abrem. O sofrimento é tanto, que as pessoas enlouquecem, tentam arrancar as penas, perdem os sentidos, e principalmente a capacidade de raciocinar de maneira lógica… nos seus últimos dias, a pessoa mal consegue falar, não raramente, suas últimas palavras são… Pronoia.
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Aula 6 - Amanda Monteiro
Bebês, mais especificamente, bebês dragão. Para que um dragãozinho consiga sair de seu ovo, é necessário muito calor, por isso, se olhar com cuidado, e através das proteções mágicas colocadas por feiticeiros, é possível encontrar uma pequena passagem na encosta de cada vulcão, ativo e inativo, do mundo, que servirá de entrada para um complexo arranjo de túneis e cavernas. Entre rochas ígneas e o calor escaldante, basta seguir a linha carmesim deixada na parede, para chegar ao coração da montanha. O cenário quase idílico que seria capaz de atrair e matar um humano, tal qual o chamado de uma sereia. Pequenos gnomos que vivem nas estalactites, criam vaga-lumes que preenchem e iluminam o teto. Duendes cuidam para que mesmo em um ambiente tão inóspito, exista uma grama macia e verdinha onde futuras mamães podem descansar. Fadas cuidam para que nada falte, Anões caçam e protegem as entradas, Elfos de fogo andam de um lado para o outro, cuidando de tudo e todos. Fontes cristalinas de água, que fervem graças a lava, acolhem os ovos prestes a chocar, e pequenas ninfas os assistem. Um espetáculo, que uma vez a cada década, faz com que todas as tribos se reúnam.
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Aula 5 - Amanda Monteiro
Valquírias. Nossa função é servir Odin sob as ordens de sua esposa, e escolher o maior entre os guerreiros mortos para ser encaminhado a Valhala. Nosso julgamento deve ser justo e preciso, sem interferência dos nossos sentimentos… mas eu me apaixonei. Encantada por um bárbaro, por muitas vezes me vi protegendo-o em batalhas, tentando ao máximo evitar sua morte, pois sei que não é digno do grande salão. Tentei muito forçar qualquer moralidade em sua mente adoecida pela guerra, porém, em um segundo de descuido, o vi cometendo o maior dos crimes: ao invadir uma aldeia, onde apenas mulheres residiam, ele decidiu descontar toda sua raiva e frustração, por não ter encontrado outro exército, em uma pobre garotinha. Ele a agredia como se estivesse enfrentando Beowulf.
Sentada em um dos galhos de Yggdrasil, chorava com o coração partido e Freya, também conhecida como a deusa do amor, em pessoa, me consolava.
— Eir, quantas vezes te aconselhei a esquecê-lo…
— Eu não posso esquecê-lo… não agora…
— Sei que não foi fácil assisti-lo fazer aquilo com a- — Pela primeira vez em toda minha vida, a interrompi, e era possível ver o choque em seus olhos
— Já vi monstros fazerem coisas bem piores… mas não é só disso que estou falando.
— Então o que te traz tanta agonia? O que te machuca tanto?
— Sem ele, não tenho mais nada…
— O que quer dizer com isso?
— Sem ele, não tenho mais para onde ir ao pós vida. — Levantei o meu olhar, e deixei que meus olhos se encontrassem com os dela, e lá li seus pensamentos como um livro aberto. Pena, dó, piedade, consideração, uma compaixão com nuances de raiva. Freya sabia exatamente do que estava falando. Valquírias são seres imortais, deusas até que entreguem seu corpo a um homem… A partir disso seus dias ficam contados, logo morrem em Asgard e são enviadas para viver em miséria em Midgard.
— Quando foi isso?
— Na última aurora boreal.
— Quanto tempo ainda lhe resta?
— Mais 5 luas cheias.
— Eir… eu te escolhi, te nomeei pessoalmente contrariando os desejos de meu marido, pois vi potencial. Você tem 3 luas cheias, para decidir. Esqueça esse mortal para todo o sempre, e conversarei com Hela para restaurar seus poderes, ou, abrace sua paixão, o acolha com todos os seus crimes, e viva uma vida mundana pelo resto de seus dias. — Freya se levantou e me deu as costas — Pense bem, esse amor vale as suas glórias?
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Aula 4 - Amanda Monteiro
7 Palmos
Ouvi seu boa noite, senti seu cafuné, a cama pesou. Delírio, ou só seu corpo me deixou?
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Aula 3 - Amanda Monteiro
Quando acordei naquele ambiente estranho, a primeira coisa que pensei foi “estou vivo”. Fui oferendadado a essas pixies, e tenho lembranças vivas de ter sido devorado por elas, mas de alguma forma, ainda estou vivo. Quanto tempo fiquei inconsciente? Impossível dizer, nem sequer sei se o tempo no mundo das fadas segue as mesmas regras do tempo no mundo dos humanos. Olhei ao meu redor e tudo o que via eram árvores e mais árvores, não era a floresta na qual fui deixado dentro daquele círculo maldito de cogumelos. Vagando pela noite, o mundo parecia diferente e igual ao mesmo tempo, uma dicotomia bizarra entre sonho e realidade. As fadas fizeram algo comigo, algo que não sei explicar e não estou disposto a descobrir. Via pequenos seres rastejando no chão e não eram insetos, o que é aquilo? Estou alucinando? Quais as chances de ter um golem me vigiando? Vamos Theo, corra! Corra como se sua vida dependesse disso, porque ela depende! Isso! Ele está ficando para trás! Tem luz ali na frente, dever ser a casa de alguém ou alguma saída desse inferno, só mais um pouco, só mais um pouquinho e… NÃO! Caí em mais um buraco, sério, outro portal!? De onde saíram tantos portais!? Calma Theo, respire, olhe em volta, procure referencias, qualquer coisa que possa te ajudar a se localizar. Ok, parece uma feira, um mercado ao ar livre frequentado por pessoas com três pares de braços, outras com apenas um olho, algumas voando… mas que por — não, vovó odiaria que você falasse palavrões. O que as pessoas estão falando? Mercado dos trolls? TROLLS? Espera, como eu entendo o que essas “coisas” falam? Eu tô muito fud — lascado. Parado no meio do caminho, não fiquei surpreso quando um ogro esbarrou em mim e fez questão de berrar para que eu não o atrapalhasse. Segui andando caçando qualquer ponto que pudesse me servir de guia, e foi assim que acabei andando no ombro de um gigante. Aparentemente ela supôs que eu era uma “criança” perdida e enfiou na sua cabeçorra que tinha que me devolver para meus pais. Olhando tudo de cima eu só conseguia pensar em como poderia sair daqui a! Não vejo saídas, não vejo humanos, sequer uma placa de direcionamento. Como eu pude me meter numa enrascada dessas? Tudo o que eu queria era um encontro com uma menina legal e não uma viagem transcendental para outra dimensão, estava bem com a minha vidinha tediosa… ESPERA UM MINUTO! Cérebro, rebobine por favor, o que foi que você disse? Mas é claro! Se eu posso entendê-los, então eles também podem me entender! — Senhora gigante, sabe como posso fazer para voltar para o mundo dos humanos? — Uma pergunta inocente e educada, o que pode dar errado? Tá? tirando com a minha cara né? droga droga eu deveria ter ficado quieto! Não acredito que sobrevivi a tudo isso para morrer pisoteado! EU NÃO SOU UMA BARATA! Alguém me ajuda.
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Aula 2 - Amanda Monteiro
O mercado dos trolls, o lugar que gosto e me orgulho de chamar de casa. Uma cidade secreta, paralela ao mundo humano, que serve de refúgio para todo tipo de criatura mágica, e também funciona como uma ponte entre os mais diversos mundos. Aqui dentro, exerço a função de protetor das janelas, algo passado de geração em minha família. Essas janelas, são nosso ponto de ligação com outras dimensões, é por onde observamos os mais diversos universos, e nos atentamos para qualquer sinal de perigo, ou pedido de ajuda.
Desde que era pequeno, e acompanhava meu pai em seus turnos, o mundo humano sempre me encantou, porque essas criaturas estranhas vivem suas vidas inteiras se achando o centro do universo, sem ter a menor ideia da imensidão de possibilidades que as rodeiam. Já vi guerras, reconciliações, grandes amores, e ódios tão duradouros quanto o próprio tempo. Eles não têm a mesma obstinação dos orcs, não tem as habilidades artísticas dos elfos, e comparados aos duendes não sabem administrar ouro… mas, de alguma forma, atravessaram as eras e ainda estão aqui.
Um belo dia, enquanto olhava pela janela dos homens, um rapaz, que não deveria ter mais do que vinte anos, me olhou de volta. Sim, ele me olhou, diretamente nos olhos. Dei um grito tão alto que me confundiram com um banshee, e o menino deu risada como se tivesse visto e ouvido. A partir desse dia, em segredo, pois os anciões do mercado não poderiam nem sonhar com algo do tipo, nós começamos a conversar. Os dias foram passando, viraram semanas, meses, um ano e assim por diante.
Em uma de nossas conversas, Theo me contou que seu aniversário estava próximo, e sabendo que essa é uma comemoração importante para os humanos, eu comecei a questioná-lo a respeito:
— E então, o que vai querer ganhar de presente?
— O que acha de um encontro?
— Um encontro? Mas nos encontramos todos os dias…
— Não… um encontro cara a cara, pessoalmente
— Theo… sabe que não posso sair do mercado.
— Vamos! É só um dia… e eu juro de dedinho que se aceitar tomar um café comigo, eu te conto o que sempre quis saber…
— Você joga muito sujo, sabia?
— Pense bem, só tem a ganhar… além de ter um encontro com uma gracinha como eu, também vai ficar sabendo como esse “humano insignificante” te descobriu.
— Tudo bem… vou ver o que posso fazer.
E foi assim, desse jeitinho, que ele me convenceu a correr o mercado inteiro atrás de uma bruxa capaz de me fazer uma poção para ter uma aparência humana. O dia do aniversário chegou, e como combinado, ele me esperava no lugar de sempre, atravessei a janela e com um sorriso falei:
— Theo? Acredito que me deve um café, respostas e um encontro.
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Aula 1 - Amanda Monteiro
Círculos de fada, formados por cogumelos coloridos, que os humanos juram que são criações do acaso da natureza. Como alguém que cresceu e viveu inteira no campo com a avó, já ouvi todo tipo de história: desde as mais belas, que dizem que eles trazem sorte para os de coração puro que ousam adentrá-los, até as mais tenebrosas, que narram as consequências para quem for burro o suficiente para profanar um local sagrado com suas botas sujas.
Chamava a floresta de quintal e a conhecia como a palma de minha mão. Do amanhecer ao anoitecer, vagava por entre as árvores caçando bichinhos e entrando em todas as aventuras que minha imaginação poderia criar. Porém, em todos esses anos, nunca tive a hipótese de encontrar um círculo de fada… Hoje penso na sorte que tive por ter vivido ao menos minha infância plenamente.
Na adolescência, fiz amizade com uma garota que se dizia bruxa. Aquelas que leem meia dúzia de guias sobre cristais, acendem incensos e se acham netas daquelas que a inquisição não foi capaz de queimar. Não acreditava em nada que ela dizia, mas como um bom garoto de dezesseis anos, cai nas graças de Samantha. Um dia, ela sugeriu que fossemos em um encontro; a busquei de carro por volta das seis da tarde, e nós fomos para um bosque que ela jurava ser encantado… no caminho, ela parecia animada, repetia sem parar que tinha algo para me mostrar.
Chegando lá, andamos por horas na escuridão até alcançarmos o tão esperado “lugar especial”. Um círculo perfeito, brilhante, colorido, chamativo e muito lindo de cogumelos… um círculo de fada. Da sua bolsa, Samantha começou a tirar todo tipo de coisa, vi um grimório, cartas, o que devem ser poções e não estava entendendo nada. Ela me mandou ficar em pé, e se sentou, começou a recitar cânticos e os cogumelos começaram a dançar no ritmo de sua voz.
Assustado, queria ir embora, mas raízes prendiam os meus pés e tornozelos no chão, Samantha estava em transe e não me ouvia gritar, ou fingia que não ouvia. Os cânticos e as danças foram se intensificando até cessarem sem explicação. As raízes me libertaram, porém, eu estava paralisado; Samantha se levantou e seus olhos pareciam duas nebulosas. Ela deu uma volta em meu entorno, sua mão sem nunca deixar meu peito, na segunda volta, parou as minhas costas, senti suas duas mãos em minhas omoplatas e então tudo ficou escuro. Fui empurrado para dentro do círculo.
Quando acordei, estava em outro mundo, rodeado por pixies que mais pareciam demônios. Corpos raquíticos e de cores neon, olhos gigantes brancos, bocas enormes e de dentes afiados. Foi assim que descobrir uma coisa horrível: círculos de fada são portais, oferecem sorte para quem as alimenta com oferenda, e desgraça para os que têm o azar de serem empurrados ali. Quanto aos que entram por conta própria, não sei dizer, sugiro que tente descobrir.
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Aula 6 - Amanda Monteiro
Primeiro de tudo, gostaria de fazer uma pergunta, o que define um vilão? A menos que seja um grande déspota que quer dominar o mundo só para mostrar que tem o poder para tal, todo vilão sempre acha que está fazendo a coisa certa. Poderia iniciar aqui uma longa dissertação sobre padrões éticos e morais impostos pela sociedade desde a era medieval, mas isso só os entediaria e, felizmente, meu objetivo não é matá-los de sono.
Para muitos eu seria o vilão, para alguns sou um herói, para poucos minha existência ainda é indiferente, tudo depende do ponto de vista. Como rei, minha função é manter esse reino seguro, proteger meu povo de ameaças externas e deles mesmos. Traidores vão para à forca e príncipes rebeldes ficam de castigo, presos em suas torres. Não tenho tempo para lidar com crianças mimadas, só os tive porque preciso de herdeiros que sigam meus passos.
Caso essa história fosse contada do ponto de vista do meu filho caçula, eu seria o maior carrasco que já existiu. Meu maior ato de “crueldade” foi armar um casamento arranjado. Revirava os olhos só de lembrar do drama que ele fez ao ouvir o anúncio em seu aniversário. Quão ruim poderia ser se casar com uma bela princesa? Tudo o que ele precisaria fazer era fingir até que seu sogro morresse e ele assumisse o trono. Mas esse rapaz insolente nunca entenderia isso, os motivos estratégicos que me levaram a tomar tal decisão. Quem me dera ele fosse como seu irmão mais velho.
Como ex cavaleiro real, minha intenção é proteger e servir, foi para isso que dei o golpe contra o antigo regente. Expandia territórios, conquistava planetas inteiros, mas eu precisava de uma última coisa e ela estava bem debaixo do meu nariz, bem aqui na terra. Sangue de dragão. Reza a lenda que quem beber o sangue de um dragão se tornaria imortal. Seres tão raros que sua existência chegava a ser duvidosa, mas eu já tinha tudo pronto.
Meu filho mais velho assumiria o trono de um reino conhecido pelos seus avanços tecnológicos e bélicos. Tínhamos relações amigáveis, mas sempre se recusaram a nos vender suas armas, na verdade, eles nunca vendiam sua tecnologia para ninguém. Com o casamento, eu poderia pôr minhas mãos nos armamentos mais poderosos, capazes até mesmo de perfurar o couro de rubi daquelas criaturas.
O caçula se casaria com a princesa de um povo da floresta. Ninguém sabia ao certo a localização do seu reino, mas de acordo com minhas pesquisas, eles eram os detentores do poder do dragão. Endeusavam essas entidades e em troca eram protegidos por elas. Desde que meu primeiro filho nasceu, tento contato com essa tribo, mas só obtive uma resposta agora, no aniversário de dezoito anos do meu segundo filho. Parece que a princesa colocou seus olhos nele e não estava nada disposta a deixá-lo ir.
Humanos são o povo mais difícil de se lidar e por isso precisava usar a cabeça, já que, com ambos os povos, uma ameaça militar não daria certo. Sendo imortal eu poderia conquistar todo o universo e, por meio de eventuais guerras, assegurar a paz eterna, um longo período de prosperidade nunca antes vista.
Já fui chamado de todos os nomes possíveis, colonizador, louco, ditador, megalomaníaco, até mesmo de assassino. Gargalhava ao ver protestos e mais protestos por onde passava, que queimem suas cidades, eu as reconstruiria depois. O povo tinha dificuldade de entender conceitos simples, como por exemplo, que é totalmente inviável, bilhões de pessoas livres, que podem fazer o que quiserem. A minha existência por si só já deveria ser uma prova disso.
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Aula 5 - Amanda Monteiro
Dentro dessa câmara só podia sentir a água. Não vejo, não escuto, não provo o gosto, não sinto cheiro, apenas água. Sei que há incontáveis cateteres intravenosos em meus braços e em minhas mãos, me suprindo com nutrientes e me mantendo hidratado. Sei que não se esqueceram que sou humano e preciso de vitamina D, pois sinto o calor das luzes ultravioletas. Sei que ainda respiro, pois os canos em meu nariz bombeando ar não me deixam duvidar o contrário. O vazio é enlouquecedor, mas me conforta ao mesmo tempo, é como um grito silencioso em minha mente. Vale a pena ficar boiando na imensidão pelo bem da missão.
A água é morna para que eu não tenha hipotermia e muito menos cozinhe aqui dentro. Suas ondas me passam uma leve impressão de maresia, mas sei que infelizmente não estou no mar, sequer estou na terra, sei que isso é só para manter meu corpo estimulado e sem escaras. Mesmo com os olhos abertos não vejo nada, um desperdício, preso aqui, semiconsciente, com o espaço inteiro a dois ou três passos de distância. Tenho certeza que o tempo passaria mais rápido se eu pudesse assistir um filme, ouvir uma música, até mesmo falar com minhas filhas, mas a intenção é justamente que o tempo não passe. Nada além de água e vazio por anos, quem sabe décadas ou séculos até que consiga chegar ao nosso destino. Enxergar o nada é muito diferente de estar no escuro. Não vejo em preto, simplesmente não vejo. Acho que é assim que minha televisão se sentiu quando a puxei da tomada antes de partir. Não ouvir nada, não é mesmo que estar em silêncio, as mínimas coisas se tornam um barulho ensurdecedor, quase quebrei minha cabine em desespero, pois não aguentava mais ouvir as batidas do meu próprio coração em meus ouvidos. As soluções que me alimentavam não tinham sabor, iam direto para o meu estômago, comer não era para ser prazeroso e sim para me manter vivo. Nada mais. Já faz tanto tempo que não como nada que sequer posso imaginar o gosto. Tentei repassar em minha mente todos os filmes espaciais que já assisti, mas descobrir que tenho a fantasia e sou completamente incapaz de imaginar, visualizar imagens. No final, só acabei com I don’t wanna miss a thing do Aerosmith, martelando na minha cabeça. Percebia o mundo ao meu redor como se fosse a descrição de um livro, na verdade, acho que perceber não é a palavra certa… Como posso perceber o mundo se não estou em contato com ele? Talvez tivessem me deixado com o tato intacto, apenas para que eu não pudesse começar a duvidar da minha própria existência. Uma viagem espacial é o cenário perfeito para pensamentos e filosofias niilistas.
Vez ou outra tentava me mover, mexer os dedos da minha mão, mas nada dava resultados. Acho que nesse dia descobrir a outra utilidade para a pseudo maresia, precisava saber que meu corpo ainda era físico e como poderia fazer isso se não posso movê-lo? Sei que tenho mãos e pés pois sinto a água passando por entre meus dedos, como o mar passa por entre as rochas na praia. Tenho certeza de que só não fiquei deprimido, ansioso ou psicótico aqui dentro porque a inteligência artificial bombeava antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos diretamente no meu cérebro.
Me lembro de quase chorar nos primeiros dias pois sentia falta da sensação do toque de outras pessoas, queria abraçar minha esposa, segurar minhas crianças, receber um puxão de orelha de algum oficial me chamando de “cadete de merda”. Mas agora, tudo isso parece distante, como poderia estar com saudade do que não me recordo?
Espero que o planeta para onde estamos indo não tenha água, estou cansado dela. Antigamente, costumava me entreter pensando em como meu corpo estava, as rugas de schrodinger. Espero que HAL 9000 esteja gravando todas as minhas ondas cerebrais e transformando meus devaneios em um diário de bordo. Houston, não temos um problema, mas deve ser hilário ler esses dossiers.
Assim como essa viagem, minha história aqui dentro não tem começo, muito menos meio, mas espero que tenha um fim e que eu consiga chegar nele. Lovecraft ficaria orgulhoso com o terror cósmico que é imaginar que essa nave simplesmente está a mercê do universo, que seus motores pararam e nós vamos ficar presos aqui pela eternidade porque ninguém seria burro o suficiente para vir nos buscar em outra galáxia. Acho que a essa altura, só me resta rezar para que cthulhu venha nos devorar.
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Aula 4 - Amanda Monteiro
Analisar o cenário de uma morte é como ler um romance de Dostoiévski com uma tradução bem porca. Ao mesmo tempo que tudo parece estar no lugar, caminhando para uma resolução, sempre ficar aquela dúvida “como seria se a tradução estivesse adequada”? Como seria se o rapaz estirado no chão tivesse deixado um bilhete? Como seria se a primeira pessoa a chegar aqui fosse um amigo e não um policial? Esse garoto estaria salvo?
Em todos os meus anos como repórter, posso assegurar que já li muitos romances mal escritos ou mal traduzidos. Mas esse era de longe o que mais me incomodava. Cada pessoa entrevistada dava uma versão diferente, como reedições de um mesmo livro, os familiares da vítima nos davam a versão de capa dura, bonita e higienizada, “Ele é um bom menino”, “nunca teria feito algo do tipo com outra pessoa”, “Ele não tem culpa”. Os amigos tinham uma versão mais acabada, um livro de sebo cheio de anotações, algumas páginas rasgadas e amareladas, “Ele sempre foi desse jeito”, “era só uma questão de tempo até ele explodir”, “Ele era louco, até mesmo fazia terapia”. Já a namorada tinha exatamente a versão mais próxima da qual eu queria, aquela edição especial com algumas anotações revisadas do autor, “isso já estava planejado há tempos, mas nunca achei que ele fosse pôr em prática”, “parecia uma brincadeira, como podia estar falando sério?”.
Como um colecionador ávido, não podia me contentar com essas publicações meia boca, eu precisava da edição certa, a mais rara, a mais completa, a mais crua, aquela que nunca passou por um revisor que nunca foi julgada pelo público. Eu queria o manuscrito do autor. Visitei a cena como quem visita um leilão de arte ou uma biblioteca universitária. Uma hora ou outra eu encontraria o exemplar que queria, nem que isso consumisse meus meses.
O corpo já havia sido retirado, todas as provas recolhidas, o quarto estava completamente limpo, mas ao mesmo tempo parecia intocado. Meu mandato de busca falso era minha licença poética, eu podia fazer o que quisesse. Revirei todas as gavetas, passei de estante em estante, prateleira por prateleira. Uma perda de tempo, como em museus, as obras mais preciosas ficam escondidas no subsolo, protegidas. Não fiquei surpreso ao encontrar o pergaminho perdido em um fundo falso na gaveta de cuecas. O diário do rapaz estava em minhas mãos. Pobre Edgar, não foi fácil crescer na Rua Moorgue.
Estava encantado pelo o que lia, não porque tinha algo de extraordinário, era um diário comum, de um garoto comum, que teve uma vida comum. Estava encantado porque sabia que eu era o único a conhecer a verdade, tinha a solução do caso em minhas mãos. Todo colecionador de livros é um colecionador de histórias e essa é a minha mais nova aquisição.
Guardei o diário em minha bolsa. No relatório para os superiores escrevi que não encontrei nada. Minha coleção era particular, apenas para meus olhos e mais ninguém. Em meu porão tinha um verdadeiro necrotério de memórias, cada diário de assassino ou suicida era como uma câmara frigorífica cheia de histórias mortas e esquecidas. Fichários e mais fichários de estudos feitos por um hobbie mórbido. Documentos que não deveriam estar em minha posse, espalhados a torto e a direitos em pilhas e mais pilhas de papel.
Fitas cassete, cds, dvds e pen drives, cheios com confissões. Lembrava de todas só pelo título e isso me fazia sorrir. Qualquer pessoa diria que sou um abutre e não posso discordar, faço a festa com o que há de mais podre.
Com esse novo diário em mãos, sentia a mesma alegria que um pai sente ao trazer um filho para casa. Me sentei em minha cadeira, bem no meio de todas as estantes e comecei a ler o diário em voz alta. Queria apresentar o novo irmãozinho para todos os presentes. “Segunda feira - 27 de junho de 2002 Sinto que estou sendo observado. Seguido. Caminhando cada vez mais para uma armadilha. Todos acham que estou ficando louco. Escuto passos na minha porta e na escada de incêndio do lado de fora da janela. Tenho certeza que quem quer que seja já entrou aqui e ficou sentado me vendo dormir… eu estava acordado, mas não tive coragem de me virar para ver quem ou o que estava lá.
Disse para minha terapeuta, ela não acreditou em mim. Meus amigos acham que sou insano. Disse para minha namorada que vou matar essa pessoa mesmo que ela já esteja morta.
Todos os dias vem me visitar. Todos os dias na mesma hora. Não sei o que quer comigo, não sei porque não me deixa em paz. Já não consigo viver direito desde que isso começou meses atrás… Amanhã, vou matar essa pessoa e provar de uma vez por todas que não sou insano”
Essa era a última página do diário. A última página antes da minha visita.
— “Não sei o que quer comigo”, isso é hilário, não acham — Perguntei para as estantes. Nunca quis nada com ele, além de brincar. Queria, pela primeira vez na vida, ser o autor de algo, apenas isso. Meses e mais meses dedicados a mim, todas essas páginas escritas sobre mim. Eu era o autor e conduzi meu personagem até onde queria, até o melhor dos finais.
Me sentei na escrivaninha e comecei a escrever o epílogo. O que acontece depois que o sofrimento do jovem Werther cessa. Como um dossiê, descrevi detalhadamente a nossa última noite. Cada palavra passada para o papel com precisão cirúrgica. Eu estava vivo, ele morto, tirou a própria vida, pois sabia que não o deixaria em paz a menos que me matasse, mas, ao ver meu rosto, não teve coragem de puxar o gatilho.
— Sempre foi fraco, desde que éramos pequenos… — Falei para mim mesmo antes de anexar o final da minha obra definitiva e deixar que ela se perdesse em meio às demais.
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