Tumgik
#a vida é mais que um mero poema
db-ltda · 2 months
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Escrever para quê?
Hoje, um mês de namoro é pouco pra dizer que te amo. Ontem, quatro semanas te amando era pouco pra dizer que te quero. No dia em que nos conhecemos, só a luz dos teus olhos jurava eternidade.
Um passeio de bike na ilha, um passeio de bike aqui, um mal-estar com mariscos à mesa, um café colonial sem saber.
Você por acaso percebe quanta coisa entre nós e conosco foi vivida?
Percebe que, anulando-se completamente da existência, muitos dias dormimos lado a lado?
É sempre estranho pra mim como nada mais importa quando estou com você. É sempre estranho como eu durmo, dou risada e me divirto, como se no mundo não existissem boletos.
Ora, pois, se nosso amor gera em mim tal sensação de leveza, que posso eu senão seguir perseguindo o brilho daqueles olhos como foi quando te encontrei?
Sabe, amor, você se queixa de eu pouco escrever para ti, ainda mais agora que para mim te entregaste como revela a aliança entre nós.
Mas a verdade é que vivo de ti há tantos dias, sabendo que estará lá amanhã, que minha vida é que realmente é um escrito.
Neste livro de páginas vivenciais, de coisas que guardaremos para sempre na memória, escrevemos muito mais nosso poema de amor do que antes, quando não tínhamos um ao outro e não convivíamos lado a lado.
Do que sinto por ti e da paixão que desde que te encontrei me espreita, pouca coisa ou quase nada mudou.
Das minhas piras com a luz batendo em seu rosto, ou de então eu me deliciar com teu corpo na penumbra, pouca coisa ou quase nada mudou.
A diferença é que hoje esse é um tema batido, algo que sabes, ou espero que saibas, que sobrevive em mim quando te busco ou te espero.
Algo que existe em mim quando, cheio de carinho e sob a luz perfumada de uma vela, você sabe bem, só teus pés é o que eu tenho para me deliciar.
A betoneira sussurra seu hino enquanto te tenho ali como meros pés com quem passei infinitos momentos.
Mesmo sem escrever uma palavra sequer, eu me lembro de lá.
Acho que nunca entenderá quando eu digo que te amo mais que tudo no mundo, menos ainda quando, sem querer e mesmo sem que você repare, eu vejo em você a mulher mais perfeita do mundo.
Mas a mim pouco importa se você está convencida de que todo esse amor é real, pois sou grato por ter estado ali e ainda mais feliz por tê-lo vivido sozinho.
Meu amor por você é só meu, um dom que o Senhor simplesmente me deu e isso é coisa entre eu e Ele.
Quanto a ti, meu presente, que aguarda que eu te escreva outra vez.
Por favor, nunca esqueça:
Meu poema é vivido ao teu lado, nossa união são as letras no teclado e, antes de eu não ter de súbito teus olhos amado, jamais poderia escrever-te outra vez.
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leinielly · 7 months
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More about Mariko🗻
🇺🇸In INGLISH:
I had already posted these drawings before, I know, but I left out some details.
This is Mariko as I think she would be in the SAMURAI RABBIT series, from what I researched on the wiki, her clothes are pink and/or green, in addition to being printed. I'm already saying that my favorite print is the flower print that appears in this comic:
In fact, this flower does not appear to be a sakura flower, but rather a plum flower, which in Japanese is UME.
Plum blossoms, in a Chinese piece, are much more than a mere decorative element. They represent spring and their petals are considered the “Five Chinese Blessings” that everyone aspires to: long life, fortune, virtuous love, health and natural death.
In Japan, the first trees to bloom after winter are plum trees. Therefore, they have special prominence in the memory of the Japanese. Before cherry trees conquered the hearts of the Japanese, during the Edo Period (1603 – 1808), it was the plum trees that mobilized the nobles in the hanami, the gatherings to watch the flowers. They are present in thousands of poems, paintings, novels and other works of art, produced in the country over the centuries.
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Also about Mariko, it is once mentioned that she is the daughter of a samurai, so I added some elements to her clothes that are a bit reminiscent of one's armor. But I tried not to take away from her gentle and loving personality, so I put a cloth that has a bow on the back around her skirt, I think it looked really stylish.
Certainly she will still have a Wakizashi as a weapon, and it would be a cool detail because she and Yuichi would have a certain combination, since katanas are more used in open places and Wakizashi for more closed spaces, it would be incredible for the two of them to fight together !
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Versão brasileira🇧🇷:
Eu já havia postado esses desenhos antes, eu sei, porém eu deixei passar alguns detalhes sobre.
Essa é a Mariko da forma que eu acho que ela seria na série SAMURAI RABBIT, pelo que pesquisei na wiki, suas roupas tem as cores rosa e/ou verde, além de serem estampadas. Já vou adiantando que minha estampa favorita é a de flores que aparece nesse quadrinho:
Aliás, essa flor não me aparenta ser uma flor de sakura, e sim uma flor de ameixa que em japonês é UME.
As flores de ameixeira, em uma peça chinesa, são muito mais do que um mero elemento decorativo. Representam a primavera e suas pétalas são consideradas as “Cinco Bênçãos Chinesas�� que todos almejam: vida longa, fortuna, amor virtuoso, saúde e morte natural.
No Japão, as primeiras árvores a florir depois do inverno são as ameixeiras. Por isso, eles têm destaque especial na memória dos japoneses. Antes das cerejeiras conquistarem o coração dos japoneses, durante o Período Edo (1603 – 1808), eram as ameixeiras que mobilizavam os nobres nos hanami, os encontros para observar as flores. Elas estão presentes em milhares de poemas, pinturas, romances e outras obras de arte, produzidas no país ao longo dos séculos.
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Também sobre a Mariko, é uma vez citado que ela é filha de um samurai, por isso acrescentei na roupa dela alguns elementos que lembram um pouco a armadura de um. Mas tentei não tirar a personalidade gentil e amorosa dela, então botei um pano que tem um laço atrás em volta da saia dela, acho que ficou até estiloso.
Além disso mantive uma boa quantidade de cabelo nela porquê não consigo ver ela com menos que isso, eu até votei o detalhe dela ter orelhas menores e botei dois pontinhos entre os olhos e as sobrancelhas para dá um charme.
Certamente ela ainda vai ter como arma uma Wakizashi, e até que seria um detalhe legal porquê ela e o Yuichi teriam uma certa combinação, já que as katanas são mais usadas em lugares abertos e Wakizashi para espaços mais fechados, seria incrível os dois lutando juntos!
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considerandos · 7 months
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Entre a Ficção e a Realidade
Escrever é, para mim, um ato impulsivo. Raramente tenho uma ideia precisa daquilo que vou escrever, quando começo um texto. Tenho um mote, uma ideia latente, sobre a qual pretendo divagar, mas por vezes nem a opinião está ainda verdadeiramente formada, quando inicio a escrita, vai-se formando, ao longo das linhas e dos parágrafos.
Isto no que concerne a estas divagações, pretensamente literárias, porque quando escrevo profissionalmente, as coisas passam-se de modo completamente oposto. Tenho as ideias bem definidas e organizadas mentalmente e a sua redução a escrito, obedece geralmente a uma lógica rigorosa, apenas muito esporadicamente complementada, por alguma questão avulsa que se me afigure pertinente a posteriori, o que raramente sucede. A escrita profissional brota-me ordenada, pela prévia reflexão e pesquisa, por oposição à recreativa, que me advém ao sabor da pena, sem carência de grande reflexão ou planeamento.
Talvez por isso tenha dificuldades em escrever uma novela ou um romance. Há necessidade de todo um trabalho de construção, de planificação, de pesquisa para a obra, que não se compadece com inspirações, ou meras fluências a partir de uma ideia ou mote. Um conto ainda pode ser escrito assim, com repentismo, a partir de um facto, de um história, de um episódio quotidiano que nos inspire. Um romance não, carece de muitos episódios, de muitos personagens, de muita pesquisa, um planeamento rigoroso, sob pena de sair incoerente, desequilibrado, desinteressante.
Há assim duas formas completamente distintas de escrever, que bem podem servir de metáforas para a forma como também se vive. A planificada e a espontânea.
Quem planifica rigorosamente a escrita (e a vida) ambiciona a perfeição e pode virtualmente escrever sobre qualquer coisa, bastando-lhe estudar prévia e aprofundadamente o tema, e desenhar com detalhe os personagens, os cenários, o enredo. Esta forma de escrita, que tem o seu quê de académica, é um jogo de construção, em que se juntam peças, como num puzzle ou num Lego de palavras, de onde resulta uma obra impressionante, no seu plano, detalhe, rigor, monumentalidade até, se for especialmente conseguida. Só lhe falta espontaneidade.
O improvisador não pode ambicionar a tanto. Não se constroem monumentos literários de repente, num mero impulso criativo. Podem escrever-se pérolas de sabedoria, revelar-se pensamentos profundos, exprimir-se e provocar epifanias, ao leitor. Podem até escrever-se poemas inspirados, contos surpreendentes, ensaios geniais, mas não se podem escrever novelas ou romances. Não é possível improvisar construções dessa envergadura. Cairiam ao primeiro sopro, sem estrutura que os sustentasse de pé.
E também não se pode improvisar sobre qualquer coisa. Quem escreve por impulso, por necessidade, escreve forçosamente sobre o que conhece, o que vive, o que sente. Escreve sobre o seu tempo e o dos que o rodeiam, sobre os seus anseios e frustrações, sobre vivências e ambições, crises e exaltações, tensões e tréguas. Escreve sobre si próprio, sobre o seu dia a dia e o daqueles que com ele o partilham.
E aqui surge um problema enorme para o escrevinhador de vidas: a descoberta que a sua vida não é só sua, mas também de todos aqueles que consigo a partilham, em casa, no prédio, no círculo de colegas de trabalho, de amigos, de amigos de amigos e de familiares. Por mais anónimos que tentemos ser, na escrita, há sempre quem se reconheça nas nossas linhas, quem identifique histórias comuns, partilhadas ou comentadas com o autor, personagens que são caricaturas dos próprios ou de gente conhecida, metáforas usurpadas, piadas repetidas, ironias decalcadas das vivências em comum.
É recorrente na ficção, sobretudo cinematográfica, refletir sobre este criador/criação, que vive prisioneiro da sua vivência, entre a realidade e a ficção, frequentemente ostracizado pelos que o rodeiam, cansados de se verem retratados, nem sempre com lisonja, nos personagens ou simples reflexões do escritor. Ossos do ofício, dirão alguns, devassa inadmissível da vida alheia, dirão outros.
A minha defesa é simples, pois se guardei anonimato, como pode alguém sentir-se ofendido com o que escrevo? Como pode o leitor saber se me inspiro em factos verdadeiros ou ficcionais? Na verdade, as duas coisas podem ser verdadeiras e geralmente são-no. A inspiração em alguém, em algo de real, que se passou ou disse, quase nunca é literal, mas sim hiperbólica, eufemística, irónica, razões mais que suficientes para afastar os preconceitos das fontes, que, além de anónimas, se tornam irreconhecíveis, após um adequado tratamento estilístico.
Mas esta argumentação, infelizmente, não convence ninguém.
Desde logo porque, mesmo disforme, o modelo revê-se invariavelmente no personagem, o que mais o incomoda, pois além de devassado na sua intimidade, sente-se ridicularizado, aviltado pela versão grotesca apresentada de si próprio, como se se visse num daqueles espelhos de feira, onde a imagem aparece monstruosamente reflectida.
Depois há um medo insano de ser reconhecido pelos outros. Se o autor, geralmente, não tem receio que o identifiquem na obra, senão não escreveria, pois tudo o que escrevemos, pelo menos em modo de improviso, acaba por ser mais ou menos autobiográfico, se não literal, pelo menos simbolicamente, já o outro, o convivente que se sentiu usado, pelas nossas incursões literárias, não quer, de todo, ser identificado, nem sequer simbolicamente. Acha-se no direito de impedir que o usem como matéria prima literária, por mais oculta que esteja a fonte de inspiração. Se ele se reconhece, outros o poderão reconhecer também, e tal nem será especialmente difícil, entre o grupo restrito de pessoas com quem o autor se relaciona.
Estaremos assim condenados a escrever sobre o que desconhecemos? A imaginar absurdos que possam passar pela cabeça dos outros, que só conhecemos das notícias, da ficção, das conversas anónimas? Isso seria lamentável. Sem prejuízo de poder sentir necessidade, ocasional, de refletir sobre um tema que me seja estranho e que vá buscar fora do círculo de pessoas que me rodeia, na verdade, o que nos puxa para a escrita, para o comentário, a reflexão, são os factos quotidianos, as conversas, as experiências que vivemos ou assistimos. Há quem as debata, sem pudor, à mesa do café, cortando na casaca alheia, como se tivesse um dever moral de o fazer. Que direito terá essa pessoa, para criticar a minha apropriação de uma vivência, que também é minha, por mais partilhada que seja? Ainda por cima, tendo o cuidado de lhe colocar um véu púdico por cima, escondendo identidades, mudando contextos, exagerando ou moldando deliberadamente os factos, com o duplo intuito de melhor explorar o seu significado e ao mesmo tempo salvaguardar o anonimato das fontes.
Viver é ser-se comentado, criticado, exemplificado quotidianamente. Que diferença faz que seja oralmente ou por escrito? Ainda por cima salvaguardado o anonimato?
Não me deixo intimidar por esses falsos pudores. Escrevo o que vivo, o que penso e o que sinto e faço-o para mim, não para expor nem ridicularizar ninguém. Ao contrário das más línguas de café, eu não chamo os bois pelos nomes, nem personalizo criticas ou incoerências.
Não tenho culpa se alguém achar que a carapuça lhe serve.
Essa conclusão é dele ou dela, não é minha.
22 de Fevereiro de 2024
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thesecretcrusade · 9 months
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E Como Todo texto Inicio lembrando de que eu demoro escrever, mas preciso. Como um diario de palavras ao vento. Enfim me lembro. Lembro de que as relações estão comfusas tanto em amizades quanto relacionamentos, ando meio perdida nisso tudo pois, sigo sendo quem sou com defeitos e algumas curiosidades sabe ? Ha muito que me encanta, desde pequenos vagalumes, a pequenos gestos... Um bom dia talvez um sorriso. Eu não tenho encontrado isso por ai, sorrio e ninguem sorri de volta, ou se sorriem vem sempre com maldade. E que época horrivel de acostumar vazia e rasa. Pessoas perdidas levando umas as outras a se confundirem e numa busca incessante de aprovação, de alguem que nem realmente são, atrapalham caminhos mentem, vestem mascaras e ferem corações todos os dias... Corações dilacerados que mal se recuperam e perdem -se em outros amores razoz e por fim desistem do amor. Fecham a fonte e tornam-se rasas poças de mero sentimentalismo, superficial para agradar... E sejamos reais, ninguem pode agradar a todos... Não somos perfeitos...e viver se escondendo com medo das criticas pesadas de pessoas que nem se quer sentem empatia por nós, não é uma boa forma de levar os dias, a vida é precious demais pra ser desperdiçada. Não é saudavel todos estão perto, mas estão longe demais... Todos falam muito mas não dizem nada de mais, repetem padrões, seguem o fluxo errado demais, isso me sufoca as vezes... Tenho que lidar com o faro de que cada dia menos me encaixo menos sou aceita, e me recuso a tirar meus pedaços, não me reconheci no espelho algumas vezes, chorei... Maldizendo quem eu sou e pedindo ao criador a razão do por que eu ser assim... Os anos passaram e muito, muito de mim eu tirei, e nunca foi bom o bastante pra absolutamente ninguém, mas menos ainda pra mim, eu não reconhecia minhas atitudes as coisas que falava e vivia, os ambientes onde eu me encaixei por um tempo diminuia ... E eu sempre naquela sensação de que não me encaixar e fazer muita coisa, trabalhos, estudos, e hobbies era ser perdida e indecisa... O que diziam... Mas la no fundo eu sempre soube quem era eu e todas as coisas confusas e palavras perdidas pensamentos que viajavam e as ideias malucas que sempre deram certo depois de um tempo, mesmo quando tudo dizia não, eu acreditei em casa sonho, cada objetivo e realizei quase todos eles .. Escrevo quando não consigo falar... Escrevo, pinto, danço ou canto pra parar de pensar... Como disse, a minha mente é uma confusão, mas que mente não é ? , e eu sou eu e não escondo... Reclamamos de solidão mas nossa companhia é a melhor aceitavel, sou eu a mais verdadeira EU, trancada em casa sozinha ...
Tudo bem ser real, sentir um pouco as coisas faz a vida valer apena, faz da vida uma canção, poema.
A arte belas cores daqueles doces e breves amores, sorrisos perdidos e abraços apertados... Aaaah eu sinto saudade... Da vida longe da cidade... Quem sou eu se não for de verdade ?
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w3bj0y · 11 months
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A forma retraída de um corpo sem desenvoltura
Demonstra alegria contida em gestos sutis.
Minha bagunça agora é casa e cada coisa está em seu lugar
Tentar mudar, fingir ser
Não vivo mais assim.
Pelo riso bobo, os poemas de amor voltaram a aparecer
E que coisa boa é te ter,
Saber que dentro dessa vida limitada, te jurar a eternidade é mais que um mero prazer
Agora eu tenho a sorte de um amor tranquilo,
Com sabor de fruta mordida.
E para nós, todo amor que houver nessa vida.
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malub · 1 year
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Em um dia de inverno, parei para refletir sobre a vida, sentindo saudades do sol quente tocando meu rosto. Vi o tempo passar pela janela naquela manhã de domingo, e não era a primeira vez. Em um loop de pensamentos, considerei mais uma vez a vida, pois na minha cama desejava explorar o mundo, embora soubesse que não poderia dominá-lo completamente antes do meu fim.
Pensei então comigo mesmo: o desejo por liberdade reside na coragem e na vontade de viver, mas a vida é limitada, o que é uma das maiores fontes de desesperança. Ela é limitada pelo tempo, por nossas construções sociais e pelas barreiras que erguemos, nos impedindo de explorar aquilo que mais nos machuca, ou seja, a própria existência.
A vida é o fardo que carregamos quando tomamos consciência de nosso ser, e quando essa consciência é sincera e desprovida de ignorância, somos recompensados com a dor. A dor da insignificância, da percepção do tempo, do amor que não recebemos, dos pensamentos que desejamos não ter, das ocupações que não são motivadas por paixão, mas pelo mero preenchimento de algo que nos foi imposto e que não podemos aproveitar plenamente.
No entanto, há conforto na existência. Isso se torna claro com a sabedoria que o tempo nos traz, tornando-se um aliado após séculos de ser encarado como inimigo. Ele nos faz entender que a vida vai além de nossos anseios. Sim, talvez você não possa mais ir à praia antes de sua morte devido à incapacidade de caminhar. Sim, talvez nunca tenha a oportunidade de contemplar a beleza do verão italiano. Sim, você talvez não possa ler todos os poemas, ouvir todas as músicas ou entregar todo o seu amor ao seu maior amante.
Entretanto, no tempo que temos e na eternidade que ele representa, viveremos por meio das histórias que ouvimos e contamos. Pois o que perdura neste mundo é compartilhar e receber. Você pode não conseguir ir à praia antes de partir deste mundo, mas contará a seus netos sobre o dia mais esplêndido em que viu o pôr do sol refletido nas águas do mar. Você pode nunca experimentar o verão italiano, mas ouvirá seu grande amigo descrever a felicidade ao visitar Roma. Você pode não ser capaz de dar todo o seu amor ao seu grande amante, mas, quando partir, deixará para ele memórias encantadoras e as mais belas cartas de amor.
A vida, quando compreendida em todas as suas camadas, se torna menos limitada a cada dia. E a maneira mais bela de vivê-la é considerar a existência como uma dádiva. Afinal, a beleza está no ar que toca o rosto, no amanhecer de cada dia, nas noites iluminadas pela lua e nos momentos compartilhados ou recebidos, sejam eles pequenos fragmentos de coisas, pessoas ou histórias oferecidas pela vida, que também aguardam para serem vividas por nós.
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pluravictor · 2 years
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poeta d'Odemira, artista e tudo
A Joana vem buscar-nos pelas 10h30. O seu furgão VW Transporter, verde e bem usado, respira no espartano e largo interior uma vida larga e solta entre pradarias e montes, curvas e planícies de pó. Os colchões extra servem de assento à sobrelotação desta breve viagem com destino a Monte Gavião, onde mora a tão afamada Dona Odete.
Num instante saímos do asfalto para caminhos de terra e pedra onde qualquer carro citadino morreria ao primeiro metro percorrido. Entre pinheiros e eucaliptos de maturidade variada, no sobe e desce, curva e contracurva, entre referências desaparecidas e outras que a Joana tenta recordar, ao fim de meros quinze minutos de talvez 3 km trilhados, chegamos ao vale encantado. Sim, o lado bucólico imediatamente invade o grupo. É difícil resistir à beleza deste pequeno monte encartado entre cerros circundantes. No sopé das verdejantes encostas desta primavera inicial um rebanho de ovelhas está para lá da vedação poucos metros à nossa direita. Do lado oposto, uma levada abre-se para um tanque onde a água se esconde pelo portal construído como uma pequena edificação e na parede branca sulca um poema manuscrito:
... 
vão cantando alegremente à sombra dos vossos ninhos onde alegria há-de haver. Não chorem não, passarinhos,  um dia quando eu morrer.             Maria
Um pouco acima à esquerda, uma habitação caiada e térrea domina qual castelo altaneiro. Ouvem-se cães ladrando no aviso duplo de alerta e interrogação, e rapidamente dois pequenos rafeiros (de nomes Passarinho e Fred, saberemos pouco depois) nos surgem pelo caminho que de lá desce, para rapidamente humanos e canídeos sucumbirem em encanto mútuo. Da mesma curva surge a senhora Maria Odete, em passo leve e decidido avançando para o abraço afectuoso à Joana. Ambas agora mais próximas de nós, vislumbramos uma senhora bonita de idade enganosa e sorriso inteiro, talvez estatura 1,65m, cabelos grisalhos lisos em rabo de cavalo preso por cordel preto, vestida em traje de trabalho de avental cinzento sobre camisolas de gola alta e saia comprida alargando-se até aos pés. No seu rosto aberto, a expressividade de sol e vida em cada suave ruga lavrada inspira um albergue de histórias. Apresentamo-nos um a um. Os seus olhos castanho-vivos recebem-nos tanto quanto as suas formosas palavras hospitaleiras.
— — — Maria Odete, ou apenas Odete, como por vezes Joana a chama, rapidamente nos fala do que faz. Especialmente enquanto artista. "Sabem o que é uma cepa de urze?", pergunta-nos. Alguns sim, outros não. Mostra-nos as cepas nas quais esculpe formas tentando escapar ao "ângulo fácil" (como é o caso da tartaruga aqui exposta) e descortinar no olhar mais desafiante as originais figuras animais e humanas que veremos no interior do adjacente casebre, recuperado para reunir um acervo etnográfico. Porém, o material necessita de preparo prévio, uma hibernação na água entre meses e anos, para que "o ar se solte" e se faça mais resistente ao trabalhá-la. Os troços de outrora vida vegetal, nas torções dinâmicas e sugestivas, tomam pelas suas mãos e arte uma nova vida iconográfica.
Dois homens mais novos, porventura na casa dos cinquenta, surgem alternadamente. O primeiro, boina colocada para afugentar insolações, fala com Odete sobre os afazeres do monte. O segundo, cabeça calva descoberta, aparece no lado oposto, braços estendidos para trás puxando um carrinho de mão vazio. Ambos rapidamente continuam para as suas tarefas.
Maria Odete abre-nos o espaço expositivo. Após a entrada, à esquerda um grande armário acolhe peças diversas, entre objectos recolhidos e um vaso da sua autoria. À direita, duas figuras de vestimentas rurais e rostos em cerâmica feitos por si a partir das fisionomias dos seus pais, recebem-nos ladeando um engenho para produzir azeite. Várias são as esculturas em cepa de urze que por aqui se exibem (principalmente aves). Faz também peças em cerâmica (tem um forno), experiências com vidro (contorcendo no calor imenso do forno as formas de garrafas de vinho ou cerveja), e lê-nos mais poemas seus escritos pela própria mão em tantos outros materiais diferentes (azulejos, sacas de batata, etc.). 
Em duas paredes estão emoldurados poemas, cartas e também documentos referentes ao trabalho do trigo. Num, datado “Gavião 28 Fevereiro 67”, o pai António assina como “industrial” em Notas de Laboração do Trigo listando nomes de vinte quatro produtores o respectivo Registo do movimento de entradas de trigo e saídas de farinha de cada um nesta “trocas à vista”.
Maria Odete mostra-nos três blocos de adobe que encontrou no terreno, provavelmente feitos pelo seu pai, sujeitos em breve a um qualquer desígnio artístico seu. A minha curiosidade volta-se para ornamentadas tiras de papel de seda branco que pendem de uma forma circular abraçada por uma coroa de flores brancas e botão amarelo. Este objecto é chamado função, esclarece-me. É uma recriação feita para um evento do grupo etnográfico evocando as antigas festas de casamento. Outrora, enquanto os familiares ofereciam as comidas quentes, a função correspondia à oferta dos convidados onde nestes recipientes se transportavam os doces para a boda. Trabalho colaborativo e peça de encomenda, o objecto com refinados recortes estéticos simbolizaria, na celebração do matrimónio, reciprocidade e solidariedade da comunidade.
Como tem sido a questão da água, perguntamos. "O tempo sempre foi assim" de seca, diz-nos. Já no tempo do seu pai tinham de cuidar muito bem da quantidade de água a usar e guardar. As alterações climáticas não são necessariamente perceptíveis nos quotidianos das gentes, as adversidades e as diversas formas de escassez de água são história comum e recorrente. Lembra-se que o acesso e disponibilidade da água, ali no seu monte e habitações em redor, começou a escassear tanto que foi necessário fazer um açude, para lá de uns cerros mais adiante, de modo a encaminhar a água por levadas e assim abastecer a zona. Especialmente o tanque que vimos na entrada e onde os cepas se preparam submersos. Há aqui seguramente mais conteúdo a saber da sua parte. Curiosamente para nós, a sua filha formou-se em ciências ambientais.
— — — Surpreende a sua desenvoltura no discurso. Estaríamos nós à espera de pausada pronúncia alentejana, e de uma velha senhora, amorosa sempre, cuja calma e lentidão corresponderia a todo o imaginário estereotipado de nativo. Nada mais falso. O léxico dela é rico (teve muito boa escolaridade e continuados hábitos de leitura embora agora menos que desejaria), conseguindo nunca repetir palavras, numa frase ou dupla de frases, habilmente substituídas por substantivos ou adjectivos sinónimos enriquecendo e esclarecendo a sua oralidade. Ignorantes somos nós; Maria Odete é muito mais que imaginávamos. Sabendo à partida que a nossa anfitriã pertencia a um grupo etnográfico, foi por demais evidente que ser dinamizadora é palavra acertada, o testemunho da sua enérgica acção participativa e preservação do património local demonstra que a senhora é um oásis de cultura e memória. 
Maria Odete diz-nos que ali vive há pouco mais de vinte anos. Na verdade, aqui nasceu, num quarto impecavelmente cuidado como todo o resto da casa onde tão amavelmente nos receberá no fim da visita. Regressou após muitos anos na "grande cidade", como nos diz. Casada com um engenheiro electrotécnico da vizinha Sabóia (agora adoentado, que a deixa por vezes preocupada), juntos com a filha pequena viveram em Póvoa de Santo Adrião.
Que idade terá? A Joana julga que Odete faça agora 75, ou seja, nasceu em 1948. Parece que tem menos 10 anos, toda a sua energia assim nos ilude. Mas ela própria admite que no cuidar dos pais e sogro, este falecido com 101 anos, a tarefa árdua e longa apenas a fortaleceu, estando pronta para qualquer coisa. Mais que pujança das gentes rurais do permanente acto de 'fazer' que se sobrepõe à constância de 'estar' do citadino, será a atitude e expectativa social na sua condição de género que lhe dita avanço.
Nas misérias extremas dos tempos antigos, conta-me Joana o seguinte, houve quem pedisse aos pais de Maria Odete que cuidassem ou mesmo ficassem com seus filhos. O pai, agricultor, era pessoa muito respeitada na zona, inventando poemas que a filha foi entretanto semeando pelo monte em quadrículas de azulejo. Não soubemos muito nesta manhã sobre a sua mãe, senhora que sabia ler. De tanto que nos relata (e muito haverá por beber), em Maria Odete o saber artístico manual e poético é acima de tudo herdado do pai.
— — — "Quem me sabe dizer o que isto é?" Ao subirmos breve ladeira para alcançarmos a entrada da desactivada escola primária, uma estrutura cónica de vimes entrançados e coberto de folhagem aparenta ser guarda de algo. "É um galinheiro", esclarece-nos por fim. Extraordinariamente inventivo e eficiente, os materiais naturais fornecem solidez e resistência a predadores, um acondicionamento óptimo às amplitudes térmicas, um interior cujos pilares são igualmente poleiros, e com dois acessos dissimulados (uma para as galinhas saírem e entrarem, outra no lado oposto para mão humana alcançar os ovos).
Cedida pelo município para albergar outros aspectos etnográficos da região, a escola de instrução primária construída após a barragem teve seus últimos alunos lá para 1988 ou 1989, um menino português e dois estrangeiros, já ilustrativo das várias formas de alteração demográfica do sítio. Castanhos balcões e armários de madeira, provenientes de uma antiga loja de Santa Clara, recebem-nos à entrada. Nenhum espaço está por preencher, em cada oportunidade encontramos objectos vários de décadas recentes e mais afastadas, algumas ainda de minha ou nossa memória. Na antiga sala de aula, junto à grande ardósia de parede, a clássica mesa (carteira) de aluno ostenta um menino de rosto cerâmico e cujas vestes evocam passado e aprendizagens. Maria Odete mostra-nos uma caixa de giz de várias cores, pertença desta escola, onde encontrou um pequeno esqueleto de ave e a inspirou na altura a novos versos (que nos leu) sobre um passarinho que apesar do ruído dos meninos ali teve necessidade de regressar. Noutro canto, uma manta de retalhos coloriza sobre uma cama de ferro. Mapas e palavras cobrem as paredes.
—— A etapa final da visita leva-nos à sua casa. Peças artísticas decoram os espaços livres em redor e nas franjas das fachadas. A taipa e o adobe destas casas adossadas está coberta pela cal branca que se abre ante o verde-floresta envolvente e o azul-céu que nos cobre. Um breve pátio se faz alpendre acolhedor nas traves das latadas ainda sem folha, filtrando o sol que projecta nas paredes formas e sombras que replicam a natureza do lugar. Estas paredes são rematadas na base por faixa amarela, sendo as portas e janelas e suas molduras brilhantes no azul forte que nos beija. Um peixe de grandes dimensões ganha vida na cortiça recortada pousando sobre o longo assento de pedra acompanhada de almofadas bordadas com figuras de animais em cores esbatidas pelas horas exteriores da luz. Maria Odete convida-nos a entrar. A sala, em impecável distribuição de cadeiras, sofás, mesas e outras formas, desdobra-se ante uma mesa larga, abrindo-se perpendicularmente a outras divisões mais, seja desta habitação ou de outras hoje interligadas pelo interior. Há muitos anos, mais de uma dezena de pessoas dormiam numa divisão só. Mais peças suas se expõem, retratos a carvão dos seus pais e de si, as primeiras que fez há muitas décadas, e o rosto de Jesus num quarto a cuja cama se acoplou na cabeça e pés enormes rodas de carroça. Telefonia alemã de dimensão considerável e uma grafonola à espera de arranjo encontram aqui seu pouso firme. Carteiras de couro antigas mostram-se sobre uma mesa baixa. Uma viola campaniça feita por um pastor encima o arco da cozinha. Maria Odete sorri ainda mais ao dizer-nos dos netos que se deliciam em brincadeiras na quase miniatura dos objectos caseiros noutra cozinha com antiga lareira larga onde comida e gente se juntavam.
No fim, somos deliciosamente surpreendidos por mais um gesto seu. Um bolo de mel rectangular, que fabulosamente reparte em golpes diagonais, é aconchego ao cálice de medronho caseiro brindado em uníssono. 
— — — A hora convencionada para almoço está quase no fim, e apenas agora nos retiramos. Na despedida, a senhora acompanha-nos até o carro. O sol mantém bravura de meio-dia embora nestes dias de Março nos toca como carícia. À sombra da azinheira, voltamos a mirar as ovelhas. A maioria do rebanho está além de um barranco, do lado de cá está a mais velha, diz-nos, como quem não consegue juntar-se às irmãs, interpreto. "Ó'velhinhas!" num quase cantado tom agudo Maria Odete as chama. De imediato um coro das velhas clama resposta, virando a marcha na nossa direcção. A mais velha é a primeira a chegar junto à vedação, balindo em voz rouca de forma tão ou mais frequente que as restantes. Maria Odete reconhece-as quase todas, seja pelo andar ou pelo corpo, muitas delas têm nome próprio. Apenas vende os borregos para ajudar no orçamento da casa, a lã das mais velhas é garantia de outro rendimento.
Em quase três horas muita foi a informação recebida (e não registada aqui), e uma experiência encantada. O fascínio por Maria Odete cresceu em todo o grupo, como se cada um por ela se tivesse apaixonado. Seja pela sua genuína simpatia, o seu trabalho artístico, a valorização etnográfica, e o muito que poderá ensinar-nos sobre os usos da água por estas cercanias. 
Só após escrever este texto, e de modo a não condicionar o registo, pesquisei na internet sobre a senhora. Além de dinamizadora do Grupo Etnográfico Gentes do Alto Mira (ver link), pertence também ao CACO - Associação de Artesãos do Concelho de Odemira. E em 2015, participou no projecto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (ver link). Parafraseando o irreverente Almada Negreiros, Maria Odete é mesmo "poeta d'Odemira, artista e tudo".
Texto a partir do trabalho e caderno de campo Projecto de investigação 'Águas Gémeas' Santa Clara (Odemira), 15 Março 2023 — SulCo - Colectivo de Antropologia e Cultura
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pf4300 · 1 year
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É mais uma madrugada que chega ao fim
E no meu rosto, um sentimento de saudade, de um coração que continua a viver
Mas que por mais que tente, esse amor não consegue esquecer
O sabor dos teus lábios, ainda sinto em mim
Um melancólico sentimento que me invade, hoje sou um mero sonhador
Que sobrevive ao passado, dessa história de amor
A solidão é a minha companheira
Alma carente, que se perde em meus pensamentos, uma ferida que vai durar uma vida inteira
Um poema inacabado, no meu coração
Uma porta que se fechou para sempre
Um peito que vai morrendo lentamente
Assombrado pela solidão
De saber que o tempo, que me resta para viver
Vou viver, sem os teus lábios para beijar
Fecho os meus olhos, e meu anjo eu não consigo esquecer
Eu sei que aos poucos, vou perdendo a razão
É a dor da tua ausência, que me guia á loucura
Viver sem o teu amor é uma tortura
E apenas o teu amor seria a minha salvação
Dá-me apenas mais uma noite, uma noite para te provar
Que por ti, por tanto te amar, eu mudei
Dá-me apenas mais uma noite, te peço com lágrimas no olhar
Em nome desse amor, que um dia te entreguei
Só tu me podes salvar desse labirinto, onde me encontro perdido
Apenas a luz do teu olhar, me pode salvar
Em nome do passado, te peço com fervor
Em nome desse sentimento, nunca esquecido
Te peço com lágrimas no olhar
Volta para mim, deixa-me ser novamente o teu amor
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gabrielpardal · 7 years
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Paterson e a inspiração
O filme “Paterson”, escrito e dirigido por Jim Jarmusch, acompanha uma semana na vida de um motorista de ônibus chamado Paterson que mora em uma cidade chamada Paterson, que admira imensamente o livro “Paterson” do poeta William Carlos William. Todos os dias ele acorda pouco depois das seis horas ao lado da sua companheira Laura; toma o mesmo café da manhã; vai à pé para o trabalho; escuta sempre as mesmas reclamações do seu colega; almoça sempre no mesmo lugar; volta para casa; conversa e janta com Laura; leva o cachorro para passear e no caminho entra no mesmo bar perto de casa para tomar uma cerveja e acaba encontrando as mesmas pessoas fazendo igualmente as mesmas coisas de sempre.
Envolvendo a sua rotina há o fato de que Paterson (Adam Driver) é um poeta e por isso pensa na sua poesia enquanto caminha, dirige, escuta a conversa alheia e escreve em seu caderninho durante os limitados intervalos do seu dia.
Vivendo nessa simples e pacata cidade ele acaba encontrando personagens com diversas pretensões artísticas. Laura (Golshifteh Farahani), sua companheira, é artista plástica; Doc, o barman, mantém na parede do bar uma colagem com fotografias de artistas locais; Roy, amigo de infância, é um ator desempregado; e ao longo dos dias Paterson cruza com um estranho ensaiando letras de rap numa lavanderia, uma menininha na rua escrevendo poesias em seu caderno, e um poeta japonês de passagem pela cidade onde viveu os poetas Allen Ginsberg e William Carlos William. Que nenhum destes indivíduos seja especialmente talentoso e conseguirá trabalhar a sua arte é algo que não faz qualquer diferença. O filme é justamente sobre esta tentativa. Ou nem isso, é sobre a necessidade que certas pessoas têm de sentir a criação através de si. É sobre a inspiração.
***
A ideia de inspiração é erroneamente citada como um momento único e sagrado, uma encarnação onde um mero porta-voz ou médium emprega a mensagem recebida. Eu prefiro entender a inspiração como uma concentração alcançada através de um estado de prontidão ao que acontece, como define Nietzsche, é “a noção de revelação, no sentido de que subitamente algo se torna visível, audível, algo que comove e transtorna no mais fundo.” A inspiração está no dia a dia, acontece o tempo todo, não é exclusiva dos artistas, e pode estar no ato de escrever, pintar, se vestir, cozinhar, fazer sexo, arrumar o quarto ou passear com o cachorro. Basta estar atento.
Penso na inspiração como tesão. É algo da qual não temos pleno controle e no entanto define totalmente o nosso envolvimento com o que fazemos e até com quem nós somos.
É o que acontece com Paterson. No seu caminho para o trabalho ele está aberto aos acontecimentos. Um pedestre que passa, alguém cantando longe, uma discussão de casal, um acidente, tudo pode lhe afetar e lhe inspirar porque ele está disponível à isso. Ele escreve seus poemas sem a finalidade de publicá-los. Aliás, ele os escreve sem nem cogitar a hipótese de um dia chegar a vê-los impressos em livro. Como o escritor Gonçalo M. Tavares costuma afirmar, o escritor escreve por necessidade, escrever é vital e não tem nada a ver com publicar — publicar um livro não é necessariamente uma razão para se escrever um livro. Assim também, Paterson não publica ou posta seus textos na internet. Ele faz o seu trabalho repetitivo e solitário (um motorista de ônibus não conversa com ninguém e percorre sempre o mesmo caminho) sem se queixar e encontra inspiração e distração nas conversas dos passageiros. Sua poesia é imbuída da substância da sua vida, sua obra reflete sua existência. A simplicidade de seus poemas é a antítese da grandeza e da pretensão características da arte mainstream.
Um exemplo da sua disponibilidade à inspiração diária está logo no início do filme. Ao acordar ao lado da sua namorada, Laura diz que sonhou que eles tinham filhos gêmeos. Nas cenas seguintes Paterson passa a encontrar diversos gêmeos pela cidade. Não foram os gêmeos que simplesmente apareceram depois que Laura disse isso, mas a sua percepção se abriu e ele passou a notá-los na sua rotina.
Nota: muitas mulheres grávidas relatam se esbarrarem cotidianamente com outras mulheres grávidas no seus bairros. Não é que simplesmente surgiram várias mulheres grávidas de uma só vez, mas, com as atenções absorvidas pelo assunto elas passam a distinguir esse acontecimento.
Laura passa seus dias em casa pintando as paredes, cortinas, lençóis, as criações seguem sua obsessão visual por um mesmo padrão: imagens circulares em preto e branco. Suas roupas são em preto e branco, usa acessórios em preto e branco e quer comprar um violão preto e branco. Todo dia tem uma ideia para um novo projeto. Dessa vez ela sonha em se tornar uma cantora de música country (embora não haja nela nada que remeta ao estilo country), e por isso pede dinheiro ao Paterson para comprar um violão. Concomitantemente planeja começar um negócio de vendas de cupcakes para ficar rica e poder pagar suas empreitadas artísticas.
Paterson e Laura lidam de formas diferentes com suas inspirações. Paterson é reservado e Laura é impulsiva. Laura não sai de casa e todo dia quer fazer algo diferente para preencher o mundo com suas criações, e nada do que ela cria deixa de ter um toque original — por exemplo, ela cozinha uma quiche de queijo cheddar com couve de bruxelas. Diferentemente de Laura, para Paterson, viver não se trata de deixar a sua marca, ele segue imperturbável em uma rotina imutável e banal, preenchendo o seu mundo interno com poesia. Laura é extrovertida, e por nunca sair de casa acaba criando tudo à partir de suas obsessões. Paterson é introvertido, e por passar mais tempo fora de casa acaba se deixando influenciar pelo que acontece ao seu redor.
Vale dizer que ser uma artista plástica não é uma profissão de fácil sucesso financeiro, mas ser poeta é mais difícil ainda, mesmo em uma cultura de forte produção literária como a norte americana.
***
Contrariando as regras dos manuais de roteiro ensinadas em inúmeros cursos e livros do gênero, neste filme não existe um conflito definido, o personagem principal não tem um objetivo, não passa por uma transformação e não luta contra um antagonista. A ausência de fórmulas tem feito o público avaliar o filme como monótono, tedioso e chato. Bom, claro, se o espectador estiver atrás de uma história de superação ou de um herói que salvará o mundo, então este não é o filme recomendado.
Em “Paterson” os momentos de comédia não tem graça, os de romance não emocionam, e até onde se principia um conflito tudo é resolvido rapidamente — como na cena em que o ônibus quebra mas ninguém sai ferido.
Se esse filme fosse feito por um jovem cineasta recém saído da faculdade, os professores, críticos e produtores possivelmente não veriam suas idiossincrasias como qualidade.
Mas o filme é escrito e dirigido por Jim Jarmusch, um dos cineastas mais cultuados da geração que transformou o cinema independente norte-americano em fonte de algumas das maiores preciosidades produzidas entre as décadas de 1970 e 1990. Jarmusch é talentoso em criar um mundo em si mesmo, como fez anos atrás com “Down by Law” (1986), “Dead Man” (1995) e “Amantes Eternos” (2013). Aqui ele constrói a trama como um poema, cada dia da semana é uma estrofe, uma ode à imaginação na banalidade da vida cotidiana.
Um espectador mais afeito ao lado prático da vida pode afirmar que os poemas de Paterson não servem para nada, mas eu defendo que eles podem ser úteis para uma coisa. Paterson passa seus dias escrevendo poemas cuja inspiração vem daquilo que ele observa no seu dia a dia, colocando uma lente nos acontecimentos mais mundanos, destacando-os, refletindo sobre eles (desde uma caixa de fósforos até os cabelos de uma mulher), Paterson mostra que a poesia pode estar em qualquer lugar, basta conseguir ver. E para ver é preciso estar inspirado.
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jumalchoi · 3 years
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・✰  .                    𝐀𝐁𝐎𝐔𝐓 𝐓𝐇𝐄 𝐂𝐇𝐀𝐑𝐀𝐂𝐓𝐄𝐑.
Esse que vem vindo é JUDE “JU” MALCOLM CHOI, de 30 ANOS. ele mora em LITTLE HASTINGS e costuma andar muito com os SMOOK, mas bem que tem cara, né? há quem diga que ele se parece com o KIM NAMJOON, mas acho que esse povo só anda assistindo televisão demais! nada a ver, como se ele fosse ser um mero DETETIVE.
𝐁𝐀𝐒𝐈𝐂 𝐈𝐍𝐅𝐎
pronomes. ele/dele • gênero. homem-cis • nacionalidade. americana • etnia. coreana • sexualidade. homossexual • idade. 30 • aniversário. setembro, 12 • signo. virgem  • língua falada. inglês e coreano • altura. 181cm • cor dos olhos. castanho escuro • cor do cabelo. naturalmente preto • porte físico. atlético • óculos. aro redondo de armação metalizada
𝐏𝐄𝐑𝐒𝐎𝐍𝐀𝐋𝐈𝐓𝐘
A primeira vista, é bastante sério, correto e compenetrado, trabalha demais e vive por isso, não tem um humor muito carismático, dificilmente ri de alguma piada se não vê graça alguma sobre, mas esconde de todos um lado mais sensível, observador e empático, ser humano na polícia era um problema, Jude sofre por pessoas que sequer sabia o nome. Essa coisa de acreditar no lado bom das pessoas já lhe colocou em risco algumas vezes, já sofreu um atentado por ter ajudado um garoto que servia de informante, e precisou estudar muito para começar a mudar isso. E é essa parte sistemática e correta que cobre o seu verdadeiro eu, sonhador e artístico, essa divisão existe apenas para não decepcionar os seus avós, porque ele ainda tem esperança de viver do que realmente ama e não apenas para sobreviver.
𝐇𝐈𝐒𝐓𝐎𝐑𝐘
Jude foi um nome escolhido por seu pai porque ele era um grande fã da banda Beatles e tinha se casado com uma hippie que amava Yoko Ono, era um casal perfeito que não sabia exatamente onde foi que deu certo, mas acabou dando. Estavam bem com a vida simples que levavam e ensinando o que podia para o filho quando ele nasceu, estavam prontos para mostra-lo o mundo e todas as maravilhas que vinham junto, tudo que era natural e bonito, era o que Jude podia ver, cresceu ouvindo os discos daquela banda, amando cada música e aprendeu a tocar piano, escrever poesia, até fez um livro aos oito anos, mas tudo isso acabou quando um acidente de carro levou seus pais e ele precisou sair da cidade grande no qual vivia, para ir até aquela parte do país onde viviam os seus avós.
E como sair do moderno, novo, poético, desligado a tradições, progressista, para chegar a um ambiente conservador e tradicional. A mente artística foi moldada para ser padrão, pra quê ser artista? vai passar fome, escolha uma profissão que lhe renda dinheiro e uma carreira. Jude era chamado pela família de Ju, apenas isso, porque odiavam até o seu nome, mas escondido dos olhos de seus avós, ele fazia um pouco do que lhe conectava aos seus pais, seus livros preferidos continuavam os mesmos, sua música preferida era a mesma e seus poemas surgiam de maneira instantânea, nos rabiscos de seu caderno.
Era solitário na escola, um bom aluno, mas não era tão expressivo, quase sempre silencioso e nunca participava de nada, sempre mantendo as atividades familiares em primeiro lugar. Jude decidiu se tornar policial ainda na escola, assim que terminou, já se inscreveu e fez todo o processo necessário, só para que pudesse melhorar a vida de seus avós e pudessem ter uma vida tranquila, que ele tivesse uma carreira e uma profissão importante. E de fato aconteceu, iniciou como um mero oficial uniformizado, aguentou todos os estresses de um trabalho na rua, fazendo de tudo um pouco, seja prendendo jovens delinquentes ou salvando gatinhos das árvores.
Dentro do que podia, conseguia excelente avaliação em seu desempenho e isso lhe ajudou muito quando atingiu a idade certa e concluiu os processos necessários, se tornou detetive e sabia que agora poderia melhorar um pouco as coisas para a família, a velhice de seus avós seria mais tranquilo e valeria a pena, mais uma vez guardou suas frustrações e infelicidades em uma caixinha, seguindo com o plano de cuidar de quem cuidou dele, enterrando essa caixinha no mais íntimo de seu consciente, apesar de ainda estar ligado a música e ainda tocar piano as vezes, agora podia fazer isso sem esconder, ele quem tava pagando as contas e não precisava mais esconder os seus gostos e suas preferências.
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maxjonnes · 3 years
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Você não viu?
Quantas vezes já te alertaram
Que a terra vai sair de cartaz
E com ela todos que atuaram?
E nada muda, é sempre tão igual
A vida segue a sina
Rosa de Saron - Mais que um mero poema
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encaminhese · 3 years
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A vida é mais que um mero poema, ela é real.
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likeasummerstorm · 4 years
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Que legado deixaste? Ensaio de um Currículo Biográfico
Em homenagem dupla aos acontecimentos que assombram e abençoam este dia, escrevo-te uma vez mais para te dar conta do que sou e do que sinto que sou.
Nasci numa segunda-feira de Verão no ano de 1996 às 16h55m; na noite do dia do meu nascimento a Lua caminhava para Nova e o céu iluminava-se pelas Perseidas que tinham atingido o seu pico às nove da manhã daquele dia 12 de Agosto. Passei os primeiros anos da minha vida a presenciar inconscientemente o divórcio pacífico dos meu progenitores, ambos tão jovens como infortunados, e a ser repartido em mimos e lições pelos meus avós, sou filho único e fui o primeiro neto de ambos os ramos da minha árvore familiar. Essa árvore, um baobá generoso em artes e ofícios composto por, entre outros seres de qualidades e defeitos, um avô paterno ligado ao mar, mas também ao ar e que saltou de pára-quedas por todas as antigas dependências coloniais em África, uma avó paterna cuja religiosidade fervorosa não deixa adivinhar que as suas raízes a levam a pescadores muçulmanos da Fuseta, oprimidos mas unidos no amor ao próximo, um avô materno eletricista que teve de renascer num mundo que nunca o compreendeu e uma avó materna que da rejeição construiu a própria vida e se guiou consideravelmente pelo coração. Cada um deles deu-me um pouco deles mesmos e, mesmo que tenha medo de alturas e da rejeição, foram eles que me moldaram nos primeiros anos que tenho memória.
A minha primeira "carta de recomendação", data de c. 2002 e diz:
Jardim de Infância da Azeda
Ano Lectivo 2001/2002
O nosso Miguel revelou-se uma criança com uma grande sensibilidade e um gosto especial pelo belo, chegando a expressar-se de forma poética em muitas situações.
As flores, os passarinhos e os bichinhos eram do seu grande interesse e mereciam da sua parte grande respeito e admiração. Continua assim! Felicidades e sucesso na tua vida escolar são os votos das tuas:
Auxiliar Forutunata
Educadora Isabel
De facto, a minha sensibilidade foi sempre a minha maior virtude, mas também o meu maior defeito. A minha vida em comunidade extra-familiar não começou da melhor maneira, as outras crianças não me davam atenção pelas coisas que eu conseguia fazer, tão pouco queriam saber das minhas sensibilidades poéticas, e eu não sabia lidar, entenda-se brincar, com elas, pois já me tinha habituado a brincar sozinho e a adaptar a minha postura a cada um dos ambientes adultos onde tinha de crescer minimamente confortável.
Na primária fui viver com o meu pai (apenas esporadicamente via a minha mãe), a sua nova esposa e a filha desta - dois anos mais velha do que eu e que se ao início poderia ter-se tornado a minha melhor companheira e quebrado a minha desconfiança com todos os que me eram estranhos, na realidade fez-me aumentar a timidez e a falta de frontalidade que ainda hoje me enjoam a alma e remexe a minha ansiedade. Ainda assim, na primária tive duas amigas que achei que nunca iria perder e no 4.º ano tive inclusive um amigo chamado João, foi o meu primeiro amigo, até porque quando não se é apto a jogar futebol, a vida pode ser complicada para um rapaz na primária.
Por essa altura adorava fazer desenhos de vestidos. Não compreendia porque é que as mulheres podiam fazer tantas coisas para ficar bonitas e os homens não, não percebia porque é que os homens ficavam com as roupas de cores murchas, os cabelos inexpressivos e a cara exposta à realidade, sem nenhum brilho, nenhum pó, nenhum enfeite. Decidi que queria ser estilista, mas ninguém da minha família achou que isso seria uma vocação apropriada, então colocaram-me, entenda-se alistaram-me, nos escoteiros. Desisti passado três meses com o compromisso de terminar a catequese e assim o fiz.
Depois disso, ainda influenciado pelo leque cromático do vestuário masculino e por mero acaso, inscreveram-me na patinagem artística. Foi um desastre, para além de nunca ter tido realmente gosto em fazer aquela atividade, acreditei depois dessas atividades extra-curriculares que não tinha aptidão para nada e o reflexo disso eram as minhas classificações medianas, sem nunca ter registado uma negativa, estas fixavam-se no Suficiente e para mim não havia necessidade de me esforçar mais, dado que as circunstâncias da vida me deram uma irmã emprestada temporariamente com um aproveitamento escolar que a levou a chumbar o 6.º ano e por muito que as minhas notas fossem medianas, atingiam sempre um prestígio ecoado de modo descomedido que me relaxava.
Aos 12 anos vim viver pela primeira vez em permanência com a minha mãe, o meu pai foi para fora do país depois do segundo divórcio e ali as minhas classificações atingiram um prestígio digno que me davam um gozo que só eu compreendia e que a minha família achava habitual. Um ano depois o meu pai estava de volta e pouco após já estava casado outra vez, era Setembro de 2009. A minha nova madrasta, que me proporcionou dois irmãos emprestados temporários, mulher de supérflua perspicácia e poder de manipulação, incutiu em mim pela primeira vez a realidade do mundo, expos muitas das minhas capas de adolescente incompreendido e denunciou alguns dos meus comportamentos perigosos.
Não quer dizer com isto que as minhas classificações tivessem diminuído ou que me portasse realmente mal. Contudo, o 9.º ano foi o auge de, por um lado, o meu sofrimento físico e psicológico por parte de colegas que rogo a Deus que não lhes peça contas, e por outro da minha descoberta vocacional.
É o seguinte: tanto sofrimento levou-me a isolar-me ao máximo e isso levou-me a conhecer pessoas (eletronicamente) que despertaram em mim, não só o óbvio que no fundo sempre soube, mas o meu gosto pelas Humanidades e o passado e o meu afastamento às ciências ditas de exatas que até então tinham sido a minha predileção perdeu-se.
O subjetivo e o sujeito começaram a despertar em mim um fascínio e, ainda que sem amor próprio, queria muito saber mais. Não deve ser comum aos 14 anos, mas a natureza da minha vida naquele período, áspera e fria, arrebatou-me para o mais recôndito de mim mesmo. Foi como um crepúsculo da vida em que o momento em que a ação cessa exteriormente, não cessando porém interiormente.
E assim segui para o Secundário, sem no fundo nunca ter terminado o crepúsculo da minha vida, mas decidido a não me voltar a cruzar com ninguém que pertencesse àquele passado, da escola e do computador, da vergonha alheia e do medo que de tanto cansar às vezes faz cair. Fui para a escola secundária com a pior classificação em termos de ranking do concelho de Setúbal, mas não podia ter sido mais feliz. Lá fiz amigos verdadeiros e estava inserido em tudo o que podia, fiz parte de listas, fui representante dos alunos no Conselho Geral, honrei a escola na sessão nacional do Parlamento dos Jovens, ganhei prémios de honra e mérito, fui delegado de turma, rei do baile e não conhecia ninguém que realmente não gostasse de mim, excepto um certo professor de educação física que peço a Deus que também o poupe.
Porém, sabes bem o que o Secundário me tirou naquela quinta feira, 7 de Março de 2013, sim falo contigo Pai, três dias depois de te ter mostrado o meu teste de Filosofia e de me ter recusado a acreditar no teu plano de divórcio. Dir-se-ia que só nasceste para amar e que de amar viveras. Contam-se os dias para ti venturosos quando te vias junto da avó, a quem querias e de quem eras querido, nos teus braços idolatrava-te e rodeava-te dos meus mais belos poemas em busca de aprovação, os teus amigos eram os mais fieis e honestos, Todos eram para ti o enlevo da vida e parte integrante da tua felicidade.
Mas vieram os dias ruins e tristes e a morte quase sucessiva não se ficava pela tua. Desde então, curvado ao peso de dores pungentes e de mágoas acerbas, a alegria fugira-me do coração dilacerado. Só a consolação de um possível futuro próspero, apoio no melhor período da minha vida que acabara de começar me podiam tirar daquele sofrimento cíclico.
Matriculei-me na licenciatura em Arqueologia em 2014, com dezoito anos e um mês. As minhas razões eram simples, gostava de Turismo e de História, mas mais da última, no entanto queria algo que me levasse mais longe, não necessariamente mais para baixo. Vivi até há pouco tempo numa Meritocracia que acreditava como fazendo parte da Lei Universal, muito ligada à educação que obtive. Achava legitimamente que se me destacasse a vida acabaria por me compensar e por isso não existiria problema se optasse por algo com o objetivo de ser feliz.
Pode dizer-se que o Ensino Superior foi um prolongamento do auge social que vivi no Secundário, cada vez mais independente de lembranças melancólicas, ainda que mais intenso. A realidade é que não era difícil num curso tão pequeno e quando se tinha já uma bagagem de vivências interessantes, para partilhar com pessoas novas, de fazer amigos. Dos cinco anos, passados em vários espaços, entre descobrir a saudade dos vivos no Médio Oriente e apaixonar-me no Norte de África, naquele fascinante mundo, culminou o meu primeiro estudo, objeto da minha predileção, esforcei-me pois sabia que se não o fizesse, mais ninguém o faria e a eternidade, com as suas duas mãos, taparia os ouvidos na capoeira dos surdos.
Não foi a vaidade que me arrastou a esse trabalho, entregue após revisão e correção a 7 de Março de 2020, ímprobo para muitos, mas para mim de suave conforto. Foi a vocação que me impeliu e o interesse de saber que me atriu, sempre foi, mesmo neste período conturbado que passo, comparando-me aos derradeiros dias do ano, que passam entre os místicos nevoeiros e as tristezas dos ventos.
Assim, foi necessário empregar em alguma coisa o supérfluo da força, que em caso contrário se concentraria numa devoradora melancolia. Triste vaidade seria, na verdade, se vaidade tivéssemos.
Confesso que nas minhas pesquisas literárias mostrei, excepcionalmente, muita ambição, porque tudo me parecia pouco. O que escrevi por espaço de dois anos, a par de investigações trabalhosas nos arquivos, bibliotecas e em milhares de livros, papéis e manuscritos, fi-lo mais por um secreto amor à minha espécie, como uma diversão agradável de que necessitava o meu espírito, mais propenso ao isolamento e à melancolia, do que à vaidade.
Depois dessa última vitória recebi um beijo envenenado da Realidade, sem aviso prévio. Depois de me formar com mérito para ser um Arqueólogo o que mais queria era por em ação aquilo que aprendi, mas descobri que ainda não é na terceira década do século XXI que as coisas serão tão lineares e justas.
Pouco ou nada sei, confesso o pouco que sou e valho, com tão pouco de experiência e aptidão para determinadas tarefas no momento pertinente, enquanto que para outras a conversa muda, claro. O meu passado biográfico não me preparou para o que senti nos últimos oito anos, nem tão pouco pelo que aconteceu a partir de há um. Não estava pronto para te perder, como nunca estive pronto para perder o meu conforto, era feliz e útil, mas o meu lugar era tão impreterível que a minha ausência nem parece que tenha sido sentida.
Assim me votaram ao ostracismo. A origem deste facto não a sei eu, e confesso ingenuamente nisso consistir a minha maior ignorância. Garrett escreve que os desgraçados passam a vida a invejar e a odiar. Mas não havendo em mim dote ou qualidade invejável, é consequência lógica que só acabrunhadamente o ódio, fugindo de esbracejar a luz do dia, procurava nas trevas infiltrar nos incautos o seu traiçoeiro e maldito veneno. Ou serei eu o desgraçado?
Não podia, pois, nem devia, mentir à consciência que me é tão querida. Faltar à minha dignidade e trair a minha classe, deixar de protestar sempre que ela se tornasse feudo de quem se não achasse à altura de a representar contiguamente de lhe defender os interesses, embora reconhecesse nesse alguém outras qualidades aplicáveis.
Deste modo de pensar e agir, deste grande pecado sem perdão, resultou-me a guerra mais acintosa e malévola que até agora detive na vida com repercussões até este momento. Guerra sem tréguas, sistemática, ora a ocultas, ora às claras, abjetas agressões, umas vezes brutais e infames, outras vezes sorrateiras e hipócritas, mas não menos vis.
A vida assim me mostrou que a maldade facilmente arregimenta prosélitos. É fácil encontrá-los, ligando-os pelo seu interesse individual, falta de vocação e amor próprio. É uma atitude menos digna destes seres que provoca a extinção da nobreza dos sentimentos, substituindo-a pelo cinismo pernicioso, sémen da desmoralização, decadência e desprestígio total da Humanidade. Ainda que muitas vezes tenha lutado sozinho, apenas com os pensamento que entoavam na minha cabeça e me arreliavam o espírito e ausente de realidades concretas, pois a realidade é que já esperava tudo.
Nunca, porém me queixei diretamente aos culpados reais nem tirei desforço, antes inundei infundadamente os que amo, no sonho de os ter para sempre. Aos culpados, larguei-lhes sempre o campo todo, porque de vasto campo precisam estas criaturas medonhas para seu teatro, ou antes circo, iluminado à luz do seu talento, do seu profundo saber, do seu elevado merecimento!
E, juro por meu Pai, a ambição não me corrói a alma, nem a inveja me envenena o coração.
Mas, louvores a Deus, nunca ninguém conseguiu ainda roubar-me a estima com que tantos outros que me são queridos e empáticos me têm dado um espaço nos seus corações e pensamentos e é por eles, por Ti também, e por mim próprio que não desisto.
7/03/2021
MMdS
#me
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entrelacoscaos · 5 years
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aos 14 anos a vida parece um caos, uma mistura inexplicável de sentimentos onde nada parece certo.
aos 14 anos eu era a menina boba que acreditava que qualquer amor poderia curar as feridas de qualquer pessoa existente no planeta.
mas a verdade é que, eu estava infeliz como o inferno porém continuava a mostrar para todo o mundo que o amor podia salvar. eu acreditava nisso.
foi aí que conheci Thiago, Thiago era o tipico cara por quem eu me perderia num piscar de olhos, olho verde, cabelo ruivo e encaracolado, pose de bad boy mas no fim de tudo uma doçura de pessoa.
Thiago e eu nos conhecemos por acaso em um chat com amigos em comum, foi amor à primeira "vista".
Thiago não era fã de poesia, mas começou a ler poemas de Bukowski porque era meu poeta preferido, Thiago não gostava de ler mas tornou a leitura um ato constante porque eu tinha um carinho especial pela leitura.
depois de uma semana Thiago me chamou pela primeira vez no whatsapp, me contou histórias dele de quando era bebê e eu partilhei igualmente as minhas.
no dia a seguir Thiago não apareceu.
nem no outro.
ou no a seguir a esse.
eu fiquei despesperada e escrevi sobre a falta que eu sentia dele, como se escrevendo sobre ele houvesse a minima possibilidade que voltasse.
aos 14 anos eu achei normal que meu amor sumisse sem me dar qualquer explicação.
aos 14 anos achei que o amor curasse tudo.
uma semana depois Thiago voltou, era uma sexta feira, onze e meia da noite e ele estava bebâdo, me ligou chorando falando que sentia a minha falta e que não sabia o porquê de ter sumido tão de repente sem me dar explicações algumas.
eu perdoei Thiago e continuei escrevendo sobre ele, na esperança de que ele nunca mais me deixasse.
um dia depois Thiago me conta sobre suas bandas favoritas, me faz gostar de slipknot, imagine dragons e de green day. lhe contei sobre pink floyd, arctic monkeys e nirvana.
passamos a madrugada inteira conversando e nos despedimos às oito da manhã porque eu me sentia esgotada.
nessa mesma noite escrevi meu primeiro poema de amor para Thiago.
um mês depois dele ter sumido, me liga por video chamada e me fala que me ama. nesse dia ele me pediu em namoro. prometeu que um dia iria me visitar e me mandou nunca parar de o amar.
aos 15 anos achei normal os sumiços de Thiago, afinal, ele era bem ocupado.
aos 15 anos aprendi que meu amor precisaria me curar de tudo.
Thiago não era mais o garoto doce e simpático que eu achei ter conhecido. Thiago agora era frio, zoava de minha aparência com os amigos e me deixava esperando à chuva em nossos encontros feitos de madrugada.
Thiago me falou para exprimentar meu primeiro cigarro e me culpou por estar viciada neles, um tempo depois falou que a roupa que eu vestia não ficava tão bem quanto no começo aparentavam ficar.
Thiago insistia dia após dia para eu parar de conversar com meus amigos porque um dia eles nos fariam terminar.
Thiago não era mais o garoto simpático que eu achei ter conhecido, Thiago agora era possessivo e abusivo, Thiago queria que eu conversasse apenas com ele e fosse do jeito que ele queria.
três meses antes de tudo acabar Thiago sumiu por semanas, seus sumiços doíam como o inferno.
eu o chamava e ele não me respondia.
eu chorava e ele não dava sinal de vida.
eu implorava para ele voltar e ele n ã o  v o l t a v a.
Thiago parou de citar bukowski quando viu que estava me perdendo.
Thiago parou de ler quando viu que eu estava me libertando dele.
parou de escutar Green day e Imagine Dragons porque sem mim as coisas para ele não pareciam fazer sentido. [foi o que ele me falou.]
então eu voltei a tentar ficar com thiago, porque afinal, é isso que o amor faz. é isso que quem ama faz.
mas Thiago não era mais alguém que eu achava conhecer, ele tinha virado apenas um mero desconhecido.
Thiago era apenas um mero desconhecido e depois de um tempo isso parou de doer.
Thiago foi se afastando e nossa história por aí terminou.
hoje em dia eu não sei falar se estou bem.
não sei falar o tamanho da falta que ainda sinto dele e nem qualificar o quanto ainda o amo.
só sei falar que apesar de tudo, que apesar do tanto que eu queira que a gente tenha dado certo.
eu torço para ele estar sendo feliz, com a melhor pessoa que ele alguma vez possa arranjar.
porque amar é isso.
amar é sacrificar o que a gente sente, pelo bem estar de quem a gente ama.
e apesar de Thiago não me amar mais,
eu torço por sua felicidade.
onde quer que ele esteja.
aos 16 tive a certeza de que meu amor precisou me curar de tudo.
m.
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fabioferreiraroc · 4 years
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A história da mulher que viajou 11 mil km e matou coronel para vingar Che Guevara
Nascida em Munique, em 1937, Monika Ertl era filha do cineasta, escritor, jornalista e alpinista Hans Ertl, que trabalhou com a diretora de cinema Leni Riefenstahl — foram amantes — e chegou a ser cinegrafista do nazista Adolf Hitler (filmou seu encontro com Benito Mussolini, o fascista italiano) e andou com Erwin Rommel pelo Norte da África. Em 1953, julgando-se desprestigiado na Alemanha, mudou-se com a família — a mulher, Aurelia, e três filhas, Monika, Beatrix e Heide — para a Bolívia.
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O jornalista americano Jon Lee Anderson escreveu um livro alentado sobre o revolucionário que, ao lado de Fidel Castro, foi um dos principais líderes da Revolução Cubana de 1959. “Che Guevara — Uma Biografia” (Objetiva, 920 páginas, tradução de M. H. C. Côrtes) é uma autêntica “bíblia” sobre o guerrilheiro argentino. A edição, de 1997, não contém ao menos uma menção à alemã Monika Ertl. Mas sua vida é fascinante, tanto que o cineasta greco-francês Costa-Gravas, de 85 anos, planejou filmar sua vida, com Romy Schneider como atriz principal. Autor do livro “La Mujer Que Vengó al Che Guevara — La Historia de Monika Ertl” (Capital Intelectual, 293 páginas, tradução de Florencia Martin), o jornalista alemão Jürgen Schreiber sugere que, para fazer Roberto (“Toto”) Quintanilla Pereira, o ator ideal seria o francês Alain Delon. (A obra não tem tradução brasileira.)
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Nascida em Munique, em 1937, Monika Ertl era filha do cineasta, escritor, jornalista e alpinista Hans Ertl, que trabalhou com a diretora de cinema Leni Riefenstahl — foram amantes — e chegou a ser cinegrafista do nazista Adolf Hitler (filmou seu encontro com Benito Mussolini, o fascista italiano) e andou com Erwin Rommel pelo Norte da África. Em 1953, julgando-se desprestigiado na Alemanha, mudou-se com a família — a mulher, Aurelia, e três filhas, Monika, Beatrix e Heide — para a Bolívia. Em La Paz, tornou-se amigo de Klaus Barbie, o “carniceiro de Lyon”. Tanto ela quanto o pai parecem personagens de ficção — quiçá de Graham Greene, John le Carré e, até, de García Márquez.
Na Bolívia, Hans Ertl, com o apoio de Monika Ertl, fez filmes, mas acabou isolando-se na sua fazenda, La Dolorida. Monika Ertl casou-se com Hans, um engenheiro rico, mas não era feliz. Quando Hans perguntou-lhe: “Quer ser minha mulher?” Já rebelde, a jovem redarguiu: “Preferia ser sua amante”. Havia sido professora no Instituto Goethe de La Paz e era leitora do escritor alemão Hermann Hesse, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1946.
Ao fazer trabalho social com crianças, na Bolívia, e depois de circular na Alemanha com estudantes de extrema esquerda, Monika Ertl começou a se interessar pelas ideias de Ernesto Che Guevara — que havia sido morto, em 9 de outubro de 1967, pelo governo boliviano. Ela apreciava as ideias da Teologia da Libertação.
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Doutrinada por integrantes do Ejército de Liberación Nacional (ELN), de linhagem guevarista, Monika Ertl se aproximou de Guido “Inti” (“Sol” em quéchua) Peredo, que havia lutado com Che Guevara (era um dos cinco sobreviventes do “exército” cubano-boliviano). Era um dos favoritos do líder guerrilheiro. Adotou o nome de “Imilla” (significa “menina indígena”).
Apaixonada por Inti Peredo, tornou-se uma guerrilheira exemplar (entrou para o ELN em 1969). Disse aos companheiros que não temia cair “como um soldado” e “estava dis­posta a morrer pela causa” comunista.
Morte de Inti
Inti Peredo, o Guevarinha da Bolívia, era um ideólogo de família proeminente, doutrinado e treinado militarmente em Cuba. Com a morte de Che Guevara, assumiu o comando do ELN. Seus irmãos, Coco e Chato (formado em Moscou), também eram guerrilheiros.
Che Guevara sublinhava que Inti Peredo tinha grande valor físico e moral, não era um mero tarefeiro. Ele continuou a luta, avaliando mal a correlação de forças. Em 9 de setembro de 1969, traído por um militante do Partido Comunista (comprado por 4 mil dólares) e encurralado no bairro El Rosario, é morto por militares e policiais coordenados pelo ás do Serviço Secreto da Bolívia, Roberto Quintanilla. “Nesse dia, Quintanilla irrompeu, de maneira decisiva, na vida de Monika Ertl. Havia matado Inti justo numa das poucas vezes em que ele não dormiu na sua casa”, relata Jürgen Schreiber.
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Terminada a batalha, autêntico “banho de sangue”, Roberto Quintanilla “posa junto ao corpo de Inti Peredo”. Mesmo sendo um homem da Inteligência do governo, não soube permanecer no anonimato e atraiu a fúria da esquerda. “No dia em que quis converter-se em uma figura imortal passou a ser um homem morto.”
Roberto Quintanilla já era odiado pela esquerda mundial porque teria sido o agente que sugeriu que as mãos de Che Guevara fossem cortadas para comprovar que se tratava mesmo do guerrilheiro argentino. Cuba lançou a “maldição do Che”. Aqueles que contribuíram para a execução de Che Guerra deveriam ser mortos. “A maldição lançada por Fidel recaiu”, de maneira mais acintosa, sobre o coronel. “O vencedor pagará com a vida”, teria dito Fidel Castro. O ELN proclamou “¡Victoria o Muerte!” “Nenhum culpado morrerá na cama”, bradou o Exército de Libertação Nacional.
O ELN estava quase tão morto quanto Che Guevara e Inti Peredo. Mas Chato Peredo e outros ativistas decidiram reorganizá-lo, mais uma vez sem entender que a correlação de forças não lhes era favorável. Jürgen Schrei­ber ressalta que, sob o comando do irmão de Inti Peredo, o ELN se perde. No conflito com militares e policiais, quase 60 guerrilheiros foram “sacrificados”, frisa o jornalista. O governo boliviano chegou a usar napalm (o que não havia feito contra Che Guevara). Os chefes da esquerda justiçaram aqueles que consideravam como traidores.
Crime e Feltrinelli
A cúpula do ELN escapa para o Chile do presidente socialista Salvador Allende. Lá, Chato Peredo apaixona-se por Monika Ertl e o ELN, em conluio com Cuba, planeja o assassinato de Roberto Quintanilla. Matar o coronel significaria provar que o ELN estava ativo.
A participação de Monika no assassinato de Roberto Quin­ta­nilha tem duas explicações. A política é que, sendo uma militante disciplinada, tinha de cumprir a determinação do grupo político ao qual pertencia, o ELN (bancado por Cuba). A emocional é que o coronel havia articulado o assassinato do amor de sua vida, Inti Peredo. Matá-lo era uma vingança política e afetiva. Ela se considerava sua “viúva”. A jovem de 33 anos “era capaz de fazer qualquer coisa por Inti”. Escreveu o poema “Cristo de Setembro” sobre o parceiro. O outro ídolo da revolucionária era Che Guevara (identificava-se com sua crítica ao imperialismo), também morto por homens de Quintanilla. Os dois eram vistos como “sacrossantos”.
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Jürgen Schreiber assinala que a “paixão” de Monika Ertl por Inti Peredo foi “fatal” e sua “paixão” contra Roberto Quintanilha, impiedosa. Ao circular com esquerdistas alemães, ela dizia sobre o homem que admirava e amava: “Uma pessoa importante, um grande revolucionário”. O manifesto “Voltaremos às Montanhas”, escrito por Inti Peredo, havia sido traduzido na A­lemanha. O jornalista sustenta que a bela guerrilheira seguia as “escrituras” de Che Guevara e Mao Tsé-tung (a esquerda da Alemanha Ocidental o tratava como deus) de modo dogmático.
Na Alemanha, Monika descobre um novo amor, Reinhard H., irmão de seu ex-marido. Ele também era de esquerda. O conselho de mulheres da União Socialista Alemã de Estudantes (SDS) contribuiu para ampliar a militância esquerdista da jovem, mas teria sido um cubano da embaixada de Londres quem teria aberto as portas do ELN para a jovem. Ela mantinha ligação com a Fração do Exército Vermelho da Alemanha Ocidental (capitalista) e com a Comuna Babeuf.
O assassinato
Chato Peredo conta que Mo­nika foi escolhida para matar Roberto Quintanilha, que havia sido enviado à Alemanha — era cônsul-geral em Hamburgo (o objetivo era protegê-lo) —, porque falava alemão fluentemente e não despertaria suspeitas. Era, afinal, uma alemã visitando a Alemanha Ocidental (o país não estava unificado). Antes, o serviço secreto de Fidel Castro havia treinado dois irmãos venezuelanos para assassinar o coronel, mas, dados os riscos, abortaram a ação. Eles já estavam na Áustria.
Excelente atiradora — havia aprendido com o pai —, Monika Ertl queria matar Roberto Quintanilha. Era uma mulher de uma coragem inaudita. O francês Régis Debray escreveu que “nunca tinha medo”. O planejamento do assassinato se deu na Bolívia, Chile, Cuba, Dinamarca, Itália, Londres, Alemanha e Suíça. A embaixada cubana em Londres deu informações sobre o trabalho do cônsul em Hamburgo (ele estava na cidade desde julho de 1970). Aos aliados, a guerrilheira disse que planejava acabar com as “maquinações” do governo militar boliviano. “Monika havia selado um pacto com o ELN que não tinha volta, sua vida anterior havia deixado de ser real”, anota Jürgen Schreiber.
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O líder-chave por trás do assassinato de Roberto Quintanilla é o cubano Fidel Castro, que usou seus agentes, como o italiano Giangia­como Feltrinelli — editor das obras-primas “Doutor Jivago”, de Boris Pasternak, e “O Leopardo”, de Tomasi di Lampedusa —, o jornalista e escritor dinamarquês Jan Stage, o boliviano Chato Peredo (chefe do ELN) e o argentino “o gordo Carlos”, para financiar e oferecer logística para a ação de Monika Ertl. Dois homens de Fidel Castro, Manuel Barbarroja Piñeiro, o James Bond do Caribe, e Ángel Gustavo Brugués, da Inteligência de Cuba, atuaram como operadores. O Serviço Secreto Cubano, o ELN, os Grupos de Ação Partisan (GAP), dos quais participava Feltrinelli e a extrema esquerda alemã coordenaram, direta ou indiretamente, o crime. Embora dirigido por Cuba, o assassinato teria sido articulado primeiramente no Chile, no parque de uma universidade de Santiago.
Decidido que Monika Ertl seria a assassina de Roberto Quintanilla, a rede de espiões, tanto em Londres — a embaixada cubana era um celeiro de agentes — quanto na Alemanha, começou a municiá-la de informações. O consulado boliviano fica num bairro tranquilo de Hamburgo, na Heilwigstrasse 125. Curiosamente, embora não tenha interessado à polícia, militantes da esquerda alemã, uma comuna, vivia no mesmo edifício. O Serviço Secreto Cubano, organizado por Markus Wolf, da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, proclama: 1969 é o “ano do esforço decisivo”. Era a determinação para matar o homem que havia “vilipendiado” Che Guevara e Inti Peredo.
Ao viajar para a Europa, para cumprir sua missão, Monika Ertl possivelmente usava passaportes falsificados pelo Serviço Secreto Cubano. “É possível que a guerrilheira tenha aprendido em Cuba técnicas de luta corpo a corpo e outras coisas”, diz Jürgen Schreiber.
Radical chic e milionário, Fel­trinelli não se contentava em financiar grupos políticos de extrema esquerda. Participava de atos terroristas e explodiu a si próprio, em 1972, quando tentou cometer um atentado. Era, segundo cubanos, um dos principais agentes de Fidel Castro (e dos palestinos) na Europa (o editor havia sido treinado como agente em Cuba e na Tchecoslováquia).
Instado a participar da operação, como financiador, para assassinar Roberto Quintanilla, o editor aproximou-se de Monika Ertl — com quem, supostamente, teve um caso. Ela admirava seu charme aristocrático e ele admirava a revolucionária intimorata. O milionário de Milão esteve em La Paz, estabelecendo relações com militantes do ELN, mas acabou preso por policiais dirigidos por Roberto Quintanilla. No Brasil, o notável editor apoiou a Ação Libertadora Nacional, de Carlos Marighella. Até o cineasta italiano Luchino Visconti teria dado apoio à ALN.
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Manuel “Barbarroja” Piñeiro ordena que Feltrinelli e Jan Stage criem a estrutura adequada para Monika Ertl matar Roberto Quintanilla. Do Chile, a guerrilheira segue para a França. Num barco, Feltrinelli entrega-lhe um Colt Cobra 38 Special (de origem americana). Espantosamente, era uma arma comprada no mercado legal e registrada no nome do editor, o que, mais tarde, levou à sua identificação.
A viagem de Monika Ertl para Hamburgo pode ter sido financiada por Feltrinelli. Uma soma elevada teria sido entregue por Jan Stage a Chato Peredo (há até recibo assinado pela guerrilheira). É provável que, como agente de Fidel Castro, o editor estivesse monitorando a assassina de Roberto Quintanilla (num período, ela chegou a criticar Cuba: “Uma demência, um passatempo chamado revolução”. A ligação de Cuba com a União Soviética desagradava Che Guevara; o país de Lênin, Stálin e Nikita Kruchev seria imperialista).
Inicialmente, como havia sido sargento e sabia atirar, Jan Stage chegou a ser cotado para matar o cônsul. Porém, por vontade própria, quase uma exigência, Monika Ertl decidiu que o papel era seu.
Jan Stage pode ter acompanhado Mônica Ertl ao sul da França para pegar o Colt Cobra com Feltrinelli. No dia 1º de abril de 1971, o do assassinato de Roberto Quintanilha, o dinamarquês estava em Hamburgo.
No dia 25 de março, uma mulher ligou e disse que iria ao consulado para buscar informações e imagens sobre o folclore da Bolívia.
Já no consulado, Monika Ertl conversou com Roberto Quintanilla, que parece ter ficado impressionado com sua beleza (tinha corpo e rosto de modelo) — apesar de ter pressentido que havia alguma coisa errada. Ele pediu à secretária que passasse folhetos para a “turista”. Ao sair da sala, dirigindo-se ao corredor, foi seguido, levou três tiros e caiu. Sua mulher, Anna Quintanilla, lutou com Monika Ertl e derrubou o revólver. Na refrega, caíram a peruca, o revólver, botões de um casaco, uma toalha de mão, óculos e uma jaqueta. A guerrilheira cumpriu seu objetivo, ao matar o coronel, mas agiu com certo amadorismo.
Aos 43 anos, o cônsul só conseguiu dizer a Anna Quintanilla: “Cuide dos meninos!”. Chegou a ser atendido por médicos, mas não resistiu.
Jürgen Schreiner diz que, “até o dia de hoje [seu livro saiu na Alemanha em 2009], não se sabe como” Monika Ertl “chegou à cena do crime” e desapareceu “sem deixar rastros”.
Monika viajara 11 mil quilômetros para matá-lo. “A morte de Quintanilla numa cidade tão distante de seu lugar de origem tinha o propósito de chamar a atenção para os assassinatos e torturas cometidos pelo governo boliviano” — uma ditadura cruenta — e, claro, era uma vingança contra o coronel que havia contribuído para matar Che Guevara e Inti Peredo.
Fuga de Monika
A polícia de Hamburgo revelou que Jan Stage dirigiu o automóvel em que Monika Ertl escapou da embaixada. Anna Quintanilla afirmou que a guerrilheira saiu pela porta da frente do consulado. A secretária corroborou a informação. Mas acrescentou: “Não sei como a mulher pôde abandonar a Heilwigstrasse tão rapidamente”. Poderia ter saído pela porta traseira. Ela pode ter se escondido na comuna que existe no mesmo edifício? É uma possibilidade, um golpe de mestre. Porque, apesar de a polícia vasculhar o bairro, nada encontrou.
Cometido o atentado, Monika Ertl vai para o Chile de Allende e, rapidamente, para Cuba. Temia ser assassinada. Entretanto, contrariando todas as advertências — “era a mulher mais caçada da Bolívia” —, volta para a Bolívia pouco depois. O ELN estava se retirando da luta e ela retornava para comandar um exército fantasma. Passou a ser a cabeça do Exército de Libertação Nacional. Os líderes da organização estavam à salvo no Chile e em embaixadas estrangeiras. “Na pior fase da ditadura de [Hugo] Banzer, ela ficou ali, presente. É ‘um exemplo de coragem revolucionária e entrega absoluta pela causa’, proclamam seus companheiros”, registra Jürgen Schreiber. Ela imprime e distribui o periódico clandestino “El Inti”. “Era como bailar em cima de um vulcão.”
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O codinome de Monika Ertl era, além de Imilla (demonstra sua identificação com as lutas dos bolivianos), Nancy Fanny Miriam Molina — seria argentina. Circulava disfarçada pelas ruas da Bolívia, notadamente em La Paz (companheiros não conseguiram retirá-la do país). Mas o serviço secreto a monitorava, esperando a hora certa para capturá-la. Na Rua Entre Ríos, em La Paz, paramilitares (com o suposto apoio de Klaus Barbie) a cercaram e, no 12 de maio de 1973, a mataram (morreu em questão de segundos). Ao seu lado, foi executado o argentino Osvaldo Ucasqui. Ela tinha 35 anos e chegou a reagir, mas estava isolada, sem saída. A espiã que a delatou recebeu 20 mil dólares (a oferta para entregar Che Guevara era de 4.200 dólares). O governo boliviano não entregou o cadáver da guerrilheira à sua família. Seu pai morreu, em 2000, aos 90 anos.
Jürgen Schreiber pergunta: Monika Ertl “pagou com sua vida um autoengano colossal?” Inspirando-se em Cuba, na luta que começou em Sierra Maestra, os líderes e militantes do ELN acreditaram que poderiam fazer o mesmo na Bolívia. Mas havia uma diferença crucial. Na Bolívia, a ditadura, em plena Guerra Fria, tinha o apoio militar e financeiro dos Estados Unidos. Os militares que caçaram e mataram Che Guevara haviam sido treinados por boinas-verdes americanos e a área de Inteligência foi qualificada pela CIA. Os guerrilheiros não tinham o apoio da população — estavam isolados — e a mínima estrutura para vencer e abalar o governo dos militares bolivianos. Neste sentido, talvez seja possível responder positivamente: o autoengano de Monika Ertl e seus aliados foi colossal. Uma espécie de suicídio político e militar.
Segundo Jürgen Schreiber, Monika Ertl queria ser uma “heroína da liberdade”. A alemã, que não era ideóloga, acreditava na construção de um mundo justo, quer dizer, comunista. Era mais identificada com o radicalismo de Che Guevara — devoto do foquismo e da revolução permanente (embora não fosse trotskista) — do que com a realpolitik de Fidel Castro (aliados dos soviéticos).
Guimarães Rosa
No final do livro, Jürgen Schreiber escreve: “Para retardar o processo de decomposição, injetaram formaldeído [no corpo de Che Guevara]. E então seus olhos voltaram a abrir como se ele quisesse observar seus assassinos. Os livros dedicaram suas páginas à lenda: um cadáver que voltava a abrir os olhos pronto sairia em busca de outro” cadáver [“un cadáver que volvía a abrir los ojos ‘pronto’ saldría em busca de otro” — é uma referência a Roberto Quintanilla], leio nas novelas de João Guimarães Rosa, ex-cônsul-geral do Brasil em Hamburgo. Assim aconteceu com seu colega boliviano” (Roberto Quintanilla). A citação ao autor do romance “Grande Sertão: Veredas” não me parece oportuna, mas, como não sou especialista na sua obra, não tenho como contrapor ao que escreve o jornalista.
“As três seguidoras mais conhecidas do Che são alemãs. Tamara Bunke Bider, de Berlim Oriental [teria nascido na Argentina], e a estudante de Arquitetura de Gotinga [Göttingen], Jenny Koehler, também pagaram sua defesa do ELN com suas vidas”, revela Jürgen Schreiber. A terceira foi Monika Ertl. A história de Tamara Bunke Bider pode ser conferida no excelente livro “Tamara, Laura, Tânia — Un Misterio en la Guerrilha del Che” (Del Nuevo Extremo, 435 páginas), do economista e professor universitário Gustavo Rodríguez Ostria, por sinal, uma das fontes do livro de Jürgen Schreiber.
O escritor boliviano Rodrigo Hasbún escreveu um romance sobre a história da família de Monika Ertl — “Os Afetos” (Intrínseca, 128 páginas, tradução de José Geraldo Couto). Há um documentário sobre a guerrilheira: “Procurada — Monika Ertl”, de Christian Baudissin. Régis Debray escreveu um romance sobre a revolucionária alemã: “La Neige Brûle” (“La Nieve Quema”).
A história da mulher que viajou 11 mil km e matou coronel para vingar Che Guevara Publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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bluelikeatardis · 4 years
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Nós (parte I)
Dia 16/04 -00:58
Passou da hora de fazer um pedido, mas eu te concedo um por que eu te adoro. Acho que está um pouco cedo pra eu estar escrevendo coisas sobre você. Não sei se é porque acabei de assistir um filme romântico, porque está tarde ou porque eu simplesmente não consigo parar de pensar em você; e todos os versos que eu posso escrever pra te dizer que te amo vão ser meros melodramas comparados ao que eu verdadeiramente sinto. Às vezes eu quero te enforcar, sabe? Não do jeito bom, mas tu me fazes perder a calma de uma forma que ninguém mais faz. E acho que este é o ponto: não o possível homicídio, mas o jeito que tu me fazes sentir. Eu que sempre quis alguém pra me fazer companhia e que sempre desejei alguém que escrevesse mil cartas de amor em uma semana, te encontrei. Justo por você fui me apaixonar, alguém que odeia ler textos e poemas longos e que é mais caseiro que uma tartaruga. O teu jeito de ser me fascina, de verdade. Você é exatamente tudo o que eu nunca esperei amar, e cá estou eu depois de tantos meses sendo ansioso e escrevendo sobre você 9 dias antes do seu aniversário, em formato de carta aberta e com uma saudade imensa no peito.
Eu acho que eu nunca encontrei quem me fizesse sentir o que tu me fazes. Desde o primeiro dia, desde as primeiras palavras e risadas que trocamos enquanto embriagados no chão da tua sala. Quantas memórias daqueles dias e quantos minutos de sentimentos impossíveis. Acho que devo explicar um pouco pra quem não conhece como nós viramos nós, então deixa eu fazer um breve resumo:
Tudo começou quando eu estava em casa escutando uma música de rompimento e chorando pela quinquagésima vez por um pé na bunda. Era copa do mundo e todo mundo estava na rua, comemorando como se fosse o carnaval, mas eu que não gosto de futebol não arredei o pé de casa. Lembro que naquele dia eu perguntei a moça que trabalhava no caixa do supermercado até que horas iria ficar aberto (caso eu precisasse de algo mais forte depois das primeiras lágrimas) e ela me disse que só por mais uma hora, pois o grande jogo iria começar. Como o lugar estava vazio, eu pedi pra ela esperar porque tinha esquecido de passar uma coisa e corri pro corredor das bebidas pensando em qual me deixaria mais bêbado em menos tempo e por um preço acessível. Peguei o necessário, alguns sacos de amendoim e chocolate e parti pra casa, onde iria aproveitar a tarde ouvindo meus CD’s, bebendo e dançando sozinho músicas não dançantes. E aí, enquanto eu ficava mais bêbado, mais me atirava em conversas aleatórias com estranhos que tinham segundas intenções, mas no estado de espírito que me encontrava não achava ruim, afinal precisava levantar minha moral. E aos poucos as conversas morreram, pois estavam todos entretidos demais no estúpido jogo. Convites surgiram e foram rejeitados. Eu fiquei só, afogando minhas mágoas, tentando achar algo que fizesse sentido em meio da varanda que girava e girava. Até que uma música rompeu do meu celular pra caixa de som, reverberando cada nota enquanto eu gritava a letra e chorava desesperadamente. Depois de repetir no mínimo dez vezes a mesma música e terminar o último copo de cachaça eu me deitei pra ver o teto do meu quarto girar.
Foi aí que o celular voltou a vibrar. Você também não estava assistindo ao jogo e começamos a conversar sobre música: eu te indiquei a música que estava me fazendo bem e chorar ao mesmo tempo e você me indicou uma musica também. Entramos em consenso nas bandas, achamos nosso estilo favorito, entramos e saímos de assuntos que não cabiam a desconhecidos. Eu te contei da minha dor de cotovelo e você me contou das tuas. Lembro que tu se despediu por que tinha que trabalhar na manhã seguinte. Logo quando acordei acho que eu pensei em ti. Não como o primeiro pensamento, mas você estava ali entre eles e te mandei uma foto minha de cabeça pra baixo de bom dia. Você sorriu e mais uma vez conversamos sobre tudo e nada ao mesmo tempo, trocamos número de telefone, histórias do passado e fotos embaraçosas por causa do tédio. Pra mim estávamos construindo uma bela amizade e meu apego começou daí. Logo você me chamou pra ir na sua casa em um final de semana, e eu, com medo por não ter te conhecido pessoalmente, tentei chamar mais pessoas para ir comigo a esse encontro; felizmente ninguém topou. Iríamos ser só você e eu. Peguei dois ônibus para chegar até você. Estava tentando esconder meu medo na minha touca cinza favorita dada pelo meu melhor amigo. Desci do ônibus e te esperei, ainda assustado pensando que poderia ser algum tipo de sequestro. Você veio de longe e acho que a primeira impressão que tive de você foi que você parecia ser mais alto do que nas fotos e mais forte também. Eu não sabia muito bem, mas todo o encanto pelo seu sorriso começou a partir desse momento em que nos encontramos e eu te pedi pra não me matar naquele dia. Você sorriu e nós fomos comprar bebida no posto perto do seu prédio. Eu estava me sentindo horrível com a roupa que tinha escolhido, pois nunca me sinto confortável usando roupas claras, mas eu fui por que era a que combinava com a bendita touca e os all star. Eu tinha alguns motivos de não querer perambular por onde você queria ir e naquele momento você pôde sentir o quanto estúpido eu era.
Saímos do posto, com as bebidas compradas. Não lembro quem pagou, só lembro de uma amiga sua falando pra você ter juízo durante a noite e eu ri, achando que era inimaginável nós dois juntos. Subimos 3 andares até chegar na sua “cobertura”. Cheguei afagante e já daí quis te esganar como ninguém, mas você acabou ganhou um voto de confiança dizendo que iria fazer frango frito pra nós bebermos como tira-gosto. Eu sentei na cadeira disponível perto do computador e comecei a colocar músicas aleatórias que também não me lembro mais. A noite estava quente e estávamos nos esfriando com goles de cervejas e estórias. Lembro-me de nossas risadas, do nosso canto errôneo e fora do tom e todo aquele burburinho que só nós estávamos fazendo. Lembro também de me sentir estranhamente atraído por você, algo que nunca havia acontecido com nenhum cara antes, mas seu jeito de sorrir, seu andar, sua embriaguez estavam fascinantes e ali eu estava descobrindo o que eu iria sentir por você até hoje.
Depois de secarmos alguns vasilhames, precisei usar seu banheiro. Quando saí e apaguei a luz você tinha literalmente desaparecido. Olhei na sala, na cozinha e no quarto da sua colega de quarto e você não estava em canto nenhum. Nesse momento eu tive a ideia de olhar no seu quarto e lá estava você, jogado na cama no terceiro sono enquanto eu confuso não sabia o que fazer. Decidi terminar a cerveja e talvez ir embora ou esperar você acordar, mas quando percebi a hora da noite e que não havia mais ônibus pra voltar, nem muito menos dinheiro, eu decidi me jogar (literalmente) em cima de você por alguns motivos: 1- eu não tinha outra alternativa; 2- eu estava bêbado; 3- você estava na frente do ventilador. Antes de olhar pro outro lado, verifiquei se você estava respirando e aí consegui cochilar o suficiente para passar um pouco da embriaguez. Quando acordei você estava todo encolhido e tremendo de frio. Era muito estranho, afinal estava fazendo muito calor e eu tinha roubado seu canto na frente do ventilador. Chequei sua testa e você estava queimando de febre. Fiquei nervoso pensando em como iria te levar pra alguma emergência aquela hora, mas me acalmei e cuidei de pegar remédio antitérmico que sempre levo comigo (junto com vários outros) e te dei água, muita água. Você não gosta de tomar remédio, mas acho que naquele dia, como você mal me conhecia, decidiu deixar que eu tomasse conta de você. Passaram-se vários minutos até eu poder relaxar ao te ouvir roncar e checar novamente sua temperatura. Dessa vez eu coloquei o ventilador mais perto e saí do caminho para que você pudesse receber o ar frio. Depois de uma hora que você tinha tomado o remédio, sua febre baixou e eu pude relaxar e aproveitar o quarto girando só pra mim. Me virei pro outro lado da cama e tentei novamente dormir, mas estava preocupado e ficava medindo sua temperatura constantemente. Creio que depois que realmente vi que sua febre tinha passado, consegui cochilar mais uma vez. Sonhei com algo que não lembro mais, mas quis te contar naquele momento. A partir desse sentimento de querer te contar algo, as lembranças da noite vieram aos poucos. Eu não me virei, estava no meu canto pensando em como tudo tinha se desenrolado até ali e fiquei abismado com o desejo enorme que senti de te abraçar. Meu coração estava disparado. Eu não sabia muito bem o que fazer e tentei abafar esse novo sentimento pra dentro, mas teu cheiro e a proximidade a ti fizeram ser uma opção inviável. Então, ofegante, me virei para o seu lado e fiquei te olhando dormir. Quando você abriu os olhos eu ia mais uma vez verificar sua temperatura, mas minha cabeça teve uma ideia de puxar você para um beijo. E foi o que eu fiz. Na calada da noite, te beijei sem saber seu último nome.
-WHAT? Foi só o que você respondeu antes de retribuir meu beijo. Você estava espantado, mas não deixou de reciprocar meu carinho. Eu tinha medo que você estivesse encarando aquilo como alguma conquista e não como algo especial que foi. Enquanto passavam-se as horas, conversávamos sobre o que tinha acontecido enquanto ouvíamos músicas novas e nos beijávamos. Eu que nunca tinha beijado nenhum homem na vida tentei explicar o que me levou a te beijar e lembro também de pedir desculpas por ter te roubado um beijo, embora você não tenha se importado. Ficamos juntos de mãos dadas, nos acariciando até o sol nascer, com os pés pra fora da janela, observando o alvorecer de um novo dia. E com as luzes laranjas fomos dormir de verdade. Acordamos naquela tarde ainda confusos, mas completamente felizes. Creio que posso falar por nós dois que tínhamos sentido uma conexão única naquela noite e quando tive que partir senti uma imensa solidão, porque por uma madrugada eu não me senti mais sozinho, por algumas horas senti alguém sendo recíproco. Lembro de te deixar naquela parada sozinho com o coração apertado e morrendo de vontade de te dar mais um beijo. Não sabia o que seria de nós depois daquilo. Quem diria que naquelas primeiras semanas nos encontramos quase todos os dias. E nossos sentimentos foram se expandindo e virando essa bela história de amor.
E hoje, depois de tantos meses juntos, é hora de celebrar mais um ano da tua vida. E que dádiva te ter presente na minha. Te parabenizo por ser um ser não-tão-honesto, mas incrivelmente especial e brilhante, por ser corajoso e protetor e por nunca desistir de seus ideais. Agradeço por você conseguir encarar minhas infinitas crises de ansiedade e me abraçar tão forte quando estou em pânico. Você é uma pessoa tão especial e eu não poderia deixar de te lembrar disso em seu aniversário. Te amo, Mooncake.
Forever Yours,
   -Doug
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