#Prof. Dr. José Antônio Marengo Orsini
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geografiaspace · 4 years ago
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Recursos Hídricos e Rios voadores
O reconhecimento da água como elemento importante para a vida vem, ao longo dos tempos, ensejando a edição de normas de uso cada vez mais restritivas. No Brasil, o sistema de gerenciamento de recursos hídricos veio consolidar a gestão dos recursos hídricos, de modo a pautar suas regras na fundamental importância à vida e saúde dos seres vivos, a partir do que preceitua nossa Constituição, de forma a preservar sua qualidade e quantidade para garantir seus usos múltiplos e acesso a todos os seres que dela dependem para sua sobrevivência.
A adoção de regras voltadas à proteção dos processos que envolvem o ciclo hidrológico é um caminho que os legisladores já têm seguido. No Brasil, alguns dos princípios da Gestão Integrada de Recursos Hídricos – GIRH (Integrated Water Resources Management - IWRM), cujo objetivo é promover, paulatinamente, mudanças na forma de fazer políticas públicas e planejamento de recursos hídricos, já estão presentes em algumas de nossas leis. Entretanto, fundamentos importantes da gestão integrada ainda não foram adotados pela política nacional de gerenciamento de recursos hídricos, como por exemplo, a inclusão de instrumentos para inter-relacionar as políticas de conservação de solo e florestas, além da valorização do ciclo hidrológico, considerando a água em sua fase aérea (águas atmosféricas). Tais questões devem ser inseridas nos textos legais, pois direta ou indiretamente afetam a disponibilidade dos recursos hídricos (em qualidade ou quantidade), assim como uma visão holística do ciclo hidrológico é fundamental para propiciar um ambiente de mudança. Ribeiro, em sua obra “Ecologizar”,propõe introduzir a dimensão ecológica nos vários campos da vida e da sociedade e enfatiza o fato de a cultura ocidental ter seus valores dissociados das leis da natureza.
Para o autor: A visão ecológica a partir de cada um desses ângulos, a capacidade de perceber a realidade ambiental por meio de vários filtros e lentes, aproxima-nos da visão holística da ecologia, na qual a percepção do todo é enriquecida pela visão mais detalhada de cada uma de suas partes. (Ribeiro, 2000, p.23).
A ecologia então nos revela que a natureza se manifesta por meio de conexões e é composta por sistemas, devendo sociedade e Poder Público pautar as políticas de conservação da natureza partir dessa visão. Ao estabelecer instrumentos de gestão e ações para proteção dos recursos naturais que foquem apenas no seu aproveitamento pela espécie humana, gerenciando conflitos resultantes dos usos múltiplos, o modelo de gestão distorce o sentido da relação homem-natureza. Não se pode reduzir o meio ambiente a um  simples reservatório de recursos para que, na medida de nossa conveniência, seja transformado em depósito de resíduos. Assim, a evolução da gestão de recursos hídricos que, durante a maior parte do século XX, era voltada à construção de grandes estruturas, como barragens e canalizações de cursos de água, cujos projetos visavam o uso máximo desse recurso natural, em razão de sua abundância.
Nos últimos anos, vários países têm focado a gestão num sistema orientado e planejado, envolvendo um conjunto de princípios a partir dos quais são elaborados documentos que buscam uma gestão sustentável, levando em consideração os valores sociais. A partir de tais regras são montadas as estruturas gerenciais cuja finalidade é proteger os recursos hídricos. Entretanto, esse modelo tem sua implementação recente e ainda não atinge a todos os países, por exemplo, os em desenvolvimento. Entre as linhas de gestão mais difundidas no mundo, e baseadas nessa nova premissa, está a Gestão Integrada de Recursos Hídricos – GIRH, que tem como objetivo promover mudanças a longo prazo na forma de fazer políticas públicas e planejamento de recursos hídricos. A principal estratégia da GIRH é envolver usuários, autoridades, cientistas, organizações, instituições públicas e privadas e toda a sociedade, realizando análise completa das interações entre homem e ecossistemas, em âmbito local, regional e global. (Tundisi & Matsumura-Tundisi, 2011).
Políticas inadequadas a uma visão da água como recurso e regras que não alcançam uma proteção real demonstram o fracasso legal, administrativo ou até constitucional. As políticas de recursos hídricos devem, por exemplo, levar em consideração outras políticas setoriais (como política energética e de uso do solo) e, e vice-versa, o que não ocorre em muitos países. Políticas e planos referentes à utilização do solo e da matriz energética, especialmente quando envolvem o desenvolvimento econômico, se pouco coordenadas à política de recursos hídricos, podem ter consequências que afetem direta ou indiretamente a gestão de tais recursos se focadas em exploração e desenvolvimento. Mecanismos Inter setoriais de coordenação são apontados como alternativa para solucionar a questão, desde que estabelecidos no mesmo nível em que a política é formulada, haja comprometimento e haja procedimento para trabalhar com outras atividades econômicas e sociais previsto em lei. (GWP TOOLBOX,2011).
No entanto, estabelecer tais mecanismos não é fácil já que, segundo Dourojeanni, Jouravlev e Chávez (2002) há pelo menos cinco formas distintas de integração: a integração dos interesses dos diversos usos e diferentes usuários de água e a sociedade; a integração de todos os aspectos relativos à água que tenham influência em seus usos e usuários (quantidade, qualidade e tempo de ocorrência); a integração dos componentes da água e das diferentes fases do ciclo da água (águas superficiais, subterrâneas e atmosféricas); a integração da gestão da água e da gestão dos outros recursos naturais e ecossistemas relacionados; além da integração da gestão da água com as atividades que causam intervenção no meio ambiente mas que promovem desenvolvimento econômico, social e ambiental. Percebe-se, assim, que as leis das águas são ferramentas importantes para apoiar a GIRH, e devem conter seus elementos basilares, quais sejam, gestão holística, abordagem participativa, usos e perspectivas múltiplas da água, além de considerar o papel da mulher no processo de gestão.
O ciclo hidrológico promove a renovação do volume de água, pois com precipitação, evaporação, transpiração, infiltração, percolação e drenagem há a circulação da água na superfície da Terra.
Esse fenômeno é assim descrito por Silveira: O ciclo hidrológico é o fenômeno global da circulação fechada da água entre a superfície terrestre e a atmosfera, impulsionado fundamentalmente pela energia solar associada à gravidade e à rotação terrestre.[...] parte do ciclo hidrológico é constituída pela circulação da água na própria superfície terrestre, isto é: a circulação de água no interior e na superfície dos solos e rochas, nos oceanos e nos seres vivos. (SILVEIRA, 2007, p.35).
Ademais, o ciclo hidrológico da Amazônia tem um papel significante no clima do Brasil. Segundo Salati:
A região Amazônica é também uma fonte de vapor de água para as regiões circunvizinhas. Existem evidências de que há um fluxo de vapor de água do norte para o sul durante o ano todo, e é provável que uma parte do vapor de água que origina as chuvas da região central da América do Sul seja proveniente da bacia Amazônica. (Salati, 1983, p.32).
Tal fenômeno foi batizado pelo Prof. Dr. José Antônio Marengo Orsini, pesquisador do CPTEC/INPE, de “rios voadores” e originou um projeto de pesquisa com o mesmo nome que tem entre seus objetivos “seguir e monitorar a trajetória dos ‘Rios Voadores’ procurando entender as consequências do desmatamento e das queimadas na Amazônia sobre o balanço hídrico do país e sua participação no panorama das mudanças climáticas.” (Rios Voadores, 2011).
youtube
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=uxgRHmeGHMs
No sítio desse projeto o fenômeno é descrito como: Rios voadores são cursos de água atmosféricos que passam em cima das nossas cabeças transportando umidade e vapor de água da bacia Amazônica para outras regiões do Brasil. 
A floresta amazônica funciona como uma bomba d'água, ela puxa para dentro do continente umidade evaporada do oceano Atlântico que, ao seguir terra adentro, cai como chuva sobre a floresta. Pela ação da evapotranspiração da floresta esquentada pelo sol tropical, as árvores devolvem a água para a atmosfera na forma de vapor de água, que volta a cair como chuva mais adiante. Sempre propelidos pelos ventos, os rios voadores carregam este vapor de água em direção ao oeste onde encontram a barreira natural formada pela Cordilheira dos Andes, fazem a curva e continuam seu trajeto rumo ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Ao se encontrar com certas condições meteorológicas, como uma frente fria, por exemplo, essa umidade trazida da Amazônia pelos rios voadores (que a gente nem percebe) pode ser transformada em chuva. Chuva essa que é de suma importância para nossa vida e para a economia do país, irrigando as lavouras, enchendo os rios terrestres e as represas que fornecem nossa energia. (Rios Voadores, 2011).  
A ocorrência do ciclo hidrológico depende, portanto, da harmonia de um conjunto de elementos da natureza, e se por alguma razão, seu funcionamento é alterado, diversas podem ser as consequências, incluindo as variações de quantidade qualidade de água. Tais consequências são potencializadas numa bacia como a Amazônica.
Sintetizam Salati, Lemos e Salati: "A interação contínua e constante entre a litosfera, a biosfera e a atmosfera acaba definindo um equilíbrio dinâmico para o ciclo da água, o qual define, em última análise, as características e as vazões das águas.[... Qualquer modificação nos componentes do clima ou paisagem alterará a quantidade, a qualidade e o tempo de residência da água nos ecossistemas e, por sua vez, o fluxo de água e suas características no canal principal do rio.” (Salati; Lemos; Salati, 2006, p.39).
E, no Brasil, especialmente na bacia Amazônica, as condições físicas e biológicas dos ecossistemas podem interferir no clima e no regime das águas de parte do continente. A região, além possuir a maior reserva de biodiversidade do planeta e de recursos minerais, possui uma unidade, cujo comportamento hidrológico interfere no clima de regiões do Brasil e de países da América do Sul. Assim, clara está a necessidade de adoção de política que entrelace os diversos fenômenos e recursos da natureza de forma a não permitir que intervenções antrópicas graves, como o desmatamento, tornem esse ecossistema incapaz de suportar tantas alterações e comprometa o equilíbrio climático.
Nesse sentido, alerta Salati: De maneira geral, o desmatamento modificará o tempo de permanência da água na bacia, por diminuir a permeabilidade do solo e, consequentemente, o seu armazenamento em reservatórios subterrâneos. A redução do período de trânsito das águas determinará inundações mais intensas durante os períodos chuvosos, enquanto a diminuição dos reservatórios subterrâneos reduzirá a vazão dos rios nos períodos secos. (Salati, 1983, p.32).
Para a jurista Maria Luiza Machado Granziera: As florestas constituem fator expressivo na proteção dos recursos hídricos, na medida em que regularizam as bacias hidrográficas, seja na precipitação das chuvas, seja na prevenção da erosão do solo. Além disso, desempenham importante papel no ciclo hidrológico, na proteção do solo, na conservação da diversidade biológica e na produção de água potável. Sua destruição é preocupação de âmbito mundial, pois gera profundo impacto no equilíbrio dos ecossistemas. (Granziera, 2006,p.105-106). Apesar disso, os legisladores brasileiros continuam não dando a devida importância a essa inter-relação. 
Como bem observa FREITAS (2008, p.19) ���é possível dizer que durante décadas e mesmo sob a vigência do Código de Águas de 1934, o enfoque dado ao tema era sempre mais sob a ótica do direito privado do que do direito público.”
Sabe-se que a GIRH não é uma fórmula, a escolha de ferramentas deve ocorrer de modo a adequar à realidade de cada país. Porém, no Brasil, pontos importantes, como a proteção dos ecossistemas de base e a considera��ão do ciclo hidrológico, não têm o devido amparo legal para proporcionar uma efetiva gestão integrada dos recursos hídricos.
A Agência Nacional de Águas reconhece, em publicação oficial, a necessidade de aprimoramento da legislação (ANA, 2007), e alguns doutrinadores também fazem críticas à lei, como Christian Caubet que entende ter a lei visão economicista, restringindo a gestão à apropriação das funções da água, controlando o acesso aos recursos. (Caubet, 2006). Todavia, permanecem os olhares cruzados entre o direito e a gestão de recursos hídricos no Brasil. 
Enquanto experiências estrangeiras e pesquisas científicas, especialmente estudos sobre os ecossistemas brasileiros, apontam novos caminhos, os legisladores e juristas permanecem trabalhando sobre a lógica da apropriação da natureza e da visão setorial de gestão dos recursos naturais.
Bibliografia
Youtube
Artigo: Olhares cruzados entre direito e Recursos Hídricos - ciclo hidrológico e Rios Voadores.  Autores e afiliação:  Daniela Helena Brandão Caldeira – analista ambiental do Instituto Mineiro de Gestão das Águas - IGAM e mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. E Solange Teles da Silva – Doutora em Direito Ambiental pela Universidade Paris I e professora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas.
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