Fazendo história para todas aquelas pessoas que não foram lembradas
Don't wanna be here? Send us removal request.
Text
Se ela fosse realmente um cara
Algumas coisas sobre aparência, materialismo e gênero....
"Ela é o Cara”, é um filme de 2006 inspirado na peça teatral “Noite de Reis”, de William Shakespeare, como comumente é dito. Baseado no “genderbender” - ficcções onde há um ocasional troca de gênero, papéis e afins - o filme conta a história de Viola que “finge” ser um garoto e entra para uma turma de futebol masculino, onde se apáixona por um de seus companheiro de quarto. Mas o que verdadeiramente esses filmes fazem, de forma indireta, muitas vezes acabam nos dando um retrato muito romântico de como realmente funcionam as ridículas regras e normas de gênero.
É terrivelmente complicado habitar certos espaços para pessoas queer. E os espaços socializados como masculinos sempre serão espaços onde irão causar uma certa pressão para uma certa adequação. Alguma spessoas queer podem perfeitamente lidar com isso, elas chegam e simplesmente, em um tom de personalidade extravagante, e dominar esses espaços. Impõem respeito e ainda deixam marcar por onde passam e competem. O que não faltam são exemplos. E mesmo entre pessoas que dificlmente poderiam ser lidas como queer, há essa questão. TAqui podemos umas como exemplo o nosso querido Diego Garjjo, um homem binário cis hétero, lutador e drag.
Por outro lado, a maneira como esses filmes evidenciam como a fluidez de gênero é algo tão perfeitamente real e como a própria binariedade de gênero é falseável, me desperta sentimentos de euforia. Não tem como falar dessas ficcções sem antes também mencionar como elas fizeram parte da infância d euma boa parte da noss atual geração. Quer dizer, estamos falando de filmes do início e meados dos anos 2000. Alguns de nós nascemos muito antes disso. Fato é também que a mais nova geraçao e as futuras também poderão desfrutar disso com maior disposição de conteúdo, uma vez que a questão da não-binariedade e tudo mais já não é mais uma saber localizado.
Mas existem aquelas situações que sempre irão cobrar mais do que podemos oferecer, que sçãio casos como o da mulher trans não-binária que recente foi barrada durante um processo seletivo para entrar na faculdade. O caso gerou tanto rebuliço devido uma leitura superficial de sua parênciamasculina, que acusaram-a até de estar enganaod as pessoas numa tentativa de invalidar as pautas queer. Para além de toda questyão normativa entorno desse caso, como a insistente permanência de grande parte da comunidade trans em se adequar aos padrões, existe um fator aqui, que é o fato da congruência que dificilmente ficcções como “Ela é O Cara” ou “Hana Kimi”, irão oferecer. Um dia ainda irei montar uma lista só falando desses filmes onde há trocas de alma e gênero.
0 notes
Text
Grace Jones, “Um Show de Homem”: crônicas, new wave, androginia, dupla identidade de gênero e mais algumas coisas
Uma dose dupla, seguida de uma overdose (Liquid Sky, 1982), afinal qual é mesmo a reação ao se deparar com Jones fumando “uma” na capa de Nightclubbing? Durante esses últimos anos posso dizer que me interessei em pesquisar sobre o que foi o "A One Man Show" de maneira muito intensa. Não atoa. No início quando ainda estava me descobrindo como uma pessoa andrógina, há uns 5 ou 6 anos atrás, Grace Jones foi uma dessas figuras que mais me inspiraram à explorar meu lado artístico e minha identidade. E certamente ainda há algumas coisas sobre Grace Jones que me fascinam. Uma dessas coisas com certeza é o pioneiro "A One Man Show" (em tradução livre, “Um Show De Homem”).
Pelo o que entendemos e podemos concluir - porque é realmente trabalhoso classificar o projeto - "A One Man Show" foi um ambicioso compilado de performances realizadas por Grace Jones em 1981. As performances foram realizadas em dois teatros, um em Londres, outro em Nova York. As performances eram ao vivo, provavelmente com uma platéia de convidades, gravadas e cheias de coisas inusitadas. Assista à performance controversa e icônica:
Mas o ponto é como isso chegou ao público. Não foi transmitido ao vivo ou coisa do tipo. Talvez provavelmente também pelo fato de haver pouco recursos. Então Jones apenas gravou e transformou no "A One Man Show", lançado em fitas de VHS em 1982 (e indicado ao Grammy aliás). Isso hoje em dia poderíamos chamar como? Vídeo show? Show virtual? Além das performances ao vivo, haviam performances gravadas em estúdio sem falar dos efeitos especiais que só uma edição de vídeo poderia cobrir, como as recorrentes trocas de cenas, fotografias elencadas, imagens sobrepostas, trocas de ângulos, clonagem de Jones, como o batalhão de Jones com salto alto em "Pull Up to Them Bumper" - que eram inlcusive pessoas reais, de todos os sexos e gênero, montadas de Grace Jones. Inclusive foi daqui que saíram vídeoclipes como "jamaican guy", "walking in the rain", o próprio "pull up to the bumper" e "i've seen that face before" (no final do vídeo podemos avistar a torre do relógio iluminada em NY). O principal artista que deu vida à muitas dessas ideias, e com quem Grace também manteve um relacionamento, foi Jean Paul-Goude.
Parte das músicas que comporam as performances foram retiradas dos álbuns "Warm Leatherette" (1980), Nightclubbing" (1981) e "Living My Life" (1982). Foi nessa era, entre o lançamento dos 3 álbuns e "A one Man Show", que Grace Jones trouxe com tudo sua rebeldia e explorou mais as questões de gênero e raça em seus trabalhos. Na letra de "Walking In The Rain", podemos ouvir em certa parte:
_Felling like a woman / Looking like a man / __Sounding like a no no / Making when i can it it (_Me sentindo como uma mulher / Parecendo um homem Soando como um nada / Trasando (?) quando posso)
Isso nos faz pensar sobre o que Jones realmente estava querendo dizer, e como isso se encaixa atualmente nas discussões de gênero. Chame do quiser, dupla identidade, androginia ou ambiguidade. Jones sabia o que estava fazendo. E o gostoso disso tudo é justamente as possibilidades que tudo isso traz. Sem dúvidas, uma antiga reafirmanação de gênero. Sem falar que som maravilhoso, e aquele sintetizador simulando um sax... Algo as vezes meio jazz, meio extraterrestre.
A música Walking in the Rain foi um divisor de águas – Grace disse alto e claro sobre sua apresentação e foi animalesco, sexual e autoconsciente – Honey Dijon Why Grace Jones was the most pioneering queen of pop - BBC Culture
E não paramos aí. Naquela mesma época, em 1985, Jones deu em uma entrevista para o programa de TV Australiano, "Day by Day", e em um certo momento da entrevista perguntaram-lhe se Grace “curtia ser uma pessoa masculina" ao que respondeu "eu gosto de ser ambas coisas, na verdade. Não estou sendo uma pessoa muito 'masculina'. É apenas atitude. O que é ser realmente masculine? Sabe, quero dizer, você pode me descrever o que é ser uma pessoa masculina?". E Grace termina a entrevista repudiando quem categoriza emoções e sentimentos logo após o repórter ter lhe pergutado sobre sua orientação sexua, veja o momento:
Em Setembro desse ano, a revista Another em uma máteria sobre Grace Jones, comparou seu talento e personalidade ao de outra figura histórica não-binária: Claude Cahun, artista surrealista do início do século XX. Elevando o nome de Jones mais uma vez ao patamar de figura histórica dissidente de gênero.
É brutalmente surreal, mas classicamente renderizado. É futurista e assustador, sedutor e alienígena. "Sob esta máscara, outra máscara. Nunca terminarei de remover todos esses rostos", escreveu e artista francês Claude Cahun em 1930 refletindo sobre sua própria prática artística de auto-reinvenção – o mesmo pode ser dito sobre Grace Jones. | Inside the UK’s Brilliant New Grace Jones Exhibition | AnOther (anothermag.com)
Ao Mail Online em 2008, Jones descreve seu estilo sempre em constante mudança, mas sempre consistente: "Eu mudo de papéis na vida, eu vivo assim. [...] Eu sou os dois, na verdade. Eu acho que o lado masculino é um pouco mais forte em mim e eu tenho que abrandá-lo às vezes. Eu não sou como uma mulher normal, isso é certo".Em seu mais recente livro "I'll Never Write My Memoirs", Grace se debruça em refletir mais profundamente sobre as questões que cercam sua identidade e como isso relaciona como o passado, para além dos estereótipos pios de gênero estético-midíaticos - que não são apenas binário, trazendo à tona com mais enfâse como a construção de sua identidade como um processo de longa-performance e mútliplas vivências.
Em seu livro de memórias Jones reflete cedo e frequentemente sobre sua identidade de gênero não convencional, descrevendo-se como possuindo dois eus completamente distintos [...] A habilidade de Jones de habitar ambos os gênero feminino e mascluino a torna autossuficiente. "Eu nunca peço nada em um relacionamento", ela proclama, "porque eu tenho esse sugar daddy que eu criei para mim mesmo: eu. Eu sou meu próprio pai zinho. Eu tenho um lado masculino muito forte, que eu desenvolvi para proteger o meu lado feminino. Se eu quiser um colar de diamantes eu posso ir e comprar-me um colar de diamantes. Mais tarde, ela explica que ela alimenta sua psique através de uma espécie de autoterapia possibilitado por sua capacidade de dividir sua personalidade. "Sempre fui minha própria psicoterapeuta desde muito jovem", escreve. "Eu ficava do lado de fora e falava comigo mesmo, falava sobre o que estava me incomodando. Há um elemento esquizofrênico nisso, mas eu aceito essa parte de mim desde cedo. Ela conecta explicitamente essa dupla personalidade ao desafio de crescer em um ambiente religioso repressivo na Jamaica. Depois que seus pais se mudaram para Syracuse, Nova York, onde mais tarde ela se juntaria a eles no ensino médio, Jones e seus irmãos foram criados por sua avó e padrasto, um bispo pentecostal que eles chamavam de Mas P. As regras da igreja eram draconianas, e Mas P as impôs com entusiasmo demoníaco. Qualquer infração justificava uma surra. [...] Curiosamente, embora a noção de gênero de Jones como mutável, seja radical mesmo para os dias atuais, e certamente foi prospectiva no início de sua carreira, sua compreensão do gênero em si é bastante convencional. Metade do tempo ela se representa como fora das categorias disponíveis: "Eu estava fora da raça e gênero", diz ela. Eu me considerava uma forma de energia que ainda não tinha sido classificada. Mas metade do tempo ela se reduz a clichês. [...] E seu desafio às normas de gênero não costuma subir ao nível de uma agenda política. Jones não joga muito a palavra feminismo. - Grace Jones Explores Androgyny in I’ll Never Write My Memoirs | Vogue
Como dito anteriormente, Grace Jones trabalhou frequentemente com as questões de raça e a negritude em suas obras. E talvez algo que muitas pessoas não saiba é que à Grace Jones é creditado a popularização do estilo de corte conhecido como High-Top Fade ou Flat-Top (cabelo de topo alto, cortado dos lados e assimétrico, como mostrado nas imagens). Suas formas geométricas, assimétricas, desde Warm L. à Nightclunning, uma identidade visual constrúída ao longo de 3 anos, lhe garantiram uma marca registrada sem igual. E isso é histórico. Com certeza muites devem pensar que esse legado pertence à um homem cis hetero qualquer por aí rsrs. Mas leve engano. Odeio algumas coisas sobre Grace. Sua arrogância, sua soberba, suas críticas desnecessárias que ela vem sustentando nos últimos anos. Que são coisas que definem quem Jones é, e quem sempre foi e será. E é isso que no fim a torna uma pessoa tão única, icônica e incrível.
Assista à performance em “A One Man Show” (Um Show De Homem) de sua faixa “Private Life”, onde Jones desabafa sobre um conturbado relacionamento
9 notes
·
View notes
Text
Os pronomes além de ‘ele’ e ‘ela’ sob o aspecto histórico da língua portuguesa
OS PRONOMES "ELE/ELA" NEM SEMPRE EXISTIRAM NO PORTUGUÊS (e porque a língua portuguesa também é machista)
Diferente do que se costuma pensar, os pronomes da língua portuguesa nem sempre tiveram o mesmo formato de hoje. Isso significa dizer que ‘elu’, ‘elo’, ‘ile’ tem mais em comum com 'ele' e 'ela' do que podemos imaginar (e não é só pela raiz latina dos pronomes). Porque muito antes das formas ortográficas 'ele' e 'ela' passar a existir e ter algum sentido, o português moderno possuiu diversos tipos de outras formas, como ‘êlle’, ‘ella’, ‘êle’, ‘eile’. E essas variações não se limitavam somente à pronomes, as flexões também impressionam pelas diferenças com as de hoje, vemos isso por exemplo no termo "pae", antigo termo para "pai", e hoje tido como um termo neutro entre quem exerce ambos papéis de mãe e pai ou algo próximo, utilizado com acento til. O termo “nai” para “mãe” e “mai” em Galiza (Espanha-Portugal). Dentre essas formas 'êle' é a mais recente, tendo sido utilizada até meados dos anos 80, mesmo após a reforma ortográfica de 1971 ter retirado seu acento circunflexo e decretado seu fim - daí o pronome 'ele'. “Pãe” é um caso interessante, pois apesar de não possuir uma origem comum com “pae” em termos de gênero, ainda possui o mesmo uso de parentesco, classificação gramatical e se assemelha ao termo com a adição de um “til”. “Pae” também nos remete aos vocábulos “paiê” e “painho”.
Devemos lembrar que o português faz parte de uma classe linguística, a das línguas românicas, também chamadas de neo-latinas, e portanto compartilhamos diversas semelhanças com outras línguas como galego, espanhol, italiano, asturiano, castelhano, romeno e por ultimo o próprio latim de onde todos esses idiomas provém (”meninx”, do grego para o latim e os pronomes illud, illa, ille e seu contraste com os neopronomes que também começam com 'il-' nas línguas de hoje como o francês, e exemplificam essa evolução). Um pronome que pode ser considerado “masculino” em uma língua, pode ser “feminino” ou “neutro” em outra, como é o caso do próprio “elo”, "ele" e "elle" entre o português, espanhol e o francês. Enquanto "ele" e "elle" no francês são pronomes femininos, no português masculino. E no caso neo-linguístico, "elle" já se trata de um neo-pronome tanto para o espanhol quanto para o português onde atualmente são utilizados (no português pela ressignificação, no espanhol pelo novo formato). Já “ello” é um pronome neutro tradicional do espanhol referente à “algo”, parecido com o nosso “isso”, ou “elo”. Enquanto no português “elo” se trata de um neo-pronome.
A falta de uma ortografia oficial por muito tempo promoveu a anarquia das palavras na língua portuguesa e isso por sua vez, a variação linguística da mesma. Sendo a fórmula uso mais a ortografia etimológica e fonética quem ditavam mais as regras. O que não é muito incomum hoje em dia fora da academia, visto que o fenômeno da neolinguagem acontece tanto fora como dentro - e geralmente de fora pra dentro, como é o caso da Universidade de Buenos Aires que agora aceita neo-linguagem. E como antes visto, NEOLINGUAGEM NÃO É ALGO RECENTE, o próprio português foi parte de um processo de mudança para uma nova língua.
Sim. “Todos”, “eles”, “bem-vindos”, podem ser termos neutros. Na realidade podem ser termos neutro, masculino, feminino, ambíguo, nulo, como quisermos. Afinal gênero e linguagem são coisas muito relativas e culturais como dito antes. Não estamos apenas lutando por uma "neutralidade" quando se trata de linguagem inclusiva. Ou de criar alternativas para pessoas que não fazem o uso da linguagem tradicional. Quando se trata de neo-linguagem a nossa busca por uma diversidade e inclusão linguística é muito maior e existem muitos motivos, legítimos, pelo qual fazemos isso, não unicamente para garantimos (o direito) a neutralidade. Porque compreendemos que apesar dessa variância da língua, de "todos" poder servir à “todas” e “todes”, e vice-versa variando, de que existiram diversas formas de pronomes antes, como bem evidenciado, a nossa língua ela não age só, de forma isolada, ela age dentro de um contexto. E foi preciso que se buscasse essas outras formas ortográficas diferentes de 'ele' e 'ela' no passado, para ilustrar isso, no presente. Pois a língua também é cultura e sociedade, e se nossa cultura e sociedade é binária, machista, cis e heteronormativa, portanto, a língua não é ímpar à isso.
Mudamos as formas das palavras, criamos outras, alteramos o sentido, mas nada muda por completo , porque essas não são coisas que partem da cultura dominante. Mas se a cultura dominante, que é normativa, o faz, as coisas mudam, como vimos na evolução os pronomes 'ele' e 'ela'. E vemos isso também na construção social desses pronomes durante a história da língua portuguesa, principalmente durante a era das mídias impressas - veículos de comunicação, como jornais; revistas; tablóides; informativos; anuários, entre outros. Na construção social dos pronomes ‘ela’, ‘ella’, ‘éla’, e o papel da mulher, de cuidar, alimentar, lavar, limpar, “das meninas, garotas e jovens moças” como podemos observar em textos da época. Assim como a supremacia do homem, 'dele', 'êlle', 'êle', 'ele', e seu papel de provedor, construtor. Nada explica esse fenômeno além do que já mencionamos antes sobre cultura, sociedade e história, e o problema aqui jamais foi sobre burlamos a gramática, mudar a língua, ou qualquer coisa do tipo. A gramática normativa não é NADA comparada à dinâmica, adaptação e as transformações da língua.
A questão, não essencial, mas igualmente importante aqui, é como a língua é empregada de maneira normativa. Porque claro, a língua portuguesa em si não é machista. Nenhuma língua aliás, exceto as que já são criadas para esse propósito (mesmo aqui cabe ressignifica-las), e ninguém está por um simples e puro juízo de valor indicando isso, por “ideologia” ou capricho, mas porque de fato nossa língua também é machista. A língua se transforma e se altera, e muda os sentidos das coisas, e não negamos que o inverso também pode acontecer, da língua deixar de ser machista. Pra tal precisamos assumir antes que a língua da maneira como é empregada é de maneira machista, binária e heteronormativa. E ainda muito confusa, mesmo diante da norma-culta. Porque ao mesmo tempo que se prega que existem apenas o feminino e o masculino na gramática, se prega igualmente que existe uma possível neutralidade no masculino e que portanto em um espaço com 100 pessoas que utilizam pronomes “ela/dela”, por existir apenas uma que usa “ele/dele”, não se pode dizer “ela/dela”. E não apenas porque a "gramática quis", porque o “feminino” é só acréscimo, um resto e que ‘eles’ ou ‘ele’ é neutro ( o que também se evidencia machismo por classificar em segundo plano, o feminino). Mas porque antes da gramática vem o uso + cultura dominante que ditam a norma. Linguística não é conversa pra gente preconceituosa e negacionista, se você é, apenas está atestando a sua ignorância.
texto e pesquisa por dani camel
Links com fontes e impressões do início século 20 para ler e compartilhar com es amigues:
ÊLE/ELA - Propaganda da Volkswagen para venda do Fusca para as mulheres nos anos 60. | https://propmark.com.br/agencias/alex-periscinoto-completa-95-anos/
O ANÚNCIO PUBLICITÁRIO COMO UM REFLEXO DAS MUDANÇAS SOCIAIS: UMA ANÁLISE DAS IDENTIDADES FEMININAS CONSTRUÍDAS PELOS ANUNCIANTES (FAFISM/FAMINAS) | http://www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R0178-2.pdf
ELLE - https://www.propagandashistoricas.com.br/2013/05/odol-mau-halito-anos-30.html
O Reino das aparências: a emancipação feminina nas propagandas da década de 1920 | http://periodicos.ufes.br/colartes/article/download/17998/12698
Pae, papae noel - A Gazeta (EDIÇÃO DE SABBADO, 295, PG. 10 e 14, 25 de Dezembro de 1937) | http://memoria.bn.br/pdf/764507/per764507_1937_00295.pdf
Eil-o - O Malho (EDIÇÃO 222, Pg. 17, “VAMOS ASSOBIAR?”, 9 de Setembro de 1917) | http://memoria.bn.br/pdf/116300/per116300_1937_00222.pdf
Eile - Pequenas Illustrações (EDIÇÃO DE N. 373, PG. 7 texto "Amigo Leitor Ouvinte", Petropolis, 23 de Outubro de 1938) | https://docplayer.com.br/9903623-T-o-d-c-l-cvmsunptos-p-u-e-inteeessam-a-ccllecti-vidade.Links com fontes e impressões do início século 20 para ler e compartilhar com es amigues:
16 notes
·
View notes
Text
A tal da “linguagem neutra” incorreta: o ‘x’ além de uma simples neutralidade
Em defesa do uso do ‘x’ político, linguístico e na história...
Você consegue imaginar por qual razão o ‘x’ incomoda tanto - fora a questão de não ser uma vogal? Bom, nesses últimos anos eu particularmente entendi, e estamos num momento muito propício para discuti-la... eu explico.
Tem havido um debate entorno da “linguagem neutra” que se trata de acessibilidade, e sobre como algumas formas desse tipo de linguagem são inacessíveis. E a partir disso um enquadramento e sistematização dessa língua. Já vamos entender o por quê. Para não misturar as coisas, eu particularmente irei utilizar outras maneiras de se referir à essa tal “linguagem neutra”, como “neolinguagem” e “neopronomes”, que também são termos comum ao tema. Vamos lá?
Linguagem, antes de gênero e depois
(se esse tópico não lhe interessar pule para o próximo onde aprofundamos a crítica ao X - que trata-se mais de uma falta de crítica)
Pronomes que são considerados masculinos em uma língua podem ser neutro em outra língua, cultura e afins. Como por exemplo o neopronome “elle” no espanhol, que no francês tradicionalmente se trata um pronome classificado como feminino. O próprio termo “neopronome” aqui deve ser interpretado com muito cuidado, porque o que hoje parece ser um novo pronome para nós, é algo que já existe há muito tempo em nossa língua ou em outra. Como é o caso, a exemplo novamente do pronome “elle”, que no velho português possuía o significado de “ele” com um simples L dobradiço, comum no português obsoleto. Enquanto no francês obsoleto, “ele” significava “ela” ( atual “elle” no frânces), mostrando que também esse vício de marcar uma linguagem em um gênero é algo cultural. “Pronomes neutros” em essência são neolinguagem. Logo, quando falamos em neutro aqui, subentendemos que estamos falando de neopronomes. Ou seja, neo = novo. Mas nem sempre como visto antes. por neopronome também podemos entender uma forma de linguagem obsoleta e ressignificada.
Um ponto importante nessa pequena introdução, é a questão de separar linguagens em “neutras, femininas e masculinas” como dito antes. Essa forma de classificação pode ser um possível problema dependendo da maneira como esses conceitos são expressos. Devemos lembrar que o debate por uma linguagem mais inclusiva e acessível está pondo justamente em cheque a mesma gramática normativa da lógica binária do “ele” e ”ela” como ”masculino” e “feminino”, e busca romper com a mesma.
Quando falamos de “linguagem neutra”, as vezes também intitulada como “linguagem não-binária”, essa questão dos pronomes acaba ganhando contornos maiores devido a capacidade que tem em abranger uma quantidade genérica de formas de pronomes, desinências, flexões, e também porque pessoas com conjuntos de linguagem mais complexo, que mistura diferentes tipos de linguagens (essas, que são tidas como feminina, neutra e masculina) acabam não se enquadrando nesses conceitos de linguagens de gênero, e junto, suas regras e sistemas pré-moldados (o tal do “sistema elu” por exemplo, que são organizados para serem utilizados apenas de determinada maneira - a tal da concordância verbal e nominal - e muitas pessoas que o fazem, não o fazem por sentir que são masculinas, femininas ou neutras, tão pouco podem considerar que tais pronomes possuem tais gêneros. E se estamos os buscando novas maneiras de línguas também não faz sentido cobrar uma certa concordância.
Vocês sabem que a língua portuguesa possui uma história. Ela nem sempre foi a mesma de hoje, e nunca na verdade é a mesma de sempre. Em si a própria língua portuguesa é fruto de neolinguagem (assim como a homogeinização da linguagem científica) - uma vez que é classificada como neolatina. E foi assim, até se estabelecer como uma língua própria de fato. Uma boa parte dos pronomes da classe linguística românica ou neolatina que “criamos” ou já existem, ou já existiam, em outra língua ou em nossa própria. Outro clássico exemplo são as palavras “menine” e “menin” que para o português moderno não passam de invenções“pós-modernas”, enquanto no francês, dois termos bem antigos para “menina” e “menino” respectivamente.
(Imagem: variações de pronomes atuais oficializados em línguas românicas, entre elas o português), retirada da wikipedia.
Verdadeiramente, gênero é algo muito pessoal, exceto os casos em que a linguagem atrelada ao gênero acabam se elevando à nível estrutural, como no caso do neopronome sueco “hen” reconhecido como um pronome neutro oficialmente em 2014 pela Academia sueca. Entretanto, nem sempre “gênero” possui relação com feminilidade, masculinidade, ou neutralidade. Gênero é uma palavra polissêmica e portanto possui significados variados. Quando falamos de gênero em literatura por exemplo, estamos falando de coisas como romance, drama, ficção, ou não-fictício. Em biologia uma forma de unidade taxonômica que classifica grupos de espécies comuns entre si.
Em um artigo para a Revista Ártemis, de 2019, Ana Lucia Pessotto descreve o que são algumas conclusões equivocadas e não-científicas sobre a distinção dual de gênero como critério de classificação em línguas da classe indo-europeias, são elas 3: “[...]generalizar que substantivos terminados em ‘-o’ são masculinos e os terminados em ‘-a’ são femininos. Uma reflexão rápida sobre as palavras do Português nos traz exemplos como ‘poeta’, ‘planeta’ e ‘cometa’, todas terminadas em ‘-a’ e do gênero masculino; também ‘ponte’ e ‘cabide’, que não terminam nem em ‘-a’, nem em -o, mas em -e, e a que se atribui, respectivamente, gênero feminino e masculino [...] O segundo equívoco é acreditar que feminino vs. masculino são a única forma de classificar substantivos. A estratégia de classificação dual de gênero não é a única, e muitas línguas sequer apresentam essa marcação. Línguas como o Coreano, o Japonês, o Turco, o Mongol, outras línguas sino-tibetanas e algumas línguas nativas norte-americanas não classificam as palavras em gênero, mas podem apresentar outras estratégias de classificação. Tiramos alguns exemplos de Câmara Jr. (1973). O Malaio utiliza o traço humano: há maneiras de marcar morfologicamente se a palavra designa um ser humano ou um animal de cauda, ou um objeto redondo. Algumas línguas Bântu têm vários gêneros com prefixos correspondentes, e classificam no mesmo grupo pessoas e “animais superiores”, separado de outros animais [...] O critério gênero é, então, só um entre tantos para classificar os substantivos, e também não pode ser confundido com a expressão do sexo ou do gênero quando se refere a pessoas, o que nos leva ao primeiro grande mal-entendido citado [...] que o gênero gramatical corresponde ao sexo.” (Língua para todes: um olhar formal sobre a expressão do gênero gramatical no Português e a demanda pela língua(gem) inclusiva, Revista Ártemis, vol. XXVIII nº 1; jul-dez, 2019. pp. 160-178)
Quando falamos de gênero no campo dos estudos de identidade de gênero, temos duas coisas importantes para formação de identidades, primeiro, “qualidades de gênero”, que são na verdade adjetivos e substantivos que denotam características de gênero, e são os GÊNEROS em si, coisas como ambiguidade/ambíguo, feminilidade/feminino, e assim por diante, assim como temos os chamados “estados de gênero” como uma subcategoria dessas qualidades, que utilizam a linguagem dos estados físicos da matéria para explicar alegoricamente o modo como sentimos que nosso gênero se comporta; denotam como os gênero se comportam ou como são em sua forma - lembrando que gênero é algo muito abstrato, um fruto da nossa psique, um dado de informação processado pelos cérebro e armazenado em nosso subconsciente, assim por se dizer. E que posteriormente formarão identidades. E tendemos a pensar que a coisa se limita somente aos conceitos que são mais comuns. As pessoas geralmente não estão indo muito além de feminino, masculino, neutro... quando na verdade você tem coisas como ilusoriedade/ilusório, solidez/sólido, fluidez/fluído etc. Há, contudo, idiomas que chegam a ter 20 gêneros, como ocorre em muitos idiomas das línguas bantu, e, no outro extremo, idiomas em que não há gênero algum, como ocorre nos idiomas basco e húngaro.
Portanto gênero, sexo, identidade e língua são necessariamente 3 coisas muito diferentes, porque sim, elas muitas vezes estão sendo utilizadas de formas distintas e separadas. Um homem cis, barbudo e maromba as vezes vai utilizar “elu”, e vai se tratar no feminino como é comum na comunidade de pessoas dissidentes sexuais e de gênero, especificamente a comunidade gay por exemplo. E o termo “neolinguagem” aqui serve justamente para compreender e abarcar todas essas questões ao invés de simplesmente reduzirmos tudo à “linguagem neutra” e pintar a questão como “coisas de pessoas ‘trans’ não-binárias”. É necessário entendermos tudo isso pra que a gente possa discernir melhor que “linguagem neutra” é um termo muito complicado. Quem decide o que é neutro para mim? Sou eu, ou um grupo de pessoas que decidiram criar sistemas de linguagens específicos? Quem decide o que é neutro para mim? Como chegamos a esse consenso? Existe algum?
Moxe e seu passado não tão distante
Moxe aqui é um trocadilho com moço, moça, moçe e muxe. Originalmente moxe é relativo à um povo indígena-hispânico da Bolívia. Muxe é uma identidade latino-americana específica do México.
Sempre que o assunto for neolinguagem, pode apostar, a pessoa do “não usem ‘x’ ou arroba porque...[insira algum senso-comum ou uma catástrofe social]!”, estará lá. E antes de pautar os motivos que nos levou a delimitar a neolinguagem dessa forma e à noção de que algumas são melhores e mais acessíveis do que outras, e como isso se trata de um vício normativo, um argumento muito fraco, e prejudicial para o próprio debate da neolinguagem e dos neopronomes, vamos fazer um tour pelos usos e desusos do “x”.
O uso da desinência “x” remonta desde os tempos antes de cristo já em línguas proto-indo-européias e semíticas, como o pré-grego e o fenício. À exemplos palavras como ‘látex’, ‘falx’, ‘clímax’, ‘tóxico’, ‘meninx’, ‘séptunx’ e ‘manx’ - não, não é de “mana” (risos). Segundo o dicionário Dicio “o ‘x’ se originou de uma letra utilizada pelos antigos povos semitas, que viveram na Síria e na Palestina. Semitas chamavam sua letra de ‘samekh’, que significava ‘peixe’. O desenho da letra era a adaptação de um hieróglifo, que representava um peixe. Mais tarde, os povos gregos adotaram a letra em seu alfabeto, e utilizaram-na para representar o som ‘qui’. Os povos romanos também utilizaram a letra ‘x’ para representar o som ‘qui’, mas modificaram ligeiramente seu desenho”.
Na imagem, Meninx, um sítio arqueológico situada na costa sudeste da ilha de Djerba, no sudeste da Tunísia.
No uso da história moderna, o ‘x’ como marcador se tornou algo muito mais corriqueiro, e acabou sendo estendido para formação de pronomes. Em inglês, a história dos usos e invenção de neopronomes que fogem do padrão “he/she” (ele/ela) é datado desde 1800 como observado em um estudo de 1996. Alguns bem conhecido como ‘ze’ (1972) e ‘s/he’ ( 1973) e já alguns bem estranhos para nós que nem falantes de inglês somos, coisas como ‘ir, iro, im’ (1888). Dentre esses novos-pronomes estão também o conjunto “xe, xem, xyr” (1993), que começou a ser amplamente usado por volta dos anos 2010, e cunhado por volta dos anos 90, assim como o conjuntos “xe, xir, xir, xirs, xirself“ ( 1998).
O termo “womxn” em inglês - derivado de “woman”, que significa mulher - também carrega uma particularidade: o uso do ‘x’ como uma desinência. O termo data de 2010, e uma das coisas mais interessante sobre seu uso, é que além de também se tratar de uma terminologia bem antiga, op termo foi cunhado por feministas interseccionais como uma proposta mais inclusiva, antinorma, queer, do termo “woman”. Na verdade a palavra do inglês para “homem”, “man”, assim como no português, era considerada neutra no inglês antigo, relativo à “humanidade”, “pessoa”, “ser-humano”. Nesse sentido no inglês arcaico, “wīfmann” significava "humano feminino", enquanto “wēr” significava "humano masculino". As palavras “wer” e “wyf” foram usadas, quando necessário, para especificar um homem ou uma mulher, respectivamente. “Wīfmann” progrediu para “wīmmann”, “wumman”, e finalmente, “woman”. Além da palavra “womxn” também existe outras variações como “womyn”, que em seu uso feminista atual aparece pela primeira vez em 1976, em uma publicação referindo-se ao evento “Michigan Womyn's Music Festival”.
É como se tudo que estamos fazendo desde os anos 70 parecesse relativamente próximo e novo, mesmo que muitas pessoas tente olhar pra esse passado como algo muito distante e velho. No contexto latino-americano e de línguas românicas, as coisas também não deixam de ser menos interessantes, identidades como muxe, bixa e androxine, como vemos em “womxn”, revelam mais uma variância no modo de uso do ‘x’ para além de seu uso neo-linguístico característico. É inegável aqui o quão marcante o ‘x’ tende a ser na medida que você compreende um berço de línguas e seus usos mais estranhos no sentido queer da palavra, como se não houvesse outra letra do alfabeto que suprisse tamanha força e poder de subversão, com exceção de raros usos e menções de ‘z’, ‘y’ e ‘w’, que são desinências bem menos utilizadas em nosso vocabulário português (à exemplo mozo, moza, e moze, do Asturiano). Nessa enorme bacia de línguas românicas, destacam-se alguns idiomas como o veneziano, galego, asturiano, e até catalão quando se trata do uso da grafia do ‘x’. Todas implementam o uso do ‘x’ no lugar de algumas letras para representar sons que não existem ou têm uma distribuição diferente em português, e que para nós falantes de português chega ser algo especialmente incomum. “Gènere” e “conèixer” (gênero e conhecer, em catalão), “androxinia” (androginia, em galego), “xêneru” (gênero, em asturiano), “xenar” (jantar, veneziano). O que não faltam são palavras. Em referência ao Galego temos o intrigante ensaio de Teresa Moure “Queer-emos un mundo novo: sobre xêneros, cápusulas e falsas calssificacións” (2012, editora galaxia), uma releitura queer no contexto da própria identidade em si, do masculino génerico e do poder subversivo do feminismo.
Na imagem, Teresa Moure Pereira, pousando para foto com mão no rosto
Em seu estudo intitulado “Latinx Thoughs: Latinidad with an X”, Juliana Martínez e Salvador Vidal analisam as possibilidades do termo “latinx”, apesar de não ser clara a origem do ‘x’ como uma desinência inclusiva no espanhol, francês, português ou mesmo no inglês, puderam constatar algumas curiosidades durante o estudo:
“Segundo pesquisadores, o termo já aparecia em fóruns online na década de 1990 e, em 2015, a palavra se popularizou entre acadêmicos, ativistas e nas redes sociais. Essa ascensão está ligada à habilidade que esse termo tem para incluir a diversidade sexual, étnica e racial dos povos latinos, e desafiar a cultura dominante e suas normas ao outorgar a “x” um gênero neutro, inclusivo” - Goethe-Institut Kolumbien (Hispano, latino, latinx - MAIS QUE SIMPLES RÓTULOS)
Outras pesquisas sugerem o primeiro uso conhecido do termo em 2004 segundo dados do Google Trends, entretanto o uso pode ter tido um outro sentido. No português assim como no espanhol o uso da desinência ‘x’ diferentemente do inglês e outras línguas se tornou muito mais comum pela quantidade de flexões e diferenciações de gênero que uma única frase pode conter em nossa língua. Mas seus usos se dão por motivos caminhos e meios que cominam em uma diferença cultural com o resto da américa do sul. O termo “latinx” por exemplo não é uma reivindicação comum no Brasil, mas sim considerada uma reivindicação hispânica. Enquanto no resto da América do Sul a luta a luta ela “lenguaje inclusiva” gerou uma forte aliança entre movimentos feministas e de raça, e aqui a gente pode cair no erro de generalizar, porém um fato é que diferentemente do Brasil o uso da desinência ‘x’ é algo muito mais recorrente e aceito entre esses movimentos, no Brasil cada dia mais no superamos em delimitar on uso dessa linguagem, tratada com escárnio, um empecilho. Claro, nem sempre foi assim, no português-br se destacam muitas palavras, dentre elas “todxs”, “meninxs”, “bem-vindxs”. No português particularmente a a palavra “meninx” destaca-se por um polissemia particular. Seus significados variam, pois a palavra “meninx” também é usada na medicina para se referir a meninge. O uso se popularizou mais por volta do inicio de 2010, pela própria internet. Em uma notícia um tanto humorada publicada em 2009 no site TecMundo, o uso do ‘x’ como uma desinência recorrente na internet foi classificada como “internetês”:
“Para aqueles que não usam a internet com muita freqüência, ver palavras como “xou xiki” escritas na tela parece algo estranho. Estamos usando a língua do xis agora? Com o tempo você vai se acostumando e percebe que, pasmem, ainda é português![...] As expressões “axo e ixcrever” são também internetês, mas de um tipo diferente. O Miguxês é uma forma de expressão que “imita” a fala de uma criança, considerada meiga ou divertida. [...] O certo e errado não existem quando estamos falando de língua portuguesa. Pelo simples fato que o que importa é o contexto no qual estamos inseridos. Escrever na internet com o estilo da “Ilíada” não funciona. Da mesma forma que não se deve IxCrEveR aXiM na prova de português ou no currículo, pois é nota baixa e desemprego na certa! ” - (Como está o seu internetês? Conheça a linguagem utilizada no mundo online, TecMundo 2009 )
Nessa notícia podemos observar como o uso do ‘x’ genérico possui relação direta com os espaços virtuais. E ainda que não seja muito debatido ou estudado quando se deu esse emprego do ‘x’ como ideal de “linguagem neutra” ou “inclusiva” no português, seu uso pode ser datado de meados dos anos 2000 pra frente, principalmente na internet, assim como no espanhol e outras línguas românicas. Não raramente você encontrava palavras como “vcx”, “todx”, “amigx”, entre outras como podemos ver em bio de blogs e alguns textos aqui citados desde do início da década, principalmente em espaços de ativismo virtuais feminino, libertário, anarquista e feminista [1][2][3][4][5][6][8][9][10].
Como também podemos observar, durante a transição dos anos anos 2000 pra 2010, especificamente de 2009 à 2012, o uso da desinência ‘x’ como escrita genérica, ou “internetês”, desaparecendo e dando mais lugar ao ‘x’ neutro. Esse uso pode ser mais encontrado em escritos feministas durante essa fase [11][12] - tendo em vista de que feminismo aqui não é só binário ou cisgênero. Já entre 2012 e 2013 começam a aparecer as principais críticas, tanto no português como no espanhol [13]. No português acaba se destacando o famigerado texto de Juno Cipolla “Deixando o X para trás na Linguagem Neutra de Gênero” (2013) a crítica que ressalta o quão excludente o “x” e o arroba podem ser e oferece outras alternativas tidas como mais inclusivas e verdadeiramente neutras, tendo em vista que “verdadeiramente” aqui seria uma linguagem mais prática, pronunciável, agradável. O que Juno não pode prever foi as implicações normativas que sua fala poderia acarretar e em suas chamadas construções e moldes de uma neolinguagem “daora”...
Sujeito indeterminado e oculto: “não posso pronunciar, nem ler, nem ver, nem quero”
Os pilares de sustentação da crítica ao ‘x’ se baseiam principalmente na tese de que o ‘x’ como uma consoante não reproduz o mesmo papel que as vogais e portanto como tal não pode ser vocalizado, além de suspostamente complicar a leitura, a comunicação e a escrita para diversos tipos de pessoas e etc. A construção dessa crítica na verdade possui diversas falhas e equívocos, de ordem até bastante fundamental. Primeiro que a letra ‘x’ como qualquer letra de nosso alfabeto é passível de vocalização nos mais diversos tipos de níveis e palavras. A questão é sobre como empregamos o ‘x’, e não que “o ‘x’ não possa ser possível de ser empregado” ou que de modo paralelo estamos tentando imitar as vogais. Como indica o estudo de Ana Lucia Pessotto, fazendo com que muitas palavras como “todxs”, sejam consideradas ilegíveis ou nada passíveis de vocalização“[...[as regras fonotáticas do português-br não permitem um encontro consonantal com mais de duas consoantes na mesma sílaba e fundamentalmente exigem uma vogal como núcleo de sílaba.”
No entanto se queremos uma nova língua e estamos buscando meios pra isso, ainda dentro do nosso idioma, não há garantia de que a mesma irá obedecer qualquer regra que seja ou forma de linguagem pré-estabelecida pelo sistema vigente, pois as regras desse sistema justamente já foram desafiadas a partir do momento que estamos buscando alternativas fora dela e contra ela, ainda mais nesse momento que o debate se tornou algo muito mais rigído, e então nos encontramos sufocadxs e sem saída. E se estamos buscando novas formas de linguagens em “lugares jamais explorados”, não há nada que nos impeça de criar novas fórmulas para essas regras e vice-versa. Então vamos espiar algumas propostas e soluções para o uso do ‘x’ no atual português.
Provavelmente você já ouviu dizer que “toda regra tem exceção”. E o que não falta no português são exceções. A ideia de que uma palavra possa ser impronunciável por determinada letra, na verdade é uma ideia estranha até mesmo para o português, como é o caso da letra muda. Letras mudas geralmente exercem o papel de ocultarem o som de uma letra ainda que ocupe um papel muito importante naquela palavra (história, madrid, hoje...). Agora pense por um minuto: se o fato do “x” não ser passível de vocalização é um problema, vamos considerar também todas as outras palavras com letras mudas como um erro também? Muitas das críticas quanto ao “x” se centram nessa premissa, mas em uma investigação pessoal fazendo tanto o uso de softwares de leitura dos mais diversos, quanto do meu próprio conhecimento acerca do uso dessa desinência, pude avaliar como o “x” realmente funciona na prática, e me choquei ao descobrir que na verdade os tais softwares de leitura interpretam e pronunciam o ‘x’ da mesma maneira que o ‘e’.
Seu uso se encaixa totalmente no conceito de letra muda. Aqui, o ‘x’ suprime a desinência, e a vogal, e acaba por reproduzir o som da penútilma letra como no caso de “amigx”, que ficaria “amigue” na pronúncia. Isso se deve ao fato de na ausência de uma vogal (ou desinência vogal), o ledor interpretar a penúltima letra,no caso, a consoante ( "d" = "dê"). No fim é como não fazer uso de uma desinência em específico ao mesmo tempo que sim, ficando apenas “amig”, agindo como um marcador nulo. Aqui a reprodução do som “e” apesar de indireta contrasta com as mesmas críticas que insistem na versão de que ao invés do ‘x” usemos a desinência “e”. Nessa sequência de vídeos (clique encima) você pode ver na prática como foi a experiência. Se caso queira você mesmo fazer o teste procure por algum software de leitura como Google Tradutor ou acessando o conversor de texto em fala do seu celular nas configurações de acessibilidade, e teste algumas palavras como “amigx”, “bonitx”, e etc. Algumas palavras geralmente funcionam, outras não. Simplesmente.
Já o sujeito indeterminado e oculto é uma característica linguística que permite a não identificação ou demarcação de algo ou alguém em uma frase (semelhante ao ‘it’ em inglês). Enquanto o indeterminado não se sabe quem é ou ao que se refere especificamente, no oculto, apesar de não ser visto, já podemos ter uma breve noção do que e quem, mas não de maneira explícita, sempre entre flexões, ou na utilização de um prenome anterior por exemplo (”Seu cabelos [da pessoa] eram tão lindos”). De maneira paralela, o ‘x’ está apenas cumprindo seu papel de não demarcar algo à ninguém, presando sua maior qualidade, que é a de não ser assimiladx. São diversas as possibilidade do emprego do ‘x’ na língua, e devemos ter essa ideia em mente. Temos muito no que trabalhar quanto à isso claro, em desenvolvermos estratégias e maneiras mais eficazes de fazer com que softwares de leitura e as pessoas interprete da melhor maneira o uso desse ‘x’, e propor uma rota de ensino que dialogue com isso. É uma outra alternativa qualquer pra comunicação. Você pode escrever e falar. Não se trata da função da língua... porque novamente, o “x” ajuda comunicar igualmente, e ser uma forma inclusiva de não demarcar um gênero.
Pedagogia da exclusão e a popularidade de críticas rasas
Não, o x não é a causa responsável pelo desmatamento na Amazônia ou a falta de saneamento básico em comunidades ribeirinhas. Das mazelas sociais do Brasil, muito menos dos índices de analfabetismo pelo país. Outra grande crítica observada contra o uso da neolinguagem no geral vêm de um mito social e da falta de compreensão da própria língua, da dinâmica da desigualdade em nosso país e das estruturas de poder e governabilidade, onde o ’x’, assim como “linguagem neutra”, são tratadas como coisas não acessíveis. Mas oras, desde quando a língua portuguesa é acessível não é? Desde quando pessoas PCDs, com baixa visão, mudas, pobres, marginalizadas que fazem o uso do braille, da libras, ou algum vocabulário e dialeto específico, fizeram parte da norma e se viram completamente abraçadas por esse sistema?
Porque tanto o braille quanto a língua de sinais, as gírias, os dialetos, a informalidade, aqui, também são compreendidas como neolinguagem uma vez que surgem da necessidade da inclusão, das necessidade daquele grupo e por serem tão excluídas quanto, casos contrários estaríamos aprendendo libras e braille lá desde o primeiro ano do ensino fundamental e essas pessoas que depende dessas formas de linguagem não estariam a parte do ensino, nem mesmo da sociedade. Libras que inclusive já é uma língua neutra. Afirmar que o ‘x’ está errado porque não é pronunciável, é dizer que toda língua deva ser falada ou escrita, o que é ir contra a própria ideia de inclusão, uma vez que libras, não é falada, nem escrita. O braille? Tão pouco. É julgar a forma como pessoas pobres e marginalizadas se comunicam entre si e com a scoiedade. É nos privar de falarmos e escrevermos como queremos.
Quem se debruça em usar PCD de token para suas críticas descompensadas contra neolinguagem desconhece a própria realidade de pessoas PCD e de quem faz o uso de neolinguagem, uma vez que pessoas de baixa renda, PCDs, marginalizadas, e até em situação de rua ou acolhimento, também fazem uso dessas formas de linguagens. Pessoas com dislexia por exemplo, que são outras vítimas desses discursos abjetificantes, possuem problema com a língua comum em geral, não apenas com neolinguagem, e nem por isso essas mesmas pessoas críticas de neolinguagem que se mostram tão preocupadas com acessibilidade estão apontando para a língua portuguesa padrão como excludente. É onde a hipocrisia e a ignorância falam mais alto.
Porque antes do ‘x’ vem a própria língua portuguesa, tendo em mente que os dados sobre índices de semi/analfabetismo pelo país não incluem formas de neolinguagem. Isso seria o mesmo que afirmar o quão excludente e desnecessária é a língua portuguesa. Porque milhões de pessoa não estão familiarizadas com a gramática, tão pouco são alfabetizadas. Porque milhares delas não a compreende e se veem excluídas delas. Por isso pensar na língua como responsável por todos esses problemas, é assinar o atestado de óbito de nossa própria língua e suas possibilidades. E entender sobre a historia do nosso governo e suas funções, ajuda evitarmos esse tipo de equívoco, pois é entender que o motivo pelo qual o acesso a educação em nosso pais nunca foi algo democrático, é o fato de vivermos em uma sociedade desigual e injusta em que a educação é um privilégio de alguns.
Um fato aqui também muitas vezes ignorado é a questão do ensino. Pra haver um número maior de falantes de alguma forma de língua, primeiro é preciso antes como dito, educa-las. Pra educar, a gente ensina. Essas são noções básicas de pedagogia. E grande parte dos problemas referentes a neo-linguagem vem daí, já que não crescemos aprendendo a língua portuguesa para um uso inclusivo da mesma. E o que acontece é que as pessoas já querem sair por aí falando neolinguagem com total fluidez e naturalidade, como se elas tivessem crescido de fato aprendendo a falar “neutro”. Não estamos e nem fomos habituadxs desde criança a falar assim, e portanto como toda nova língua, novo idioma, devemos aprender a falar assim.
Amor à norma-culta
Embora eu seja a pessoa mais suspeita para falar, na própria seção de comentários em relação ao texto de Juno “Deixando o ‘x’ pra trás” de 2013 - e não só, mas no dia-a-dia, em discussões - é perceptível o quanto o argumento do ‘x’ como um mal-aliado no debate sobre neolinguagem acaba não sendo lá muito frutífero ou oportuno na percepção do público comum. Isso porque as pessoas não estão buscando nenhum modo bonito ou "melhor” de usar neolinguagem, mas justamente motivos para não ter que usa-la. E na tentativa de simplificar as coisas e torna-las mais facilmente acessíveis ou pragmáticas - o que não é essencialmente algo ruim - de maneira normativa, o tiro acaba saindo pela culatra na maioria das vezes. Porque as pessoas ao lerem esse texto, onde você objetivamente classifica um tipo de linguagem como algo que “não deu certo” pra elas é como crer que mesmo formas pronominais como “elu” , além de “ridículas” é algo que também jamais dará certo, já que uma coisa está sobreposta sobre a outra quando o assunto é neolinguagem.
No entanto compreender que o debate em torno do ‘x’ é normativo, não é negar os pontos frágeis em torno do uso dessa desinência para uma língua tão complexa em gênero e acessibilidade. Claro, temos esses problemas. Também não é negar as portas que nos foram abertas através de contribuições como de Juno, que representa não só uma contribuição qualquer, mas uma contribuição histórica aliás, de alguém que esteve no início do movimento no Brasil falando abertamente e corajosamente sobre um assunto que pasmem, para aquele momento era sim algo completamente de outro mundo.
Pensar no ‘x’ como uma forma de identidade de ‘xênero’ (do galego, gênero), como xenogênero, como womxn, algo muxe, nos lembra como as críticas de repelimento ao 'x’ se assemelham aos discursos anti-gênero. Sobre como o ‘x’ prejudica o debate sobre conversas de linguagem neutra, pessoas cegas e com baixa-visão, e todo uma gama de problemas alheio. É o mesmo problema quando se fala das milhares de identidades não-binárias do “tumblr” e como elas supostamente prejudicam a comunidade não-binária, não possuem materialidade ou história concreta. É o mesmo problema de como a comunidade NB atrapalha o movimento trans e suas demandas mais básicas como direito à vida e acesso à saúde, ensino, e moradia. É o mesmo discurso exclusionista e falso de como pautas “secundárias” atrapalham a esquerda e afasta o “trabalhador médio”, as classes menos favorecidas da esquerda política.
O ‘x’ quando reivindicado pelo ótica de gênero e pelo viés antinormativo, demanda uma poderosa força de subversão da linguagem, e como tal se comporta de maneira que aos olhos da sociedade seu uso não pode ser tolerado, pois coloca em cheque tudo que há de mais problemático em nosso próprio sistema. Revela como as estruturas de poder que sustentam as bases de nossa sociedade estão cheias de falhas, apodrecidas, quando uma simples desinência pode pôr tudo à perder. E como toda estrutura apodrecida, uma hora desaba.
“Também, a atitude de negação de toda e qualquer norma é ingênua. A língua, como antes afirmado, é inerentemente normativa, então, negar a existência da norma é negar a língua. A língua é memória, é história, é tradição, logo, norma. É a norma o filtro social da língua, o que a configura. A língua, contudo, não se reduz à norma, porque tem uma propriedade que lhe escapa: a criação, que é a propriedade que faz funcionar a fórmula novo uso + adoção + norma = língua em renovação. Por isso, a língua não é sempre a mesma, é outra a cada tempo.” (A norma linguística: conceito e características, de Marli Quadros Leite).
Então antes de qualquer acusação de estarmos sendo antinorma (que é diferente de ser anti-norma), de queremos destruir o português, deixamos claro que sim, esse é o objetivo aqui: a desapropriação da língua, nos metendo nos processos naturais de transformação dela. Porque essa também é principalmente uma forma de reivindicação política. E que se achamos isso errado, é porque não compreendemos completamente como a língua funciona.
Texto por Dani Camel
7 notes
·
View notes
Text
InFamous Queer: como pessoas não-binárias mudaram a história do gênero
Em 2006 o documentário Gender Rebel colocava em evidência toda uma comunidade de pessoas que não se identificavam com categorias tradicionais de gênero e introduziu alguns termos incomuns para o público como transgênero, genderqueer, agênero e gênero fluído.
No Brasil a exibição do documentário Gender Rebel (Logo Tv, 2006), ficou por conta do canal Multishow, que transmitiu pela primeira vez o documentário em 2007, reprisando-o em 2008. Mas se engana quem pensa que nossa história, começa e para por aí...
Quando você se levanta de manhã, qual a primeira coisa que você pensa?”. Espera, melhor, o que há para pensar? Rotineiramente e quase sem tempo, sobre algo que você terá que fazer... mas troque essa narrativa por “quando você pensa sobre sua identidade, qual a primeira coisa que vem à sua mente?”. Imagine que seja uma tarefa diária para pessoas não-binárias ou que fazem o debate da não-binariedade, sempre que tocamos no assunto, pensarmos o que somos, de onde viemos, de onde surgiram esses termos, quem cunhou, porque eu me identifico assim, assado, e crises existenciais. É quase um padrão, mas que curiosamente não falamos muito, porque não é como se fosse algo que estamos anotando.
À essa altura do que se tornou um verdadeiro campeonato, acho que já chegamos em um consenso de não nos importamos em buscar uma origem transcultural para nossa existência. Ou qualquer gesto de desprezo, que sabemos que no fundo carrega um significado muito negativo de medo, insegurança, de um cruel passado distante, colonial. Como diria Daniela Andrade, ativista trans, “antes ser pós-moderno que pré-medieval”. Mas para mim se tornou importante, ainda que algo muito particular, termos memória, pois a história nos ensina muita coisa sobre o passado, e a memória reavive nossa história.
A comunidade não-binária por um tempo viveu como se não tivesse memória, tradição, cultura, nada - pois somos constantemente lembrades, lembradas, lembrados de que não as temos. As pessoas vivem como se o primeiro termo, a primeira identidade, a primeira cunhagem, tenha surgido ontem ou alguns 4 ou 5 anos atrás, ou espera um pouco... AGORA! E que isso define todo o resto e o curso de nossa história. O que também vai servir de base para acusações fundamentalistas e sensacionalistas de que somos a última novidade, a tendência do momento, a nova subcultura. Mas se tem uma coisa que a história tem nos ensinado aqui, é que essa “novidade”, tem sido novidade há milênios e milênios.
Todo mundo agora é não-binárie?
“Por que nomear essas pessoas de não-binárias?”.
Não, nem todo mundo, e nem todo mundo que se encaixa no espectro se nomeia assim. Nem todo mundo também na história adotou esse termo, assim como nem todas as pessoas que são descritas como “homem” e “mulher” pela história adotaram tais identidades durante sua vida - a exemplos aquelas que já se foram e nunca puderam falar por si, ainda que fossem pessoas binárias de gênero. Seja por sua língua e cultura serem outras, ou por realmente não se identificarem com esses termos. Sabemos que perguntas surgirão na cabeça de muita gente quando notarem que muitas das históricas não se encaixam no que sabemos hoje em dia sobre identidade, expressão, papéis, gênero, corpo e sexo, e nos conceitos e narrativas atuais que criamos sobre isso - mesmo nós mesmes vivendo em uma sociedade meia parte não-ocidental em que identidades como “travesti”, “bicha”, “transviado”, “sapatão”, frequentemente não se encaixam e nem sempre se relacionam com termos como cis, trans, binárie, não-binárie ou algo que não seja exatamente e unicamente o que o termo já diz.
A linha entre estereótipos e arquétipos de gênero é algo muito tênue, e os debates sobre gênero no entorno dessas coisas também se tornaram algo muitos rígidos e motivo de problematizações exacerbadas. “Barba masculina? Não pode, barba é barba”, mas se eu quiser achar que minha barba é masculina? E por que ao invés de só discutirmos se ela pode ser um problema pela masculinidade que eu lhe atribuo, não lutamos para que diferentes tipos de pessoas possam ter barbas mesmo assim, e nomeá-las como quiserem? Os discursos radicais anti-gênero colocaram na cabeça das pessoas que isso é algo que não pode acontecer. Então, caminhamos pra uma sociedade que ao invés de entender a raiz da opressão de gênero também na forma como policiamos a identidade alheia, reforçamos essa lógica da força tática contra a “ideologia de gênero”. “Gênero cenoura? Que absurdo, gênero não é bagunça!”. Em qualquer caso, basta o menor sinal “fora-da-lei” do gênero, e você pode ter sua própria identidade deslegitimada. De fato, algumas pessoas não conseguem pensar fora da caixinha, criar pontes de diálogo e debater gênero de forma puramente filosófica reconhecendo as subjetividades culturais alheia. Para essas pessoas é preciso um discurso moral, determinista, sério, quase que metaforicamente binário, e que de alguma forma de assemelha ao discurso jurídico, popular, público. Que por algum motivo qualquer não venha incomodar. E muita gente é só... dogmática.
Termos como “homem”, “mulher”, “cis”, “trans”, “não-binárie”, “queer”, e conceitos de gênero e sexo no geral estão muito enquadrados hoje em dia, como vimos, e apesar de todos os avanços sociais e legais que fizemos como comunidade, tal rigidez segue sendo um empecilho ainda nos discursos de gênero para que nos libertemos verdadeiramente das amarras do sistema e se reconheça plenamente a diversidade de gênero, e fazer JUS à nossa história. De quem veio antes da gente, quando tais termos nem mesmo existiam, quando a distinção entre uma pessoa trans, cis, binária ou não-binária era completamente e puramente uma experiência, e não um termo, ou se um termo, um completamente diferente. Por isso precisamos elucidar algumas coisas, traçar uma linha histórica para alguns termos, seus significados amplos, para que você não se perca e consiga interpretar com maior compreensão nossa história.
Um Resumo Histórico, ou algo assim
Imagine que o termo identidade de gênero, que foi e é responsável pelo atual debate sobre gênero no feminismo, só foi cunhado em meados de 1950 e 60 por cientistas da área médica e da psicologia, e que antes disso o termo gênero possuía apenas um uso generalizado para tipificar qualquer coisa, seja na literatura, na língua, em biologia, até para descrever personalidade - algo que hoje em dia a comunidade normativa simplesmente detesta e cr��tica arduamente como uma coisa ridícula e pós-moderna, como se tivéssemos algum objetivo de não ser pós-modernes (obs: e isso só não é algo ruim, quando elas estão procurando um termo para sua personalidade tão singular - ITNJ, IFNP, etc - ou algo assim). O Dicionário de Inglês Etimológico Oxford de 1882 definiu “gênero” como “espécie”, “raça”, “sexo”, derivado do caso ablativo latino de “genus”, como “genere natus”, que se refere à "nascer como".
Robert Stoller generalizou muitas das descobertas do projeto em seu livro Sexo e Gênero: Sobre o Desenvolvimento da Masculinidade e feminilidade (1968). Ele também é creditado por introduzir o termo identidade de gênero no Congresso Psicanallítico Internacional em Estocolmo, Suécia, em 1963.
Então, o que tínhamos antes de identidade de gênero? Uma gama de termos e noções entrelaçadas entre si que não deixam de ser gênero e sexo - feminino, masculino, homem, hermafrodita, uraniane etc. Mas não pense que sexo aqui - ou gênero? - é o sexo biológico todo estruturadinho que temos hoje. Sexo aqui também era identidade! Provavelmente você já ouviu falar que sexo é uma construção social, não é? De fato. O que muites estudioses querem dizer com isso é exatamente sobre essa parte da história da nossa sociedade e de muitas outras, em que não havia essa distinção clara, não de sexo e gênero, mas de antropologia - história, sociologia, filosofia, psicologia etc - e biologia. Quer dizer, você com certeza não chegaria na escola e lá estaria uma aula de biologia completa como hoje, em qualquer grade curricular, sobre como cromossomos sexuais supostamente “determinam” nosso sexo. Até porque a descoberta dos genes sexuais só foi ao ar lá por volta do início do século 20 com os estudos de Nettie Stevenson sobre o tal “elemento x”, e ainda demorou algum tempo depois de 1920 para se estabelecer. Por essas e outras não se pode esperar que as narrativas identitárias antigas se encaixem nas normas de hoje que a gente ignorantemente cria.
Entre 1903 e 1906, Nettie Stevens em Bryn Mawr College, na Pensilvânia, investigou esse "elemento X" e descobriu que ele não estava sozinho - havia um pequeno cromossomo Y escondido bem ao lado dele. A descoberta dos cromossomos e dos hormônios sexuais acabaram endossando os discursos sexistas na ciência.
Portanto, o que significa trazer não-binário para esse contexto antigo onde marcadores sociais eram algo tão diferente de hoje? O que significa não-binário para quem antigamente era viste como uma pessoa de um terceiro “gênero” devido o seu sexo? Ou quem era identificade por um único termo pelo seu sexo, sua forma de se vestir e com quem se relaciona? Como separamos o joio do trigo? Antes de tudo vamos à história do termo não-binário. Binário vem do latim tardio “binarius”, que por sua vez veio do latim “bini”. Vários estudos de gênero em meado do século 20 passaram a fazer análises sobre os impactos do binário de gênero em nossa sociedade, utilizado termos como binário e binômio, sem prefixo. Assim como muitos estudos atuais vem fazendo. O uso mais antigo conhecido do termo “não-binário” como usamos hoje - claro sem ser o da computação (risos) - vem de 1995, do inglês “nonbinary”, onde foi verificado em um resumo de tese intitulado “John Rawls, Feminism, and the Gendered Self".
No resumo de tese, “nonbinary” foi descrito como uma forma de pensar gênero sem recorrermos a signos masculino e feminino, de forma polarizada, colocando homens e mulheres como pessoas masculinas e femininas de forma oposta. Tal “pensamento não-binário” foi atribuído à feministas “pós-modernas”, que seriam pessoas que não reforçam qualquer tipo de binarismo de gênero, ou que estão fora do binário de gênero em um verdadeiro resumo. Em contrapartida ao que a autora chamou de “feministas relacionais e culturais”.
Antes de “não-binárie”, não tínhamos uma categoria própria que agrupasse um número de pessoas que não se identificasse como binárias, e muitas identidades estavam surgindo como genderqueer. Então, às vezes simplesmente nos categorizávamos como transsexual, transgênero, queer, sapatão, bicha, travesti, transformista, andrógine, até homem e mulher às vezes, mas não sempre, totalmente, ou exclusivamente. Há muitas histórias parecidas.
Trecho para o jornal In Your Face, onde Riki Wilchins quem cunhou o termo genderqueer o utiliza pela primeira vez no Outono de 1995
Da definição de 1995 por Lori de “nonbinary” para a definição que temos hoje, muita coisa mudou, obviamente. E se mudou foi para se adequar às nossas especificidades. Portanto o termo não-binário aqui ele também apenas se adéqua aos conceitos de uma outra época, porque na experiência, as narrativas e as descrições vão ser as mesmas e sempre existiram. Não foi pela falta do termo não-binárie que identidades como “andrógine” por milhares de séculos deixaram de existir. Não-binário aqui não deve ser significado de alguém que se nomeia exatamente “não-binárie” e portanto passa existir como “indivíduo não-binário”, mas apenas quem não se identifica com o binário de alguma forma, quem transgride a norma, quem de alguma forma burlou as regras sociais binárias de sua sociedade para viver a sua própria verdade.
Algumas pessoas também vão se questionar sobre o uso do termo como uma forma ocidental de se falar de gênero, porque o termo não existe em algumas culturas. Mas essa é uma ideia limitada e deturpada do significado de não-binário e das identidades no ocidente. As identidades, sim, podem ser restritas a uma cultura específica, mas o termo não-binário aqui, ele é apenas um adjetivo, um conceito de gênero relativo à um espectro de variação, universal, e serve para todas culturas, não apenas a ocidental. Não se refere a uma identidade ou um grupo de identidades específicas apenas da cultura ocidental. E se referir à uma identidade de uma outra cultura como não-binária as vezes vai facilitar o entendimento alheio sobre a mesma. Como poderíamos falar dessas identidades e descrevê-las se não forem por meio de palavras semelhantes em nossa língua? Como quando dizemos que um gênero de certa cultura é feminino? Podemos fazer isso, e ao mesmo tempo pôr em evidência tal identidade. O que também nos leva a questionar: por que pessoas geralmente envolvidas com militância de gênero não se preocupam com pessoas de outras culturas sendo lidas e chamadas de homem e mulher, sendo que essas culturas possuem identidades completamente diferentes dessas para gênero feminino e masculino, enquanto se preocupam com o fato de alguns de nós apenas descrever suas identidades como não-binárias?"
Embora essas explicações não sejam completas, porque o tema realmente pede maiores informações, é o suficiente para ajudar algumas pessoas confusas sobre o modo como devem olhar pra história e o gênero. InFamous Queer, porque na real é isso que somos, o show nada business da área, muito se fala da gente, mas pouquíssimo reconhecimento e amor nos é dado. Para isso essa lista incrível de figuras não-binárias históricas, e... com muito amor:
Fred Martinez
Na história da pós-colonização contra nossa comunidade o caso de Fred Martinez choca pela brutalidade, pela violência, pelo descaso, não contra só uma pessoa, mas contra uma etnia. Fred C. Martinez, era ume estudante de ascendência navajo da Escola Montezuma-Cortez no Colorado. Fred Martinez morava na reserva diné, com sua mãe Pauline Mitchell.
Em 16 de Junho de 2001, Shaun Murphy, de 18 anos, atacou Fred, que acabou falecendo por espancamento até à morte. Fred tinha apenas 16 anos na época e era Nàdleehì, uma importante identidade não-binária nativa-americana. .
TW (violência)
Murphy, que disse em depoimento que estava bêbado na época, agrediu Martinez e esmagou seu crânio com uma pedra, deixando o corpo de Fred em um desfiladeiro fora de Cortez chamado The Pits, informa o Denver Post. Embora alegasse não ter percebido que os golpes eram fatais, Murphy se gabou do confronto, e não convocou ajuda. Cinco dias após o ataque, quando o corpo de Martinez foi descoberto, o Post informou que Murphy foi ouvido dizendo: "Matou aquele maluco?". Em 3 de julho, Shaun Murphy, 18 anos, foi preso e acusado de assassinato em segundo grau. A polícia também foi informada que Murphy se gabou com um amigo que "ele tinha batido em uma bicha (fag)". O caso Martinez não recebeu tanta publicidade quanto outros casos semelhantes, que alguns atribuem ao seu status de minoria como Nàdleehi.
Colegas de Fred na Escola Montezuma-Cortez relataram que Fred sofria assédio constante pelo seu jeito, e que tinha eventualmente se mudado para aulas de educação para jovens e pessoas adultas para evitar o assédio. Mas os policiais que investigam o caso pareciam relutantes em rotular o assassinato como crime de ódio - mesmo depois que um informante ligou e disse que um homem de 18 anos do Novo México, Shaun Murphy de Farmington, havia se gabado aos amigos de que ele tinha "bateu em um hoto [gíria para uma "bicha"]." À medida que surgiram detalhes sobre o assassinato, como um suposto encontro entre Fred e Shaun noites antes, ficou claro que Murphy, um jovem violento com uma extensa ficha criminal, tinha problemas com Fred, e sido motivado pelo menos em parte pelo ódio à sexualidade, identidade e expressão de gênero de Fred. Shaun foi solto ano passado, 2019.
A história de Fred causa um profundo sentimento de dor e impotência, o mesmo sentimento que recentemente experimentamos com o caso Matheusa no Brasil. Mas, provavelmente, se Fred estivesse em vida ainda, gostaria de ser lembrade pela incrível pessoa que era, de modo que precisamos trazer à tona à sua memória. Fred deve servir de referência e inspiração na esperança de dias melhores durante nossa longa jornada que ainda temos pela frente. Seguimos sendo quem somos, fiel a nós mesmes, como Fred, um espírito ávido em nossos corações, two-spirit, respectivamente como o próprio termo pan-indígena sugere. O documentário sobre o caso de Fred Martinez, Two-Spirits, explora tanto a vida de Fred martinez quanto o papel nádleehí na cultura diné tradicional.
Para continuar a ler e ver mais clique aqui
ou aqui https://www.facebook.com/375864172804465/posts/1392373177820221/
Texto e pesquisa por Dani (queerismi)
Referências poderão ser adicionadas, se você tiver algumas sugestão ou dúvida nos contate por aqui, ou pelo Facebook.
17 notes
·
View notes