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Graças a Deus sou bonita
Ou “Thank God I’m pretty”, que é o título da música de Emilie Autumn
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Ah... a beleza... a beleza feminina... Inveja e desejo gerados por uma única característica. Um único traço que reúne vantagem e várias desvantagens que as pessoas nem sempre notam (ou fingem não notar, pois, você tem beleza, o que mais você quer?).
Não sei como, nem quem eternizou essa ideia de que a beleza feminina seria um traço tão marcante assim no todo de uma mulher. Nos homens não é algo tão marcante assim, pois, uma mulher linda e inteligente assusta, um homem lindo e inteligente... bem se torna até decepcionante ver um homem bonito burro. Uma mulher linda e talentosa, “Ela só chegou onde está por ser bonita, nem tem tanto talento. Aposto que dormiu com alguém!”. Um homem lindo e talentoso: “Incrível! Ele é um gênio!”.
Mulheres muito belas, me parece, têm uma certa função a cumprir na sociedade: não ter nada além de beleza. É só isso que lhes é permitido, é o máximo para que não sejam brutalmente odiadas. E são odiadas por homens e mulheres. Há um sadismo implícito na sociedade quando uma mulher linda se dá mal. Se for linda e inteligente, bem, geralmente ninguém lembra da inteligência dela. Não ocorre o mesmo com homens e nem preciso explicar o porquê.
Vejo mulheres lindas e inteligentes fingindo ter menos intelecto para não ferir o ego de homens que não suportariam a grandeza delas e me pergunto se é por medo ou simplesmente para divertimento próprio, vendo o quanto os pobres coitados caem na farsa. O motivo não importa. O fato de existir algo assim não deixa de ser bizarro e completamente insano. Não deixa de me incomodar. Agora, vou deixá-los com a letra traduzida da música, assim vocês podem refletir um pouco sobre ela (leiam com ironia, pois a música é repleta dela):
Graças a Deus sou bonita
Graças a Deus sou bonita O drink ocasional de graça que eu nunca pedi A admissão ocasional para um pequeno bar sujo Convite para o carro de um estranho Eu sou abençoada com a habilidade de deixar homens sem palavras O que significa que quando está escuro lá fora Eu tenho que correr e me esconder Não posso olhar para trás Graças a Deus sou bonita
Graças a Deus sou bonita Cada habilidade que eu tiver será questionada Cada problema que tiver claramente trazida por mim mesma Sendo que os policiais abordaram outra pessoa Eu sou abençoada, eu sou realmente privilegiada por parecer tão bem sem roupas O que significa que enquanto eu canto, você está se masturbando E quando eu me for você não vai se lembrar Graças a Deus sou bonita
Obrigada, Deus Oh senhor Obrigada, Deus Oh, oh
E quando um monte de rostos aparecem em volta de mim Sorte minha que eu odeio ser levada a sério Eu acho que meu ego iria se despedaçar no chão Se eu não pudesse mais contar com os homens para me baterem na bunda Eu sei que meu destino é que eu preciso de meias e cachos Então todos pensam que eu sou uma maldita Suicide Girl Oh,oh Obrigada, Deus
O drink casual de graça que eu nunca pedi A admissão casual para um pequeno bar sujo Convite para o carro de um estranho Eu sou abençoada com a habilidade de deixar homens sem palavras O que significa que quando está escuro lá fora Eu tenho que correr e me esconder Não posso olhar para trás Graças a Deus sou bonita
Graças a Deus Graças a Deus Obrigada Obrigada Obrigada Obrigada Obrigada, Deus
#thank god I'm pretty#reflexão#o inferno são os outros#miserylovescompany#emilie autumn#lillaadhlyss#mulheres#feminismo#beleza
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Ai de mim, que sou romântica
Já dizia Rita Lee.
Num mundo onde o romantismo é cada vez mais julgado como uma fraqueza emocional, nós, pessoas de sensibilidade exacerbada e desejos utópicos somos tidos como tolos. Talvez sejamos, mas não acho que isso dê direito aos não-românticos de nos menosprezar tanto.
Eu entendo, juro que entendo vocês! Vocês que odeiam o romantismo com todas as suas forças, vocês que são blindados emocionalmente e vivem 100% da realidade de seus relacionamentos. Entendo que vocês são mais felizes, pois estão em maioria e podem se encontrar mais fácil no mundo de hoje com seu estilo de se relacionar. É igualmente mais feliz manter os pés no chão e não criar ideais e expectativas, sonhos e canções, poesias e histórias de amor. Para vocês é tudo “preto no branco”, sem virtuosismos, sem promessas, sem expectativas. E eu concordo com vocês que é a melhor maneira de manter um relacionamento.
Como eu os invejo! Como eu queria, com essa propriedade toda, ter um relacionamento sem dar tantos suspiros, sem vagar tanto nos meus sonhos e planos, sem sucumbir a essa doença amarga chamada romantismo! Eu tentei! Juro que tentei não esperar as flores, as poesias, os olhares demorados cheios de significado, as canções com meu nome, as serenatas, os jantares, as declarações de amor sob a chuva seladas com um beijo digno de cinema. Tentei em vão. Eu sempre espero tudo isso. O resultado, é claro (mas nem sempre) é a previsível decepção.
Me perdoem os realistas e sua ideologia que de fato funciona e faz relacionamentos mais saudáveis. Sempre serei sua escória. Eu sempre irei esperar ser a única, a deusa, a prima donna do ser amado. Muitas vezes ser assim me trouxe lágrimas, dor, desilusão. Ser romântica como eu é um suicídio emocional. Eternamente buscando a paixão, o desejo, o carinho e a atenção de um único ser que sempre estará em um pódio iluminado por estrelas.
Ai de mim que sou romântica e já tentei deixar de ser, Entretanto sobreveio o vazio e a vida perdeu a cor. Deixar o romantismo de lado é deixar de ser eu mesma. Ai de mim e glória aos realistas, por mais que desprezem meu modo de viver. Ai de mim que sou romântica.
#ai de mim que sou romântica#crônica#reflexão#o inferno são os outros#miserylovescompany#lillaadhlyss
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A boneca
No princípio eu não existia. Tudo era nada e o nada era oco e ausente. Mas em um instante existi. Percebi o vazio e tive medo. Logo notei que tinha tato, pois senti o frio e um toque, o toque que mais tarde descobri serem as mãos de meu criador. Depois vieram os sons.Terríveis e aterrorizantes sons metálicos de ferramentas e instrumentos, pincéis e agulhas, farfalhar de panos e respiração.Meu criador me dera minhas orelhas. Por mais que eu não possa respirar, logo após ouvir, consegui sentir cheiros. Cheiros fortes, cheiros delicados e um cheiro que vinha do hálito de meu criador que descobri depois ser uma bebida chamada vinho. Então veio o momento que mais me aterrorizou: acostumada com as trevas, senti a dor da luz tocando pela primeira vez meus recém-criados olhos. O tempo que levei para adaptar a visão me pareceu excessivamente longo, porém pude conhecer o homem que estava a me dar vida. Era magro, cabelos negros, jovem e bonito, me olhava com minúcia e admiração por seu trabalho. Naquele momento não entendi quem ele era, mas não podia parar de pensar no quanto valera a pena a dor da primeira visão.
Ele estava pintando meus lábios e, quanto terminou e contemplou seu trabalho, ouvi pela primeira vez sua voz. “Perfeito”, ele sussurrou. E então sorriu. Aquela voz e aquele sorriso me aqueceram e senti pela primeira vez a felicidade. Virou de costas e pegou um vestido. Eu não havia notado minha nudez até então. Depois de me vestir, o criador me contemplou e mais uma vez sorriu. Então me cobriu com um pano e foi embora. Confusa como estava, permaneci parada por infindáveis horas. Até que ouvi vozes. Era meu criador, falava animado com uma pessoa que descobri - assim que o pano foi removido - ser uma mulher. O olhar dela era mais de espanto que de admiração. Ouvi então a conversa dos dois…
- Ela é bastante… realista. - a mulher disse.
- Sim, meu melhor trabalho! Minha obra prima!
- Ela me assusta um pouco. Esses olhos…
- Deixa disso! Veja o cabelo! Os detalhes da pele! As mãos… demorei semanas nas mãos!
- De fato, estão perfeitas…
- … mas, você não gostou… - ele pareceu triste e desapontado - me diga o porquê..
- Ah… não é isso, é que… ela parece real demais… Não me entenda mal, é perfeita! Talvez seja esse o problema… Parece que vai se mexer a qualquer minuto!
- Meu amor… é só uma boneca! É um presente meu pra nossa filha! Faltam alguns meses, mas eu fiquei tão feliz em saber que é uma menina que quis dar esse presente!
- Entendo… Tudo bem, não falo mais nada! Aceito o presente. Nossa filhinha vai gostar muito dela. Já tem um nome?
- Não, não… não pensei ainda.
- Depois pensamos, melhor cobrir pra não pegar poeira.
- Não, espera, vamos levar pro nosso quarto!
- O quê?
- Sim, quem sabe você se acostuma e para de ter medo dela.
- Tudo bem, mas vai demorar um pouco pra isso acontecer.
Assim, fui levada dali. Me posicionaram sentada no alto do guarda-roupas, de onde eu via todo o quarto. E de lá eu vi, noite após noite, dia após dia durante meses a vida de meu criador e sua companheira. Aprendi sobre eles e entendi aos poucos a razão de a mulher me olhar com tanto medo - e às vezes ódio. Eu não estou viva. Embora tenha consciência, não sou feita da mesma matéria que meu criador e sua esposa. No entanto pareço ser tão viva quanto eles. Notei que esse fato era motivo de muitas brigas entre eles. A mulher acordava no meio da noite e dizia sonhar comigo. E nos tais sonhos eu me movia e fazia coisas terríveis que até então eu não conhecia. Mais de uma vez ela me tirou de meu lugar no alto do guarda-roupas e me colocou em um balde fedido do lado de fora da casa. Mas meu criador sempre me encontrava e me trazia de volta, gerando mais uma briga. Meu criador, por outro lado, me amava, e comecei a entender esse contraste de sentimentos em relação a mim lá pelo meu segundo mês de vida. Os sentimentos de meu criador me faziam bem, os de sua esposa me faziam mal. Passei a olhar pra ela da mesma forma que ela olhava para mim. E ela notou. Do mesmo modo, retribuí o amor de meu criador. E ela também notou. Isso piorou os sonhos dela e as brigas entre eles.
Com o tempo, também notei como a barriga da mulher crescia. Não demorei a concluir que algo crescia ali dentro, algo vivo e, ao contrário do que sentia por mim, a mulher parecia nutrir um profundo amor por aquele ser dentro dela. O criador também.
O criador também amava muito a mulher e demonstrava isso na maior parte das vezes a noite. Ele a beijava e tocava o corpo dela. Ela parecia gostar. Parecia ser algo bom. Eles se entrelaçavam e faziam sons. Se moviam de certa forma. Eu sentia um calor. Comecei a desejar aquilo também. Se o criador me amava, por quê não me beijava e me tocava da mesma forma? Aquela mulher era má comigo e certamente não merecia o amor dele… Se eu pudesse… Só uma vez…
Eu tinha quatro meses de vida quando arquitetei meu plano. Iria me mover pela primeira vez. Eu sabia que podia, sempre soube, mas não tinha nenhum motivo para me mexer. Agora seria diferente. Á noite, no escuro, quando o criador e a mulher dormissem, eu desceria e deitaria entre os dois. Tocaria o criador como já vira a mulher tocá-lo e então ele me daria o amor que eu queria. No escuro ele não notaria a diferença. Ainda mais se eu usasse um travesseiro para aumentar a minha barriga. Assim eu teria o que tando almejava. Certa noite, pus meu plano em ação.
Desci. Apesar do escuro, não tive dificuldades de chegar até a cama. Notei pela primeira vez o quanto sou pequena, a cama fica na altura do meu peito, o que me fez ter dificuldades para subir. Foi aí que meu plano deu errado: a mulher acordou. Ficou me encarando por alguns segundos e eu devolvi o olhar. Ambas congelamos. O que fazer? Notei que a mulher silenciosamente se perguntava se aquilo era um sonho. Torci para que ela concluísse que sim e voltasse a dormir, mas ela concluiu o oposto e abriu a boca. Ela ia gritar e eu não podia deixar. Tapei a boca da mulher com o máximo de força que consegui. Eu não sabia que tinha tanta força. Ela tentou se soltar e não conseguiu. Segurei o pescoço dela pra tentar ter mais apoio, apertei o máximo que pude. Houve um estalo e ela subitamente ficou quieta. Tive medo que o criador acordasse, mas ele apenas se moveu um pouco. Ainda bem que ele tem o sono pesado. A mulher, agora quieta, me olhava com os olhos arregalados. Mas algo estava diferente nela.
- Não acorde o criador! - sussurei pra ela, que permaneceu quieta me olhando. - Eu só quero um pouco de amor!
Então deitei-me ao lado dele. Toquei-o, mas ele continuou a dormir. Depois de várias tentativas, desisti e passei o resto da noite observando-o dormir. A mulher não se moveu pelo resto da noite e fiquei profundamente aliviada por isso.
Eu esperava que o criador ficasse feliz por me me ver ali quando acordasse. Mas ele demonstrou primeiro confusão, depois dúvida ao olhar para a mulher e por fim desespero. Ele a chamou várias vezes e depois chorou. Me ignorou completamente. Ele saiu e voltou com dois grupos de homens: os de branco e os de preto. Houve confusão, gritaria, brigas. Os dois grupos examinaram a mulher. Os de branco a levaram e os de preto acusaram meu criador de tirar a vida dela. Prenderam as mãos dele atrás do corpo e o levaram. Eu permaneci parada, estava muito assustada e confusa. Levaram meu criador embora e eu nem consegui me despedir. Já se passaram semanas e meu criador ainda não voltou. Não entendi o que houve. Estou sozinha e não recebi o amor que queria. Mas vou esperar meu criador. Quem sabe quando ele voltar, ele possa enfim me abraçar e me beijar como eu tanto desejo!
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A doença
Lúcia já estava naquele hospital havia dezoito meses, incapaz de levantar-se da cama sem cair no chão. Dr. Marcelo, responsável pelo caso dela, há muito havia perdido a motivação para tentar descobrir o que tinha acontecido a ela. Que espécie de transtorno a teria atingido? Ela já não tinha mais músculos, estava pálida e magra, embora comesse o triplo de uma pessoa normal. Era um mistério para a medicina. Os repórteres chegavam aos montes até três meses atrás, quando o caso dela parou de ter atualizações. Todos queriam saber o que poderia ter levado a moça àquele estado. O crime! O choque! Notícia internacional e rumores sobre uma nova droga. Lúcia não podia falar, mas isso não impedia as perguntas dos repórteres. Agora sua boca só se abria pra comer. E como comia! Oito vezes ao dia lhe eram servidos verdadeiros banquetes que ela devorava em poucos minutos. Ainda assim parecia cada vez mais magra. Os olhos castanhos e amendoados, antes brilhantes, pareciam olhar para lugar nenhum a maior parte do tempo. Ela não ia durar muito, era o que os médicos diziam. Era aniversário de sua doença naquela manhã de quinta-feira. Depois de comer um enorme pernil inteiro no café da manhã, Lúcia olhou pela janela como sempre fazia, meio inconsciente. Não havia mais alma naquele corpo. Há exatos dezoito meses atrás Lúcia era apenas uma estudante de Direito naquela cidade chamada Brasília.
Estava se preparando para ir à universidade, como de costume. Iria tomar café, descer o bloco para pegar o metrô e depois um ônibus na rodoviária. Porém aquele dia estava curiosamente diferente, e não era no bom sentido. Ao vestir o casaco viu de relance na janela que alguém a encarava lá de baixo, mas ao virar não viu ninguém. Nada demais, desceu e notou o tempo ruim se formando. Voltou pelo guarda-chuva. De novo, ao passar pela janela, viu alguém, uma mulher, encarando ela. Mas foi muito rápido, em um segundo não estava mais lá. Ela desceu novamente e pôs-se a caminhar até a estação do metrô. O tempo estava esfriando. Lúcia pôs os fones de ouvido e apertou o passo, não suportava aquele clima. Começou a chuviscar e ela abriu o guarda-chuva. Nessa hora alguém esbarrou nela com muita força. Lúcia esperou que a pessoa parasse para se desculpar, entretanto a mulher continuou andando. Ao virar-se Lúcia engoliu um grito. De costas, a mulher era muito parecida… com Lúcia! Usava o mesmo casaco e a mesma calça. Os cabelos eram bem cacheados e negros como os seus. Lúcia parou alguns segundos olhando enquanto a chuva aumentava, então deu dois passos e olhou novamente. Apenas para constatar que a mulher não estava mais lá. Nada restava a fazer a não ser continuar. Passou pelas catracas do metrô ainda pensando no que vira. Desceu para a estação e esperou. “Besteira a minha”, pensou, aumentando o volume da música. Ficou olhando os trilhos do metrô pensativa. Entrou no metrô e ficou olhando o próprio reflexo nos vidros das janelas. O reflexo olhou pro lado esquerdo. Lúcia gelou. O reflexo fez sinal para que ela também olhasse. Ao virar, a moça viu a si mesma de costas, sentada. Como era possível? Lúcia piscou algumas vezes para ver se a visão sumia. Desta vez, não. Um arrepio sinistro lhe subiu a espinha e o ar se tornou mais difícil de respirar. As pessoas em volta pareciam ignorar o que acontecia ali. Lúcia ficou paralisada. À medida que as estações passavam, o metrô ia ficando cada vez mais vazio, algo incomum para aquele horário da manhã. A outra Lúcia continuava ali, de costas, sentada. A verdadeira nem se atrevia a chegar perto. O frio só aumentava. A estação central se aproximava. Até agora a cópia de Lúcia não se movera. A verdadeira mal se atrevia. Mesmo tentando desviar o olhar, sua atenção sempre voltava à sua cópia. Estação Central, vagão vazio. Apenas as duas estavam ali. Lúcia esperou que as portas se abrissem e ela pudesse sair. Nada. Tentou o alarme de emergência, mas não funcionou. “Não… não! Não!”, pensou. Tentou as saídas de emergência, porém não funcionavam. Olhando pela janela, viu as pessoas saindo dos outros vagões. Gritou por ajuda, ninguém a viu. Bateu nos vidros, gritou, fez o que pode. Uma menininha negra de uns cinco anos virou pra ela, apontou para o vagão e falou com a mãe. “Isso!” Ela iria sair! Entretanto a mãe olhou para o vagão, falou com filha e a puxou em direção as escadas rolantes. “Ela não me viu?” Não era possível! A menininha olhou-a novamente e acenou. “Desculpa”, Lúcia conseguiu ler nos lábios dela. Não era possível! O trem começou a andar, o terror de Lúcia aumentou cada vez mais a medida que adentrava o túnel escuro. O frio era congelante. Sentiu que sua cópia se movera e virou-se para olhar. Lá estava ela. A outra Lúcia, em pé no meio do vagão. Mas esta era muito mais magra, com olhos fundos, sem vida, encarando-a como se fosse um faminto avistando o banquete. Começou a andar. Lúcia recuou no vagão. “O trem não vai parar?” Era a estação final, não tinha muito trilho pro trem seguir. No entanto ele parecia aumentar a velocidade à medida que aquela criatura se aproximava de Lúcia. Não adiantava gritar, não adiantava tentar fugir. Aquela criatura iria alcançá-la. A última coisa que Lúcia se lembrava era de uma dor excruciante no peito, uma sensação de ser esmagada e um grito que ecoou nos seus ouvidos como um prelúdio de morte. Testemunhas disseram que a moça entrou no trem na estação 114 sul, sentou-se e não mais se moveu até chegar à estação central, onde se levantou e atacou uma funcionária da limpeza que entrara no vagão quando este esvaziou. Quando retiraram Lúcia de cima da pobre mulher, esta estava com um pedaço do peito dela nos dentes. Descontrolada, arrancou um dos bancos e esmagou a funcionária. Correu pela porta alguns metros e caiu no chão, inconsciente. Nunca mais conseguiu se levantar.
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Eu fui estuprada
E ainda não consigo verbalizar isso.
Não consigo falar em voz alta. E quando eu tento, sinto náuseas. Mas, ainda bem, posso escrever sobre isso.
Não foi uma única vez, foram duas. Embora tenham se passado 17 anos entre a primeira e a segunda vez, ambas me fazem passar mal se abro a boca para falar a respeito. Talvez você não entenda bem o que eu digo quando digo que passo mal, mas é exatamente isso: eu tenho sintomas físicos quando lembro e tento falar em voz alta.
Não penso em dar detalhes de como e onde, mas posso dizer que a primeira vez eu tinha 6 anos e a segunda 23. A primeira vez foi um estranho, a segunda um ex-namorado. A primeira vez meu cérebro bloqueou a lembrança do ato propriamente dito e só consegui me lembrar aos 17 anos, a segunda... bem, não tive a mesma sorte de esquecer.
Não, não penso em fazer um discurso de como os homens são estupradores em potencial ou de como nós mulheres sentimos medo de caminhar na rua sozinhas em qualquer horário do dia... isso vocês já sabem (ou deveriam saber). O que quero falar aqui é na verdade um questionamento pessoal. Por que não consigo contar paras as pessoas o que me aconteceu sem passar mal?
Você, psicólogo, psiquiatra ou estudante de uma dessas áreas, deve saber o que se passa comigo, deve ter uma noção do que é esse meu trauma. Mas nunca passará disso: uma noção. Eu parei para pensar e tentar entender. Quando perguntam o que houve com o fulano que eu namorava, eu automaticamente baixo a cabeça, baixo os olhos, diminuo o tom da voz. Não quero falar, porque não quero lembrar. Não quero lembrar porque sei que meu estômago vai revirar de novo. Mas o interlocutor quer saber. E talvez seja importante que ele saiba, para que assim entenda quando eu evitar certos lugares e pessoas e que isso é para a minha própria saúde mental e segurança física. Só que continua torturante.
Por que? Por que não consigo falar três palavras? “Eu fui estuprada”. Não foi culpa minha. Eu sei disso. Eu sei que não foi. Mas no fundo eu ainda me culpo. Eu penso que poderia ter lutado mais, poderia ter gritado ou chutado mais. Me sinto profundamente enojada por não ter saído ilesa. Não foi culpa minha. Não foi culpa minha ter nascido mulher. Não foi. Quanto mais eu repito que a culpa não foi minha, mais eu tento falar em voz alta, para me livrar desse bloqueio e aceitar que não foi culpa minha.
Mas... a mim soa estranho e até mesmo incômodo naturalizar essa frase. “Eu fui estuprada”. Falar sem passar mal, sem reação, não seria então tirar o peso do crime cometido contra mim? “Eu fui estuprada” Não seria subverter as coisas e transformar um trauma em uma bandeira errada? “Eu fui estuprada”. Qual o ponto de equilíbrio entre não passar mal e não banalizar o que eu sofri? “Eu fui estuprada, a culpa não foi minha”. Eu preciso contar pras pessoas? “Eu fui estuprada, a culpa não foi minha”. Devo evitar falar para me salvaguardar ou devo falar para enfim superar? “Eu fui estuprada, a culpa não foi minha”.
Um dia, talvez, quando eu finalmente vomitar depois de falar em voz alta, eu encontre a minha resposta. Um dia eu talvez entenda. Um dia talvez o equilíbrio aconteça e eu possa vencer esse fantasma. “Eu fui estuprada, a culpa nunca será minha”.
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A chamada
Eram nove horas da manhã quando o telefone de Alice tocou pela primeira vez naquela quinta-feira. Ela estava na cozinha lavando a louça e saiu correndo pra atender, mas não deu tempo. Olhando o histórico de chamadas, viu que era Letícia, sua namorada. Tentou retornar... não atendeu. “Estranho”, pensou. Ligou ainda mais duas vezes antes de voltar pra louça na pia. Por precaução, deixou o celular perto. Quinze minutos depois, Letícia liga. - Você me ligou? – ela disse, com voz de sono, do outro lado da linha - Sim, você ligou primeiro. O que foi? - Eu tava dormindo, não liguei pra você. Acordei agora... - Ué... Quem ta aí com você? - Ninguém, amor, eu to sozinha em casa. - Certeza, Lets? Alguém pode ter me ligado do seu celular! - Meu celular tem senha, você sabe... - Que estranho... Hum... Vai ter aula hoje? - Não, hoje o professor liberou a gente. E você? - Eu tenho, mas... Acho que vou faltar! Vai ficar sozinha até que horas? - Hoje o dia inteiro, meu irmão só volta a noite e minha mãe tá viajando. Quer passar aqui? - Já ia me auto convidar! Tô saindo! Alice terminou de lavar a louça, pegou o casaco e a bolsa e saiu. O dia estava frio, mas o sol brilhava e o céu estava sem nuvens. Estranhamente, as pessoas na rua pareciam estar vestidas para um dia quente de verão. Mas Alice sentia frio, muito frio. Já na parada de ônibus, o telefone toca novamente. Era Letícia. - Que foi, amor? Tô na parada já! Do outro lado ela ouve uma respiração pesada e um soluço, alguém chorando. - Lets, ta tudo bem? Nenhuma resposta. Apenas o choro. - Letícia, responde! Amor o que houve? - Eu sinto tanto a sua falta, Alice... – a voz respondeu - Calma eu tô chegando, o que aconteceu? - Eu queria ter te dito antes o quanto eu te amei... - Letícia? - ... o quanto eu queria estar com você agora... - Amor do que você... – a voz parecia não ouvir Alice. Apenas continuava a falar. - ... eu sinto muito. Me perdoa, eu devia ter te ouvido... por favor... se ainda der tempo... não me deixa sair de casa... não importa o quanto a gente brigue... por favor... não me deixa sair... - Letícia, que brincadeira é essa? - ... no dia 31 de outubro de 20**. Não me deixe sair! É escuro aqui... e tem... alguma coisa... nas sombras... não me deixa sair... eu sinto alguma coisa me olhando... querendo me devorar... tem algo nas sombras, Alice... por favor... eu te amo, não me deixa sair... Um ruído de sucção alto e o som de Letícia sufocando, depois, uma voz sussurrante que disse, repetindo várias vezes: E PATAIL OM SHAMIOR REÁ IS DRABR. SUIGUX AN BERQUÉ A REDEERDO. Alice parou olhando o celular, a voz ainda sussurrando. Desligou. Se era alguma brincadeira, não tinha graça. Pensou em desistir de visitar Letícia, mas a curiosidade de tirar a história a limpo foi mais forte, apesar da irritação. Subiu no ônibus na quadra 4 do Setor Sul do Gama em direção a Taguatinga. A chamada misteriosa martelando em sua cabeça. As palavras sussurrantes ainda estavam frescas e, instintivamente, Alice teve a intuição de anotá-las. Anotou também a data... 31 de outubro, dia das bruxas... faltava apenas dois dias. Seria uma tentativa de assustá-la? Alice não resistiu, teve que ligar de novo pra Letícia. - Oi, amor, já tá vindo? - Ah, então você tá bem? Que ligação foi aquela, Letícia? – Alice estava irritada - Que ligação? - Você me ligou chorando, falando pra eu não deixar você sair de casa dia das bruxas, falando que tinha algo nas sombras e ainda por cima alguém ficou sussurrando alguma coisa sem noção no telefone. Que porcaria foi aquela? - Eu não te liguei, amor! - É o seu número que tá aqui! - Não, só você que me ligou hoje, não liguei nenhuma vez! Te mostro meu celular quando você chegar! - Olha se isso for alguma brincadeira de Halloween pra me assustar eu vou ficar muito puta com você! - Eu não to fazendo brincadeira nenhuma! Eu juro que não te liguei hoje, te mostro meu celular! E ninguém usou meu celular pra te ligar. Por mais que quisesse negar, Alice estava começando a ficar assustada. - Ok, quando eu chegar aí eu vejo. Já tô no ônibus. - Tô te esperando, amor. Alice desligou. Intrigada, Letícia foi conferir as ligações no celular. De fato, nenhuma ligação havia sido feita para Alice desde a que ela retornara aquela manhã. Letícia também começou a se assustar. Como Alice ainda iria demorar, foi tomar um banho. Levou o celular junto, caso Alice ligasse. Não parecia que a namorada havia inventado aquela história de ligação pra assustá-la. A moça começou a desconfiar. O dia das bruxas se aproximava e ela queria sair pra uma festa gótica que teria no Conic. Ela nunca tinha ido numa festa lá, estava ansiosa, pois um amigo de internet iria encontrá-la por lá. Seu nome era Enrico. Assim como ela, ele era bruxo, mas dizia seguir uma linha mais “pesada”. Letícia nunca concordou com as práticas do amigo, mas quem era ela pra julgar? A festa seria no subsolo da Faculdade Dulcina de Moraes. Dizem que a falecida Dulcina, grande atriz brasileira, ainda assombra a faculdade que fundou. Um ótimo lugar pra uma festa gótica no dia das bruxas. Saiu do banho, secou o cabelo – o outrora brilhante tom de verde-esmeralda via-se agora desbotado em algumas partes – foi conferir o celular. Trinta e uma chamadas perdidas de Alice. O telefone tocou novamente. - Amor o que foi? Que paranoia é essa de me ligar trinta vezes? - Letícia você me ligou de novo! - Eu tava no banho, como é que eu ia te ligar? - Olha isso não tem graça! Quem tá aí com você? - Ninguém, Alice, eu tô sozinha em casa! Já falei! - Dessa vez eu gravei a ligação, eu não tô ficando louca, Letícia, você me ligou! E foi exatamente igual! - Amor, como assim “exatamente igual”? - Igual, o tempo, o tom, tudo! - Como eu posso estar te passando um trote desses e fazer tudo exatamente igual? - Eu não, sei! É uma gravação talvez! - Alice, pelo amor da Deusa, EU NÃO TE LIGUEI! - Eu to chegando em 20 minutos, vou te mostrar! E desligou. Agora Alice estava assustada. De fato, como poderia Letícia ter repetido tudo exatamente como antes? Era uma gravação, só pode! Algum truque pra assustá-la. Mas por quê Letícia estava fazendo aquilo? Essa pergunta não parava de martelar. E nenhuma resposta fazia sentido. Mas aquela chamada que ela gravara haveria de trazer alguma luz. Ela deu o sinal. O ônibus parou. Ela correu em disparada para a casa da namorada, ignorando o cansaço e todos a sua volta. Bateu na porta quase sem fôlego. Letícia abriu. - Amor, você correu? - Eu...arf... tenho que te mostrar... arf... a... arf... chamada... - Alice, eu não te liguei! - O celular! Elas entraram. Ambas combinaram de mostrar as chamadas feitas e recebidas. - Aqui! Você me ligou! – gritou Alice - Ah... essa foi aquela hora que retornei suas chamadas... mas fora essa não tem nada. Deixa eu ver o seu! Lá estavam as ligações recebidas. Três delas. Uma não atendida. - Viu? Mas amor, eu não te lig... – o telefone de Alice começou a chamar. Na tela o nome: Letícia. - Mas que porra é essa? – falou Alice. Calada, Letícia mostrou o celular. Não havia chamada. - Atende no viva-voz! – sugeriu Letícia. Elas escutaram. - Eu sinto tanto a sua falta, Alice... Eu queria ter te dito antes o quanto eu te amei, o quanto eu queria estar com você agora... Eu sinto muito. Me perdoa, eu devia ter te ouvido... por favor, se ainda der tempo, não me deixa sair de casa... não importa o quanto a gente brigue... por favor, não me deixa sair no dia 31 de outubro de 20**. Não me deixe sair! É escuro aqui... e tem... alguma coisa... nas sombras... não me deixa sair... eu sinto alguma coisa me olhando... querendo me devorar... tem algo nas sombras, Alice... por favor... eu te amo, não me deixa sair... E depois o barulho de sucção e a voz sussurrada: - E PATAIL OM SHAMIOR REÁ IS DRABR. SUIGUX AN BERQUÉ A REDEERDO! E PATAIL OM SHAMIOR REÁ IS DRABR. SUIGUX AN BERQUÉ A REDEERDO! E PATAIL OM SHAMIOR REÁ IS DRABR. SUIGUX AN BERQUÉ A REDEERDO! - AMOR DESLIGA ISSO, RÁPIDO! – gritou Letícia, chorando. Alice desligou. – QUE PORRA É ESSA? EU NÃO GRAVEI ISSO, EU NÃO... - Lets, calma! Eu acredito em você, amor, não se preocupe! – disse ela abraçando Letícia. – Desculpa, eu realmente achei que fosse uma brincadeira sua... Desculpa... - Alice a gente tem que descobrir o que é isso... me manda a gravação, vou enviar pro Enrico, ver se ele descobre. - Aquele seu amigo de Santa Catarina? - É... - Lets eu não gosto muito dele... - Eu sei, mas não conheço outra pessoa que mexe com essas coisas. - Ele só quer te pegar... - Alice, você vê outra opção? - ... Ok... Manda. Elas enviaram pelo facebook. Enrico respondeu: “A mensagem sussurrada no final é um anagrama para ‘O portal de Samhail irá se abrir. Sangue de bruxa é requerido.’ É a única coisa que posso dizer sobre isso” “O que isso quer dizer?” “Que alguém vai se ferrar” “Quem?” “UHAUHAUHUAHUAHUAHUHA” “Enrico?” “Por que você tá rindo?” “S.I.R.3110” Depois disso ele ficou off-line. - Esse puto não ajudou em nada! – exclamou Alice revoltada. - Amor, ele decifrou o anagrama! - É... como ele sabia que era um anagrama? - Ele sabe dessas coisas... - Você não vai ver esse cara! - Alice! - Lets, isso é muito suspeito. Como esse cara decifrou isso tão fácil? Em menos de um minuto? - Ele é... inteligente... Alice não se convenceu. Preparou um chá pra Letícia e as duas subiram pro quarto dela. Veriam algum filme juntas comendo alguma besteira. Se não fosse a paranoia do telefone tocar de novo. Mas não tocou. Acabaram dormindo e acordaram na hora que Guilherme, irmão de Letícia, chegou. Não mencionaram as chamadas. Como já era tarde para Alice voltar para o Gama, acabou ficando por lá mesmo. Durante o tempo que dormiu com a namorada, teve pesadelos terríveis onde via Letícia cercada por sombras enormes com formatos esdrúxulos, farejando a moça como se a quisessem devorar. Letícia teve pesadelos também. Mas com um homem. Este homem era alto, corpulento e com os olhos incrivelmente pequenos para as órbitas, a pele era vermelha como sangue e tinha tatuagens pelo corpo que pareciam as cenas do inferno e uma enorme língua bifurcada que não parava dentro da boca, cheia de dentes podres. Os cabelos eram longos e pretos, as mãos e pés gorduchos possuíam unhas compridas e pontiagudas e ele estava nu. No sonho esse ser demoníaco a chamava com uma voz doce e inebriante, Letícia sentia-se hipnotizada e compelida a seguí-lo. Porém quando se aproximava, o ser abria a boca, deixando-a enorme, como que para devorá-la de uma só vez. Depois de compartilharem seus pesadelos, as duas namoradas não conseguiram mais dormir. No dia seguinte teriam aula e Alice não poderia faltar mais. O telefone de Alice tocou naquela madrugada às três da manhã. A mesma mensagem. Foram pra faculdade juntas, Alice para a aula de Mito e Filosofia e Letícia para Cálculo II. Saindo da aula foram almoçar juntas. O celular de Alice tocou uma da tarde. Depois tocou às dez da noite. Como que a mensagem não se modificasse, elas se convenceram de que era algum tipo de trote. No sábado era a festa e o dia que Enrico chegaria ao distrito federal. Letícia, apesar das chamadas estranhas, estava animada para a festa. Alice nem tanto. Combinaram de se encontrar no Gama pra se arrumar e partir para o Plano Piloto. Quando já estavam prontas, Alice retrucou: - Não quero ir – disse Alice – Não quero conhecer esse tal de Enrico. Não gosto do Conic e acho que essa festa vai dar merda. - Você só tá com ciúmes! Vai ser legal sim! - Eu tô com um mal pressentimento... - Ainda por causa das ligações? Devia ser trote! - Pra mim parecia uma ameaça... Qual é, amor, vamos ficar em casa... só eu e você... – disse, tentando jogar charme - Não posso dar bolo no Enrico, Alice! - Você já me deu bolo antes! - Mas ele veio de outro estado pra me ver! Qual é? - Lets, eu sei o que eu to dizendo, essa festa não é uma boa ideia! - Então não vai! Que droga! - Não vou deixar você ir sozinha! - Eu não sou grudada em você, caramba! Não quer ir, beleza, eu vou sozinha! - Esse Enrico tá a fim de você, Letícia, não vou deixar você ir só! - Deixa de ser paranoica... - Sozinha, você não vai! - Então vem comigo! - NÃO! - ENTÃO EU VOU SOZINHA! – Letícia saiu, batendo a porta. Alice ficou paralisada, enquanto no momento em que a porta batia, seu celular tocava. “Letícia”. Não ia atender, já sabia que seria a mesma coisa, mas depois de longos minutos, sentiu que devia. - VOCÊ NÃO DEVIA TER ME DEIXADO IR, ALICE! TEM ALGUMA COISA NAS SOMBRAS, ELES ME QUEREM! ELE ME QUER, ALICE!!! O TEMPO TA ACABANDO, VOCÊ NÃO DEVIA TER ME DEIXADO SAIR!!! – os gritos foram abafados e a outra voz, dessa vez clara e em bom português, disse: - O SANGUE DA BRUXA SERÁ DERRAMADO! SAMHAIM IRÁ REINAR! Ela não soube o que fazer a não ser correr atrás de Letícia. Correu o máximo que pôde, correu mas não chegou a tempo na parada. Viu apenas sua namorada subindo no ônibus e este partindo. “Droga!”, pensou. Correu para o Pistão Sul, ia tentar pegar o ónibus lá. Chegou com os pulmões em chamas a tempo de parar o ônibus e entrar... Não era o mesmo onde estava Letícia. Só restava agora encontrar com ela no terminal... Chegando lá não deu sorte de novo, viu a namorada dentro do BRT que partia, não deu tempo sequer de correr. O telefone toca novamente. Ela atende. Os gritos de sua namorada ecoam do outro lado como se ela estivesse sendo torturada. A segunda voz diz, rindo: - SUA NAMORADA TEM UM SABOR MAGNÍFICO, ALICE!!! O SANGUE DELA TEM O GOSTO DOS ANJOS... NEM PARECE QUE É UMA BRUXA! - Se você machucar a Letícia eu juro que eu vou MATAR VOCÊ! - NÃO VAI CONSEGUIR SEQUER SALVAR SUA NAMORADINHA, QUANTO MAIS ME MATAR! O SANGUE DA BRUXA JÁ FOI DERRAMADO. SAMHAIM IRÁ REINAR! A criatura desligou. Naquele momento estacionava outro BRT. Alice correu para entrar. Já era quase onze horas da noite quando finalmente Alice chegou na rodoviária do Plano Piloto. Ela não perdeu tempo, correu direto pro Conic. Na entrada da festa perguntou por Letícia, disseram que ela ainda não havia entrado. Mas Enrico sim. Resolveu entrar e esperar que Letícia chegasse. Pelo menos manteria os olhos em Enrico. Entrou, desceu no subsolo, estava lotado. Tocava Enjoy the Silence quando ela viu Enrico encostado no balcão do bar. Ela se aproximou. - Cadê a Letícia? – ela foi direta - Educação mandou lembranças! Primeiramente, boa noite, milady, estou muito bem, obrigado e não, eu não vi sua namorada, ela deveria estar com você! - A gente brigou e ela saiu sem mim... - Ah... por causa das ligações? - Não... Porque eu fui uma idiota mesmo... - Hum... - O que você quis dizer com “S.I.R.3110”? - Tá rolando esse código na Deep Web. Dizem que abre o portal de Samhaim. - O demônio? - Esse mesmo. E dizem que só pode ser usado dia 31 de outubro mediante o sacrifício de uma bruxa. - Por que diabos você não falou isso antes? - Se eu falasse não ia trazer você aqui. - O quê? - Você achou que fosse a Letícia? Não, milady, era você o tempo inteiro. - Mas eu não sou bruxa! - Claro que é, tá no sangue. - Você é maluco sabia? Onde tá a Letícia? - Nesse momento na rodoviária, saindo da pastelaria. Ela ficou com fome e foi fazer uma boquinha. Vai chegar a tempo de ver os fogos de artifício. - Eu vou embora daqui! - Pode tentar! Não dá mais tempo... Se eu fosse você ligava pra sua namorada... - Seu doen... Letícia subia as escadas da rodoviária em direção ao Conic quando ouviu o barulho e sentiu a explosão. Quase caiu escada a baixo. Meio desorientada, terminou de subir pra ver o que tinha acontecido. Pelo visto o Conic tinha explodido, e com ele a festa para onde ela se dirigia. Quando saiu a lista das vítimas, lá estava o nome de Alice. Letícia não se conformava. Uma semana depois ainda não havia superado. Mal saída da cama, não comia, não falava. Até que um dia o telefone tocou. “Alice”
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Ser bom e não poder dizer
Eu venho pensado nisso há algum tempo. Já notaram que se alguém é bom em alguma coisa ou extremamente belo e fala isso em voz alta, causa raiva nas pessoas? É quase que automático. E quando a pessoa tem essas mesmas qualidades e faz o oposto - diz ser ruim naquilo que é bom ou diz ser feio(a) sento bonito(a) - as pessoas correm pra elogiar e a pessoa se torna um ícone? É quase uma maldição. Claro, existem exceções mas, no momento essa é a regra. Engraçado, né? Por que sentimos essa raivinha de pessoas que sabem que têm qualidades e declaram isso em voz alta?
Minha reflexão começou no instagram, quando uma modelo chinesa que eu sigo postou uma foto com a seguinte legenda em inglês (aqui traduzida): “Eu odiaria ser meu ex, imagina saber que perdeu uma garota linda como eu”. Bom, eu devo admitir que, apesar de ser verdade - ela é realmente linda - eu própria senti um incômodo com tamanha auto-estima. E notei que não só eu, mas uma infinidade de comentários na foto teciam xingamentos e impropérios contra ela, alguns dizendo que ela nem era tão bonita assim e que tudo não passava de maquiagem ou photoshop. Nesse momento minha ficha caiu. Pensei nas garotas que fazem o oposto, que se dizem feias na legenda da foto e muitos comentários, a maioria deles, a elogia e enaltece. Por que?
Um outro exemplo, agora sem falar de aparência física. Conheço um cara que joga todo tipo de jogo. Ele é bom em quase todos, mas admite não ser bom em jogos de tiro. Bem, ele sabe que é bom e fala isso para quem quiser ouvir. E sim, ele é bom, muito bom! Só que... Na internet e até com alguns amigos dele, quando ele fala o quanto é bom em jogos, as pessoas tentam diminuí-lo. Comparam ele a profissionais, a asiáticos (porque segundo a cultura da internet, asiáticos são bons em tudo) e assim tentam minar a auto-estima dele em relação à maestria dele com jogos. Não preciso dizer que no caso dele, essas tentativas são em vão. Mais uma vez eu pergunto: por quê?
Na escola eu era boa em todas as matérias, cantava, fazia balé, escrevia poesias, fazia músicas, tocava violino, fazia teatro, fazia artesanatos e desenhava muito bem. Mas, apenas por declarar que eu escrevia bem sofria o famigerado bullying das pessoas que me ouviam falar o quanto eu era boa. Então, para não perder os amigos para as minhas habilidades, fui deixando de fazer cada uma dessas coisas, fui me boicotando, pois, se eu fosse “boa demais”, as pessoas não gostariam de mim, sentiriam raiva dos meus talentos e eu acabaria sozinha. Resultado: hoje não consigo ser tão boa quanto naquela época em nada que eu fazia tão bem. Para evitar essa raiva das pessoas destruí minha genialidade artística e matei minha sensibilidade. Por que?
Por que sentimos raiva de alguém que sabe que é bom ou bonito e fala isso em voz alta? Depois de pensar bastante sobre isso, notei que esse sentimento tem a ver com inseguranças e frustrações de quem não tem aquela beleza ou habilidade. Tem a ver com a falta de auto-estima e a crença de que não é capaz de ser tão bom quanto aquela pessoa. Talvez, se eu não tivesse deixado os comentários maldosos destruírem minhas capacidades, se eu soubesse 15 anos atrás o que estou escrevendo hoje, eu tivesse evitado várias amizades ruins - pois as verdadeiras torceriam por mim - e tivesse me tornado uma artista bem melhor hoje. Consequentemente eu seria mais feliz. E é claro, não teria aprendido essa mania feia de me incomodar com o sucesso e a auto-estima dos outros, que finalmente estou deixando de lado.
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