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jeffersonadriareis · 4 years
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Tubaína
“Quando os meninos começaram a sair para o esquinão, eu os segui, mesmo sem ser convidado, porque o Bruno era quem tinha pensado naquilo, então imaginei que seria legal. Eu geralmente evitava os meninos quando eles se juntavam longe do Cabo, porque nessas horas eles ficavam mais maus e implicavam com os mais novos, nos chamavam de criança e perguntavam se já tínhamos virado homem, se tínhamos pelo no saco e se queríamos uma mudinha. Eles ficavam o tempo todo com essa coisa de mudinha, que era tirar um pelo do saco e dar para outro menino plantar no próprio saco. Eles ficavam comparando um monte de coisas. Eu só tinha alguns poucos pelos e sentia vergonha, então ficava longe de tudo isso. Mas naquela tarde eu quis ir tomar tubaína porque o Bruno estava risonho e brincalhão e eu queria ficar ouvindo as coisas que ele falava e olhando o jeito que ele falava.”
Leia o conto completo na página 40
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jeffersonadriareis · 4 years
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Mal du Siècle
“E então volto dançando para meu quarto. Deslizando meus dedos no ar, paro quando um peso muito bem conhecido cai sobre meu corpo: eu deveria saber cuidar de mim, deveria cuidar de mim. Mas me saboto. Perco noites inteiras de sono procurando desfazer esse vazio com música, literatura e, às vezes, unhas na carne. Deixo minhas unhas crescerem para poder me arranhar. Mas não dói, isso não pode me machucar. E deixo de comer para me sentir morrendo, mais fraco, mais vulnerável. Menino, ser doce não o salvará. Mesmo que tivesse estrelas nos pés, não existe fuga para sua solidão.”
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jeffersonadriareis · 4 years
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Pássaro d’água
“Comecei a ficar nervoso. Olhei para baixo e vi minha perna muito próxima da perna dele. Então ele se mexeu para abrir a garrafa e a entregou a mim.
Agradeci e tomei uma golada. A água fresca me trouxe uma sensação de existência. Eu era uma estátua muito antiga na chuva selvagem. Olhei para Heitor e ele olhou para mim. Sorrimos um para o outro. Tomei outra golada e devolvi a garrafa. Quando ele a levou à boca, observei o movimento de seu pescoço, o corpo se saciando, o corpo garantindo mais vida, garantindo mais. Uma gota escapou de seus lábios e deslizou até a gola da camisa.
– Você tava muito certo quando disse que a gente ia se encontrar antes da  volta às aulas – eu disse a ele, tentando continuar a conversa.  
– Senti que aconteceria.”
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Fonte da imagem: Wayne Howarth
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jeffersonadriareis · 4 years
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Antonio, meu pai
Hoje é aniversário dele, do meu pai, o homem que disse que sempre iria cuidar de mim, sempre cuidou e até hoje cuida, como se me reconhecesse como aquele filho pequeno, aquela criança que em alguma medida nunca deixei de ser.  Ele, sempre tão brincalhão, tão corajoso e às vezes teimoso. Como eu adorava quando ele me contava aqueles causos de assombração quando eu era menino e quando me jogava para cima e eu sentia como se subisse 300 metros! Ele, com sua paixão por música sertaneja de raiz, violão e vida no campo. Pai, te amo muito e sinto que o tempo e o entendimento apenas têm nos aproximado mais e mais. Sou muito feliz por tê-lo em minha vida. Feliz aniversário, muita felicidade!
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jeffersonadriareis · 4 years
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A minha saudade nos tempos de coronavírus
“Os dias vão se acumulando e entre ligações e mensagens, sinto sua falta. Sinto falta de olhar para os detalhes nas suas roupas, sinto falta de sua risada, sinto falta de sua distração. Quando nos abraçamos pela última vez? Quando pudemos nos aproximar sem medo e só com amor? Quando pude demonstrar por meio do meu corpo no seu que amo você? Suspenso está nosso ritual de beijinhos, que eu nem sei quando começou, mas que não quero que termine.”
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jeffersonadriareis · 4 years
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Submerso
“Ele passou por mim e senti cheiro de sabonete. Assim como os meus, seus cabelos estavam úmidos. Aquilo me desconcertou. De uma hora para outra ele havia se tornado acessível, quase palpável... E estava tão perto. Devagar, ele se aproximou da janela e olhou para a noite. A pele do céu era escura e às vezes se cobria com tatuagens incandescentes.
Fiquei parado onde estava, apenas olhando. Ele tornou a se virar para mim e me encarou. Já não parecia tão nervoso ou constrangido. Eu, que até então vinha fazendo de tudo para que ele se sentisse desconfortável e indesejado, me flagrei torcendo para que estivesse gostando de permanecer no meu mundo úmido. Mas ele precisava ir embora, não tinha o direito de ressurgir. Daniel precisava desaparecer. De repente me senti como uma represa que se rompe.”
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Fonte da imagem: Plankton
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jeffersonadriareis · 4 years
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Roma em trevas
“Tive um professor que me chamava de problema. Ensinava Filosofia no colégio e foi com ele que aprendi a paixão. Paixão pelo mundo, pelas palavras, pelos pensamentos e pelo corpo de homem. Ele falava sobre o comportamento humano, na aula, enquanto eu vagava pelas ruas de Roma. Uma Roma em trevas, nas celas dos gladiadores. Eu era o anjo apócrifo que deveria salvá-los, mas os levava para o meio do Coliseu e gritava: Pão e circo! De repente voltava para a aula e para o professor.” 
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jeffersonadriareis · 4 years
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Prefácio
Uma vez, em uma madrugada de insônia, ouvi uma canção cujo refrão dizia: “Meu coração é uma cidade fantasma”. De princípio me identifiquei com a letra. Como poderia meu coração ser outra coisa que não uma cidade, um país ou um mundo inteiro fantasma? Depois de tantos dias de isolamento na infância, na adolescência e na vida adulta, eu, o dono de um universo particular protegido por uma grande e densa bolha de silêncio e solidão, poderia ter no lugar do coração algo diferente da entrada para uma dimensão fantasmagórica?
Não sei, havia algo escondido. Porque, por mais que eu me identificasse, ou quisesse me identificar com a canção, algo não condizia. Quando se é dono de um coração que é uma cidade fantasma, pensava eu, não havia nada com o que se preocupar a não ser esqueletos, poeira e ruínas. Não há nada a perder. Mas eu sentia que havia muito mais que isso em meu coração, apesar das tentativas de ser mais forte, bravo, duro... A reflexão me levou a perceber meu coração de uma nova perspectiva. E enxerguei, em meio ao vermelho, faces pálidas de azul, agressivas cores verdes resistentes e tons terrosos amáveis.
Pensei no menino pobre, filho caçula e temporão de um casal paulista que veio desbravar o Mato Grosso. O menino quieto e imaginativo, o primeiro mato-grossense da família, nascido em uma cidade engolida chamada Pedra Preta. Uma criança que passava horas sozinha desenhando figuras imensas e complacentes no chão do quintal com um pedaço de galho. Uma criança que não conseguia se adequar ao modelo de menino lutador, jogador de futebol chegado a brigas de rua e a estilingues.
Uma criança que começou desde cedo a colocar na mochila pequenos segredos importantíssimos, lampejos diminutos de entendimento de mundo e muita fantasia.
Pensar no menino me levou a pensar também no adolescente torto que ele se tornou, sujo de pó de serra, que, em uma cidade do Nortão do Mato Grosso, Apiacás, procurou deslizar para fora de sua infância quase eterna e ser um pouco menos aquilo que lhe pesava nos ombros: um rapaz crescido que preferia ficar em casa, enfurnado nos livros. E nessa fuga, esse adolescente, aos 14 anos, arrumou um emprego de ajudante de marceneiro e passou a conviver com o medo das serras, a pegar muito peso e a passar horas lixando e envernizando móveis enquanto pensava nas tramas e nos personagens que depois iria colocar em cadernos.
Brotou também de minhas memórias o adolescente mais velho, que, de volta à cidade natal, começou a trabalhar em uma lanchonete e lá recebia pedidos, preparava lanches, cuidava do caixa e servia mesas. Um garoto que cheirava a hambúrguer e detergente. E que durante dois anos aproveitou os momentos de sossego para ler os tão queridos livros de ficção, viajando pelos caminhos oferecidos por homens e mulheres com segundas intenções. Caminhos estes que levaram o adolescente às portas da universidade. E de uma nova vida.
Naquele tempo, as coisas flutuavam. As coisas estavam desligadas e flutuavam, pairavam em torno da cabeça do adolescente, como planetas fora de suas órbitas. O chão em que o adolescente-menino pisava era trêmulo. Meu Deus, como as coisas nunca paravam de se mexer! E como tudo às vezes parecia tão estático. Grandes olhos e bocas por todas as partes. O adolescente, agora adulto, tinha certeza de que vivia em cenários vacilantes lançados ao vazio do espaço sideral.
A sala de aula na universidade era apenas um cenário e ele interagia com pessoas muito distantes, intocáveis. Tudo era fingimento e por trás das paredes não havia nada. A paisagem vista pela janela era alucinação.
Eis agora um homem adulto? Um jovem? Um híbrido? Não mais cadernos, agora blogs na internet. O primeiro blog surgiu na terça e se chamou Abismo Maldito. O segundo surgiu na quarta e se chamou Garoto Mal-Intencionado. O terceiro surgiu na quinta e foi chamado de Absoluto Dom de (In)Existir. O quarto surgiu na sexta e o chamavam de Narciso Prostituído. O quinto surgiu no sábado e foi chamado de Jefferson Reis. O sexto e último surgiu no domingo é se chama Jefferson A. Todos esses blogs, com exceção do último, morreram queimados ou afogados.
O Curso de Letras proporcionou ao homem a oportunidade de mergulhar mais fundo e de novo. E ele guarda boas e más lembranças dos quatro anos em que viveu tais letras, que o fecundaram e o adubaram, é verdade, mas que também o presentearam com ervas daninhas diabólicas e irresistíveis. E então o trabalho na escola. Professor de Língua Portuguesa. O professorzinho, como alguns o chamavam. Hoje sorrisos, naquela época, lágrimas e muita preocupação.
Isso me traz à mente, ainda, o homem perdido que se seguiu. Uma fuga para a cidade vizinha. O que você queria calar, rapaz? Quais vozes lhe falavam apenas em sua cabeça? Por que você nunca se endireitou? Por que nunca se livrou dessa tristeza? Por que você a dissimula? Três anos trabalhando em uma livraria no shopping. Tantos livros, tantas histórias, quantas coisas acontecendo em seu mundo particular e o quão pouco aconteceu nos seus dias de fora. Vendedor de livros, livreiro. Pessoas, desespero, um namorado, falta de ar. Um questionamento: por que existo?
E se ele se reinventasse?
O Curso de Psicologia veio com um pouco de medo e bastantes incertezas. O homem-menino sentia como se estivesse traindo seus antigos sonhos das palavras. E não sabia nada sobre Psicologia. O que era? O que fazia? Por que não tentar? Como primeira opção no ENEM arriscou um curso de Edição de Livros em Santa Maria. Nos últimos minutos, porém, mudou para Psicologia. O que ele estava fazendo? Era o momento de outra graduação? Seu tempo não havia passado? Ele não precisava dar ao mundo uma resposta rápida? E útil?
A Psicologia se mostrou algo tão maior e mais complexo do que o menino imaginava que ele se pegou olhando para o abismo. E quando se olha para o abismo, o abismo olha de volta para você. É o que diz Nietzsche. Pela primeira vez o homem quis. Descobriu-se lutador, mas de uma maneira diferente daquela que lhe era cobrada quando criança. Ele estava fazendo algo e dessa vez pensando nele, na vida dele, e não no silêncio do mundo.
A Psicologia é um passeio entre árvores ancestrais. E o homem caminha descalço, seus pés são perfurados e seu sangue encontra a terra. Há pedras e musgos no meio do caminho, folhas de relva, aromas doces e cítricos, muitas cores, sombra e sol.
Foi revelado então que, no coração do menino, que é o meu coração, há esqueletos, poeira e ruínas, mas o verde caótico e as cores esquizofrênicas crescem sobre tudo isso. Os arbustos tomam conta, as trepadeiras anseiam as estrelas, as flores sorriem caprichosas, as plantas aquáticas escondem as profundezas, sapos coaxam, pássaros cantam, o vento quente sopra e brilha... O menino-adolescente-homem contempla e eu digo:
MEU CORAÇÃO É UM JARDIM SELVAGEM!
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