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hopefuldelusionmiracle · 2 years ago
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AMOR ETERNO
Eu ainda lembro da primeira vez que a vi. 
Foi na 8º série. Período vespertino (tarde. Eu odiava esse horário). O calor não nos deixava esquecer que estávamos no Brasil, em janeiro, no verão. A sala era daquelas de escolas públicas, com uma pintura de tinta óleo até a metade da parede e que, naquele calor, caso você se atravesse a encostar corria o risco de deixar a pele grudada de tão quente (tá, tô exagerando, mas eu me sentia assim nessa época. Fica na sua!).
Ela chegou atrasada para o primeiro dia de aula do ano depois das férias. Usava uma camiseta listrada que estava na moda e tinha uma franja para o lado.
Sabe aquele momento nos filmes em que a pessoa entra no recinto e, instantaneamente, o apaixonado se apaixona e o mundo passa a rodar em câmera lenta e desfocar os demais, apenas a pessoa “apaixonante” é o foco? Então, era eu e ela naquele momento. Soube ali que ela era a minha metade. Mesmo não sabendo, mesmo não querendo. Eu nasci para amá-la.
Ela nem notou minha existência. Apenas entrou, escolheu uma cadeira e abaixou a cabeça.
Depois do intervalo, Izabelle veio falar comigo:
- Oi. Luis, né?
- Oi. Sim! Como você sabe?
- É que eu ouvi todo mundo falando com você e decorei. 
- Ah sim. (eu com vergonha, mas desejando que aquele momento durasse para sempre)
- Você consegue arrumar minha caneta, por favor?
- Deixa eu tentar... Pronto! Acho que foi.
- Valeu!
Aquele dia de escola valeu a pena! (estudar é importante, crianças. Você entendeu!)
Nos aproximamos e viramos melhores amigos. Tínhamos o nosso grupo e andávamos sempre juntos.
É claro que eu sempre fui apaixonado por ela e é claro que eu acabei entrando na mais temida e horrorosa fase da vida de qualquer adolescente: a friend zone. Porém eu não podia revelar isso para ela ou para ninguém. Nós éramos um bando de adolescentes, inseguros, revoltados e morrendo de vergonha de qualquer coisa. Imagina o que iria causar revelar esse tipo de coisa.
Todos os dias de aulas eram o que eu chamava de “boa tortura”, onde eu sofria por vê-la e não ter coragem de dizer nada, mas pelo menos eu a via e podia estar perto dela (a parte “boa”).
Passei todo aquele mês de junho sendo torturado pela vontade de falar alguma coisa para ela, principalmente porque lembrava que estávamos no último ano do ensino médio e que havia uma grande chance de nos separarmos quando ele terminasse (mesmo com todas as promessas de “do 3ºão para a vida”). 
Senti que deveria contar, ou pelo menos jogar alguma isca para ver como ela se sentia.
Ao longo da última semana de junho, antes das férias, tentei me aproximar mais dela, passávamos o intervalo e as aulas de educação física juntos, conversando sobre o que faríamos nas férias:
- Você vai viajar, Lu? – Ela perguntou.
- Não. Íamos para Mongaguá, mas minha mãe desistiu e decidiu ir só no final do ano. E você?
- Sim. Vamos para o Rio visitar minha avó. 
- Que legal, Belly. Não esquece de ligar o modo turista 100%: Cristo Redentor, Arcos da lapa, Parque Lage, essas coisas. – Rimos.
- Sei que é só um mês, mas vou sentir saudades. Principalmente de você.
Parei. Olhei para o céu. O QUE ACABOU DE ACONTECER? 
- Não entendi – disse com a intenção de conseguir arrancar mais alguma declaração
- Nada. Deixa pra lá.
O sinal tocou. É claro. Voltamos para a sala. 
Nas nossas aulas de português a Professora tinha o costume de levar uma caixa de livros pessoais para que pudéssemos ir lendo quando terminávamos as atividades. 
Ao longo do mês eu estava vidrado em “Ladeira da Saudade”. Um romance ambientado nos anos 1940, 1950, onde a personagem de uma família rica é prometida para outro jovem de outra família em casamento, mesmo desprezando o garoto. 
A convite e por insistência da mãe, ela viaja para Ouro Preto – MG com a sua tia para passar as férias escolares e lá conhece um grupo de adolescentes em uma festa. Eles acabam tornando-se amigos e ela acaba se apaixonando por um dos garotos do grupo.
Pronto. Se eu tinha alguma esperança de algo acontecer entre mim e a Izabelle ela tinha acabado de morrer com aquela história (o livro é sensacional. Passei anos procurando até que encontrei uma cópia em uma feira de trocas da faculdade. Score!).
Terminei o livro bem na última semana de junho, logo quando também recebi essa indireta/direta da Izabelle. 
Estava com o coração acelerado. Não era possível que o universo tenha esperado até a última semana antes das férias para me dar essa boa notícia. Parecia brincadeira.
Naquela sexta lanchamos juntos no intervalo e demos risadas, fazendo planos para quando retornássemos das férias. A todo momento algo gritava em mim: FALA LOGO QUE VOCÊ A AMA, SEU IDIOTA. VAI. Mas a coragem não veio.
A aula terminou, nos despedimos e eu dei um abraço e um beijo nela. Ficamos nos encarando por alguns segundos e, durante aquele pequeno espaço de tempo eu pude amá-la por inteiro, da forma como eu imaginava e desejava. 
Cheguei em casa com um nó na garganta e fui direto para o chuveiro. Não consegui me concentrar no culto daquela noite (foi mal, Deus, mas acho que pode me compreender. Adolescente, primeiro amor, o Senhor sabe...).
Chegando em casa, pensei em algo e tomei coragem:
[Eu]
- Belly
- Tá aí?
[Izabelle]
- Oi, Lu
- Td bem?
[Eu]
- uhum
- quer ir no cinema amanhã?
[Izabelle]
- Qual filme?
[Eu]
...
- Lançou Cidades de Papel. Adaptação daquele livro que lemos. Bora?
[Izabelle]
- meu Deus, SIM!
- o livro e o trailer são maravilhosos. Tomara q o filme tbm seja.. kk
- q horas?
[Eu]
- pode ser às 17h?
[Izabelle]
- fechou!
Conseguia sentir meu coração na minha cabeça de tão acelerado que estava. Respirei e comecei a bolar formas de contar a ela como eu me sentia antes que ela viajasse e se apaixonasse por outro cara (o livro tinha surtido efeito).
Primeiro precisava de dinheiro para ingresso e pipoca (adolescente, periferia, tire suas conclusões). Me dirigi ao primeiro local onde temos acesso a dinheiro na vida:
- Pai, o senhor me arranja R$50,00 por favor? – com aquela cara que todos temos quando vamos pedir alguma coisa.
- Pra que? – Ele respondeu, sem levantar os olhos da Bíblia
- Chamei a Izabelle para ir ao cinema antes dela viajar nas férias.
- Pode pegar na minha carteira. Vocês vão quando? – ele perguntou
- Combinamos amanhã, as 17h00. Rola uma carona? – Falei, com a carteira na mão, mas ainda com aquele sorriso interesseiro
- Pode ser. Mas vê se pega uma sessão que termina cedo, viu?
- Pode deixar. Obrigado, pai! – agradeci saindo.
Acordei cedo naquele sábado e fiquei deitado olhando para o teto. Comecei a pensar sobre o que eu iria fazer naquelas férias, já que não iriamos viajar mais. 
Lembrei que tinha ganhado o livro “O Cortiço” na escola. Bom, acho que bolei um plano.
Levantei e fui escovar os dentes para tomar café. Apesar de estar ansioso pelo cinema com a Belly mais tarde, sentia algo estranho me rondando. Não liguei.
(...)
Biiiii biiiiiii.... [sons de pais esperando filhos que demoram a se arrumar em carros]
- Lu, vai logo que seu pai já está esperando no carro – gritou minha mãe da cozinha.
- Tô indo, mãe – falei, ainda terminando de colocar os tênis.
- Vai com Deus e cuidado. Te amo!
- Te amo, mãe – falei me despedindo.
Fechei a porta do carro.
- Eu literalmente fiquei mais velho te esperando nesse carro. Que demora, cara. – Brigou meu pai.
- Foi mal. Não estava achando meu tênis.
(...)
- Fica com Deus. Juízo. Te amo. Quando terminar me liga para eu vir buscar vocês – se despediu meu pai.
- Tá bom. Te amo. Tchau!
- Tchau, Sr. Flávio!
- Tchau, Belly. Juízo.
O cinema estava lotado, mas até que a fila foi bem rápido. Mesmo assim, só conseguimos uma sessão que começava as 20h00 e o filme tinha quase 2 horas de duração. Como era um sábado e já estávamos de férias, não me importei. Poderia lidar depois com uma possível reclamação do meu pai sobre o horário.
Como ainda faltavam algumas horas para a sessão começar, decidimos ir comer alguma coisa. 
No caminho estávamos conversando e dando risadas. Lembramos de uma bronca que um aluno tomou na escolar por ter incendiado uma lixeira (escola pública, lembra. Normal). 
Pedimos um lanche e nos sentamos na praça de alimentação. Ela estava tão linda. Usava uma camiseta preta, uma calça jeans cintura alta e um tênis branco. Uma das coisas que eu mais achava lindo nela era essa simplicidade que, na minha visão, a tornavam ainda mais bela.
Meu coração acelerou. Tomei coragem:
- Belly, naquele dia na escola, quando estávamos conversando sobre a sua viagem e você disse que iria sentir saudades de mim. O que você quis dizer? 
Ela me olhou, sem transparecer nenhum nervosismo.
- Aquilo mesmo que você ouviu. Vou sentir saudades do pessoal, mas principalmente de você.
- Você gosta de mim? – arrisquei (já nem sei a quantas batidas meu coração está nesse momento)
- Acho que sim. – Meu mundo se clareou naquele momento. Parecia que um peso tinha sido tirado das minhas costas - Você gosta de mim?
- Tenho certeza que sim. Desde a primeira vez que eu a vi.
Ela riu e corou um pouco. Eu também ri, mas estava um pouco mais aliviado.
- Será que podemos continuar conversando durante a sua viagem? (sim, já estava me garantindo. O livro me pegou. Me deixa)
- Sim, eu adoraria. – Ela disse, ainda rindo e sem desviar o olhar de mim em nenhum momento.
Rimos. Terminamos o lanche. 
Da praça de alimentação ao cinema era uma distância curta, mas fomos andando sem pressa e, no meio do caminho ela segurou a minha mão. 
Eu a encarei e ela desviou o olhar, rindo. Eu ri. 
Naquele curto caminho eu me senti flutuando. O tempo parecia que havia parado apenas para nós dois.
Entramos na sala e escolhemos as últimas poltronas, bem no fundo (não é nada disso que você está pensando).
Durante a maior parte do filme eu ficava olhando para aquela garota imaginando o quanto eu a amava e já tinha certeza disso, mesmo tão novo.
A todo momento eu bendizia a minha coragem de tê-la chamado para sair, mesmo não tendo nenhuma intenção maior, apenas de estar com uma amiga, mas acabar tendo uma das melhores surpresas daquele ano e desde que eu a tinha conhecido.
Achava que ela não havia percebido que eu a encarava, mas estava errado. Ela não só percebeu como também passou a me encarar. 
Nos olhamos por algum tempo até que decidi me aproximar mais. O coração começou a acelerar novamente. 
Ela devolveu o movimento. 
(...)
As aulas retornaram 2 semanas depois do planejado na minha escola. No primeiro dia os primeiros professores levaram todas as suas turmas para a quadra, onde a diretora iria fazer um pronunciamento.
Naquele dia o céu estava cinza, os muros da escola estavam com mensagens e havia flores e velas no chão.
Depois de todos os alunos se reunirem, a diretora recebeu um microfone e começou:
- Caros alunos, sejam bem-vindos de volta! Apesar de estarmos felizes com o retorno das aulas, ainda é um momento de consternação e tristeza para todos. 
Estamos vivendo um momento muito difícil com a perda de 5 dos nossos jovens. Jovens inteligentes, sonhadores e admiráveis que pra sempre estarão em nossos corações.
Agora, peço 1 minuto de silêncio em memória das nossas pequenas estrelas.
Neste momento, 5 balões foram soltos por um dos inspetores. Em cada um podia-se ler um nome: Lucas, Gabriela, Miriam, Izabelle e Luis. 
A seguir, ouvia-se uma salva de palmas pelos alunos, o corpo docente e de funcionários ali reunidos.
(...) 
Durante todo o mês de julho e agosto os jornais noticiavam a tragédia que aconteceu na periferia da Zona Sul de São Paulo: um jovem de 19 anos entrou armado com uma submetralhadora em uma sala de cinema e abriu fogo contra a audiência.
Das 200 pessoas que assistiam uma sessão do filme “Cidades de Papel”, 20 morreram e outras 40 ficaram feridas. 
Na sessão estavam 5 alunos de uma mesma escola pública da capital paulista que, infelizmente, acabaram entre a 20 vítimas fatais. 
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hopefuldelusionmiracle · 3 years ago
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FÉRIAS DE VERÃO
Aquele era um dia quente, desses de verão onde passamos o dia inteiro transpirando e sentido que estamos sendo queimados vivos, mas para aliviar, a noite corria uma brisa refrescante e que fazia valer a pena ter passado pelo inferno que foi o dia.
Decidi que nessas férias iria ler mais e já estava na página 112 de Jurassic Park (o livro é maravilhoso. Dá essa chance. Vai por mim!). Estava no meu quarto, no final da página quando meu celular vibrou. Era Marina:
- Lucas?
- ta aí?
- pode falar agr?
Dinossauros e biólogos lutando para sobreviver passaram a ser irrelevantes naquele momento.
[Eu]
- sim
- tá tudo bem?
[Marina]
- na vdd não
- faz um tempo que queria te contar uma coisa mas não tenho coragem
[Eu]
- o que aconteceu?
[Marina]
- eu acho que eu fiz algo muito ruim
[Eu]
- o que vc fez?
- ?
- Marina?
-?
-?
Eu ainda lembrava do dia em que conheci Marina. Ela era aluna nova na minha escola. Chegou atrasada no 1º dia e acabou assistindo a aula na minha turma.
É claro que eu não assisti a aula porque não conseguia parar de olhar para aquela menina nova e linda que acabara de chegar.
No intervalo, depois de comprar uma Sprite na cantina e sentar no muro que dividia o pátio e a entrada da quadra, eu a vi sozinha mexendo no celular, em um banco na quadra.
Decidi ir me apresentar. “O máximo que ela pode fazer é nem olhar pra minha cara e sair” determinei.
- Oi!
- Oi!
- Eu sou o Lucas
- Oi, Lucas! Eu sou Marina.
- Prazer, Marina. – disse – Você é do 3º F?
- hum... acho que não. Acho que entrei naquela sala por engano.
- ah (decepção)
- Acho que sou do 3ºD
- Entendi...
- Você estuda aqui todo o ensino médio ou só chegou agora também?
- Desde o 1º ano - respondi.
- Ah, sim...- ela disse - É legal aqui? Rs
- Bom, é uma escola cheia de adolescentes no ensino médio... Não tem como ser pior!
Nós rimos.
- Bom ponto – disse ela rindo – Tchau! A gente se vê!
- Tchau!
(...)
[Eu]
- Marina?
-?
- Responde
[Marina]
- será que vc consegue vir na minha casa?
[Eu]
- agora?
- o q aconteceu?
- me fala
[Marina]
- vc pode ou não?
[Eu]
- são quase 00h00
- vc está passando mal? Quer que eu chame ajuda?
[Marina]
- esquece
[Eu]
- Marina?
- ?
- ?
- Responde
- Tá
- Eu vou
- Espera aí...
Nós não moravamos longe um do outro, era coisa de 3 quarteirões de distância, mas apesar da brisa refrescante daquela noite, o calor ainda estava insuportável para andar 1 quarteirão que seja. Optei por ir de bike. Pelo menos podia deixar a gravidade trabalhar nas ladeiras e apreciar o vento.
[Eu]
- to aqui fora
...
...
- Marina?
- abre aqui
...
...
Mesmo sendo de turmas diferentes, nós passamos a andar juntos todo intervalo. Ela gostava de filmes de terror e animação, de rock e de música clássica, apesar de não aparentar nem um pouco. Amava comida japonesa e sempre passava em um mercadinho japonês no caminho da escola para comprar onigiri – arroz japonês envolto numa folha de alga com recheio de atum ou salmão (pelo menos os que ela comprava) - para comer no intervalo.
Gostávamos de inventar histórias de vida para os outros alunos que passavam por nós e ficávamos o intervalo inteiro rindo disso:
- Tá. Aquela ali, ó – Ela apontou.
- Qual? A de vermelho?
- Sim
- Tá
- Ela vive com a mãe, o pai e um irmão mais velho que já abusou dela mas ela nunca contou pra ninguém.
- Nossa. Tá. Todo dia no jantar, ela senta na mesa em frente a ele e, enquanto ele come de cabeça baixa encarando o prato, ela olha pra ele e imagina envenenando a sua comida e ele agonizando na mesa, enquanto seus pais desesperados tentam salvá-lo. – eu disse.
- Gostei. Bem dark.
- Obrigado. – Falei me curvando em tom de brincadeira. – Ok. E aquela?
- A de camiseta do linkin park?
- isso
- Tá. Essa daí, apesar do visual todo roqueira, sofre porque o namorado, um viciado de 23 anos, que mora no sótão dos pais e não tem emprego, terminou com ela. Ela vive mandando mensagem para ele mas ele ignora.
- As vezes ela diz que vai se matar pra ver se ele aceita voltar com ela. Ele aceita, eles brigam e terminam de novo – completei.
- E de novo ela faz o mesmo drama. – Finaliza Marina rindo.
- Ai ai...
O sinal tocou.
[Eu]
- eu vou embora então
Virei a bike pra sair e desci um pouco a rua mas uma coisa me chamou a atenção. A janela do portão da garagem da casa de Marina está embaçada, como se fosse uma janela de ônibus em um dia chuvoso que fica todo fechado. Aquilo não me parecia normal em uma noite de verão.
Cheguei perto e, ao encostar na janela, percebi que ela está em uma temperatura baixíssima e que aquela aparência de embaçada era gelo que havia se formado ali.
Apesar do calor ser grande e todos os ares-condicionados do país estarem ligados no máximo (ou mínimo. Você entendeu!), ainda assim aquilo não era suficiente para causar um congelamento na janela.
Aquilo era estranho, mas também já eram 00h45 e eu tinha que voltar para a casa, ou o poderia passar aquele final de semana de castigo.
(...)
Naquela manhã Marina estava estranha, mal me cumprimentou e quase não interagia comigo. Apenas balançava a cabeça e balbuciava alguns sons quando eu a questionava.
- Você está bem, Ma?
- Tô. Tenho que ir. Depois a gente se fala.
- Tá bom.
E assim continuou nos dias e semanas que se seguiram.
Não zoávamos mais e nem riamos mais dos outros alunos. Apenas sentávamos juntos e passávamos o intervalo olhando para o celular. Ela deixou de interagir e apenas balançava a cabeça quando eu chamava a sua atenção.
Depois de três semanas assim, ela começou a faltar as aulas e parou de responder minhas mensagens.
[Eu]
- Marina?
- Vc tá bem?
- Está acontecendo alguma coisa?
- Se precisar de ajuda conta cmg
...
...
[Eu]
- Oi
- Vai hj pra escola?
-?
...
[Eu]
- Marina
-?
-?
...
Meus pais já estavam dormindo. Entrei devagar e subi direto para o quarto. Liguei o ar-condicionado e esperei a baixa temperatura e a brisa refrescante me abraçarem.
Meu celular vibrou:
[Marina]
- Pq não veio?
[Eu]
- Oi
- ?
- claro que eu fui
- te mandei mensagem e te chamei mas vc não saiu
- tive que voltar
- está tudo bem?
[Marina]
- Eu precisava de vc
- agr é tarde
[Eu]
- Marina, do que vc ta falando?
- To começando a me assustar
-?
...
...
- Marina?
- ?
Será que alguém roubou o celular dela e está me mandando essas mensagens? Porque isso não faz nenhum sentido.
Ela já não respondia minhas mensagens fazia 2 meses. Por que de repente ela me chama e ainda me pede para ir a casa dela?
(...)
Acordei cedo naquela sexta-feira de férias e ainda estava pensando nas mensagens e naquela noite estranha de uma semana e meia atrás.
Parei na janela do meu quarto olhando o vento chacoalhar as copas das árvores, quando uma figura surge no meu campo de visão. Reconheci a silhueta. É Marina. Tomo um susto e meu coração acelera. Ela está sentada em um banco, no parque a alguns metros da minha casa e consigo ver apenas a lateral do seu rosto. Desde aquela noite bizarra ela não me manda mais mensagens e não retorna as minhas ligações.
Visto a primeira camiseta que encontro e desço correndo as escadas em direção a porta.
- Bom dia, filho. O café está pronto.
Nem dou atenção a minha mãe e saio correndo em direção ao parque.
É uma manhã tranquila e as primeiras crianças começam a se reunir para brincar na pracinha.
Corro em direção ao banco tentando não perdê-la de vista. De repente Jonas surge na minha frente:
- Eai, cara. Nem entrou ontem na partida de CS com a galera. O que aconteceu?
Me assusto mas o respondo:
- Oi, Jonas. Não estava muito bem ontem. Foi mal. Preciso ir agora. Depois nos falamos.
Voltei meus olhos para o banco, mas não havia mais ninguém lá. Desacelerei o passo e olhei em volta, procurando Marina. Eu tenho certeza que é ela.
Não achei ninguém.
Sentei na ponta do banco e abaixei a cabeça, quando percebi que havia uma pequena mancha de sangue na parte do assento, como se alguém com uma das mãos machucada houvesse se apoiado ali.
Entrei em casa e subi para o meu quarto.
[Eu]
- Marina
- O que está acontecendo?
- Te vi agr no banco da pracinha
- Vc tá bem?
...
...
- ?
- ?
[Marina]
- me desculpa
- não era assim que eu queria que tudo acontecesse
- mas não tinha outro jeito
[Eu]
- Me fala o q tá acontecendo
- Eu posso te ajudar
- Marina?
- ?
Tentei ligar.
[Mensagem Eletrônica] – O número que você ligou está fora de área ou desligado.
Novamente.
[Mensagem Eletrônica] – O número que você ligou está fora de área ou desligado.
Comecei a cogitar ligar para a polícia mas pensei que poderia causar alguma confusão maior ainda.
Naquela tarde fui até a casa dela. Toquei a campainha mas ninguém atendeu. Toquei de novo. Nada.
Lá pela quinta, sexta vez uma vizinha aparece na janela da casa em frente e me diz:
- Acho que não tem ninguém aí, jovem. Desde o início do mês que não tem movimento nessa casa.
- Minha amiga mora aqui. Marina, o nome dela. Ela me pediu pra vir aqui algumas semanas atrás mas não me atendeu e também não está atendendo minhas ligações. A Sra sabe se eles foram viajar? – perguntei tenso.
- Olha, eu não sei. Mas acredito que não, porque o carro está na garagem e, como te falei, desde o início do mês não vemos ninguém entrar ou sair da casa ou alguma luz ou som aí.
A encarei e voltei a olhar para a porta.
- Na verdade – disse a mulher – Acabei de me lembrar que no início desta semana eu ouvi sim uns sons estranhos a noite. Como se fossem batidas e algo sendo arrastado.
- Mas daí? Do outro lado da rua? – questionei incrédulo
- Pra você ver como eram sons relativamente altos. Mas também confesso que a rua estava muito silenciosa aquela noite e daria pra ter ouvido até uma folha cair de uma árvore.
Um gelo me subiu pela espinha não sei por que, pois até aquele momento eu acreditava que tudo estava sendo alguma brincadeira da Marina comigo.
Agradeci a mulher e fiz que ia embora. Dei a volta no quarteirão e me certifiquei de que ela já havia entrado.
Desci até o portão da garagem e vi que o vidro não estava mais com o aspecto de congelado da última vez.
Empurrei pra tentar abrir. Sem sucesso. Apenas uma brechinha abriu e foi o suficiente para o meu estômago embrulhar com o odor que saía dali.
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