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Filetto666
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Um velho que escreve coisas.
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filetto666 · 18 days ago
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Quase um ano vivo, sem trabalho
Outro dia, parei no meio da sala, como quem esquece onde ia, e me dei conta de um detalhe monumental: estou vivo. Quase um ano desempregado e… ainda respiro. Ainda tenho todos os dentes na boca — alguns com dívidas embutidas, é verdade —, ainda como arroz com feijão (às vezes até com ovo), ainda rio de memes idiotas, ainda sou eu.
E é um espanto, quase uma ofensa �� lógica do sistema. Como pode? Como alguém sobrevive tanto tempo sem gerar lucro para alguém? Sem bater ponto, sem se submeter a entrevistas com sorrisos falsos e roupas que não condizem com o próprio corpo? É estranho. Deveria ter me dissolvido como açúcar esquecido na chuva. Mas não.
Eu me adaptei. Fui aprendendo a cortar as pontas do mês com uma tesoura imaginária, reaproveitando dias, reinventando jantares, reinventando a mim mesmo. Descobri que shampoo rende mais do que parece. Que é possível transformar pacotes de macarrão em poesia quando se come com a fome certa.
A angústia existe, claro. Às vezes ela se senta comigo no sofá e me pergunta baixinho: “Até quando?”. E eu respondo com um silêncio que não tem coragem de mentir. Às vezes é o medo quem bate na porta, vestido de boleto. Às vezes é a vergonha quem cochicha no ouvido, nas rodas sociais, quando alguém pergunta: “E você, está fazendo o quê da vida?”.
Mas no fundo, entre os ruídos e silêncios, há uma espécie de orgulho sujo e sincero. Sobreviver à falta de trabalho é um ato revolucionário. É resistir ao sistema que quer transformar pessoas em engrenagens — úteis, discretas, substituíveis. É se manter de pé quando tudo ao redor quer te empurrar pro chão.
É absurdo, sim. Absurdo como o mundo, como a ideia de que nosso valor depende de uma carteira assinada ou de um CNPJ. Absurdo como conseguir dormir com a barriga leve e a mente pesada. Absurdo como a beleza que ainda existe em acordar tarde num dia de sol, sem ter que pedir permissão.
Quase um ano desempregado. Quase um ano vivo. E por mais estranho que pareça… ainda sou eu.
Inteiro, gasto — mas meu.
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filetto666 · 18 days ago
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Quando tudo ainda tem o cheiro dela
Tirar alguém da vida nunca é simples. Mas há despedidas que são como tentar esvaziar o mar com as mãos — por mais que se tente, tudo volta, tudo transborda. E ela… ela está em tudo. Mesmo depois da ausência. Mesmo depois do silêncio.
Dizem que o tempo cura, que o afastamento ajuda, que um novo foco preenche. Mas o tempo, às vezes, só estica a dor como quem brinca com elástico — quanto mais afasta, mais dói quando volta. E ela volta. Volta no cheiro do café, no toque de um tecido, numa música qualquer que nem é dela, mas que soa como se fosse. Volta no jeito de rir de alguém na rua, num perfume que passa no corredor, no formato dos sonhos que já não sei se eram meus ou dela.
Antes, pensar nela era como acender uma vela num quarto escuro: iluminava, aquecia, dava sentido ao breu. Agora, pensar nela é como tocar uma ferida que nunca cicatriza, é como um suspiro preso que não vira alívio, só aperto.
Ela era minha inspiração. Não só a musa etérea das madrugadas criativas, mas a faísca quente que fazia meu corpo lembrar que existia desejo, vontade, pele. Havia nela uma sensualidade natural, uma presença cheia de magnetismo que acendia até os cantos mais apagados de mim. O jeito como falava baixo, como tocava com delicadeza, como me olhava quando eu estava distraído… tudo isso era arte. Era alimento. Era lar.
Agora, tudo isso virou só ausência. O que antes me fazia querer viver, agora só me lembra o quanto está tudo vazio. A mesma boca que me beijava agora me cala. Os mesmos olhos que me devoravam agora me evitam. E é cruel como o corpo da memória insiste em se deitar ao lado, todas as noites, só para me lembrar que o real já não está ali.
É difícil tirar alguém da vida quando até o espelho te mostra ela. Quando sua ausência tem mais presença do que qualquer outra coisa no mundo. Quando ela se infiltrou até nas partes de mim que eu achava serem sólidas — e agora vejo que eram apenas moldáveis, frágeis, feitas do barro do afeto.
Não sei como se desaprende alguém. Só sei que ela deixou de ser companhia e virou fantasma. Deixou de ser toque e virou ausência. Deixou de ser inspiração e virou saudade. E não aquela saudade bonita, que aquece. É a saudade que consome, que corrói. A que aparece com raiva por tudo ainda lembrar, por tudo ainda doer.
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filetto666 · 18 days ago
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O que ficou depois que você levou até o que era meu
Você foi embora. Não com gritos, nem com lágrimas, nem mesmo com um adeus digno — apenas com o silêncio morno de quem já não queria mais tentar. Foi como quem desliga a luz de um quarto que não pretende visitar novamente. Um gesto simples, mas com a frieza de uma sentença.
E no meio da tua partida, você levou mais do que o que parecia levar. As meias do Flash que eram minhas e que você usava por charme ou provocação. A camisa do Cannibal Corpse que era minha desde antes de você — e que passou a ser sua só porque você dizia que nela se sentia segura, que cheirava a mim. Hoje deve cheirar a ausência.
Mas não foi isso que mais doeu. Foi perceber que, ao levar essas coisas, você levou também um pedaço de mim. E não aquele pedaço superficial, não. Você arrancou a parte que ainda acreditava no que dizia quando me olhava nos olhos. A parte que achava que amar era um esforço mútuo, que problemas se resolviam com conversa, com coragem, com presença. Você preferiu o silêncio. E o silêncio, por mais poético que pareça, às vezes é apenas covardia fantasiada de paz.
Hoje é difícil acreditar que tudo aquilo que você dizia sentir por mim era verdade. Difícil acreditar nas palavras que ficaram no eco, porque nenhuma delas se manteve de pé quando veio a primeira ventania. O que foi dito com tanta intensidade… evaporou no primeiro momento em que exigia comprometimento.
Mas o que mais me assusta não é o que você levou — é o que deixou. Esse vão entre o que eu fui e o que eu sou agora. Esse buraco com o seu nome tatuado dentro. E mais estranho ainda: eu não quero aquele pedaço de volta. Não por orgulho, não por vingança. É só que, de alguma forma, ele combina mais com você do que comigo agora. Talvez sempre tenha sido seu — e eu é que não sabia.
Você foi embora levando as minhas coisas. Mas, ironicamente, o que mais pesa é o que ficou.
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filetto666 · 19 days ago
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O Quase que Nunca Foi
Não foi hoje. Mais uma vez, não fui eu.
Fico aqui, parado, tentando entender onde errei, onde foi que o que sou deixou de ser suficiente pra ela. Me pergunto se o problema foi o gesto, o tempo, a roupa, a maneira como olho pra ela quando sorri. Talvez tenha sido justamente esse olhar — intenso demais pra quem só queria um café e não uma declaração silenciosa.
Há uma dor estranha em ser o quase. O quase amado. O quase escolhido. O que está ali, presente, atento, inteiro… mas nunca o alvo do desejo.
E o mais cruel de tudo é que eu tentei. Meu Deus, como eu tentei. Escrevi palavras bonitas. Fui apoio nos dias ruins, fui silêncio quando ela precisava respirar, fui riso, fui ouvido, fui abrigo. Fui tudo o que consegui ser — e mesmo assim não bastou. O outro sempre chega mais leve. Mais despreocupado. Menos envolvido. E é ele que leva o beijo. Leva o corpo. Leva o tempo dela que eu passava torcendo pra ter.
E no fim da noite, sobra essa sensação de ter sido enganado pela própria esperança. Eu acreditei. Acreditei que talvez, um dia, ela olhasse pra mim e enxergasse mais do que um amigo dedicado ou um colega gentil. Que visse em mim alguém capaz de fazê-la feliz — não por promessas vazias, mas por convicção.
Mas não. Ela escolheu outro. De novo. E aqui estou eu, com o peito cheio de não-ditos, sufocado por uma tristeza que me envergonha. Não por ela — nunca por ela — mas por mim. Por me dar tanto sem receber quase nada. Por achar que merecimento e afeto andam lado a lado.
O amor, aprendi, não se curva à lógica. Não se conquista como prêmio por esforço. Ele simplesmente nasce — ou não.
E quando não nasce, resta esse vazio. Essa frustração amarga que sussurra que talvez eu nunca seja suficiente pra ninguém. Que talvez o que tenho a oferecer não brilhe o bastante. Ou que brilha — mas na frequência errada.
Talvez um dia eu pare de esperar. Talvez um dia eu não me importe. Mas hoje… hoje dói.
E tudo o que posso fazer é sentar, respirar fundo, e tentar continuar sendo quem sou — mesmo que nunca seja o bastante para ela.
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filetto666 · 19 days ago
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O Lugar Que Eu Criei Pra Ela
Dizem que a gente só sente falta do que foi bom. Mas às vezes a dor não vem só da ausência do que era bonito, e sim do absurdo que é ver tudo isso morrer devagar — como um jardim que você regou todos os dias e mesmo assim secou diante dos seus olhos.
Ela dizia que não queria ir embora. Dizia entre sorrisos breves, entre promessas murmuradas, entre olhares que pareciam se perder na parede, como se estivesse em outro lugar mesmo quando estava ali, comigo. E eu acreditei. Acreditei porque precisava, porque amar também é um tipo de fé. Porque quando a gente sente demais, escuta o que quer e ignora o que grita em silêncio.
Mas ela foi, mesmo sem dizer que foi. Foi se afastando com mensagens frias, com ausências disfarçadas de cansaço, com respostas que não pediam retorno. E eu fiquei. Fiquei preso nesse espaço que não é casa nem abrigo, só uma lembrança do que poderia ter sido.
Eu criei um lugar pra ela. Um lugar feito de palavras, de gestos, de espera. Um lugar onde ela pudesse descansar o mundo nos ombros, onde tudo seria leve, sincero, cheio de desejo e cuidado. E ela… ela só passou por ele como quem atravessa uma rua qualquer.
A solidão agora pesa mais do que o amor que senti. Mais do que o desejo que me queimava cada vez que ela sorria ou coçava o nariz com distração. Porque a dor tem disso: ela cresce onde o outro não ficou. Se espalha por cada canto da memória, por cada música, cada cheiro, cada frase que eu pensei em dizer e nunca disse.
É estranho andar por esse lugar que criei pra ela. Tem beleza ainda, sim. Mas é uma beleza fantasma. Cada parede carrega um pedaço dela, cada detalhe foi feito com ela em mente, e agora tudo ecoa como um quarto vazio com porta entreaberta, esperando alguém que não volta mais.
Ela dizia que não queria se afastar. Mas se afastou com uma precisão tão fria, tão silenciosa, que hoje nem sei se ela existiu ou se foi só uma invenção bonita da minha carência.
O pior de tudo não é a falta. É o vazio cheio de significado que ela deixou. E que, mesmo sem querer, eu continuo habitando. Sozinho.
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filetto666 · 19 days ago
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O frio veio, ela não
As janelas fechadas abafam os ruídos da rua, mas não o som do vazio.
O sofá ainda tem o afundado do corpo dela, como uma lembrança que se recusa a partir.
No varal, uma blusa que ela esqueceu vira bandeira branca diante do inverno.
O chá esfria ao lado da cadeira vazia. Eu também.
Ela prometeu voltar antes do outono, mas agora até o outono está partindo.
O frio veio. Ela não.
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filetto666 · 20 days ago
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Me dá um gole da sua boca?
Te peço como quem perdeu a noção, como quem esqueceu o caminho de casa só pra se perder no gosto que você carrega. Como quem já não sabe mais o que é orgulho quando a sede é tão maior que a dignidade.
Me dá um gole da sua boca antes que eu morra de sede olhando seus lábios, antes que a distância vire um deserto, antes que eu enlouqueça só de imaginar o gosto que me espera do outro lado do seu sorriso.
Quero beber você como se fosse vinho, mas sem taça, sem rituais, só o impulso bruto e faminto de quem já te quis há mais tempo do que admite.
Me dá um gole da sua boca, e que ele venha quente, úmido, desajeitado, com excesso de língua, de desejo, com aquela urgência bonita de quem também não sabe mais fingir desinteresse.
Não precisa me amar, nem prometer retorno, só me deixa provar o que sua boca faz com a minha fome.
Porque, sinceramente, nessa noite, eu só queria um gole de você.
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filetto666 · 20 days ago
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Da Brasa às Cinzas
Houve um tempo em que teus olhos eram incêndio e o toque das tuas mãos, faísca. Dormíamos sob lençóis que guardavam cheiro de fumaça, de corpos que se procuraram mais do que podiam suportar.
Tua voz era labareda. Cada palavra tua incendiava o pouco de juízo que me restava. E eu, tolo, deixei queimar. Deixei o fogo consumir a calma, a razão, os limites.
Fomos brasa por semanas, chama por meses, e agora… restamos cinza no canto da memória.
Eu ainda tento soprar o que sobrou, como quem busca um último calor no que já é só pó. Mas não há mais o que reacender. O que foi ardor, agora é silêncio. O que foi abraço, agora é espaço vazio.
E o peito, que antes queimava de desejo, hoje arde de ausência.
Ainda caminho por aí, com o cheiro da saudade grudado na roupa e o gosto de nós dois preso em alguma parte da garganta que eu não consigo limpar.
O que tivemos… foi bonito. Foi desastroso. Foi inevitável.
Mas toda chama cansa. E a nossa… acabou.
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filetto666 · 20 days ago
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Corpo em resgate
Já te vi com sangue nas luvas e olhos em chama diante do caos. Naquela sala fria, onde juntos arrancamos um coração do escuro, te vi inteira, firme como se o mundo coubesse na tua coluna ereta.
Teu corpo carrega pesos que o meu só saberia venerar — e eu, frágil diante da tua força, só penso em aprender tua anatomia como quem estuda o mapa do céu com os dedos, à noite, sem pressa.
Tu tens nome de estrela antiga, dessas que ardiam nas telas de cinema antes da cor, antes do som — mas tua voz é real, e tua pele morena me escurece as ideias.
Adoras vôlei — e eu adoraria teu jogo — te seguiria até as quadras do inferno só para ver teus músculos em dança, teu suor colando o desejo no meu paladar.
Quero teu grito no auge, não de dor, mas de rendição. Quero tua força não só nas veias, mas nas pernas abertas, nas costas arqueadas, no peso do teu nome sobre a minha língua.
Salvamos uma vida juntos. Agora, é a minha que se perde, toda vez que te imagino nua e rindo, como naquela manhã em que vencemos a morte com as mãos trêmulas, e sem saber, tu já me tinhas inteiro.
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filetto666 · 21 days ago
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As Mãos da Deusa
As mãos dela não tocam — ordenam silêncio ao tempo. Há um gesto em cada dedo que redesenha o mundo como se fosse barro ou desejo.
Entre os dedos, um cigarro arde devagar, como se até o fogo esperasse por sua permissão. A fumaça sobe com respeito, dançando em espirais tímidas, sem ousar ser mais bela do que ela.
As unhas, negras como noite fechada, reluzem sob a luz tímida da manhã, cada unha um feitiço contido, um sussurro que rasga o ar com elegância selvagem.
A tinta das tatuagens dança sobre sua pele clara como sombra em neve. Símbolos negros — lamentos, promessas, abismos — trançam histórias antigas em espirais de mistério e encanto.
Não é só beleza. É domínio. É arte que pulsa em veias delicadas, firmeza que não precisa de força, apenas presença.
Seus dedos deslizam como quem sabe que tudo pode ser moldado: o medo, o amor, o caos. E mesmo paradas, as mãos dela continuam criando — deuses menores, tempestades dentro de mim.
Ela não segura o mundo. Ela o segura entre dois toques, entre dois tragos, entre dois silêncios. E o mundo agradece por ser tão bem queimado, tão bem tocado.
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filetto666 · 21 days ago
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A Vida Não Faz Sentido, Mas a Gente Insiste Mesmo Assim
Outro dia, eu estava no ônibus, olhando pela janela com aquele olhar perdido que a gente faz quando esquece que tem expressão facial. O sol batia de um jeito bonito, atravessando os vidros sujos, enquanto uma criança na poltrona da frente lambia o encosto como se fosse a coisa mais natural do mundo. E foi nesse instante ridículo que me veio uma dessas epifanias que só aparecem quando a gente está cansado demais pra ignorar.
A vida é absurda.
Simples assim. Sem roteiro, sem garantia, sem ensaio. A gente acorda, toma café, reclama do trânsito, paga boletos, faz planos pra um futuro que pode nem chegar. A gente se estressa por causa de mensagens não respondidas, sofre por amores que não deram certo, economiza pra viagens que talvez nunca aconteçam. E no meio de tudo isso… um aneurisma, um freio que falha, um tropeço bobo na calçada. Fim de cena. Créditos subindo. E você ali, com a sensação de que mal começou a entender o enredo.
É assustador, né? Pensar que tudo pode acabar enquanto a gente tá decidindo qual pizza pedir ou discutindo sobre política com estranhos na internet. Mas também é libertador. Porque se a vida é esse caos imprevisível, essa loteria sem aviso prévio… então o mínimo que a gente pode fazer é viver de um jeito que valha a pena. Viver sem tanta vergonha de dizer o que sente. Sem medo de parecer bobo por mandar aquele “senti sua falta”. Sem adiar o abraço, o elogio, o encontro.
E mais que isso: ser alguém que faz a jornada do outro menos difícil. Porque se já é complicado carregar os próprios medos, as próprias dores, imagina ainda ter que desviar das pedras que os outros jogam no caminho?
Ser gentil não é uma filosofia de vida, é um ato de sobrevivência coletiva. A gente nunca sabe o que o outro tá enfrentando. Nunca sabe qual notícia ruim ele recebeu pela manhã. Ou se, ao fim do dia, aquele será o último olhar trocado.
Então… escute mais. Peça desculpas de verdade. Ajude sem esperar troféus. E, acima de tudo, viva como quem entende que a vida é um sopro mas que, enquanto durar, pode ser bonita, mesmo no meio do caos. Porque o absurdo da vida é esse: Ela não faz sentido, mas ainda assim… a gente insiste.
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filetto666 · 21 days ago
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A Asa Roubada
Era uma tarde de sol mole, dessas que parecem bocejar junto com a gente. Eu andava distraído, chutando pedrinhas e ouvindo o sussurro preguiçoso das árvores, quando a cena me prendeu os olhos: ali, no meio do chão de terra batida, uma formiga arrastava, com esforço heroico, uma asa de borboleta.
A asa era linda — vestia tons impossíveis de azul, como se tivesse sido pintada com tinta feita de céu de verão e lágrima de sonho. A formiga, pequenina e obstinada, puxava aquele tesouro com a ferocidade de quem arrasta um troféu de guerra.
Fiquei olhando, sem saber bem por quê. Talvez fosse só o encanto pela beleza da asa, talvez fosse o cansaço bom de quem já não espera grandes aventuras numa tarde qualquer. Mas a verdade é que, naquela asa, eu vi uma dádiva. Um presente perfeito. Vi você.
Foi um impulso, eu juro. Nem pensei. Num gesto quase tímido, me abaixei, toquei de leve a asa e a roubei da formiga. Um pequeno crime contra a natureza organizada, eu sei. A formiga me olhou — ou pelo menos eu imaginei que olhou — com um misto de indignação e desespero. Se ela pudesse falar, teria me xingado com palavras afiadas de uma língua secreta.
Mas eu já estava longe, com a asa entre os dedos, tão leve que parecia feita de nada. Só cor e vento.
Guardei-a com o maior cuidado possível, protegida da dureza do mundo.
Por um instante breve e eterno, o mundo inteiro brilhou como aquela asa azul, roubada de uma formiga e dada de presente ao que havia de mais bonito em mim: você.
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filetto666 · 22 days ago
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Vende-se
Vendo abraços a dois reais, abraços pra carente que sente falta de gente. Consulte a taxa de entrega, para encontros inesperados juros serão cobrados. Abraço de urso pra quem não passou no concurso, abraço rápido pra quem tem tempo sobrando, abraço demorado pra quem não tem tempo agendado. Faço sessões seguidas, qualidade e satisfação garantidas, pagamento sempre adiantado, não faço devolução em caso de desagrado. Para quem tem ansiedade um abraço é necessidade, para quem tem apatia o abraço gera alegria. Se está explodindo de euforia meu abraço traz calmaria, caindo em depressão? te abraço até você dizer “hoje ainda não”. Aceito pix, moedas e cheque cruzado, promissórias com agiota e contrato de sangue selado. Libido acomulado? meu abraço vai deixar seu corpo suado, libido em baixa? eu vou te abraçar até você secretar fluido. Para quem sabe o valor de um abraço tem certeza que o preço está muito abaixo do nível de mercado. Sente dores de saudade, dois abraços são cura de qualidade, tá com a raiva aflorada, meio abraço elimina a vontade de dar porrada. O preço é baixo não por caridade mas por ter a noção de que abraços são gestos de intensa generosidade, que faltam nessa realidade, enfim vou gritando por toda a cidade:
Vendo abraços a dois reais!!
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filetto666 · 22 days ago
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Todos os Dias São Delas
Oito de março chega como um lembrete, mas a verdade é que todos os dias pertencem às mulheres. Elas, que carregam o mundo nas costas sem nunca soltar a própria essência. Elas, que se erguem em meio ao cansaço, ao silêncio imposto, ao medo que nunca deveria existir. O Dia Internacional da Mulher não é sobre flores ou frases prontas. Não é sobre homenagens vazias ou descontos em lojas. Essa data carrega o peso da luta, das vozes que foram caladas e das que ainda gritam. É um dia para lembrar que cada direito conquistado veio com dor, suor e resistência. Que antes da celebração, houve batalhas. E que essas batalhas ainda não acabaram. A mulher que enfrenta jornadas duplas e ainda encontra tempo para cuidar dos seus. A que desafia normas, rompe correntes, se recusa a caber em padrões que não escolheu. A que ensina, que cura, que cria, que transforma. A mulher que se refaz todos os dias, mesmo quando tudo parece desmoronar. Elas estão nas trincheiras invisíveis do cotidiano, nos olhares firmes que não abaixam a cabeça, nas mãos que constroem futuros, nos corações que abrigam o mundo. Estão nas ruas, nas casas, nos livros, na ciência, na arte, na política. Estão onde quiserem estar. Mas há algo cruel, insuportável, que nunca deveria fazer parte dessa rotina: o medo incessante. Medo de andar sozinha à noite. Medo de dizer “não” e pagar com a vida. Medo de vestir o que quer e ser julgada por isso. Medo de falar, medo de existir, medo de não voltar para casa. Medo de que um erro—ou nem isso, apenas um capricho alheio—seja o suficiente para apagá-las. Elas vivem entre sonhos e ameaças. Entre a liberdade que conquistam todos os dias e a brutalidade que insiste em puxá-las para trás. Não importa o quanto avancem, ainda precisam olhar por cima do ombro, calcular cada passo, fingir que não ouviram, sorrir por obrigação, se moldar para caber no que esperam delas—porque qualquer desvio pode ser fatal. E eu, por ser homem, não apenas as respeito—eu as venero. Sei que, por séculos, fomos nós, homens, os responsáveis por torná-las pequenas, por reduzir sua força, por questionar sua liberdade. Sei que é meu papel, hoje e sempre, reconhecer sua grandiosidade, amplificar suas vozes, ouvir e aprender. E, acima de tudo, lutar para que o medo não seja mais parte da equação. Que fique claro: não é um favor reconhecê-las. Não é um presente, uma concessão ou uma gentileza. É um dever. Porque o mundo só avança quando as mulheres avançam. Então que seja lembrado hoje, mas que também seja lembrado amanhã, depois e sempre. Porque todo dia é dia de ser mulher. Todo dia é dia de respeito. Todo dia é dia de luta. Todo dia é dia de garantir que elas vivam—e vivam sem medo.
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filetto666 · 22 days ago
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Toda Pessoa
Era uma vez um jovem que caminhava pela vida carregando um fardo pesado de tristeza. Seu rosto sempre exibia uma expressão melancólica, enquanto lutava para sobreviver no jogo complexo da existência. No entanto, ele tinha suas próprias armas secretas para iluminar os dias sombrios.
A arte era seu refúgio, sua maneira de suavizar as arestas ásperas da realidade. Com pincéis em mãos, ele mergulhava em um mundo onde a imaginação e a criatividade se fundiam, deixando para trás as angústias cotidianas. Cada pincelada era um suspiro de alívio, uma forma de libertar sua alma das correntes da tristeza.
A música também era seu escape. Os acordes suaves e as melodias envolventes eram como um sopro de vida em seus pulmões cansados. A música derramava em seu coração uma corrente de emoções que o faziam sentir-se vivo novamente. Ele encontrava conforto nas letras das canções, como se cada palavra fosse um abraço caloroso, enchendo-o de coragem para enfrentar o dia seguinte.
Mas ele não queria viver apenas para si mesmo. Apesar de sua tristeza, ele encontrava forças para ajudar os outros. A cada dia, ele levantava da cama com o objetivo de tornar o mundo um lugar melhor para todos. Essa missão se tornou seu motivo para continuar lutando, mesmo quando os obstáculos pareciam intransponíveis.
Ele acreditava que cada pequeno gesto de bondade poderia fazer a diferença na vida de alguém. Um sorriso gentil, uma palavra de encorajamento, um ombro amigo. Ele encontrava na ajuda ao próximo uma fonte inesgotável de inspiração e motivação. Através desses atos, ele descobria uma conexão profunda com as pessoas ao seu redor, e essa conexão era uma luz brilhante em seu caminho.
E assim, com a arte como sua aliada, a música como seu sopro de vida e o desejo de ajudar os outros como sua chama interior, ele continuava lutando, mesmo quando as lágrimas insistiam em molhar seu travesseiro. Ele era um exemplo de perseverança e resiliência, uma inspiração para todos que o conheciam.
A jornada daquele jovem triste nos recorda que, mesmo nas profundezas da escuridão, podemos encontrar um fio de esperança. A arte, a música e o cuidado com o próximo podem nos guiar por terrenos desconhecidos e nos ajudar a reencontrar o propósito. E assim, transformamos a batalha pela sobrevivência em uma busca pelo sentido da vida, com a força do amor e da compaixão como nossos maiores aliados.
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filetto666 · 24 days ago
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A solidão é como uma sombra que se estende implacavelmente, envolvendo-me em um abraço gélido que parece nunca terminar. A cada dia que passa, ela se torna mais difícil de suportar, como um fardo pesado que carrego nas costas. Estou completamente solitário, distante dos amigos de longa data que, de alguma forma, se perderam no turbilhão de suas vidas. Cada um tem seus próprios problemas, desafios que os afastaram de mim, como se tivéssemos sido separados por uma distância intransponível.
Os amigos que compartilhavam risadas, segredos e sonhos comigo durante anos agora parecem viver em um mundo completamente diferente. Suas preocupações e prioridades mudaram, e eu fui deixado para trás, como uma página esquecida em um livro antigo. A saudade aperta meu coração quando penso nas memórias que costumávamos criar juntos, nas aventuras que compartilhávamos e no apoio mútuo que uma vez existiu.
A solidão é ampliada pela impossibilidade de criar novas conexões fortes. As pessoas ao meu redor parecem estar sempre ocupadas, presas em suas próprias vidas agitadas, sem tempo para construir relacionamentos significativos. Os amigos mais novos, que vivem a décadas de distância, parecem pertencer a um mundo paralelo, inacessível para mim.
Tento desesperadamente preencher o vazio, mas sinto como se estivesse gritando em um deserto vazio. A cada tentativa de fazer novos amigos, encontro obstáculos insuperáveis, como barreiras invisíveis que impedem a aproximação. A solidão tornou-se um companheiro constante, um fardo que carrego sozinho.
Às vezes, no silêncio da noite, as lágrimas escorrem pelo meu rosto, e a sensação avassaladora de isolamento me consome. A tristeza é como uma sombra escura que me envolve, e a esperança de encontrar companhia e conforto parece cada vez mais distante. À medida que os dias se transformam em semanas, e as semanas em meses, essa solidão se torna uma ferida que não cicatriza, uma dor que não diminui.
Nesses momentos de solidão avassaladora, busco refúgio na esperança de que um dia, talvez, eu possa encontrar alguém que entenda, alguém com quem possa compartilhar a minha dor e alegria. Até lá, continuo a enfrentar a escuridão da solidão, um fardo que parece cada vez mais difícil de suportar.
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filetto666 · 24 days ago
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Proibido
No árido solo da nossa história, onde o amor floresceu como uma flor proibida, sempre soubemos que nossos corações eram prisioneiros de um destino incerto. Era uma paixão que se desenrolava à sombra, nas entrelinhas de nossos olhares furtivos, como um segredo sagrado que só o tempo poderia abençoar.
Cada encontro era uma promessa que desafiava o impossível, um aceno tímido ao destino que insistia em nos manter separados. Sabíamos que a consumação carnal desse amor era um sonho fugidio, um horizonte inalcançável que parecia desafiar a lógica e a moral. E, no entanto, quando nossos corpos finalmente se uniram, a chama que ardeu entre nós queimou com uma intensidade que desafiou as estrelas.
Cada toque era uma blasfêmia contra as regras do mundo, mas também um hino ao fogo que queimava dentro de nós. Cada beijo era um ato de desafio contra os deuses que tentavam nos manter afastados, mas também uma celebração da coragem que encontramos para nos entregar àquilo que sempre soubemos ser inevitável.
E agora, mesmo que a melancolia da proibição ainda nos pese no coração, sabemos que o tempo, implacável, transformou nosso amor proibido em algo indomável. Pois a consumação daquilo que era considerado impossível só serviu para tornar nossa ligação mais profunda, nossa paixão mais intensa. O amor que era uma utopia distante tornou-se a realidade mais doce, e estamos eternamente entrelaçados nos anais da história que escrevemos juntos, uma história que ninguém mais pode negar.
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