eumedeclaroinocente
Eu Me Declaro Inocente
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Histórias de abuso e culpa
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eumedeclaroinocente · 5 years ago
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...continuando.
Bem... 3 semanas se passaram após eu ter contado pela primeira vez sobre o primeiro trauma de abuso da minha vida. Não imaginei que eu demoraria tanto para conseguir continuar a falar dessa história, mas o que aconteceu é que depois de ter colocado tudo pra fora aqui, tive várias noites de sonhos indesejados. As coisas ficavam indo e voltando na minha mente e eu ficava me lembrando de coisas que eu já não lembrava mais e nem queria lembrar.
É engraçado como a nossa mente apaga as informações que não precisamos mais ao longo da vida. E apaga até mesmo as informações que não desejamos mais e queremos mesmo esquecer. Não se apaga tudo por completo, seria até muito bom se assim fosse, mas apaga partes. Você lembra das coisas de forma distorcida, aleatória, sem muita precisão...ás vezes é bom pra não te machucar tanto.
E eu precisei de um tempo, e que quis me dar esse tempo, para absorver tudo aquilo e processar uma história que há muito eu não recordava mais.
Enfim... a questão é que desde que eu me lembro e me entendo por gente, a minha relação com a minha mãe sempre foi muito difícil. Eu sempre me perguntava o porquê de tantas brigas e conflitos e na minha cabeça ainda infanto juvenil, eu chegava a pensar q ela não gostava de mim. Porque o tratamento diferente dos meus irmãos era nítido, então para mim, essa era a única explicação. 
Mais tarde, com a cabeça de adulta, depois de uma vida inteira sempre me questionando porque era tão difícil o nosso entendimento, porque sempre tanta hostilidade da parte dela e tantas castrações e até atitudes maldosas, eu cheguei a conclusão de que provavelmente ela agia assim comigo porque via em mim muita semelhança consigo mesma. Então projetava todos os seus sonhos e vontades que ela nunca teve coragem de viver e num ímpeto de inveja e egoísmo, agia dessa forma. Passei muito tempo sustentando essa versão para mim mesma e até para os mais íntimos, baseada em suas justificativas do tipo: “se eu não fiz/tive, porque você vai ter?”  mas hoje, após contar toda essa história aqui e diante das que mais tem por vir, creio que o motivo era outro.
Percebi que talvez o motivo pelo qual a minha mãe me prendia tanto, me privava tanto do contato com o mundo, de uma adolescência normal e saudável e até mesmo uma juventude, era um misto de medo, com culpa e raiva.
Medo de que eu fosse corrompida, abusada, ou seguisse por um caminho ruim, de promiscuidade devido a forma como eu me comportava. Eu sempre fui uma menina muito curiosa, muito independente, destemida. Gostava de aventuras, me de arriscar, de me mostrar forte, corajosa e todas essas características, somada a um histórico de “descoberta” sexual tão precoce, poderiam ser muito arriscadas e prejudiciais a mim. 
Culpa por não ter percebido o que acontecia a tempo, por aquilo estar acontecendo com ela, na família dela. Acho que ela se sentia culpada e também me julgava culpada. Mulher sofre desde sempre e desde sempre é culpada, mesmo não sendo. Eu, uma criança inocente, que se quer sabia o que estava acontecendo, fui julgada e culpada. Acho que a minha mãe me culpava também por ter um lado sexual mais aflorado. Sempre tive. Não sei se pelo que aconteceu, ou se porque era mesmo da minha natureza. Mas o fato é que sempre fui muito interessada nos meninos. Claro, de uma forma infantil, sem malícias, porque eu era uma criança e ainda depois na adolescência minhas experiências sempre foram muito morosas.
E raiva por tudo aquilo ter acontecido sem que ela pudesse impedir, ou compartilhar com alguém. Raiva do tipo: “porque eu? porque comigo, com a minha família?” Creio que a minha mãe tenha guardado ressentimentos durante anos, até perceber que nem eu, nem ela, éramos culpadas daquilo, mas aí…. aí já tinha acontecido muita coisa.
Mas eu não culpo a minha mãe. Como já disse antes, acho que deve ter sido muito doloroso e difícil para ela lidar com uma situação dessas, num tempo em que não havia tanta informação como hoje, em que as mulheres eram muito mais culpabilizadas e subjugadas. Ela não tinha como saber. Foi difícil pra mim, mas foi difícil pra ela também.
É incrível como os homens têm a capacidade de nos violar tão cedo e tão veladamente. Violam nossos sonhos, nossas relações uma com as outras, nosso comportamento diante do mundo e de nós mesmas e nos deixam marcadas por toda uma vida.
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eumedeclaroinocente · 5 years ago
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O início de tudo, eu acho
Ok...Vamos lá!
Assim como praticamente todo o mundo, tenho muitas questões sobre a existência humana... e a minha existência. Sou forte, madura, decidida, amigável, companheira, fiel... mas há sempre qualquer coisa que me limita a seguir em frente, que me bloqueia, que me dá medo e eu odeio isso.
Ontem, após uma conversa com o meu namorado, sobre alguma limitação minha que talvez nem eu, nem ele entendamos bem, resolvi colocar algumas coisas para fora, como forma de libertação. Algumas coisas, inclusive, que eu jamais ousei contar, nem mesmo para minha sombra. E a minha intenção com isto aqui é que, quem estiver lendo isso agora, se puder, me ajude! Talvez você saiba como fazer.
Então vamos lá... vamos para a primeira história que eu jamais ousei contar para ninguém.
Eu acho que fui abusada pelo meu irmão.E digo eu acho, porque assim como eu, ele também era uma criança, só que uma criança um pouco mais velha.Não me lembro muito bem como começou, nem quando, mas acho que eu devia ter uns 9 anos e ele uns 12. Na verdade, foi um episódio tão traumático na minha vida, que eu só me lembro em flashes de algumas situações e nem se quer consigo me lembrar por quanto tempo isso durou.
Tudo começou como uma "brincadeira" de ficar pelados. Ele me desafiava (porque sabia da minha natureza aventureira) e falava que nós íamos fazer uma brincadeira diferente. E assim as coisas foram acontecendo. Ele passava a mão no meu corpo, fazia as descobertas dele, me fazia carinhos bons ...  "é bom né?" ele dizia. Nunca houve penetração, mas ele colocava o pênis duro no meu bumbum, fazia movimentos, dizia que era bom, mas que eu não podia contar nem para o nosso pai, nem para a nossa mãe.
Eu achava aquilo diferente porém normal, coisa de irmão talvez. Daí ele começou a me beijar e me lembro, bem remotamente, que eram beijos bem desengonçados, mas eram beijos, como o dos namorados. Primeiro as coisas aconteciam quando nossos pais não estavam em casa. Ele lançava desafios do tipo: "duvido você ir la no quintal pelada!" E é claro que eu ia... e aí as coisas começavam.
Depois ele começou a fazer mesmo com os meus pais em casa, só que escondido deles, é claro. Ás vezes me agarrava dentro do quarto, no armário... e eu, pelo que me lembro, poucas vezes dizia não.Até que um dia, vendo TV no quarto dos meus pais e deitada na cama em cima dele, beijando feito namorados, minha mãe entra e vê. Imagina o choque, coitada?! Foi terrível. Ela começou a chorar, perguntou o que estava acontecendo ali e nós... nem me lembro direito, mas acho que foi naquela hora que me senti culpada e percebi que alguma coisa tava muito errada. Então eu lembro que ela nos mandou cada um para o seu quarto e disse que no dia seguinte conversaríamos.
Eu fico imaginando o que ela disse ao meu pai naquela noite pra justificar a cara vermelha de tanto chorar e nós dois indo para a cama mais cedo.E o que aconteceu a partir daí, para a mim, foi o mais traumático de tudo e ruim. No dia seguinte ela nos chamou para conversar em separado. Primeiro ele, depois eu. Eu não sei como foi a conversa com ele, mas comigo ela perguntou quando aquilo começou, quantas vezes aconteceram e disse: "o seu irmão disse que foi só uma vez, você está dizendo duas ou três, alguém está mentindo". E de fato estávamos, tinham sido muitas vezes e ela nem imaginava as coisas que o meu irmão gostava de "brincar" comigo! Mas eu tava apavorada, com a minha mãe me culpando e brigando, dizendo que eu tinha cometido um pecado mortal e que eu tinha que me confessar com o padre, falar tudo o que tinha acontecido, se não eu não poderia fazer a primeira comunhão (daí eu achar que devia ter uns 9 anos, pois geralmente é nessa idade que se faz a catequese). Ela não demorou muito na conversa, mas passou um grande sermão me dizendo como eu tinha sido uma menina má e o quanto aquilo ia afetar toda a minha vida... e nisso ela tinha razão, de fato afetou mesmo. Me falou que não era para contar nada para ninguém, nem mesmo para o papai e me fez ir para igreja confessar os meus pecados.
Bem, nessa hora eu preciso fazer uma pausa pra dizer que, durante muitos anos tive raiva da minha mãe pela forma como ela agiu naquele momento, mas hoje vejo que ela não tinha nenhum tipo de estrutura para agir diferente. Ela não tinha conhecimento, não tinha preparo, não tinha apoio, nada!! Estamos falando do início dos anos 90. Ninguém sabia direito o que era assédio, muito menos infantil. Eu, pelo menos, nem entendia direito o que estava acontecendo.
Então eu fiquei me sentindo péssima, super culpada e pensando: "como que eu vou contar para o padre tudo o que aconteceu? Se a minha mãe diz que é pecado mortal, eu vou sofrer uma punição que eu nem imagino como seja e eu não quero. Já basta como eu estou me sentindo agora." E então, eu não contei tudo. Disse apenas que dei um beijo no meu irmão e eu lembro que o padre me perguntou como era o beijo, se era beijo de irmão e eu disse que sim. Mas se tem uma lembrança que eu tenho clara na minha mente, é o dia dessa confissão. Eu fico imaginando a minha cara diante do padre. Eu estava extremamente nervosa, acuada, acho até que quase chorei, porque eu queria me livrar daquele peso, mas eu não tinha coragem e tinha muita vergonha. Eu tava desesperada e o padre nem sequer notou. Achou coisa de criança e até riu. Também.... eu não falei nada demais mesmo.
Depois disso, eu lembro que a minha mãe perguntou como foi na igreja, para se certificar de que eu tinha contado para o padre e depois me disse que isso nunca mais poderia se repetir. E não se repetiu, mas porque eu não deixei. Porque o meu irmão ainda tentou depois disso, disse que era besteira dela e que a gente só estava brincando, que não tinha problema nenhum. E eu me lembro da última frase que disse sobre esse assunto: "pára, a mamãe falou que isso não é tipo de brincadeira e que ela não quer". Lembro-me até da minha cara zangada quando disse isso para ele, como quem tá enfurecida com alguém que te leva a fazer coisas das quais você não queria.E nunca mais tocamos no assunto!
....continua depois
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