un mélange de carrie bradshaw, naomi campbell et blessed boy
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oceanos profundos&autocombustão
ele estava dilacerado bem na minha frente: a pior melhor coisa que me aconteceu e aquela frase doeu em mim, que já sentia dor. eu sentia suas entranhas quentes na ponta dos meus dedos. não poderia falar da sua angustia, pois estava sendo consumido pela minha e as palavras ali já não faziam mais sentido: era uma convenção para não deixar que o silêncio ecoasse em nossa loucura autoimposta. era a resposta que eu procurava e que temia escutar. a liberdade vinda de uma negativa é rubra, como um tapa na cara. eu pude sentir as lágrimas rolarem sob meu rosto. eu pude ver as lágrimas dele em queda livre ao chão. dois homens gravemente feridos pulsavam espasmos de vida.
e a vida é uma dessas concepções as quais a palavra não dá conta de expressar: a vida é a autoexpressão de si mesma, assim, redundante mesmo, apenas é, e as coisas são assim. a gente aprende que as coisas são assim. a gente não vê, mas sabe que, a uma falange de distância, encontramos o grande abismo vazio do qual o aroma doce do desejo exala e nos faz reféns. nós: os sonsos essenciais.
ele cheirava à mágoas de um amor tão avassalador e traiçoeiro e eu tão pequeno diante de toda aquela agonia não pude fazer nada se não me encolher ainda mais naquele nada que eu performava. não era o meu abraço que poderia cicatrizar todos aqueles autoflagelos embora minha maior vontade fosse embalá-lo contra meu peito, como a uma criança grande demais para o meu amor. desejava ardentemente devorar sua tristeza – tristeza essa empregada aqui apenas pela notável incapacidade em definir o que nos ocorria. eu mesmo estava estufado a ponto de explodir. a angústia escapava de mim como o suor gelado em minha pele em brasa.
eu ardia em dores selvagens de um desejo insano de sermos aquilo que nem ele, nem eu poderíamos ser: e o vazio que mesmo que não víssemos, sabíamos estar ali, aonde caminhávamos descalços, um passo em falso atrás do outro, e um gana mortal de se jogar. mal sabíamos que caíamos em queda livre em direção ao inferno: deixamos todas nossas esperanças ao adentrarmos nus, seus portões.
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a uma falange de distância
escrevo porque é o que me resta fazer com todo esse sentimento. e porque eu tenho muito peixes em planetas muito importantes, e é por isso que eu sinto, e eu acabo sentindo muito.
há um quê de pecado ao sul do equador e luzes azuis mutantes na pista quase vazia, na verdade vazia, do camaleão. eu bebia jambu com coca e limão e meus lábios tremiam. imagina se ele aparece: e sua imagem esguia surgiria e ficaria surpreso ao me ver ali na pista, e sorriria e dançaríamos juntos, pela primeira vez. e então, talvez eu não precisasse dançar sozinho um tecnobrega meloso, cercado de casais lésbicos com gestos voluptuosos de carinho. e talvez eu não me sentisse tão solitário, de novo.
e tinham aquelas luzes azuis e brancas que tremiam ao som de letrux, e a ideia era me distrair para não pensar, e quem sabe, não mais sentir. eu havia escaldados os pés em ervas antes de sair, pedi inúmeras vezes à chama das velas sobre a mesa para que deixasse de sofrer de amor, que curasse meu coração dessas feridas que parecem sanadas, mas sangram na primeira oportunidade.
eu fumei muito e minha voz que já estava rouca por conta da mudança do tempo parecia ainda mais enferrujada, e de certo modo melodiosa, pois as pessoas com quem eu conversei pareciam me ouvir fascinadas, como se o que eu dissesse fosse de fato muito interessante, como se o ritmo da minha prosa os encantassem a ponto de todos pararem para me escutar e em seguida sorrir ou oferecer a brasa para mais um cigarro-de-meio-fio.
eu já tinha bebido vinho. eu já tinha fumado um baseado. eu havia comido pizza, e bebido uma garrafa de água. eu já havia me distraído à mesa, e à roda de conversa, e ao comentário de um outro fumante. eu já havia me sentido triste. e então amargo. e então cansado. e então senti vontade de sorrir. já havia me percebido vivo, cheio de sentimentos, muitos dos quais seria melhor nem estar.
eu estava fumando de frente a fachada fechada do janaíno, quando, embalado pela chuva e pela voz da Gal, lembrei que você estava na rua de trás. que bastava eu contornar meia quadra e interfonar. e aí...? e depois? você desceria para abrir a porta, e me abraçaria e me convidaria pra subir? e você me acolheria e curaria todo esse gosto amargo no meu sangue? como se você, doce vampiro, pudesse aliviar esse aperto no meu peito e me tirasse a responsabilidade de viver com o que sinto. seria justo? não. mas o desejo me atravessou o peito.
uma falange de distância, como a diferença do tamanho da minha mão pra sua, como a distância de nossas coordenadas espaciais, como o gelo da tarde anterior: o iceberg refrescante do meu drinque.
eu não acho que estivesse genuinamente triste naquela noite, mas a linguagem é falha em explicar tudo o que sentimentos. há sinônimos para o indescritível?
não era uma alegria, era um dilaceramento: e da dor, curou-se no caminho.
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não estamos em manhattan
No primeiro capítulo da segunda temporada de Sex and the City, Carrie Bradshaw, enquanto caminha usando um fabuloso casaco de pele, apaga seu cigarro com a seguinte provocação: depois de uma separação certas ruas, certos lugares, e até certas horas do dia são proibidos. A cidade torna-se um campo de batalha deserto, cheio de minas emocionais. Temos de olhar bem por onde pisamos ou podemos ficar em mil pedaços.
Eu confesso que devido ao isolamento social, desconheço a cidade em que moro. Raramente aprecio a rua, bem sem saco mesmo. Vou de casa para o trabalho. De casa para a academia. De casa para a reitoria. Tenho optado por beber com amigos, nas salas de estar da vida. Mas, quando na rua, mesmo com nomes diferentes e novas decorações, as memórias que determinados espaços guardam permanecem, apesar das tempestades.
No início da pandemia me envolvi com um geminiano. Regido por Áries, nunca me relacionei bem com os filhos de Mercúrio, salvo uma amizade ou outra. Nestas linhas, chamaremos esse dj de N.boy. Levei um bom tempo até aceitar um convite dele, mas quando finalmente cedi, fui embalado por um beijo intenso, Grace Jones e um volume generoso entre as pernas.
My jamaican boy me deixou na fossa, levei um bolo de mais de duas horas por conta de um papel de parede horrível e adormeci tristonho, ouvindo compulsivamente Sin miedo, da Kali Uchis. Amargurado, convenci-me de que me vingaria: quando o visse novamente, eu estaria tão incrível que ele não seria capaz de me reconhecer em um primeiro momento, até porque estaria no chão, sujo pelo próprio vômito, em alguma quebrada da cidade.
Eu sei, são desejos horríveis, mas era isso ou por fogo na blusa dele que ficou comigo. Seguir em frente não foi uma opção nítida desde sempre. Entretanto, o bom senso chega a todos e logo me vi envolvido por outros amantes.
Aconteceu que, no sábado, recebo o convite de uma grande amiga para apresentar a cidade para o seu primo gatinho de Floripa. Cansado de um dia lindo de cianotipia no Solar do Barão, fiquei em dúvida do que vestir e escolhi um look ousado e um tanto duvidoso - o fashion também erra.
A Trajano Reis, apesar de tantas novas fachadas, continua com o mesmo cheiro de mijo de sempre. O raio ainda é especialidade da casa, ofertado aos gritos a cada esquina. Mas eu prometi a mim mesmo não me ater a isso, e de fato, foi o que rolou.
Bebi pouco mas fumei o suficiente para não conseguir identificar mais em que bar eu estava, de tantos bares que passei. Não lembro se tocava samba ao vivo ou música pop ambiente quando, saindo do bar, abrindo caminho entre a multidão, o vi. Para minha irritação e verdadeira surpresa, N.boy reapareceu belo, mais até do que quando nos conhecemos.
Eu não estava pronto para vê-lo. Roupa errada, cabelo errado, já sem lucidez. Não foi desse jeito que eu imaginei, tantas e tantas vezes, esse momento. Um pequeno revival tomou conta do meu corpo chapado, e fue mejor ecoou sob minha pele. Senti o gosto de ferro na boca. Senti raiva.
Aconteceram tantas coisas naquele final de semana, mas é a cena do rosto dele surgindo, se distinguindo entre os demais, que roda em looping na minha cabeça.
Foi uma distração, um passo em falso na pista de dança, que me fez em mil pedaços. Longe de ser dramático, me recompus e fumei mais.
Hoje, enquanto corria na esteira, tentando organizar meus pensamentos, minha rotina, meus afazeres, revivi sua aparição.
Por que será que sempre ficamos conectados àqueles que fodem com nosso psicológico? Seria esse sentimento de uma vingança cármica que me fez não desassociar dele depois desses meses todos? Mais do que isso, o que estou sentindo? Ecos de um ego ferido por rejeição? A memória da fantasia de um sentimento que só existiu na minha fértil imaginação? A busca por aquele momento que fez meu corpo guardar o toque dos lábios dele em uma lembrança celular? A sinastria entre áries e gêmeos que se atraem para seguirem caminhos distintos? O acaso desse encontro? Um erro? Um reencontro?
Se eu não sou mais aquele cara que ele deixou para trás, consequentemente, ele não é mais a mesma pessoa também. Voltamos a ser o que éramos, no princípio: dois desconhecidos. E o que vem depois? Espero que, se um próximo (re/des) encontro, a lua esteja pendendo para o meu lado.
Nota pessoal: talvez a melhor vingança seria ter posto fogo na blusa dele.
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mais uma limonada
o quão burocráticas têm sido nossas relações? seja para um sexo casual ou um relacionamento menos informal, a tentativa de manter um vínculo tem sido, por aqui, uma saga herculana.
em tempos de “a mulher da casa abandonada”, parece-me meio superficial ou até mesmo trivial falar sobre a dificuldade de nossas relações, mas neste domingo ensolarado, senti a necessidade de tratarmos sobre a polêmica.
confesso que minha maior fonte de paixões vem de fodas bem dadas: é o cara me comer gostoso que eu fico encantado e pra me livrar desse amor-de-pica leva um tempo (geralmente semanas, meus casos platônicos são os que levam meses para se curar).
hoje, aconteceu mais um episódio dessa novela, que ainda não tem nome, mas que poderia facilmente se chamar “canoa furada” ou “corações à deriva" - un mélange de um pouco de drama e a saudade do mar.
depois de uma nova experiência socio-sexual-filosófica (seca e a vapor), fui com um bom amigo beber uma cerveja e comer uma pizza em um bar que dava uma festa de sapatãs, ali no Rebouças.
entediados, tanto pela falta de homens no recinto, quanto pela falta de efetividade do Grindr, bebíamos uma Brhama-litrão e discutíamos sobre o quanto é bom nos depararmos com pessoas bem vestidas - algo evidentemente negligenciado naquele rolê - quando recebo uma mensagem dele - que para ter sua identidade preservada, vamos nomeá-lo nesta crônica como D.
embora tenhamos diferentes meios de nos comunicarmos, D. me enviou uma mensagem pelo Grindr. isso pode significar muitas coisas, mas deixo as interpretações abertas a você, que gentilmente gasta seu tempo lendo minhas linhas.
na mensagem, ele se desculpava pela ausência durante a semana e me convidava para um evento tradicionalmente curitibano de manhã de domingo: feira do largo da ordem. impressionante como nosso humor muda com um convite trivial vindo de uma pessoa específica.
com um sorriso menos sarcástico no rosto, conversei com meu amigo sobre ser convidado para um encontro a céu aberto e não um sem roupa entre quatro paredes. eu convicto de que tudo que queria era um bom sexo casual, percebi me questionando o que aquela mudança de ambientação poderia sugerir.
combinado o date inesperado, pegamos um dogão vegetariano em uma simpática lanchonete que passava “A Grande Família” e seguimos para casa, comendo sob o vento cortante daquele fim de sábado.
pulamos para a manhã hoje, enquanto escolhia que roupa minimalista usaria por debaixo do look milimetricamente calculado para a ocasião, quando recebo uma mensagem - cujo conteúdo deixarei a critério de vossa imaginação, mas com um importante adendo: brocharia até mesmo uma jockstrapp da Versace.
sendo esse o segundo bolo que recebo de D. nesta semana, você pode imaginar o quão desanimadora foi a experiência com esse garoto de 32 anos que vai para a lista de tentativas fracassadas de me relacionar.
uma grande (e bela) amiga uma vez me falou que os relacionamentos tendem a se estabilizar a partir da vulnerabilidade compartilhada. eu, particularmente, odeio me sentir vulnerável. não gosto da sensação de apresentar a um Outro aquilo que pode me fazer mal. entretanto, não seria essa uma boa indicação de limites aos quais você impõe?
longe de apresentar conclusões, compartilho com você minhas dúvidas e vulnerabilidades quanto a relacionamentos e as dificuldades que tenho tido sobre esse universo. imagino que não seja o único a passar por essas desventuras, mas me questiono se não seria a vulnerabilidade o caminho a delimitar que experiências ruins preferimos evitar.
um ótimo domingo de sol, mesmo se por aí, ele não estiver presente
xoxo
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um breve retorno à prosa
fazia quase onze graus quando me deparei varrendo o tapete da sala. não fazia muito tempo, fumei um baseado para relaxar, principalmente meus ombros, de um acadêmico encontro virtual sobre um livro cuja autora é senegalesa e mora na frança. enquanto varria, ouvia o som da vassoura sobre o tapete castanho; ao mesmo tempo em que ouvia o som da vassoura sobre o tapete castanho, eu ouvia também o som do tecido sintético das mangas se esfregando na jaqueta enquanto varria. tava frio. eu poderia deitar, dormir, descansar. mas o tapete está sujo demais. tem farelo de pão, de bolo, de ração de gato. as gatas ficam mais manhosas no frio. vêem, se esfregam, pedem atenção. o melhor sono é dormindo com minhas nenéns. ainda bem!
bardot me chama enquanto escrevo essa frase
…
pretendia voltar
não voltei
xx
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le 18 octobre 2020
As vezes sonho com seu rosto barbado de menino grande por noites inteiras. Com os cachos úmidos presos à nunca, me encaras pelo reflexo do espelho enquanto falas algo incompreensível. Não ouço sua voz abafada pelo batuque da macumba que preenche toda a aura surreal do espaço insosso que habitamos.
Desperto com o sol quente do meio-dia de domingo, surpreso por não encontrá-lo deitado no travesseiro em que nunca esteve. Passo o resto o dia com a cama desarrumada, entre as canecas de café e chá e os títulos de Djamila Ribeiro, Mariana Marino e Patti Smith que embalam o cinza do céu e o cinza dos prédios desta cidade cinza que me consome de modo indigesto e me cospe pequeno e soberbo, como as centenas de domingos que formaram o meu ano do rato.
As vezes, como no devaneio de uma hiperventilação cerebral, vejo uma luz branca-metálica refletir sobre seu rosto, visto de baixo, como quando por cima de mim, podia ver os pelos de seu peito embalados pelo ritmo lento do seu sexo doce.
Ao som do mesmo batuque da macumba, pergunto que entidade o colocou em meus sonhos, sem fazer eu perder o sono, pronto de encontro onde te vejo. Desperto saciado, sentindo seu gosto em meus lábios, enquanto miados ritmados me cobram atenção, água fresca e um punhado de ração (ou razão) do tipo golden.
Meus cabelos entrecobrem a visão dos prédios que rodeiam minha janela ao som de um blues triste, que um dia um preto triste compôs para mim e para os milhares de eus, em corpos afins em datas sem fins e dias assim,
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fogo no cerrado
O colar de búzios foi presente de minha mãe. O hábito de acender velas também. Cercado pela fumaça dos incensos, sob a meia luz da candeia, todos os oráculos apontavam a chegava de um homem que mudaria minha vida. Fiquei entusiasmado com a notícia. Hidratei minha pele, perfumei meus cabelos, vesti minhas melhores fantasias e esperei.
O horóscopo pedia-me para ter calma: as semanas passariam lentas, mercúrio retrogrado, não sei mais o que. Pedir paciência a um ariano é como pedir ao fogo que não queime, porém, respirei fundo e mantive a chama acesa apenas para aquecer a casa, esperando por aquele que, como diziam todos os oráculos – sim, eu consultei todos eles - viria. Quando ele chegasse, encontraria um lugar quente e iluminado para se abrigar e ali viveríamos felizes.
O tarot era sempre certeiro, implacável. Nunca havia falhado comigo. Todos os jogos sobre o amor diziam a mesma coisa: dentro de algum tempo, um homem chegará e mudará sua vida. Contudo, pedia-me cautela: era necessário limpar o jardim de todas as ervas venenosas que pudessem corromper o solo sagrado de onde nasceria esse novo amor. Eu, sempre muito atento aos avisos daquilo que é místico, pintei o jardim com rosas vermelhas, magnólias brancas, manjericões e jasmins. Enormes samambaias ornavam a entrada da morada, para que além de aquecida, ela ficasse bonita para a chegada dele.
O tempo foi passando, os dias viravam semanas e as semanas se acumulavam em meses. As horas se arrastavam. Aquele barulhinho do relógio me irritava ao ponto de eu esconder as pilhas, para que o tempo parece de me atormentar. Mas, os conselhos eram sempre os mesmos: tenha paciência, tome todos os cuidados. E quando dava por mim, lá estava eu, juntando as pétalas murchas no gramado, cuidando para que a chama não se apagasse, perfumado sob a fumaça dos incensos e a meia luz das velas amarelas, rosas e vermelhas que eu acendia para Oxum, Vênus, Eros, Hathor, Freya, todas as divindades que poderiam me ajudar a encontrar esse homem do qual todos eles, todos os oráculos diziam que viria e que me faria muito feliz.
Em uma noite muito quente, em que uma lua muito grande e muito cheia iluminava o céu, consultei os oráculos. Nada havia mudado: a espera e a cautela ainda eram os únicos conselhos que me restavam. O calor que aquecia a casa de repente ganhou uma força súbita, como gasolina no fogo e, do fundo dos meus olhos, senti crescer uma cólera que há muito não me incendiava. Piromaníaco, me vi entrar em combustão e as labaredas que surgiam enquanto eu caminhava passavam e muito da minha altura. Quando dei por mim, as paredes estavam em brasa e o chão poderia queimar meus pés se eles próprios não provocassem aquele ardor. Com o coração vulcânico, a pele em prantos, cheguei ao jardim suspenso no qual esperava por alguém, que no auge do fulgor já não me lembrava mais quem era. Como Nero, tornei o que era verde, vermelho.
Foi só depois de muito tempo, depois de arder por horas, depois de transformar em cinzas tudo o que havia ao me redor, depois da minha pele passar de lava à brasa que pude levantar e olhar para o que me restava. Ainda sentia o rosto quente quando olhei no espelho e vi ali aquele de quem todos falavam. Ele finalmente havia chegado e me encarava de dentro do espelho, portando apenas o colar de búzios, presente de minha mãe.
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conto grande demais para postar no tumblr
mas muito melhor que todos os outros que publiquei aqui
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conheço bem a minha história, começa na lua cheia e termina antes do fim
Torquato Neto
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pissing in a river
Um diz que vai ao banco e não demora, que deixa a porta aberta, que é pra ficar atento.
O outro concorda, fecha a porta do banheiro e lava o rosto em água fria. Cabelos presos na nuca, reflete que o tempo já mostra as caras e seu reflexo é a marca disto. Enquanto seca o rosto, pensa se ainda é um rapaz atraente e enquanto escova os dentes e se analisa no pequeno espelho sobre a pequena pia, chega à conclusão que sim.
-És um rapaz atraente – diz sorridente ao reflexo que ri um sorriso amarelo.
-Atraente mas mal cuidado.
Atraente mas mal cuidado: epifania do dia. Vai ao quarto apertado e pensa por onde começar os cuidados. Aspirador cheio. Sentado na cama - grande demais para o quarto e seu habitante solitário - ensaca aquele bolo de poeira, mofo, cabelo, unha, descaso e fedor. Mal humorado por mais uma vez ter de limpar o aspirador de pó, socado de pó. Olha-se novamente no espelho e percebe-se belo, mal cuidado e com um toque de sombriedade, melancolia no olhar.
Poe os fones de ouvido roxos para suportar o barulho do aparelho. Dança Patti Smith enquanto a poeira do taco de madeira do quarto, na região abaixo do varal de chão com roupas pretas, é sugada numa potente força sonora. Nem percebe quando a porta da sala se abriu e alguém adentrou o cômodo ao lado.
Um conjunto de nuvens vulneráveis a um vento chuvoso encobriu a luz do sol por alguns instantes. O leve escurecer resultante do fenômeno coincidiu com o momento que ele se virou e se surpreendeu com a silhueta de alguém parado a porta.
-Você? Que que você...
Foi o que deu tempo de falar antes de ecoar pela rua o disparo de quatro tiros. Ele foi baleado e quando seu corpo foi encontrado no chão ensanguentado, os fones ainda estavam em seus ouvidos: Patti ecoava dentro de sua cabeça quando seu peito explodiu.
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narciso
o cansaço me vence neste sofá, onde passei o janeiro todo. nem acredito que prometi mudar e cá estou: jogado como uma camisinha usada, suja de merda, fruto de uma foda barata e casual. será que nunca mais me sentirei amado? será sempre essa coisa de dia bem, dia mal, dia solitário. a pior parte é que cabe a mim tornar essa solidão, solitude. justo eu, essa pessoa insuportável, matando este eu, que sonha tanto com... narciso.
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menarca
j'étais high, couché
sur le lit - de slip, de t-shirt, les boucles libres,
quand la cicatrice ouverte recentement a saigné
pour mon surprise,
j'ai taché les draps
de mon lit
avec
sang
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#2
intenso
é o que eles falam sobre mim
intenso, como chama que queima
passageira
pele em braza
intenso
momento de erupção
vulcânica
peito aberto em êxtase de
desejo
suspeito
mesmo quando não notado
intenso
passageiro sem destino
por morros e grutas
suspensos
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você ama
você ama quando eu cavalgo em você, suas mãos conduzindo minha cintura me dizem isso, a cara que você faz quando goza em mim me diz isso. não entendo porque não pode me amar também pela manhã, antes de eu sair de casa, ou na praia, quando longe de mim, entra no mar.
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ele pediu para eu mudar o título desse texto por medo que pensassem que era ele, mesmo não sendo ele
Somente as iniciais, era tudo o que eu sabia sobre ele. E que havíamos visto um filme juntos e trocamos uma ideia. Uma vez, há bastante tempo, quando ele acabara de se tornara aluno de história e eu de letras. Era um filme nacional, no Paço, fui a convite da Renata, Renata, a canceriana. Amada Renata! Depois disso nos vimos algumas vezes na Universidade. Mas nada de mais, apenas aqueles oi, oi tudo bem?, ou gestos sutis como uma erguida de sobrancelha seguida de um meio sorriso. Em uma dessas passagens, curtidas no Instagram e biscotos no Grindr, o chamei pra fumar um aqui em casa. Ele ficou de vir, nunca aconteceu. Até domingo.
Domingo estava frio, chuvoso, a cidade cinza cartão-postal. Acordei cedo no domingo, porque no sábado dormi cedo, chapado demais para reagir a estímulos físicos, com frio demais para reagir à rua. Fui à feira, comprei um anel, pedra-turquesa, pastel- caldo-de-cana-10-reais, uma vela amarela e incensos para Oxum . Sete dias. Ela sempre soube que duraria bem mais. E durou. Domingo, lua crescente em Leão.
Ele chegou a tempo de organizar o apartamento. Passava um pouco das 15 horas. Chegou de moletom cinza e tênis preto. Brilhou o colar de ouro, grosso, no pescoço hora que fui lhe dar oi com um beijo no rosto. Passou perfume. Quando ele entrou no quarto, alguns incensos já queimavam, Érykah Badu rolava na contraluz daquele dia cinza. A cama de casal, colada a janela, acomodou nossa vista. Todos os prédios que cortavam o horizonte transformavam a cidade em uma selva de concreto cinza. Tão cinza quanto aquele dia. Tão cinza quanto o moletom dele que evidenciava o generoso volume de dentro da cueca, cueca preta, mais tarde fui descobrir.
Ele sentou na ponta da cama, no começo. Momentos ainda tímidos demais, quando o convidado está se ambientando ao seu espaço e você por horas tateando como ser receptivo, por outras tentando se ambientar à companhia. Brasa acesa, alguns silêncios, análise do ambiente, do tempo e, por fim, da vista. A vista nos convida a adentrar a cama ainda mais, ao seu meio, ao seu outro extremo. Ao seu conforto. Avistamos a selva. Localizo-o na minha paisagem enquanto de ombros colados sinto teu corpo quente, diferente do vento da tarde gelando minha mão, para fora da janela. Inclino meu braço em sua direção sob o pretexto de te apontar o Largo da Ordem e te beijo. Tava rolando um r&b e o beijo durou. Mão na cintura, braço envolvendo a nuca. Um beijo gostoso, de lábios grandes, de vontades também grandes. A mesma sede que a minha.
E o primeiro beijo rolou, rosto gelado e bochecha quente. Encostamos-nos sob os travesseiros e almofadas na base da janela. Fumamos ouvindo um pouco de Nina Simone e Sade. Ele me mostrou alguns vídeos no Youtube, falamos sobre Beyoncé, a insuperabilidade de Anti, a nova temporada de RuPaul e nos beijamos mais. Eu acendi mais um incenso e ele me contou que por muito tempo fez velas artesanais e que por isso sempre compra velas holandesas, para que durem mais. Disse também que me traria uma boa vela para eu queimar, que eram ótimas para perfumar o ambiente, limpar as energias ruins, afastar os fantasmas. Pediu se poderia fumar na janela. Fumou enquanto eu bolava mais um e fumamos, rostos próximos. Trocamos baforadas de baseado, nicotina e uma certa intimidade recém adquirida, abrindo caminhos à serem desbravados por mãos e dedos curiosos, fingindo ingenuidade.
Foi depois de me aconchegar, sentado entre as almofadas, de costas para a janela, que ele deixou seu corpo cair sobre o meu. Seu beijo era mais lento e terno, seu tronco pendia sobre o meu, envolto por seus braços e cotovelos apoiados à cama. Nosso beijo era firme, preciso, fogo e ar. Aninhou-se entre minhas coxas, prendendo-me contra a cama. Prendi-o também entre minhas pernas e o beijo explodiu.
Já estávamos só de cueca quando Raveena começou a tocar. Não que a descrição de como ele tirou o meu short e eu tirei sua camiseta não sejam importantes. Elas são, mas não cabem nestas linhas.
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julho
Não posso me levantar, tenho o peso do corpo quente de um homem nu ofegante sobre mim. Sinto seu coração bater acelerado contra meu peito e suas costas suadas sob as palmas da minha mão. Sinto-o tentando controlar sua respiração, inspirando profundamente e expirando um bafo quente sobre meu pescoço marcado por sua mordida.
Não quero me levantar, sonolento sob os pelos de um homem nu que me aconchega com seu braço a seu corpo. Minhas coxas entre suas coxas, seu pau mole, massivo, contra minha barriga. Acompanho o movimento de seu peito a cada respiração, agarrado ao seu tronco, como quem tem vontade de ali estar.
Não desejo me levantar, envolvido nos braços firmes de um homem nu que beija meu pescoço, meus ombros, enquanto seu pau duro pulsa dentro de mim. O ritmo cardíaco de seu peito em brasa contra minhas costas molhadas, o macio de seus pelos contra minhas nádegas, nossas mãos entrelaçadas, meu anel do humor.
Não previa estar ali, de joelhos entre os corpos de dois homens nus que ferozes rodeavam, dividiam, insaciáveis por meus beijos e carícias. Aquelas bocas bárbaras que desbravavam minhas curvas, novas terras conquistadas, grutas e morros, com sede e anseio, fúria mesquinha de quem comandava, subverte em submisso. De quatro, tapa-na-cara.
Não deveria estar ali, dançando sobre a sala, janela aberta, barulho de carros, envolto aos braços de um homem, abraçado a sua nuca, sentido o toque de seu rosto. Ella na vitrola, a taça de vinho na mão. A pilha de textos para corrigir em cima da mesa e a cama desarrumada no quarto, somente a luz do corredor. O aconchego de seu cheiro, também na horizontal.
Estava ali, deitado sobre lençóis limpos, olhos molhados, inchados por lágrimas e um vazio doído aberto no peito quente, febril, de quem sozinho percorre as ruínas do corpo, as crateras da vida, com nojo da alma que se encontrava assim: roída.
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