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Lady Bird
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Entre a dúvida interna e a dívida externa. Olga, 1998, Natal/RN. às moscas.
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daily-bird-blog · 7 years ago
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Artistas não são necessariamente inteligentes, eles só estão desesperados: uma história de vida.
“Sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso, num só peito de homem... sem que ele estale.” Drummond escreveu no poema “Mundo grande”.
“A arte existe porque a vida não basta”, disse Gullar.
“Temos a arte para não morrer da verdade.” Falou Nietzche.
“Escrever é quando vôo, escrever é quando começo incêndios. Escrever é quando tiro a morte do meu bolso esquerdo, atiro-a contra a parede e a pego de volta no rebate.” É uma citação do Bukowski, junto com, “É simples, ou você escreve ou pula de uma ponte. Escritores são pessoas desesperadas e quando eles param de ser desesperados, então param de ser escritores.” Que foi sua resposta quando questionado em uma entrevista sobre “o que faz um escritor?”
O que essas citações tem em comum? Por incrível que pareça não acho que seja o desespero propriamente dito. Ao menos não no significado negativo que nós atribuímos ao desespero. Mas eu acho que é a organicidade. “Escritores são pessoas desesperadas”, “a vida não basta”, “para não morrer da verdade”. É tudo um caráter de escape. Eles fogem para a arte porque a arte é naturalmente o único lugar possível pra onde fugir. O único lugar que não é real, um plano metafísico de conforto, porque o real é hostil e assusta.
Diariamente eu me pego escutando algumas frases, acontecimentos ou conceitos e racionalizando por horas sobre eles. Eu crio esquemas, formulo opiniões, começo a refletir sobre cada coisa... e o que eu ganho com isso é geralmente não alcançar nenhuma conclusão. Aí eu escrevo. Antes a poesia. Agora as crônicas. Não importa. A questão é que eu sinto essa necessidade orgânica de concatenar as coisas que passam na minha cabeça de forma que elas cheguem a fazer algum sentido, e eu possa, assim, transmitir um pouco do meu mundo interno pros outros. Porque a gente tem essa necessidade essencial de relacionar-se com o mundo. E isso acontece geralmente através da linguagem.
O curioso nesse processo é que é sempre um pouco. Eu nunca consigo expor as coisas por completo porque elas só chegaram daquela forma pra mim, pela minha experiência. As cores só foram aquelas cores pelos meus olhos, e pelos seus elas provavelmente serão outras, uma vez que, repito, cada experiência é única. E aí você pode me contestar com conceitos físicos, ou biológicos, e dizer que azul é azul porque alguma propriedade física que envolve reflexão constatou que aquela cor se manifesta igual pra todos os aparelhos visuais “saudáveis”. Eu não discordo. Mas as coisas são mais complicadas quando a gente fala sobre sentimentos, sobre o irreal, aquilo que é objeto da arte.
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(E eu tiro muito disso de um vídeo trecho do filme waking life, que você pode ver aqui: https://youtu.be/lAJRpBPbdJ4.)
Em resumo, o irreal parte da experiência. Quando eu digo “mesa”, você pode imaginar diferentes tipos de mesas, de plástico, vidro, que seja, mas dentro de uma cultura ocidental, todos nós vamos atribuir àquela mesa a mesma função, e provavelmente um formato parecido, com quatro pernas e um apoio. Mas a magia está no tipo de mesa que você imagina, no porquê e no como. Algumas pessoas vão imaginar uma mesa de escritório ou sala de aula, enquanto outras vão pensar em uma mesa de bar, uma mesa de Ping Pong. E isso vai dizer muito sobre seu estilo de vida. Elas vão relembrar momentos e aflorar sentimentos a partir daquelas mesas. Porque atribuímos significados através da experiência. É o princípio fundamental dos testes de Facebook “escolha um filme e te diremos como é o amor da sua vida”. São sentimentos abstratos.
E isso é ainda mais curioso se você pensa na linguagem como um modo de se relacionar. Quando eu digo “amor”, minha experiência com amores e desamores é que define o significado da palavra, tornando aquilo totalmente diferente do significado que você vai atribuir. Eu posso pensar em amor como família, amizade. Você pode pensar em sexo. Minha vizinha pode pensar em Deus. Tudo isso é experiência, é vida em sociedade. O difícil é alinharmos esses conceitos e conseguirmos compreender o mesmo sentido de amor pra nós dois, tornando nossa relação única.
Mas o que isso tem a ver com a arte? Tudo. O que a arte faz, afinal, se não se comunicar, através da linguagem? Mas se fosse a linguagem natural, o idioma, como esses sentimentos abstratos se comunicariam? Será que teríamos paciência pra escutar toda a história de vida de uma pessoa e entender como acontece esse processo de significação das palavras? Entender o que é amor, sofrimento, saudades, pra o dicionário pessoal de cada um? Eu acredito que não. A gente mal tem tempo pra escutar a nossa própria história, e mal tem coragem pra sentar e discutir com a nossa própria cabeça...
É nesse momento que entra a guerra entre o real e a arte. O real é físico, palpável, visual. Ao menos como compreendemos hoje. Já a arte é sentimento. Abstração. Significação individual ou coletiva. Se você é mulher, provavelmente já leu um poema da Rupi Kaur e se identificou, porque ela fala de uma experiência generalizada, que é a de ser mulher em sociedade. Das dores que todas nós passamos. E ela faz isso de forma curta, metaforizada. É mais fácil que escutar uma palestra de 4h sobre o percurso de exploração sexual sistematizada no Brasil e no mundo desde os primórdios, não é?
Igualmente, sentir-se compreendido por um poema do Leminski, ou um quadro do van gogh. Algo simples, que você olha e pensa “é isso”. Esse sentimento de “eu poderia ter dito isso também, mas ele disse antes”. Eu acredito que é isso o que buscamos na vida. Alguém capaz de nos escutar até que nós façamos sentido. Ou mostrar sentido, sobre o que nós somos, mesmo sem ter nos escutado. É um processo identitario, a busca diária de todos nós pra responder à pergunta sobre quem sou eu. Vai muito além de um quadro, de um poema. É uma questão existencial, que talvez não tenha resposta, mas que encontra alívio na arte.
E foi assim que eu cheguei à conclusão de que somos todos um efeito borboleta. Teoria do caos. Forma que se manifesta por aspectos muito intrínsecos à nossa experiência, e que só conseguiríamos significar se os outros pudessem ver, com nossos olhos, tudo que já vimos(black mirror demais isso aqui). Mas já que não podem, veem através da arte, que vem sendo nosso único lugar possível de comunicação, nesse desespero diário pra contarmos pro outro o que, quem e como nós somos, pra assim tentar descobrir essas coisas pra nós mesmos.
Talvez por isso eu goste de ver minha arte como passageira, porque nunca sou nada, só estou muita coisa. Eu signifiquei processos que foram essenciais pra mim através da poesia, do mistério da metáfora. De escrever sobre estar em uma bolha, enquanto eu não estava em uma bolha, mas me sentia plenamente enclausurada e sem ar. E eu não precisei adjetivar a minha bolha, porque outras pessoas que estavam na bolha sabiam como era estar lá. Como doía.
Assim sendo, eu não acho que artistas sejam tão inteligentes, porque todos nós fazemos as mesmas coisas que eles fizeram, a diferença sendo o modo de externalizar. Ser capaz de colocar num papel a síntese de uma história de vida significando um sentimento como amor, talvez seja muito mais sobre autoconhecimento do que sobre genialidade, porque dentro de cada um de nós mora uma dose cavalar de significados. Alguns só conseguem falar um pouco melhor sobre eles, já que é desesperador estar constantemente nessa reflexão de “o que isso significa pra mim?” e alguns estiveram tão desesperados na busca de compreensão, de viver em sociedade, que precisaram expressar isso de alguma forma, pra dizer “ei, eu estou aqui, eu acho que é assim que eu vejo o amor, alguém consegue me entender?”.
Afinal, eu acho que é isso que todos nós queremos de uma forma ou de outra: sermos entendidos e nos entender. A arte é o caminho, não o destino.
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daily-bird-blog · 7 years ago
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Toca aqui se você tem 20 anos e não construiu nada significativo da vida
Eu tenho esse amigo. Tinha. Era um grande amigo, do tipo melhores amigos. Aconteceu que em algum momento da amizade a gente acabou ficando afim um do outro. Mas sabe como é, a gente nunca quer estragar a amizade né, então fomos empurrando com a barriga. A gente bebia e se beijava, no outro dia cada um pro seu lado, como se nada tivesse acontecido. Eu até incentivei que ele ficasse com outra pessoa. Daí hoje, quase 2 anos depois dos acontecimentos, ele namora com essa pessoa. E isso me deixa como? Eu, que nunca cheguei pra dizer o que sentia, solteiríssima e sem perspectiva. E é claro que eu não sinto mais o que sentia 2 anos atrás. Na verdade esse melhor amigo virou amigo distante, coisa de conversar de vez em quando, quando a gente se encontra casualmente, o que é até meio triste. Mas meu ponto aqui é, como é ainda mais triste, isso de pensar no “e se”. E se eu tivesse falado pra ele? A gente estaria junto agora? E se eu tivesse estudado mais? E se eu tivesse me dedicado à um esporte desde cedo? E se eu tivesse feito amizade com os professores no ensino médio, arrumado um emprego, fundado uma startup? E se? Onde eu estaria agora se?
Há 30 anos atrás, quando nossos pais tinham 20 anos, eles já tinham vida feita. Era normal olhar pra gente no auge dos seus 25 casada e com 2 filhos, morando só, trabalhando... minha mãe não cansa de dizer que com 14 anos já fazia bico de garçonete, trabalhava em loja de sapato, pagava as próprias contas. E eu? O que eu sou no auge dos meus 20 anos? Eu sou um monte de relacionamentos que deram errado, amigos que foram embora, tentativas que falharam de construir algo. Aos 12 eu queria ser modelo, desisti. Aos 15 queria ser jogadora de basquete, desisti. Aos 16 queria ser poeta, desisti. E não é como se eu ainda não fizesse essas coisas. Eu ainda escrevo e jogo bola no tempo livre, mas isso não tem minha dedicação total, e não tem porque eu sei que provavelmente não vai me levar a lugar nenhum. Porque não é o suficiente pra alimentar a lógica de produtividade e fazer eu me sentir útil pro mundo, pra alguém.
E aí é que eu entro nessas crises que me obrigam a escrever textos expondo minha vida pessoal na internet. É aí que muito adolescente entra nessa crise. Adolescente, sim. Hoje a gente chama gente de adolescente até os 24, e é hilário como pros nossos pais aos 24 eles já estavam próximos de chamar os filhos de adolescentes... Mas o que eu quero dizer com isso? Que a gente tem que relaxar pra “não enlouquecer” e continuar jogando videogame enquanto nossos pais pagam as contas? Bem, não. Até porque tem gente que não tem videogame, ou pai pra pagar a conta, daí com 20 tem que construir mesmo, provavelmente que com 15 já tenha. E como que a gente lida com não conseguir? Como lidar com a falta de um emprego? Com o fato de olhar ao seu redor e não ver nenhuma relação sólida construída. Você não fala direito com sua família, vai à faculdade como uma obrigação, não ajuda em casa, ninguém realmente precisa de você. Talvez até alguns amigos, mas ninguém que vá te ligar de madrugada porque você é o primeiro número na discagem rápida. Ninguém pra quando você vê aquele por do sol bonito, olhar pro lado e dizer “uau” com um sorriso no rosto. Você está sozinho. Estamos. Temos 20 anos e estamos perdidos.
Nesses momentos eu juro pra vocês que não tenho uma resposta. Agora mesmo são 2:12 da manhã e eu escrever isso talvez seja muito mais um desabafo que um texto que vá te acrescentar em algo propriamente dito. No entanto, eu também não consigo deixar de pensar em quando abri minha primeira conta corrente, quando remendei um buraco numa calça pela primeira vez, martelei um prego na parede, viajei sozinha, ou recebi meu primeiro salário. Tudo isso foi assustador, e é ainda mais assustador quando eu penso que é só o começo, e que eu ainda vou ter que pregar muitos pregos, ou receber muitos salários se eu quiser construir alguma coisa daqui pra frente.
A verdade é que a crise dos vinte anos chega, pra alguns mais cedo que pra outros. E com ela vem a solidão. Vem o sair da escola, se afastar da família, lidar com chefes, com bancos. E quando você costumava ter um grande grupo de amigos, é ainda mais desesperador saber que cada um agora precisa tomar seus rumos, e que a gente pode sair pra beber junto no fim de semana, mas que cada um vai pagar sua conta. Eu lembro que a primeira vez que pensei nisso foi quando fiz meu primeiro ENEM e eu estava ali sozinha na carteira, meu resultado dependendo apenas de mim, e eu fiquei apavorada. Porque o mundo é hostil. Hostil e solitário. E é difícil estar sozinho em meio à hostilidade. É aí que a gente escapa pra qualquer espaço de segurança que a gente encontra. O filósofo Heidegger chamaria isso de “habitar”. Às vezes a gente habita a música, a arte, ou o álcool, as drogas, o netflix ou a rede globo. A gente habita coisas que nos fazem mal porque qualquer lugar parece mais seguro que lugar nenhum. Às vezes a gente habita até outras pessoas. E às vezes a gente simplesmente não sabe o que habitar, aí que as coisas parecem mais difíceis ainda.
A real é que muita gente já pensou sobre isso antes. O Leminski com um poema que diz “entre a dúvida interna/e a dívida externa/meu coração comercial/alterna” fala sobre como lidar consigo mesmo quando a gente tá sempre tentando corresponder às expectativas, nossas e dos outros(e até que ponto as nossas são nossas mesmas e não dos outros que pensamos que eram nossas?). O the killers quando canta “if you can hold on/hold on” falando sobre a possibilidade de sustentar, quando você é capaz. Porque às vezes a gente acha que não é. Porque a pressão machuca. Mas geralmente é possível, e geralmente a gente consegue.
E bem, a boa notícia é que se a gente não tem nada aos 20 anos talvez a gente possa começar a construir agora pra ter alguma coisa aos 25.
Se você for uma pessoa como eu que tem dificuldades enormes pra fazer amizades, provavelmente vai ser tão difícil quanto é pra mim(e é muito) criar um grupo aonde se apoiar. Porque pra mim a questão vai muito mais além da crise dos 20 anos. É uma cultura global de solidão e abandono. Falta na gente um senso de coletivo, de realmente se importar com as pessoas à nossa volta, e talvez tentar fazer dessa experiência de existir não tão solitária. Claro que é um processo complicado, isso de encontrar tempo pra amar, mas a minha esperança é esbarrar por aí com pessoas que pensem o mesmo que eu, e quem sabe assim encontrar alguém pra chorar meu luto.
Se sentir amado é difícil. Amar é também. Mais ainda nesse mundo em que a gente tá sempre procurando produzir e correr, e criar, e ser bom no que cria, ser alguém. A gente esquece que ninguém é ninguém sozinho, somos em comunhão, porque a solidão talvez seja essa única coisa que dói em todo mundo, um ponto fraco em comum.
Mas é isso, eu sigo andando por aí, e enquanto não encontro alguém pra me amar, eu vou amando os alguens que encontro pelo caminho, e me deixando transformar por eles. Talvez assim eu me construa, e aí eu vou ter algo: eu mesma, construída por mim com os outros. Nesse momento, só o que eu tenho são umas boas histórias de pessoas com quem eu já cruzei, e alguens por quens me apaixonei, mas isso eu deixo pra um próximo texto. Sigamos amando que o amor constrói vidas. E ajuda a lidar um pouco com o desespero de ter que construir algo sozinho. Que a gente seja capaz de se importar mais.
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daily-bird-blog · 7 years ago
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Desculpe o incômodo. Estamos tentando entender o porquê da existência.
Constantemente as pessoas falam que se identificam com meus tweets, e, nesses momentos, eu me vejo me perguntando o porquê das minhas reclamações diárias sobre assuntos completamente desconexos - que vão desde os rumos da democracia brasileira até a minha má relação com os meus próprios hábitos auto-destrutivos - serem capazes de fazer alguém, em algum lugar, se sentir plenamente compreendido. Bem, esses dias tirei pra refletir um pouco, e, quando você estuda psicologia, suas reflexões acabam tomando rumos que vão muito além do que você esperava. Assim sendo, cheguei à conclusão que as pessoas se identificam com meu twitter desconexo porque eu falo sobre coisas que atravessam a existência, e existir é, por essência, desconexo, e existir na era da tecnologia digital é ainda mais complicado, principalmente quando você é um adolescente ou jovem adulto que não se familiariza muito bem com religiões e não tem um pingo de certeza sobre as razões pelas quais alguém te colocou nesse mundo. Mas bem, pra falar sobre existir eu preciso de um pouco mais que alguns tweets, e na intenção de discorrer sobre esse assunto, eu decidi criar um blog, onde a ideia é escrever sobre essas coisas que aleatoriamente surgem na minha cabeça quando eu me pego sentada no ônibus voltando pra casa, olhando pros prédios e me perguntando o que caralhos toda essa gente está fazendo aqui.
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A psicologia não falha em discorrer sobre a existência. Se você procurar, vai encontrar milhões de artigos e livros sobre o assunto. Igualmente, a música, a literatura, as artes, todos os campos da linguagem com os quais a gente se relaciona e se identifica diariamente, trazem esse tema. Quando a Marília Mendonça canta sobre trair e ser traída, ela fala sobre existir e lidar com a existência, de si mesma e dos outros. Quando Van Gogh pintou noite estrelada, ele pintava o céu como a sua existência até então o fez enxergar a noite e as estrelas. E assim a gente caminha desde a grande área do entretenimento até os locais considerados mais cultos na nossa história. Mas o que significa realmente a palavra existir?
Milhões de filósofos tentaram falar sobre o assunto. Platão falava sobre a existência como ideal, mundo das ideias, vocês sabem. Tudo existia em um plano que não era esse, o palpável, e sim aquele, o que só vive no nosso imaginário. Já alguns filósofos mais contemporâneos vão discutir sobre o significado de existir. Nietzsche com o niilismo e a busca por uma saúde existencial - um lugar possível para viver lidando com o fato de que nada faz sentido. Sartre com a liberdade de escolha, e a essência precedendo a existência. Nós nascemos nada e o que vamos a ser é o resultado de como nos descobriremos no mundo. E por fim, um dos filósofos que considero mais importantes pra pensar sobre isso, Heidegger, traz um conceito até semelhante ao de Sartre que é o de existência como experiência. Só que pra Heidegger a essência do homem é a existência. Ele vai trazer uma análise existencial completa(e complicada) que me tomaria páginas para explicar, mas os pontos mais importantes talvez sejam esses (até onde minha leiguice de estudante é capaz de expor. Na dúvida, pesquisem): o homem é um ser-aí. Aí aonde? No mundo. Alguém que só existe em relação. Ainda, o homem é um ser-para-a-morte, considerando que a morte é a constatação da possibilidade da impossibilidade de todas as possibilidades. Isso é, existir não é uma certeza, mas algo possível. Assim como nossas decisões, nossas vontades, nada tem rigidez, nada é, tudo está. O único fixo é a morte, e lidar com a morte é lidar com angústia sobre o fato de que nascemos para morrer, e a existência é o processo que acontece enquanto isso, as experiências que vivemos em relação com os outros e com o mundo.
Primeiro, saibam que Heidegger é bem mais que isso, mas por enquanto vamos ficar por aqui e pensar, o que todos esses caras tem em comum? Por que era tão importante pra eles pensar o motivo de nos terem colocado aqui? Por que é tão importante pra nós? E por que tudo tem que ter um motivo? Uma vez uma amiga me disse que temos muito espaço pro sim e pro não, mas será que temos espaço para a dúvida? Talvez essas sejam algumas questões que ainda amedrontam a psicologia. Pensar no porquê de estarmos aqui é também pensar no porquê de não estarmos. Não seria mais fácil simplesmente acabar com tudo? Enrolar uma corda no pescoço e aceitar o fim?
Bem, recentemente eu descobri que não. E eu não sei bem o porquê, mas a existência pra mim se tornou mais leve. O que não necessariamente significa mais fácil. Mas quando penso nisso, tenho que dar créditos à Heidegger e alguns desses outros tantos filósofos, porque enquanto muitos campos da ciência tentam explicar o porquê das coisas, eu me deparei com caras que não queriam dar um motivo para a existência, mas compreender como funciona o processo de existir. E é muito reconfortante perceber que eu não preciso estar servindo à um bem maior. Não, eu também não vou ser hipócrita em dizer pra vocês que eu não queria ser um Hawking, Einstein ou Curie, por exemplo, relembrados pro resto da eternidade. Mas eu digo pra vocês que enquanto as ciências exatas se preocuparam em entender a doença de alguém, em categorizá-la, descobrir sintomas, pôr em caixas... as ciências humanas se ocuparam de compreender a existência das pessoas, pra que elas fossem capazes de ter autonomia sobre si mesmas, retransformando esse processo entre o nascimento e a morte, que nenhum de nós sabe no que vai dar, mas que cada um de nós pode interpretar de maneira diferente, uma vez que cada experiência é única.
Então sim, é muito difícil que você vá conhecer alguém que dê razão pra toda sua vida. Seja essa pessoa um relacionamento amoroso, um familiar, ou um psicólogo. O mais provável que vá acontecer é que alguém te ajude a compreender a você mesmo e o que te faz bem, enquanto você está. Nós não somos fixidez, nem somos etiologias, somos existências. Nós não somos, estamos. E é por estar que a razão para o nosso existir não é, ela também está. Está se modificando, aparecendo e desaparecendo, em um momento de felicidade, solidão ou angústia. Num momento breve que o sol toca sua pele enquanto passa uma brisa gelada. Num momento de crescimento, de sofrimento, de reconexão com si mesmo e com os outros. Numa experiência.
E eu não vou negar, existir é difícil. É doloroso. Mas é possível. Eu sei que é possível porque eu também pensei que não fosse. Eu também pensei por muito tempo que não encontraria razão pra lidar com o sofrimento, que era demais pra mim. E ainda não encontrei a razão propriamente dita. Mas um dos motivos talvez seja esse, o de ser capaz de carregar o peso e de redescobrir a própria dor. E continuar vivendo, continuar doendo, continuar sentindo, continuar estando, porque só somos na morte, e até lá, ainda há muito o que estar.
Dito isso, ajuda psicológica nunca é exagero. Se você acha que o peso é demais, se ele atrapalha sua vida, se você não vê motivos pra continuar, procure um profissional. A dor é bonita até onde podemos sustentar, nenhuma dor é menor que a outra, e cada um sabe o tamanho da baleia que carrega nos braços.
Até a próxima.
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