Text
Há dias em que sinto um vazio infinito
entre cada um dos sorrisos que perdi
Uma falha tectônica na geologia do ser
quer liberta tsunamis de medo
no oceano poluído de mim.
Encontrei-me na interminável fila
que leva até à santa casa da misericórdia,
desesperando por uma caridadezinha,
uma pequena, subtil, inofensiva
- tax deductible - prova do teu amor,
enquanto procurava algures a cor
dos teus olhos - que na estetoscópia
estereofónica da nossa esquizofrenia
esquecera, um dia.
Fizeste de mim um farrapo para limpar
da tua alma as manchas de meita
de quem de ti fez casa e cama e cona
e eu perdido na imensidão de sentir
- relatividade à parte, toda a quantica
da coisa imersa na incerteza do electrão -
não te senti a amarrotar-me o existir,
não vi que as tuas mãos espremiam,
esganavam, estran-gu-la-vam
esta goela frágil de tanta merda engolir
Perdi algures na mente a equação esotérica
que matematicamente calcula a densidade
de uma relação em razão directa da reação
relativamente à pressão atmosférica
da ecossistematica intern-ó-esféricó
Ambiental
E nesse deserto de expectativa zero
descobri que tudo se quebra se
a força normal exercida pela gravidade
não for contrariada pela qualidade
dos momentos efémeros da realidade
Nesta correria entre o que acontecia
e o pouco ou nada que eu via
deixei cair do bolso como se fossem chaves
a hipótese de te agarrar nos braços
- e desalmadamente a chorar - implorar
de joelhos, flagelo na mão, cilício posto,
dentes cerrados e sofrimento estampado
no rosto, que te esquecesses de vez
de me esquecer.
Éramos folhas em branco
coladas sobre páginas escritas
a fingir que não existia passado e tudo
tudo
era futuro sem limites e sem fronteiras
mas carregando no lado negro da sua lua
toda uma exploração alienígena
uma verdadeira mina inesgotável
de pequenas facas afiadas apontadas
como setas ao coração da nossa ilusão.
0 notes
Text
Fugimos da cor dos segredos
iluminados apenas pela sombra
que entre os nossos dedos escorre.
Ovelhas,
velhas ovelhas sebosas,
cai-nos o pelo pelas costas
e desescamamos o ser
em pétalas de fomos.
Sentados em bancos de jardim enferrujados
olhamos o amanhã com olhos cheios de
medo,
aterrorizados pelas gordas do jornal do dia,
fingimos ser apenas burros
que pastam do pão circense
e rezam a um qualquer deus.
Bebemos, fumamos, sniffamos, injectamos:
esquecemos,
desaparecemos entre os números das estatísticas
porque
amanhã é outro dia,
o sol nasce de novo
o despertador toca de novo.
Engraxarei os sapatos,
farei a barba,
apanho o cabelo,
visto um dos fatos
e caminho, cigarro no canto dos lábios
em direcção ao metro.
A rotina não foge de nós,
por muito que possamos tentar fugir de ela.
À rotina, deusa, senhora, mãe!
Ajoelhemos-nos ao tocar do alarme,
dois Horários do comboio Nosso,
um par de Avé Recorrencias Diárias,
um sigilo de protecção sobre o relógio,
que ele nunca nos falhe!
Chegámos a ser deuses!,
a intangencialidade do supremo encarnada,
a potência das galáxias num envelope
de carne,
o sublime acto da criação
nascia do nosso mais pequeno pensamento!
Hoje,
escondemos-nos da cor dos segredos
e procuramos apenas
uma sombra que nos esconda
do sol do nosso potencial passado.
0 notes
Text
cigarros e café
vivo de café e cigarros,
alimento-me de vicios apenas
talvez tentando trazer
mais rápido
o fim
que paira sobre mim
cigarros atrás de cigarros
se não parar para respirar
não tenho tempo de pensar
café, já que não me posso embebedar
café, mas só porque rima
não me dá a fé
de que preciso
para aguentar...
(até a poesia sai estragada
quando se chora um Poema)
"amo-te com a mesma itensidade
com que me odeio
por não te conseguir segurar"
escrito entre lágrimas de café
por dedos manchados de tabaco
fumo e finjo-me forte
é demasiado tarde para recuar
agora só resta
esperar.
0 notes
Text
desespero
medo
desespero
medo
desespero
medo
desespero
medo
naquele segundo que antecede
o cair da bomba atómica
na fracção de instante
antes da aniquilação
vivo uma eternidade de medo
e desespero.
as cinzas do corpo voam já no vento
e a silhueta sombreada brilha na parede
mas o uivo inexcapavel do metal
que cai pesado dos porões dos aviões
ainda não se fez ouvir e as sirenes,
as sirenes ainda agora nasceram
nos ouvidos mas
o corpo paralisado escorre suores frios
e treme, abana-se microscopicamente
nanometros em cada eixo da realidade
quilómetros nos eixos imaginários dentro
medo.
um medo que cala completamente a cara
e afoga a mente num lago, mar, universo
de desespero.
desespero,
não existe fugir possível,
não existe protecção possível,
não existe buraco onde esconder,
desespera!
Berra de raiva aos céus
por te terem deixado aqui
entre essa espada inquebravel
e a bigorna adamantina onde ela bate
berra como se os teus gritos
te pudessem trazer salvação
berra sabendo que não podem nada
contra a inevitabilidade do futuro...
medo e desespero e solidão,
um corpo apenas contra o apocalipse
que chega num milhão de anos
dentro de um segundo...
0 notes
Text
Panoptica Universalis
o olho que tudo vê
a boca que tudo come
sensação de prisão
de esgotamento da alma
sou pura engrenagem
consumida pelo óleo que me lubrifica
sou o peso dos anos em branco,
o espaço entre as palavras
que disse, que não disse
que fiz que não agi
que sonhei e perdi
sou o nada antes do nada
o vazio entre vazios
não me podem ver
porque não existo fora de mim
o olho,
sempre esse olho,
em chamas de virtuosismo,
sempre esse sorriso inexistente
adivinhado apenas pelas rugas
ao canto do olho,
o olho que grita silenciosamente
para que obedeça, respeite, aceite
aceite o meu lugar
aceite o meu destino
aceite o meu sofrimento
"inevitável, incontornável, inexcapavel.
Resigna-te ao teu buraco no chão
o teu universo são as grades da prisão"
escolher cada minúscula partícula
do ferro que forma as portas
desta jaula inviolável que sou o ser
que eu sou
pintar cada centímetro das paredes
com slogans pró isto e aquilo
anti estes e os outros
sou livre de ser prisioneiro
sou um ser individual e único
igual a todos os outros
encolho-me,
o olho perfura-me agonizante a mente
olha para dentro de mim
e berra em tons mudos
na massa cinzenta que me faz eu
és único e lindo e individual
não sejas ovelha, pensa como nós
escondo-me,
a parede da minha pele parece fina
transparente
sem fisicalidade aparente
uma casca de ovo já quebrada
ofereço-me,
toma o meu corpo
já que a alma já a tens
resigno-me,
vivo dentro de Mamon
consumido que fui à nascença
e daqui nunca sairei
o olho.
o olho que tudo vê.
o olho que tudo sabe.
o olho que em todo o lado está
sempre junto a mim.
confesso-me cansado de ser só eu
quero ser mais.
quero ter mais.
quero.. querer mais!
porque não hei eu de apontar minha mira
aos céus infinitos?
porque hei de ser eu toda a vida
apenas infinitesimal partícula de pó
se posso ser o vento que a carrega?
porque hei de viver fechado na mediocridade
quando posso voar nas alturas da grandeza?
está decidido!
serei rei, senhor, mestre!
a mim virão dignatários prestar tributo
a mim a grandeza do mundo futuro
irá agradecer e cantar canções de louvor
eu serei a pedra mestre da humanidade vindora
construam sobre mim as catedrais
do pensamento
ergam mas minhas costas pirâmides
de progresso
desenhem na minha pele os sigilos do ódio
pelo antigo e ultrapassado
escrevam com o meu sangue
os manifestos de adoração aos novos deuses
cantem com a minha voz
hinos à glória do senhor : EU.
encolho-me,
megalomamia esquecida pelo bruto acordar
do real
sou nada,
um ponto final numa nota bibliografica
que ninguém lê,
sou apenas mais uma ovelha
com a mania que é.
o olho sorri,
sonhei
e voltei ao casulo do desejo
catarse instantânea
efémera
vazia
...
.
o olho que tudo vê
voa não sobre
mas dentro de mim
eu sou o olho que me vê
eu sou a prisão que me prende
eu sou a ideia que me nega a ideia
o pensamento que me faz burro
as correntes com que me prendo a mim
eu sou o fim do meu inicio
ainda antes de começar
e o início do meu fim
a cada passo que dou ao respirar
vejo-me pequeno
e não consigo imaginar-me mais do que isso mesmo
sou irrelevante porque irrelevante me fiz
5 notes
·
View notes
Text
O prédio olha-me, julgando-me,
querendo comer de mim a alma
deixar-me vazio,
uma casca sem fruto
13 notes
·
View notes
Photo
AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHH!
grito sozinho pelos cantos da minha existência:
quartos abandonados e camas desfeitas
paredes que se desfazem em pó
e o chão que range a cada passo
ameaçando partir e engolir em si o pé
com que caminho rumo à porta fechada
ferrolhos e cadeados e correntes
estou preso aqui
4 notes
·
View notes
Text
mesmo que o poeta nunca o acabe,
todo o Poema têm um fim.
27 notes
·
View notes
Text
Mãe,
Mãe,
não lhe tenho escrito,
é verdade.
também não vou escrever agora,
ficará como sempre
para mais tarde,
mas digo-lhe, Mãe:
amei e fui amado
e amarei mais ainda
amarei sempre,
até que a voz se me seque, deixe de fluir,
amarei como quem não acredita no amanhã
, porque de outra maneira,
de que serve amar?
sofrerei, Mãe,
acabamos sempre por sofrer, nós,
aqueles que sentimos por palavras,
sofremos nas palavras,
vivemos nas palavras.
aqueles que amam sem barreiras,
sem fronteiras,
sem limites, regras.
aqueles que se respeitam
se olham ao espelho a sorrir,
nós sofremos sempre,
um pouco de cada vez.
mas a dor não me quebra,
nenhuma dor me quebra!
só o amor
é forte que chegue para me quebrar
mas nunca partir (
sou imortal, invencível,
o Universo nasceu em mim
e acabará antes do meu fim
) que eu!
eu.
Eu sou rijo,
a vida e a Mãe ensinaram-me a ser
a saber ter e saber não ter,
a sorrir e agradecer cada segundo feliz,
a sorrir e aguentar (há sempre tempo
para chorar
mais tarde)
a berrar quando a realidade necessita
mas nunca berrar por berrar,
berrar por amar, berrar por gostar
(e quanto queria que
nisso saísse a si, Mãe,
calmo,
composto)
não do berro em si mas de quem o ouve.
Mãe,
não escrevo mais agora,
amanhã é dia de ser responsável.
1 note
·
View note
Text
quero desexistir, fugir do peso da realidade
e ser apenas, amorfo, apático, agnóstico
a tudo
quero ser o preto dum buraco negro,
colapsar a luz e o tempo num ponto
de densidade infinita
autovampirizo-me
sangue tão escuro que é café,
doce de tanto açúcar
amargo de tanta lágrima presa
toda a minha tristeza causei-a eu
visto-a, como um véu de céu
que a seda dele é tecida a lágrimas
e sorrisos
quero desexistir, cair no poço do nada
e esperar lá por um futuro que não virá
quero esquecer toda a minha sabedoria
e viver apenas do calor de um sorriso
que me bate na pele
fugir da chuva, do sol, das nuvens
e da falta delas também,
fechar-me no meu quarto
na minha cama
debaixo de lençóis cobertores
um forte de tecido que esconda a existência
de mim
deixar que o tempo salte em frente
e que amanhã seja já ontem
que os dias deixem de fazer sentido
até que o mundo o seja novamente
(sou esta fome que me consome,
o apetite pelo degredo dito em segredo
à falta de um elevar aos céus
em apoteose patética, esdrúxula
haja um cair ao inferno que lá
as chamas aquecem este frio vazio)
há um remoer constante agonizante
inebriante incessante irritante calmante
de um nome que já não o é
mas que se clama a si mesmo em loop
voz berrante constante agonizante.
quero regressar aquele passado
inexistente imaginário, logo perfeito,
que ainda assim carrego no peito
com todo o peso de ter sido real
quero encontrar um novo futuro,
daqueles em que todo o amor é puro
onde nunca está escuro, é sempre dia
e todos os sorrir são poesia
sinto-me sarjeta de todas as chuvas
cinzeiro de todas as beatas
e caixote para todo o lixo
0 notes
Text
de poeta e poemas, noites e dias
o Poema começa sempre à Noite os seus versos entrenham-se na escuridão soltam-se do poeta pela mão e ganha corpo e vida no frio sem sol
desce ali, como quem vai para o cais, junto ao rio onde o sol encontra o fim do dia, passa nos indianos, compra uma litrosa, que a noite é longa e ainda vai demorar até que volte o Dia e os braços se toquem, e os olhos se vejam, e os lábios, esses lábios todos nos meus as mãos que correm sobre as costas a pele do teu peito, dos teus peitos, colada à minha, fria mas quente de mim, o nosso respirar cantando hinos...
a Noite é longa, Eterna o Poema acaba, mas o poeta não existe até que as suas mãos deixem de escrever até que o silêncio lhe corra a alma até que os olhos saíam da página, até que ele se lembre que o mundo existe ele têm de escrever, por isso, desce ali, em direção ao rio, litrosa na mão, caderno no bolso e o sol a fugir e a Noite subindo em direção ao longe, a fugir dos pântanos que há em mim, o Poema a correr para outras páginas...
ou
...tudo é possível tudo é apetecível tudo é um futuro onde estou, ao fechar os olhos, ao adormecer ao dormir,
quero dormir, quero estar em paz na paz eterna de ser eu, eu. sem o escuro da Noite, sem a obsessão do Poema, sem o frio cortante da brisa nocturna, sem a demência decadência poética, sem a cor tão forte do céu de Nyx nem o sabor tão agridoce dos versos
nada. mesmo nada, um buraco negro que me sugue! me engula me abrace me encha de vazio um vazio de luz e palavras. um espaço entre quem sou e quem serei
a Noite acaba, mas é eterna o Poema acaba, mas regressa sempre o poeta chora, mas é imortal e quando o tempo passar, o poeta abre os olhos e escreve de novo, se a deusas ou poemas, ele não sabe dizer mas sabe que um dia, volta a escrever.
Os pássaros cantam a madrugada e um demónio berra em desespero e o poeta fuma e o poeta cai na cama embalado pelo miar de uma gata que destrói uma dádiva destinada a uma Deusa
o poeta fecha os olhos numa prece enquanto a Noite dá lugar ao Dia e o Poema acaba.
2 notes
·
View notes
Text
e as paredes cheias de riscos,
e o lixo que fica nos cantos
e as pedras negras de anos de sofrer
e a gárgula, cabeça demoníac-ó-mística
inferno terreste em fuga do cimento
(também nós queremos sempre fugir)
pecado e sujidade e o fado da idade
e tudo sobre tudo o que sobe sai sente
é chá deslavado aguado adocicado azedo
e tudo mete medo!
é cedo, aqui é cedo
ainda o relógio não me berrou na cara
a hora e lá fora nada cresce nada mexe
sou só sendo acompanhado e quando
te tenho a meu lado
sou o universo taggado numa parede
de cimento pintado.
0 notes
Text
e ao fundo, uma torre na escuridão
e as vezes, sou como as ruas de Lisboa à noite tortas, inclinadas escuras e cheias de graffiti e lixo ruínas que escondem palacetes encharcadas em mijo de turistas e sujas do acumular dos anos e magníficas na sua imponência e magríssimas na sua impotência velhas de séculos mas acabadas de pintar com a urina acervejada de um qualquer poeta boémio com o vómito de vinho de uma qualquer puta bêbada com o sangue quente de um qualquer mendigo espancado
e as vezes sou o castelo no topo da colina
e noutras, a sarjeta junto ao rio.
0 notes
Text
LS-AMM
linha que aponta ao horizonte infinito sensação de cores que mudam e saltam alargo o sorriso mais um pouco múltiplas camadas de ser e amar minha Noite acolhe-me em seu braços
2 notes
·
View notes
Photo
of shrines and rituals
espasmos cardio-vasculares, tropeçamos em monumentos antigos ,mais velhos que o tempo, e esquecemos-nos de como se anda e palavras que deturpei durante décadas voltam a ter a cor do teu cinzento de céu nublado e eu que devia ansiar o sol brilhante do amanhã quero que a Noite caia em mim, novamente e é tão rápida a velocidade da vida, vejo o futuro a passar na janela e deixo-me cair para trás de novo entoando velhas preces, antigos rituais a Deusas há muito esquecidas mas intemporais em mim
4 notes
·
View notes
Photo
uma porta um portal ou portão e apenas o céu nu me olha do outro lado à silhueta de um tão presente passado que já não se recorta em sombra e sendo-me ausência nesse vermelhar de sangue esqueci-me como existir mergulho-me em todos os abismos que visitei ou fui e vejo-te, nuvem e politeísta contendo um pouco de todas as deusas mortas e um abismo só
teu .
3 notes
·
View notes