A vontade de ultrapassar os limites é o que nos permite ver além. É o que abre os nossos olhos para o que há do outro lado do ponto de vista. Amplia a visão, realça o foco e põe sentimento em nossa interpretação de mundo. Nos permite ver além do óbvio, e do máximo. Além do menor e do maior. Além do menos, além do mais.
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Fui surpreendida pela lembrança de um compilado de textos que escrevi há há uns 14 anos atrás. Nomeei este compilado de "como venho lidando com essas coisas não lidáveis". O nome me chamou a atenção de cara porque eu me recordei de pronto, que na época, ao escrever estes textos eu realmente estava sentindo uma dificuldade muito particular em lidar com certas coisas que pra mim eram novidades naquele tempo. As despedidas eram as mais difíceis e preciso confessar que até hoje elas continuam sendo, de certa forma. Hoje talvez eu lide com uma certa maturidade de quem pensa "pronto vai, deixa o ciclo fluir como tem que ser e fechar logo de uma vez" e aí por fora, talvez tenha desenvolvido essa habilidade de implantar no rosto uma naturalidade de quem entende esses ciclos que se fecham sem um porquê. Essas pessoas que, sem razão muito aparente se colocam pra fora de nossas vidas sem que você tenha mais muito tempo pra de novo, fazer alguma coisa para que não saiam, mesmo que você tenha passado por muito e muito tempo fazendo o que podia, até mais do que deveria, aceitando o que não devia em hipótese alguma, só pra que não perdesse aqueles momentos com ela que eram tão importantes pra você. Ler aqueles textos de 14 anos atrás me trouxe uma avalanche de lembranças do quanto lidar com essas coisas, me colocou muita vezes em lugares onde estive por muito tempo me remendando e me moldando pra tentar, de alguma forma ainda caber na vida dessas pessoas. A parte mais dolorida é lidar com a ideia de que quando você para de tentar, você automaticamente precisa conceber a ideia do fim. É como se, durante muito tempo você estivesse segurando uma corda que sustentava a presença daquelas pessoas, gente que você ama, seus "amigos", até gente da sua família com quem você dividia absolutamente tudo e do nada, estão ali também nessa mesma caixa de gente de presença vulnerável que ao largar dessa mesma corda estão condenados a desaparecer de quem você precisa se tornar dali pra frente. Lidar com essa ideia, desse entendimento de que ao soltar a corda, você perde o pouco que tinha, ainda é devastador pra que eu lide ainda, preciso confessar. Ter aprendido a esconder essas preocupações, não sinto que tenha me tornado mais forte, apenas mais descrente. E ter de lidar com o quanto a vida pode ser facilmente passageira para essas pessoas e o quanto parece simples para que elas lidem com a perda de você na vida delas é uma injustiça. Em um dos textos, escrevi há 14 anos que eu não consigo esquecer as pessoas nem o lugar que elas fundaram na minha história e que independente do que a vida quisesse transformar esses lugares, eu ainda me recordaria delas independentemente de qualquer coisa. eu ainda tenho esse mesmo pensamento. eu ainda mantenho os lugares das pessoas intactos, apesar de vazios. não existe nenhuma chance que outro alguém ocupe os lugares dessas pessoas que saíram. Mas como é difícil perceber que o seu lugar na vida delas é preenchido do dia pra noite ou talvez, se dar conta de que você quem sabe, nunca preencheu lugar algum. Aí só restam as memórias, as histórias, os significados, a avalanche de lembranças e até um pouco da culpa por ter passado tanto tempo segurando aquela corda, que poderia ter sido solta muito antes.
às vezes eu queria poder fazer essas pessoas saberem do quanto ter perdido o contato com elas é um desafio que preciso encarar todos os dias. queria que elas soubessem que o lugar que elas ocuparam é uma base forte que sustentava muito do que sou capaz de sentir e que sinto muito. não no lamento, mas na quantidade. por dentro, eu realmente sinto muito, muita coisa. tanta coisa que transborda. perder essas bases é sempre uma catástrofe. é sempre uma reforma gigantesca que preciso fazer pra me colocar de pé sabendo que alguns lugares agora estarão desocupados. lugares que por mim, manteria preenchidos pro resto da vida por essas pessoas que não quiseram ficar. mas não posso fazer nada. dada a hora, eu preciso soltar a corda.
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de repente eu tava pensando em como o natal, os aniversários passam de uma data mágica na infância pra uma data onde a gente se sente um pouco paralisado agora. por inúmeras razões eu sempre me sinto anestesiada quando se aproximam essas datas. alguma força maior consegue me manter presa em mim por alguns dias enquanto me obriga a refletir sobre coisas que eu já reflito o tempo todo, mas que nesses dias em especial, me fazem pensar que é como se essas coisas todas ficassem muito maiores, muito mais pesadas, muito mais intensas, muito mais urgentes e significativas. eu acho que essas coisas que a gente pensa nessas datas, e na verdade em todo o resto da vida mas que ficam maiores nesses dias, são as coisas que a gente aprende a observar mas que sempre estiveram no mesmo lugar. quer dizer, não a vida toda, todinha... algumas coisas vão sim chegando de mansinho, mas também depois que se instalam, elas ficam ali.. e enraizam e acho que essas raízes, se crescem (e elas sempre crescem), quando crescem, vão assumindo tamanhos e formatos que a gente nem sempre tem o controle disso. algumas invadem o espaço das outras, outras se espremem ali dentro da gente pra caber e nessa dança meio malabarista é que acho que nascem os nossos incômodos já que a gente nunca sabe qual dessas raízes é a que organiza a bagunça toda e precisa de mais espaço. quais das outras raízes cresceram ali mas só por crescer e hoje já nem faz mais sentido que estejam ali, mas que pra continuar do jeito que estão, elas precisam de nutrientes que enfraquecem algumas outras. tá, eu sei que pode ser meio doido fazer comparações feito essas sobre um assunto que já é complicado e que a essa altura do campeonato, eu até já me perdi daquele estopim de dizer que certas datas nos pressionam a pensar sobre tudo isso. mas se você parar pra ver, a verdade é assim mesmo, toda confusa. é uma confusão enorme que na imensa maioria das vezes a gente nunca sabe como começar a resolver. e aí procrastina. e aí quando essas datas chegam, é quase como se a vida te obrigasse a se sentar numa poltrona só pra pensar em tudo o que você deixou pra lá. uma vez num ano novo, lembro de ter ouvido alguém dizer que não entendia a razão da data se tudo continua igual no dia seguinte. não tenho julgamentos mas sinceramente eu achei de uma inteligência abissal que alguém tenha considerado separar os anos em blocos. certamente esse alguém sentia essa pressão de ter que parar pra refletir sobre a própria vida e separou os dias em blocos como esses, pra poder não adiar ainda mais esses pensamentos. ouso dizer que esse alguém ou até outro, certamente se empolgou com a ideia dividindo um bloco menor de dias em meses e depois os dias em 24h. no fim das contas, a gente tá sempre tirando um tempo do dia pra pensar sobre essas coisas só que em intensidades diferentes e isso é genial, se parar pra ver. imagina se tudo fosse um tempo só, sem divisão nenhuma.. imagina se a vida só corresse sem destino e marcação. e imagina ainda que, sei lá, no meio dessa contagem gigante de anos que não se dividiriam, a vida decidisse num belo dia que você deveria parar e refletir sobre tudo que foi vivido, sem divisão, sem passagem dos anos, sem a marcação das temporadas, sem nada... me causa até um pouco de ansiedade pensar nisso..
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minha promessa pra esse ano era diferente dessa vez. eu lembro que quando soltaram os fogos eu só me concentrei naquele momento mesmo, sem pensar nas estratégias ou em planos objetivos. eu queria era comprar mais ingressos. é, isso. queria comprar ingressos. conversando com algumas pessoas, eu percebi que muito pouco as vontades delas se distanciavam das minhas. todas cansadas, todas querendo sentir alguma coisa diferente, não só fazer planos. o que muda talvez seja só o nome, mas todas desejando viajar, um tempo a mais pra descansar em algum lugar longe da tremenda turbulência do produzir.
o ano seguiu e com ele tantas versões mais cansadas vieram. tanta coisa capaz de fazer repensar. mas claro, sem parar pra isso, porque os momentos já não esperam mais que a gente pare pra refletir como era antes. a gente tem que conciliar os sentimentos com a correria e a correria com o desejo de só... parar um pouco.
aí eu parei, sabe. eu comecei a parar mais, fazer mais pausas. e nas outras horas, comecei a correr mais pra vida ao invés de correr pra parecer produzir algo importante. sabe, às vezes a gente quer ser importante demais. mais do que deveria. às vezes eu sinto saudade da desimportância das coisas.
dos meros detalhes, das pequenezas, dos momentos pausados do dia. eu sinto falta de não sentir pressa, de recuperar de novo o fôlego pra uma tranquila noite de sono.
só que às vezes eu também sinto falta de que nessa desimportância, eu arrume tempo pra viver essa vida que não volta. essa vida com V maiúsculo. V de ver. de ver a rua, ver gente. ver gente feliz, ver gente triste. ver gente apaixonada, ver gente se desapaixonando..
e acho que é pra esse fim que a gente compra ingressos, no fim das contas. não só ingressos mas passagens, tem gente que tira passaporte, tira uma folga, tira um tempo pra si, que diferente do que costumava ser antigamente, agora precisa ser com antecedência, com data marcada na agenda pra não comprometer os compromissos.
aí no "anotar na agenda", já se cria aquela expectativa de como vai ser viver aquele dia que a gente encomendou pra ser feliz. só que se tem uma coisa que esse ano me ensinou é que os ingressos prévios, as passagens compradas, o passaporte.. eles, às vezes parecem meio videntes vocês não acham?
eu não sei se eu sou muito paranóica com o efeito borboleta ou sei lá mas o que me prendeu a atenção nesse ano foi a sensação esquisitíssima de que essas 'agendas' parecem já saber o que vai acontecer enquanto nós, meros mortais, ingenuamente fazemos planos mentais sobre como será que a vida vai se parecer quando aquele dia chegar.
eu só entendi a intensidade disso quando comprei o ingresso pra uma festa na semana em que perdi o que não estava pronta pra perder. aí ficou parecendo que eu tinha encomendado aquela perda. quando eu comprei o ingresso, quanta coisa eu imaginei pra aquela semana.. nenhuma delas sobre aquela perda. essas coincidências fazem de primeiro, a gente pensar em rasgar o bilhete. mas aí ainda mais cômico que isso é você perceber que a vida segue apesar da sua perda. as pessoas estão nas ruas pra serem vistas, sendo felizes, sendo tristes, se apaixonando e desapaixonando do jeitinho que você tanto desejava ver. a sua perda inesperada tá doendo mas agora você pode escolher entre deixar doer só por doer ou deixar doer enquanto você assiste aquele mundo todo que você tanto tinha esperado pra ver nesse dia.
claro que não é simples fazer essas escolhas no meio da dor, mas quando a gente cresce começa a entender que na realidade tudo a sua volta não passa de uma grande agenda de compromissos — alguns inadiáveis, outros que você quer muito, alguns imprevisíveis mas inevitáveis. a gente só não sabe a ordem de nenhum deles, nem tem noção nenhuma de quanto tempo eles vão levar... e no fundo eu acho que essa história toda é mesmo sobre isso sabe, sobre.. comprar ingressos. comprar passagens. continuar tentando tirar passaportes.
é sobre tentar continuar preenchendo a agenda com eventos em que a gente se promete ser feliz. e até anota a promessa. faz uma nota mental. planeja. aumenta a expectativa pensando. transforma realmente aquilo numa jura a si mesmo que tem que acontecer apesar de qualquer pesar. porque aí independente do caos que esteja ao redor, você olha pra aquela agenda e sabe que nesse dia você tinha marcado com a felicidade. não porque nos outros dias você não pudesse ser feliz, mas porque nesse dia em especial, você tinha se prometido ser.
e aí aquela dor que tá doendo tanto, ela pode nem parar de doer, mas ela vai ter que competir com essa vontade súbita e maior de tentar, pelo menos nesse dia. eu sei que às vezes no meio da tristeza isso pode parecer meio injusto mas.. são escolhas ingratas que a gente tem que se ver fazendo sempre na vida pra burlar o sistema e dizer que você ainda tá no jogo de alguma forma. no fim das contas vencer os dias difíceis é tentar vencer a si mesmo de alguma forma, de qualquer forma. mesmo que a máxima vitória que você tenha pra entregar naquele momento seja só... ver a vida. mas ver mesmo, de olhos abertos, se preparar pra vista, sabe? sair e ver a vida. ver paisagens, ver gente.. rindo, chorando, amando, vivendo.. comprando passagens, ingressos sem saber nem que dia e nem que horas as suas felicidades não serão só simplesmente felicidades, mas talvez, em dias específicos sejam o antídoto pra alguma dor que você tem que anestesiar.
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às vezes me perguntam sobre meu relacionamento com a minha família. é que visto aos olhos nus, quando paro pra pensar eu realmente acho que seria curioso pra quem vê de fora. na correria, às vezes é difícil perceber o quanto sou privilegiada e o quanto realmente pode acontecer de você encontrar tudo que precisa sem precisar sair de casa. mais difícil ainda é ter que admitir que as coisas realmente podem ser assim, mais práticas do que a gente imagina. acho que existe uma convenção muito forte que faz a gente pensar que as relações de fora é quem vão trazer sentido e delas é que vai nascer as nossas histórias mais intensas de troca, de reciprocidade, de alguém que vai estar lá quando você precisar se lembrar de quem você é num domingo à noite, em plena crise existencial. quando te falta o fôlego e você não consegue segurar uma enxurrada de emoções que estavam presas em você e tudo que você consegue é chorar. mas eu descobri que talvez algumas poucas pessoas, raras, conseguem ter essas pessoas mais próximas do que se imagina. e ter descoberto isso sobre mim tem me feito finalmente enxergar a vida sob uma outra perspectiva, isso já faz um bom tempo. eu começo a repensar todas as minhas outras relações. sou mais crítica dentro delas, mais exigente. acho que porque mesmo inconscientemente, vivo pensando que não teria sentido que as minhas relações externas mais valorosas não fossem tanto pra mim quanto a relação que tenho com minha irmã e meus pais. em outras palavras acho que aquela frase popular "que o santo de casa não faz milagre" pode cair por terra para algumas pessoas. pra mim, por exemplo. porque os santos da minha casa fazem por mim o que ninguém fez. os santos da minha casa estão comigo quando freio da vida me puxa e me deixa aparentemente imóvel, estática. quando me esqueço de tudo que está ao meu redor e tudo que sinto é um medo absurdo de viver, são os santos de casa a quem recorro, mesmo depois de muito hesitar só porque não quero parecer fraca a mim mesma. e aí quando receber esse carinho e ouço que poderia ter pedido antes, eu finalmente percebo o quanto ser forte o tempo todo não parece ser muito inteligente. às vezes, no auge de crises assim, é melhor voltar a ser aquela criança que só precisa de colo e daquele cuidado que não vida adulta, vão ficando mais raros porque a gente precisa estar sempre correndo, mas ali naquele momento em que nada mais fez sentido e você teve aquele colo pra se refugiar, é que você entende o quanto a gente complica as coisas ao invés de apelar pro lado mais simples da vida. o lado que no fundo, é o que realmente interessa.
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