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📻 “Capítulo 1 - O Profundo Horizonte dos Seus Olhos”
Era difícil acreditar, por mais que meus olhos se abrissem em dificuldade com a pressão da água enquanto meu corpo afundava naquele lago escuro e sem fim, e minha visão turva permitisse ver os resvalos de sangue se desvanecendo de minha testa em meio ao horizonte pesado e azul.
Ainda assim, era difícil de acreditar. Não lembro de tanta coisa quanto gostaria, de antes daquele momento. Talvez o som alto de uma banda de rock dos anos 90, tocando em meus ouvidos enquanto eu fingia prestar atenção na estrada sinuosa de terra, sentado no banco do motorista de um carro de classe média que comprei achando que fosse uma grande conquista na vida.
É incrível como em momentos como esses, em que achamos que vamos morrer, aprendemos de uma maneira triste e arrependida a dar valor ao que deveria ter sido considerada uma conquista de verdade durante nossas vidas curtas e as vezes… Insignificantes.
Ao menos se forem comparadas a aquilo que chamamos de “Grandes Homens e Mulheres da Humanidade”.
Fala sério, eu sonhei com tanta coisa. Uma vez lembro de pegar uma vassoura velha, quebrada pela metade no cabo de madeira de minha avó que gritava para eu parar de quebrar suas coisas, e toca-lá em cima de um toco de madeira da velha fazenda da família, como se fosse uma guitarra e aquelas galinhas escandalosas fossem uma plateia ensandecida. Eu já quis ser um astro da música, seja ela qual fosse.
Também já quis uma dúzia de vezes ser um detetive famoso, ou um ator de filmes de drama e romance para ficar com as garotas da Tv que foram meus primeiros amores a da pré adolescência.
Mas…
Além de toda essa história de grandes aspirações de infância, sempre sonhei em ter uma família. Talvez conhecer uma garota nova e ingênua como eu, que risse das minhas piadas em uma viagem de acampamento no verão. Me apaixonar perdidamente por ela aos 13 anos, mas ter que chorar por me despedir dela em um ônibus quando voltássemos para sabe-se lá onde eram nossas casas. E depois ter que ver sua família mudar de cidade, porque seu pai recebeu uma proposta de emprego irrecusável. Ter meu coração quebrado em pedaços e me fazer amadurecer em amores perdidos e assombrados, passageiros também. Tudo isso para depois de alguns anos, encontrá-la trabalhando como garçonete em uma lanchonete de beira de estrada, em um momento da minha vida em que tudo estivesse dando errado, mas ela não quisesse que nos perdêssemos de novo, e me desse seu número em um guardanapo amasado. O resto… Bom, talvez vocês já saibam.
O fato é que, agora afundando enquanto sinto minhas forças se esvaírem, e meus pulmões se encheram com essa água fria e dolorida de certa forma, a maior preocupação que me atinge é não ter encontrado a tal dona do número no guardanapo. Passei todos esses 20 e poucos anos buscando algo inalcançável. Não que eu perdesse noites de sono e dias de trabalho caçando a tal donzela de branco em aplicativos fajutos que tiram nosso suado dinheiro em troca de amores superficiais. Não, longe disso, acho que minha busca “implacável”, se resumia a viver um dia de cada vez, olhando em cada esquina e notando tons de voz de cada garçonete que me atendia, as vezes me iludindo com suas simpatias rapidamente, mas logo voltava a realidade dura da correria incessante que não nos permite pedir o número de quem gostamos com tanta confiança quanto gostaríamos.
Me pergunto o quanto a vida teria sido diferente, se tivesse seguido o conselho de meu pai dizendo que eu devia ter mais atitude, e que um dia eu seria velho demais para correr atrás do tempo perdido.
É incrível como a sabedoria de nossos velhos transcende as barreiras das possíveis adivinhações. Talvez eu devesse mesmo ter pedido a ele os números da loteria.
Meus olhos pesam mais, é angustiante morrer afogado. Sempre achei que dar seus últimos suspiros sendo queimado vivo seria a pior morte de todas, mas talvez a sensação de não respirar e sentir seu corpo falhar com a falta de oxigênio no cérebro seja levemente, pior.
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