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A parte mais escura do céu

A floresta dos sonhos era um lugar bonito e simples, como no mais belo e calmo dos sonhos. Tudo era como o esperado, e a cabana estava no centro de tudo, cercada por árvores cinzas com quase trinta metros de altura, lascas de pedra afiadas e pontiagudas tomavam conta de todo o chão, espíritos animais brincavam correndo em círculos pelo ar e o cheiro das flores azuis tinham gosto de pêssego, exatamente como o esperado. Assim como todas as noites, começou a chover furiosamente. O estalar de lenha foi rapidamente sobreposto por um rangido interminável e as gotas batiam violentamente contra as janelas de vidro daquela casinha mal acabada. Mesmo nos dias mais ensolarados de verão e nos dias mais radiantes da primavera, à noite, chovia. As pessoas escrevem, cantam e pintam sobre o amor. Colocam joias em sua cabeça. Misturam beleza e um ideal divino, como se amar fosse um atributo da deusa. O amor puro e casto, que para Luna não passava de uma idealização. Não é como se ela fosse incapaz de amar, às vezes ela sorria. Outras vezes, gargalhava com uma energia intensa que vinha de dentro e saía pelos seus lábios como se explodisse e isso para ela era amor. Não havia muito tempo sobrando e ela sabia disso. Aquela noite chuvosa seria uma das suas últimas noites. Luna sabia que havia sido deixada ali perecer. Febria, debilitada e doente. Ela sabia que alguém tinha que pagar para que todos fossem livres e esse alguém seria ela. Ela aceitou o seu destino e aos poucos foi descobrindo que já não tinha mais forças para manter as lembranças. A cada minuto que passava sua sede aumentava, e esticar-se para agarrar o copo d'água passou a ser um movimento extremamente doloroso. Seu arrependimento era tão devastador que transbordava pelos seus olhos, trazendo consigo também a sensação de afogamento. Desaparecer com o tempo. Ela fugia do maior desejo. Com a visão embaçada, olhou através da janela e tentou focar na parte mais escura do céu. Luna já não mais se lembrava do porque estava ali. Quase todas as suas memórias haviam sido levadas embora. Estava acontecendo de novo. λήθη estava cobrando o preço pela liberdade. Na floresta dos sonhos nenhuma demonstração artística chegava aos pés do amor de Luna, que libertou tudo. Ela também esqueceu como o tempo funcionava, então ele passou a comprimir e estender simultaneamente, sem parar. Seus lábios roxos esboçaram um pequeno sorriso enquanto ela se afogava. Todas as coisas boas chegam ao fim. Toda essa saudade também se desvanecerá. Não havia mais nada para dizer quando foi dito "Eu te amo" e a resposta foi "Eu queria te amar". λήθη era peculiar e cruel. Toda vez que a visitava, fazia com que ela experienciasse cada detalhe de cada lembrança que seria levada embora. Naquela noite chuvosa Luna não queria deixar o céu negro se desvanecer, mas o mar estava levando-o embora, junto com o seu amado, que ela sempre esperou, com admiração eterna. Em sua mente Luna viu uma estrela enorme e brilhante, que foi lentamente perdendo a forma. As lembranças vívidas de um rosto, um corpo, uma personalidade se tornaram breves. Ela não lembrava mais do humor que a fazia gargalhar, da voz baixa e rouca que disparava elogios toda noite, nem do seu amor. Já não havia mais vontade de abraça-lo todas as noites, onde parecia que mais nada existia, nem acariciar seus cabelos cacheados e ouvi-lo cantar, nem vontade de conhecer o mundo inteiro. Não havia mais amor e desejo. Não havia mais vontade de beijar e acariciar todos os defeitos que ele julgava imperfeitos e mostrar que ela sempre iria ama-lo. Não havia mais vontade de dançar nas noites de lua cheia depois de beber vinho e rir. Para ela restou uma parte mais escura do céu, que escondia estrelas e sistemas planetários invisíveis.

─ Robson Mendes