ursocongelado
Ursocongelado
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Poeta e contista. Autor de nove livros publicados entre Brasil e Portugal.
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ursocongelado · 22 hours ago
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Na minha adolescência eu tinha um amigo que gostava muito. A gente andava sempre junto e eu vivia na casa dele jogando futebol de botão e vídeo game. Aí certo dia ganhei uma bicicleta de uma tia e o moleque nunca mais falou comigo. Tem gente que só gosta de ver a gente fodido. Tem gente que não suporta ver o aro da bicicleta do outro brilhando. Tem um monte de gente assim na literatura brasileira. Gente que só gosta de ver passarinho no ninho e nunca voando. Voar é ofensa pra muita gente.
Diego Moraes
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ursocongelado · 1 day ago
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Eu compro a trigésima lata de cerveja e saio caminhando até o delírio parar de latejar. Gosto de sentir a brisa de Manaus lambendo meu rosto. Não tenho dinheiro para luxo. Não tenho grana pra viajar. Não tenho grana pra passar uma temporada no Texas. Não posso pagar um psiquiatra. Quem não tem grana para fazer análise, vai para o bar ou liga a televisão. Gosto de ver televisão. Gosto de um canal de vendas na tevê a cabo em que aparece o George Foreman vendendo churrasqueiras e um troço de fazer sanduíche. Se eu não tivesse entrado nessa furada de querer ser escritor, certamente seria um baita pugilista. Um boxeador fracassado cuspindo sangue num balde de alumínio encostado nas cordas de um ringue da terceira divisão dos pesos pesados. Minha mãe virou evangélica. Tem pregado versículos da Bíblia na geladeira e colou um adesivo na traseira do carro: “se Deus é por nós, quem será contra nós?”. Todo mundo é contra nós e a minha literatura é contra o mundo. Fico feliz por ela. Dia desses deu pra a ouvir orando de voz embargada. As paredes da minha casa são finas. “Que meu filho arrume uma mulher e seja feliz”. O lance é que não quero arrumar uma mulher. Não quero casar. Não quero filhos e conta conjunta no Itaú. Acostumei-me com a solidão. Não tenho pensando em comer ninguém. Meu pau balança mole faz alguns meses. Nunca pensei em arrumar um emprego na Volkswagen e casar com uma loirinha formada em propaganda e marketing. Tenho só pensado em poesia o dia inteiro. Tenho sonhado com literatura. Minha cabeça anda povoada de frases e parágrafos gritantes que poderiam fazer Dostoievski me rasgar de elogios. Puxo vinte reais do bolso e dou na mão do traficante. Ele diz que pareço com o Frejat só que mais gordo. A música dele (Frejat), que fala que um cara limparia os trilhos do metrô pelo amor de uma mulher, tenta atravessar a minha memória, mas não permito. Aí cazuza tenta invadir cantando Vida Louca, mas apago. Deixo que a imagem da fotografia do Cazuza abraçado com Caio Fernando Abreu dure três segundos e pulo para o remake de Vicio Frenético filmado pelo Herzog na cena que o Nicolas Cage tá chapado de heroína e vê camaleões cantando no meio de um acidente de trânsito. Eu curto pra caralho essa cena. É uma das minhas prediletas. Também curto aquele tchau do Anthony Hopkins no desfecho de O Silêncio dos Inocentes. Hannibal Lecter vira as costas num terno azul e crianças negras seguram balões coloridos no meio da rua. Aí sobem os créditos. Sinto vontade de cheirar pó. Entro num bar que não faz bem para minha alma. De derrotado já basta eu. Saco o olhar desdenhoso de um otário que não tem a terça parte da minha vivência. Ele se escora no balcão. “você anda escrevendo muito. Quando sai o próximo livro?” falo que não quero papo. Ele abre um sorriso cínico. Digo pra ele cair fora. Que estou querendo ficar na minha escutando Belchior na máquina jukebox. Ele fala algo sobre Bukowski. Diz que o velho era só um bêbado. Antes de ele falar outra merda, meu cotovelo acerta o seu nariz. Respingos de sangue mancham a camiseta branca dele dos Beatles. Todo jornalista tem uma camiseta branca dos Beatles. Chuto a cara dele. Conhecidos gritam pra eu parar, mas já venho aturando esse cara faz tempo. Faz tempo que ele atravessa meu caminho com um sorriso idiota fazendo perguntas embaraçadoras como se eu não fosse escritor ou imitasse o velho Buk. Entro num táxi e acordo na porta da minha casa. Acendo um Derby na varanda e começo a rir. Minha gargalhada acorda os cães da vizinhança. Deito na minha rede e ligo a televisão. Edir Macedo fala que temos que dar para receber. O lirismo é o único Deus em quem acredito.
Diego Moraes
Valor do meu livro de contos em formato PDF: 10 reais.
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ursocongelado · 3 days ago
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"Sou um poeta fracassado. Talvez todo romancista queira escrever poesia primeiro, descobre que não consegue, e então tenta o conto, que é a forma mais exigente depois da poesia. E, falhando nisso, só então ele começa a escrever romances."
(William Faulkner, em entrevista à Paris Review,1958)
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ursocongelado · 4 days ago
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O corote é o abraço dos mendigos.
Diego Moraes
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ursocongelado · 4 days ago
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Dia desses tava escutando um senhor de setenta anos que tava triste pra caralho. Dizia que só conseguia transar na posição papai e mamãe. Que aos 65 ainda conseguia mandar quase todas do Kama Sutra. Aí bebi umas doses de conhaque e fiquei em silêncio sem saber o que dizer. Tem gente que pensa que escritor tem sempre que dizer algo, né. Mas fiquei lá na minha na cadeira do mercadinho bebendo meu conhaque e vendo globo esporte na televisão. Aí ele foi ao banheiro mijar e comprou meia garrafa de conhaque pra mim. Assim do nada. Sem eu dizer uma palavra. Eu bebi, bebi, ele olhou pra mim e perguntou: "O Roberto Carlos ainda transa?" Bateu o cinismo clássico do escritor filho da puta e respondi: "só papai e mamãe, tio".
Diego Moraes
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ursocongelado · 4 days ago
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Está cada vez mais difícil ser escritor no Brasil. Hoje saí com alguns exemplares dos meus livros de contos e poesia. Tem 8 dias que não bebo, então fico muito acanhado para chegar em alguém. Aí vi um senhor lendo no canto de um bar antes de chegar na bola do bairro parque dez. Colei nele. Mostrei os livros. Ele pegou o de poesia, olhou minha caricatura na capa, olhou pra mim dos pés até a cabeça, abriu no meio do livro, fingiu ler alguma coisa e mandou essa: "não tem nada aqui" "como não tem nada? Isso é um livro de poesia" "pois é. Mas não tem nada. Cadê?" "Cadê o quê, senhor?" "As palavras que a gente tem que ler e fazer pra ganhar dinheiro e sucesso?" Abri um sorriso e fui embora. Não vou tirar o senhor. Talvez se eu tivesse bêbado até fizesse uma piada, mas também ando atrás de palavras para fazer ganhar dinheiro.
Diego Moraes
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ursocongelado · 4 days ago
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Uma mulher muito feia comenta numa postagem que a atriz Fernanda Torres é feia. Eu acho a atriz muito bonita. Um tesão. A voz dela lembra de uma professora de biologia que me dava muito tesão na adolescência. A mulher muito feia continua na postagem. Diz que ela ganhou o prêmio de melhor atriz no globo de ouro só por causa do Lula e ninguém gosta do Trump. A geral avacalha de emoticons de força e risos nos comentários da mulher muito feia. Suspiro. Está frio em Manaus e tenho tido muito sono. A mulher muito feia não deve ter talento algum. Quem diz que alguém não é bonito não tem talento para nada. Eu também não tenho. Acho que meu maior talento é achar que tenho talento. A mulher muito feia deve ser triste. Eu também sou triste. A atriz deve ser feliz. Realizada. Suspiro novamente e passo a mão no pau. Lembro da minha professora da adolescência e começo a tocar uma. Assim do nada. Como se Bob Dylan pegasse o violão e iniciasse um folk. Penso na atriz sorrindo e na voz da minha professora: "alunos, biologia é vida!". Eu sei. Punheta também. Gozo. Sinto pena de mim e da mulher muito feia. Agora chove na Amazônia. Que algum dia a mulher muito feia ganhe o globo de Ouro ou alguém toque uma pra ela.
Diego Moraes
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ursocongelado · 4 days ago
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A vizinha disse que surtei semana passada
Não vou mentir
De vez em quando surto
Acho que é a forma do meu espírito cantar ou escrever um poema gritando ou quebrando tudo
Eu tenho passado por muitas humilhações
Mas não quero que essa pretensão de poema tenha um milímetro de pena
Ela só disse que surtei semana passada e a filha dela acha tudo um circo:
"Você fica tão lindo quando está fodido"
Eu não vou mentir
Surtei semana passada
Só que agora olhando para o céu ele parece tão bonito!
Diego Moraes
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ursocongelado · 21 days ago
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Ontem conheci uma moça que repetiu as palavras "resiliência" e "empoderamento" umas 25 vezes. Aí quando ela falou "gratiluz" eu pedi um Uber-moto e fui pra outro bar. Estou com 42 anos. Já sou um senhor. Não posso perder tempo.
Diego Moraes
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ursocongelado · 23 days ago
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"Se você quer saber o que Deus pensa do dinheiro, dá uma olhada nas pessoas pra quem ele deu riquezas."
(Dorothy Parker)
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ursocongelado · 27 days ago
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"Quem espera pela morte não conhece o sono."
Hassan Al-Qatrawi
Escritor palestino
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ursocongelado · 28 days ago
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Tenho um amigo que se orgulha de ter cheirado cocaína com o Tim Maia. "Eu cheirei com o cara mais foda da música, bicho. Sou das antigas". Aí ontem cruzei com ele num posto de gasolina. Ele pagou cerveja pra caralho e ficou no mesmo papo furado. Aí peguei ele pelo braço e o escorei no capô de um carro: "mano, tá só a gente aqui. Seja sincero comigo. Por favor, mano. Conta a verdade. Te conheço faz mais de vinte anos. Na real mesmo. Tu cheirou mesmo com o Tim Maia?" Aí bebeu uns goles, ficou um tempo em silêncio e respondeu: "não, irmão" aí ele entrou no carro dele, passou a primeira marcha, estancou e meteu a ré na minha direção: "Mas era muito parecido com ele. Acho que era o Tim Maia!". Aí eu ri e lembrei de uma frase do grande escritor uruguaio Juan Carlos Onneti: "Literatura é mentir bem a verdade".
Diego Moraes
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ursocongelado · 28 days ago
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Lembrei-me de um natal na casa da minha vó. Um catador de latinhas surgiu de madrugada dizendo que estava com fome e detonou uns 4 prataços de pernil, arroz, maionese e vatapá. Aí ficou bebendo cerveja com a gente e lá pelas 5 da manhã voltou a sentir fome e comeu minha tia no banheiro.
Diego Moraes
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ursocongelado · 1 month ago
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Eu subi no caminhão já muito cansado e fui fazer a mudança de um cara que tava falindo. O bicho era um empresário bem sucedido e fora ruindo. O motorista do caminhão tinha me dito que ele perdeu a filha e a mulher de COVID e fora perdendo as forças. O desejo de viver e tava secando de depressão. Aí entrei na casa do cara e senti um baque pesado. Um cheiro de morte no abandono. Na penumbra. A geladeira do cidadão fedia mesmo de portas fechadas e o chão grudava a sola meu tênis. Estava amarelado de tanta urina e merda de cachorro. Aí tirei a camisa, amarrei no rosto e continuei carregando móveis e pastas de documentos. O vizinho estava nos vigiando. Dizia: “ele era um cara muito forte. Inteligente. O apelido dele era mago na empresa. Do nada só começou a falar em morte. Que queria morrer. E a casa foi ficando escura. As paredes criando rachaduras. Tudo apodrecendo”. Aí voltei pra casa, fiz fígado acebolado e lembrei de uma passagem da bíblia em que jesus está com fome e pára embaixo de uma árvore que está sem frutos e a amaldiçoa para sempre. Acho que era uma figueira. Ando muito irritado. Agressivo e abrindo espaço para o ódio na minha vida. Ódio é algo muito perigoso para quem pretende fazer poesia. Tempo desses atrasei o aluguel por uma semana e entrei numa discussão pesada com o dono da estância. Desejei com tanta força a morte dele que deu praga de morcegos num compartimento do lugar e o senhor ficou doente por uns dias. Mal levantava da cama. A minha literatura travou. Não saía um verso. Absolutamente nada! Aí me toquei que estava entrando num caminho tenebroso e pedi desculpa ao dono do lugar. A gente deve tomar muito cuidado com que sai de nossas bocas. Percebi que o perdão é mais do que chuva. É poesia. Perdoar deve ser um exercício. Não posso deixar morcegos se acumularem no forro da minha alma.
Diego Moraes
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ursocongelado · 1 month ago
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Sempre desconfie de sujeitos que se escondem em frases, estilos e manejos de grandes autores. Conheci um cara que nunca sentava nos bares. Sempre bebia de pé ou escorado em balcões "aprenda uma coisa, Diego: Hemingway escrevia e só bebia em pé! Nunca sente. O sangue coagula. Só escreva e beba em pé. Sempre!". Até que um dia o cara bebeu além da conta e me confessou que era tudo marra da parte dele "não tem nada de Hemingway, Diego. Apenas sofro de hemorróidas. Sentar inflama meu cu".
Diego Moraes
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ursocongelado · 2 months ago
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Não era sobre a gente
Não era sobre o hambúrguer
Muito menos sobre a trilha sonora de Donnie Darko tocando na lanchonete
Não era sobre a gente
Não era sobre a coca zero
Muito menos sobre o cheiro de bacon empesteando a lanchonete
Não era sobre a gente
Não era sobre o novo caso dela
Muito menos sobre o tesão que havia acabado entre a gente
Era sobre a gente
Não importava os anos de namoro chegando ao fim
Muito menos nossas bocas sujas de maionese
Era sobre a gente
Ainda existia abraços, risadas e muitos combos de lanche para pedir na lanchonete
Amizade enche barriga.
Diego Moraes
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ursocongelado · 2 months ago
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"Que o ódio atropele o amor".
Francisco Espinhara
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