Poeta e contista. Autor de nove livros publicados entre Brasil e Portugal.
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Não importa
Cedo ou tarde você sentirá uma angústia de tarde de domingo em plena manhã de sexta-feira
Cedo ou mais tarde você sentará num banco de praça e achará a vida triste como uma música do Roberto Carlos tocando no rádio de pilha de uma dona de casa traída
São angústias
Angústias que poetas passam horas tentando decodificar
Angústias que romancistas passam décadas procurando respostas
Somos quadros de Goya expostos na galeria dos mortos
Cedo ou tarde a vida mostrará que o céu também sobrevive sem pássaros ou arco-íris
Agora Schopenhauer abre a janela do sobrado
Resmunga algumas coisas bonitas e volta a dormir.
Diego Moraes
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É estranho envelhecer
Alguns viram estátuas apenas para pombos cagarem na cabeça
Hoje fui visitar minha avó e reconheci o moleque que apresentou a banda "Nirvana" para a rua inteira
Ele se trancava no Monza do pai e ficava batendo a cabeça no volante
Delirando feito um Buda comemorando a primeira reencarnação
É estranho envelhecer
Hoje ele estava lavando o pátio da casa herdada dos pais e implicando com as crianças que jogavam futebol e deixavam a bola bater no portão dele
É por isso que respeito a dor dos suicidas
Lembrei de Kurt Cobain e acho que não curtiria nada desse novo mundo
É estranho envelhecer.
Diego Moraes
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O inferno da gente brocha outras pessoas. A ocultação mantém a líbido.
Diego Moraes
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Tempo desses conheci um cara lá no Centro Pop (lugar onde ajudam pessoas em situação de rua). Ele tinha uma ferida muito grande na cara. Aí puxei assunto na fila do banho:
- Eu também faço feridas na cara quando o tempo fica sinistro (Falei "tempo sinistro" porque podia pegar ruim falar em "crise de ansiedade" para um cara casca grossa da rua)
Aí ele ficou caladão. De vez em quando voltava a descascar a ferida maior do rosto e a coçar outros espaços limpos no intuito de fazer novas feridas. Tudo com as unhas bem sujas e grandes.
- Tenho uma pomada aqui que descolaram pra mim, irmão. Posso te dar e descolar outra lá no hospital 28 de agosto.
Aí ele virou a carona feia dele pra mim com os dentes todos fodidos de crack e disse:
- Tá tirando, mano? Deixa minhas feridas. Tá tudo aqui na minha cara só pra lembrar que a rua queima. Que a rua arde!
Diego Moraes
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Tem três tipos de escritores:
1. O que acha que só ele e os amigos escrevem bem.
2. O que acha que só ele escreve bem.
3. O que acha que ninguém escreve bem. Nem ele mesmo.
Respeito muito o terceiro da lista.
Diego Moraes
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É mais fácil vender Peugeot 206 quebrado do que livro no Brasil.
Diego Moraes
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Amadureça: mate seu vizinho e escreva um livro de autoajuda.
Diego Moraes
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Escutei hoje de um sábio morador de rua: "Carnaval só presta para catar latinhas". Gênio!
Diego Moraes
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Adianta nada o sujeito ter uma puta ideia genial e escrever como um jegue. Só me interesso pela linguagem. Por isso que adoro escritores estilosos. Já perceberam como os caras que falam mal de Bukowski escrevem? Parecem caras morrendo de medo do primeiro exame de próstata. Adolescentes que ligam para os pais quando o pneu do carro fura. Escrita é coragem e caras como Bukowski, Henry Miller e Hemingway tinham de sobra.
Diego Moraes
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Tempo desses conheci um cara lá no caps que guardava as tampinhas de garrafas de cerveja que ele tomava. Dizia que as tampinhas eram como filhos pra ele. "Sou estéril. As tampinhas são meus filhos". O maluco alugou um triplex na minha cabeça. Me senti um merda como escritor.
Diego Moraes
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Na minha adolescência eu tinha um amigo que gostava muito. A gente andava sempre junto e eu vivia na casa dele jogando futebol de botão e vídeo game. Aí certo dia ganhei uma bicicleta de uma tia e o moleque nunca mais falou comigo. Tem gente que só gosta de ver a gente fodido. Tem gente que não suporta ver o aro da bicicleta do outro brilhando. Tem um monte de gente assim na literatura brasileira. Gente que só gosta de ver passarinho no ninho e nunca voando. Voar é ofensa pra muita gente.
Diego Moraes
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Eu compro a trigésima lata de cerveja e saio caminhando até o delírio parar de latejar. Gosto de sentir a brisa de Manaus lambendo meu rosto. Não tenho dinheiro para luxo. Não tenho grana pra viajar. Não tenho grana pra passar uma temporada no Texas. Não posso pagar um psiquiatra. Quem não tem grana para fazer análise, vai para o bar ou liga a televisão. Gosto de ver televisão. Gosto de um canal de vendas na tevê a cabo em que aparece o George Foreman vendendo churrasqueiras e um troço de fazer sanduíche. Se eu não tivesse entrado nessa furada de querer ser escritor, certamente seria um baita pugilista. Um boxeador fracassado cuspindo sangue num balde de alumínio encostado nas cordas de um ringue da terceira divisão dos pesos pesados. Minha mãe virou evangélica. Tem pregado versículos da Bíblia na geladeira e colou um adesivo na traseira do carro: “se Deus é por nós, quem será contra nós?”. Todo mundo é contra nós e a minha literatura é contra o mundo. Fico feliz por ela. Dia desses deu pra a ouvir orando de voz embargada. As paredes da minha casa são finas. “Que meu filho arrume uma mulher e seja feliz”. O lance é que não quero arrumar uma mulher. Não quero casar. Não quero filhos e conta conjunta no Itaú. Acostumei-me com a solidão. Não tenho pensando em comer ninguém. Meu pau balança mole faz alguns meses. Nunca pensei em arrumar um emprego na Volkswagen e casar com uma loirinha formada em propaganda e marketing. Tenho só pensado em poesia o dia inteiro. Tenho sonhado com literatura. Minha cabeça anda povoada de frases e parágrafos gritantes que poderiam fazer Dostoievski me rasgar de elogios. Puxo vinte reais do bolso e dou na mão do traficante. Ele diz que pareço com o Frejat só que mais gordo. A música dele (Frejat), que fala que um cara limparia os trilhos do metrô pelo amor de uma mulher, tenta atravessar a minha memória, mas não permito. Aí cazuza tenta invadir cantando Vida Louca, mas apago. Deixo que a imagem da fotografia do Cazuza abraçado com Caio Fernando Abreu dure três segundos e pulo para o remake de Vicio Frenético filmado pelo Herzog na cena que o Nicolas Cage tá chapado de heroína e vê camaleões cantando no meio de um acidente de trânsito. Eu curto pra caralho essa cena. É uma das minhas prediletas. Também curto aquele tchau do Anthony Hopkins no desfecho de O Silêncio dos Inocentes. Hannibal Lecter vira as costas num terno azul e crianças negras seguram balões coloridos no meio da rua. Aí sobem os créditos. Sinto vontade de cheirar pó. Entro num bar que não faz bem para minha alma. De derrotado já basta eu. Saco o olhar desdenhoso de um otário que não tem a terça parte da minha vivência. Ele se escora no balcão. “você anda escrevendo muito. Quando sai o próximo livro?” falo que não quero papo. Ele abre um sorriso cínico. Digo pra ele cair fora. Que estou querendo ficar na minha escutando Belchior na máquina jukebox. Ele fala algo sobre Bukowski. Diz que o velho era só um bêbado. Antes de ele falar outra merda, meu cotovelo acerta o seu nariz. Respingos de sangue mancham a camiseta branca dele dos Beatles. Todo jornalista tem uma camiseta branca dos Beatles. Chuto a cara dele. Conhecidos gritam pra eu parar, mas já venho aturando esse cara faz tempo. Faz tempo que ele atravessa meu caminho com um sorriso idiota fazendo perguntas embaraçadoras como se eu não fosse escritor ou imitasse o velho Buk. Entro num táxi e acordo na porta da minha casa. Acendo um Derby na varanda e começo a rir. Minha gargalhada acorda os cães da vizinhança. Deito na minha rede e ligo a televisão. Edir Macedo fala que temos que dar para receber. O lirismo é o único Deus em quem acredito.
Diego Moraes
Valor do meu livro de contos em formato PDF: 10 reais.
Pix: [email protected]
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"Sou um poeta fracassado. Talvez todo romancista queira escrever poesia primeiro, descobre que não consegue, e então tenta o conto, que é a forma mais exigente depois da poesia. E, falhando nisso, só então ele começa a escrever romances."
(William Faulkner, em entrevista à Paris Review,1958)
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