tintaindelevel
INDELÉVEL
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indelible ink . indelible life
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tintaindelevel · 2 years ago
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‘A’ - 1/2 ‘A’ left Afghanistan with his family and found refuge right after the border. They were safe, he thought. Fleeing from Al-qaeda. Fleeing from the taliban. They weren’t safe, but he didn’t know. Until his village was attacked and they had to flee, again. … And they ran. As fast as they could, they ran away. They ran with everything they had. With everything they could carry. Nothing more, nothing less. And in that journey they lost everything. And my worry is to see if I can put everything in the checked luggage or if I should buy an extra one or what to choose to take with me… when I’m traveling in the safety and comfort of the airplane. Are the things we think we need to carry with us really important? … What is really important? ‘A’ flees with his small son. His age is uncertain. Something between 3 and 4 years old. It’s uncertain when they fled. What we know is that his wife, the mother of his son is carrying another child. A couple of months pregnant. They fled. Running away as they could. It’s uncertain the destination. What’s really important, family. ——— 1/2 #refugees #afghanistan #afghanrefugees #greece #indelible #indelibleink #makeadifference #inkdelibleink #indeliblelife https://www.instagram.com/p/Cnj2bbmsqcC/?igshid=NGJjMDIxMWI=
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tintaindelevel · 2 years ago
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‘A’ - 1/2 ‘A’ saiu do Afeganistão com a família e encontraram refúgio mesmo depois da fronteira. Estavam seguros, pensava ele. Fugiam da Al-Qaeda. Fugiam dos talibãs. Não estavam seguros, mas ele não sabia. Até a aldeia ser atacada e terem de fugir, de novo. … E fugiram, o mais rápido que conseguiram. Fugiram com o que tinham. Com tudo o que conseguiam carregar. Fugiram. Nada mais, nada menos. E nessa jornada perderam tudo. E a minha preocupação é se consigo pôr tudo numa mala de porão ou se devo adicionar outra ou o que escolho para levar… quando viajo no conforto e segurança do avião. Será que aquilo que achamos precisar é mesmo importante? … O que é importante? ‘A’ foge com o seu filho pequeno. A idade não é certa. Algures entre 3 a 4 anos. Não é certo quando fugiram. O que é certo é que a mãe do seu filho carrega outro bebé. Grávida de alguns meses. Fugiram. Fugiram como podiam. Não é certo o destino. O que é importante, a família. —— 1/2 #refugees #afghanistan #afghanrefugees #greece #indelibleink #inkdelibleink #makeadifference #indeliblelife #refugiados #indelevel https://www.instagram.com/p/Cnj1IDXMErD/?igshid=NGJjMDIxMWI=
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tintaindelevel · 2 years ago
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TINTA INDELÉVEL momentos . experiências . realidades . marcas . vida . indelével #inkdelibleink #indelevel #tintaindelevel #vidaindelevel https://www.instagram.com/p/CnjiLVNMmN6/?igshid=NGJjMDIxMWI=
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tintaindelevel · 2 years ago
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INDELIBLE INK /// TINTA INDELÉVEL moments . experiences . realities . marks . life . indelible /// momentos . experiências . realidades . marcas . vida . indelével #inkdelibleink #indelible #indelibleink #indeliblelife #indelével #tintaindelevel #vidaindelevel https://www.instagram.com/p/Cnjh1oisNzr/?igshid=NGJjMDIxMWI=
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tintaindelevel · 2 years ago
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tintaindelevel · 5 years ago
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B
BODABODA. Dependendo de como é pronunciado, o som parece bora-bora... vamos vamos. Faz sentido. É um dos meios de transporte mais comuns no Uganda, senão o mais. Vê-se em qualquer lugar. Chega a qualquer lugar. Mesmo lá bem longe da cidade. Imerso no mato intenso. Na aldeia mais longe. Encontramos sempre uma bodaboda. É uma mota. Na primeira semana que chegámos, experimentámos. Por curiosidade, mas por coincidência também. Por necessidade, mas pela experiência também. Experimentámos. Cada um numa boda diferente. Há milhares de bodas em Kampala. Centenas de milhares, talvez. É barato. É rápido. Não o mais barato. Mas sem dúvida o mais rápido. Naquele dia foi caro. Não sabíamos. Pareceu barato. Olhando para trás, foi caro. Sem dúvida.
Kampala é cidade com 2 milhões de pessoas, oficialmente. Dizem que tem mais, muito mais. Oficialmente, tem cerca de 2 milhões. Há muita gente que veio da aldeia, longe da cidade, do interior. Grande parte. Mas muitos já nasceram em Kampala. Voltam à aldeia da familia de vez em quando. Uma vez por mês. Uma vez por ano. Há quem não volte. Há quem nunca saiu da cidade... ou pelo menos dos subúrbios da cidade. Vivem num género de bolha. Muitos aqui. E muitos de nós também. É igual.
Conheci o 'B' no campo de refugiados onde estamos a construir o Hospital. Aqui chama-se ‘Refugee Settlement', qualquer coisa como 'assentamento de refugiados'. Não é um campo típico que se vê em vários países. Países desenvolvidos. Com muros. Com redes de arame farpado. Não. Aqui é um pedaço de terra, cedido pelo governo. Todas as famílias que chegam recebem um pedaço de terra e podem construir a sua casa e fazer uma pequena horta. Integração. Dignidade. Inclusão. Tentam. Países em desenvolvimento.
Uganda tem uma das melhores políticas de integração para refugiados do mundo. Desde os anos 50 / 60 que recebem refugiados. Muitos já se consideram Ugandeses. Nem Quénia. Nem Ruanda. Nem Tanzania. Nem Burundi. Muito menos Sudão ou Congo que estão em conflitos intermináveis. Mais de 15 anos. Mais de 25 anos. Sudão do Sul. República Democrática (???) do Congo. Não. Uganda. Sim. É o país que os acolheu. Nunca voltaram atrás. Hoje, enquanto escrevo, mais de 1,3 Milhões de refugiados estão registados no país. Hoje. Oficialmente. Mais coisa, menos coisa, mas quem sabe ao certo? É só um número de qualquer forma. Sem face. Um número. Mas, 1,300,000 refugiados… u-m-m-i-l-h-ã-o-e-t-r-e-z-e-n-t-o-s-m-i-l!! Lisboa tem pouco mais de 500,000 de habitantes. Meio milhão. Capital do país. Aqui estão espalhados por diferentes zonas do país. E mesmo assim, muita gente nunca saiu de Kampala, da sua zona de conforto. Como muitos de nós. Cada vez mais.
Numa das viagens entre o hospital ainda em construção e o lugar onde estávamos a viver, ou o 'basecamp', ou outro sítio que estava a ir. Não me lembro. Mas ainda está bem fresco na minha memória. Estava na carrinha, atrás do nosso motorista. Ainda a almoçar - já deviam ser umas 16h e tal... não me lembro o quê. Mas lembro-me bem que trazia numa caixinha de plástico que nós tanto usámos. E, enquanto distraído, de repente, paramos. Entram duas pessoas. Eu não estava a perceber bem o que se estava a passar. Não conhecia nenhum deles. O motorista não me disse nada. O 'B' e outra rapariga... não me lembro o nome dela. Nem me lembro bem o que ela fazia. Mas o 'B' trabalha numa organização, como a nossa. Como nós. Tem um colete que o identifica. Tem o crachá com o nome. Tem na mochila o logo estampado. É um de nós, portanto. Ela provavelmente também. Talvez.
Pertencemos a um grupo. A uma tribo. De certa maneira, uma bolha. Pertencemos ao grupo dos que fazem parte de ONGs - organizações não governamentais. E 'identificamos-nos' sempre com outros ‘colegas’. Percebemos as lutas. Percebemos o stress. Percebemos a pressão. Percebemos a paixão. O serviço. A missão. Percebemos? É o que dizem. Interessante. Eu não sinto diferença, mas sinto que é diferente. E somos olhados de maneira diferente.
O 'B' entra, muito bem disposto. Muito bem educado. Conversador. E por breves instantes, trocamos contactos. Fala muito bem inglês. E conversamos um pouco sobre o que estamos ali a fazer. Depois de 5 anos no país, o 'B' finamente consegue trabalhar numa ONG. Quer ajudar, diz. Quer ajudar os outros, os seus. Como foi ajudado. O 'B' fugiu do Congo à 5 anos atrás. É refugiado. Mas como pode trabalhar numa organização? É refugiado. Este não é o país dele, mas ele sente-o dele. É refugiado do Congo. Mas 'é' Ugandes. É como se sente. É como vive.
Trocamos contactos. 'B' liga-me para confirmar que é mesmo o meu número. E liga-me mais vezes só para saber como as coisas vão. Não somos amigos, porque não temos contacto suficiente, não nos conhecemos bem. Mas ele conta-me um pouco da sua história. Não é todos os dias que conhece alguém de Portugal, diz-me. Gosta de futebol. Claro. Como a grande maioria. E todos conhecem Portugal. Mal ele gosta mesmo de Portugal, diz-me. Até sabe algumas palavras. ‘Bom dia’. ‘Obrigado’. Ah, quando ele entra na carrinha, para além de mim e do motorista tínhamos um engenheiro local que estava a fazer um pequeno trabalho de consultoria connosco. E conhecia o 'B'. Já se tinham cruzado uns anos antes. Quando trabalhava noutra organização e o 'B' ajudou... com tradução? Talvez, não me lembro bem o contexto. E confirma a história do 'B'.
É normal, diz-me. Igual a outras histórias, diz. Fugiu com a família da aldeia onde nascera e crescera. Tudo o que conhecia. Nunca tinha saído de lá antes. Fugiu. O pai foi morto pelas milícias. A mãe foi violada. Fugiram. Ele. A mãe. Os irmãos e irmãs. Não são uma família grande. Não é muito claro quantos irmãos. Vive muita gente na casa dele. Mas isso não importa. O 'B' foi ajudado por uma organização. Não importa qual ou quais... ele quer retribuir. Quer ajudar. Isso é que é importante. Quer ajudar como foi ajudado um dia. Mas o que é normal nesta história? Ajudar? Nem isso. Hoje é cada vez mais difícil encontrar alguém que queira ajudar. Genuinamente. E retribuir a ajuda? Difícil. Ou talvez não. ‘B’ mostra-me um lado diferente.
Vivemos numa bolha. Nos nossos grupos. Nas nossas tribos. No nosso mundo. Confortáveis. Não sabemos o que se passa lá fora. Ou sabemos e temos medo. Mas às vezes, não sabemos mesmo. Não temos nenhum sentimento em relação ao que se passa fora da bolha. Nem sabemos que existe a parte de fora. E esta bolha... é só uma bolha, podemos sair a qualquer altura. Saltar. Para o desconhecido. Sair. Do nosso conforto.
Do nosso canto confortável até dizemos que temos o desejo de fazer algo. Mas não... não fazemos. Mas dizemos que queremos. E à vezes quando fazemos, só mudamos de bolha. E não sabemos o que se passa fora da bolha.
Durante estes últimos anos, temos nos cruzado com muitas pessoas diferentes. Diferentes bolhas. De culturas diferentes. De backgrounds diferentes. Religiões diferentes. Experiências diferentes. Estatutos sociais diferentes. Não são números. São vidas. Diferentes. Mas iguais. Todos nós. E nós temos a nossa bolha.
Às vezes, muitas vezes, não queremos sair dela. Ou mudamos de bolha. Parece ser suficiente. Parece que temos medo que algo aconteça se não estivermos dentro da bolha. Confortáveis, pensamos. Seguros, acreditamos. Mas não. Há um certo estatuto que temos medo de perder. O que irão os outros pensar se não estiver na minha bolha?!
Hoje... é cool ser missionário. Ir para longe de casa. Longe da família. Estamos a fazer o trabalho de Deus, dizemos. É uma missão. Mas não queremos deixar o nosso conforto. E quando deixamos, fazemos a diferença.
Hoje... é cool ajudar os outros com quem pensamos nos identificar. Por serem diferentes. Porque temos simpatia. Porque temos compaixão. Porque nos preocupamos. Porque é o que se deve fazer. E no fundo, fazemos a diferença.
Hoje... é cool ser voluntário. Porque todos são. Sair do nosso conforto e ajudar. Ajudar porque nos preocupamos. Com os outros? Sim. E não. Sim, com o que os outros pensam. E não queremos saber do que eles pensam. Porque muitas vezes, genuinamente, queremos ajudar. E, sim, assim fazemos a diferença.
Hoje... é cool trabalhar no chamado sector humanitário. Ir para países distantes. Salvar vidas. Ajudar a diminuir a pobreza. Ajudar na educação. Criar melhores condições de vida. Ajudar o planeta. Voluntários ou não. Pode ser uma carreira. E podemos assim fazer a diferença.
Hoje... é cool estar preocupado com o ambiente. O aquecimento global. Porque não vamos ter futuro. É cool ser vegetariano. Até vegan. E até assim, podemos fazer a diferença.
E ser nómada. Viajar pelo mundo. E se possível ajudar. E fazer a diferença.
Amanhã? Virá. Ontem? Já foi. Vivemos o hoje. É cool. E fazemos a diferença? Parece indiferente. Mas fazemos a diferença... até dentro da nossa bolha.
Todos nós temos as nossas bolhas. Onde nos sentimos seguros. O 'B' também pensava assim. Sem pensar nisso. Ele vivia tranquilo com a sua família. Não tão tranquilo. Mas vivia como podia. Como sabia. Como tinha sido ensinado. Não conhecia nada diferente. Hoje tem um trabalho. E é voluntário. Tem uma missão. Ajudar como foi ajudado. Porque é melhor dar do que receber. Tem uma nova bolha. E faz a diferença. Sem saber.
Depois desse primeiro encontro falámos já várias vezes. Às vezes liga-me. Às vezes cruzamo-nos no campo. Às vezes vem até ao hospital. Estávamos ainda na carrinha quando me disse que gostava de trabalhar connosco. Ajudar no que for preciso. Quando saiu da carrinha, com a outra rapariga, seguiram caminhos diferentes. Seguimos todos. Nós continuámos na carrinha a caminho de alguma reunião. Ou de casa. Ou do 'basecamp'. Vínhamos do hospital em construção. Ele fez sinal para uma BODABODA que ia a passar. No campo é um dos meios de transporte mais comuns. É rápido. É barato. Leva-te a todo o lado. Para fora da nossa bolha. E não é mau.
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tintaindelevel · 5 years ago
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‘A’
Arquitetura. Quando me perguntou o que estudei. ‘A’ diz-me que trabalha com construção... quando lhe explico o trabalho de um arquitecto diz-me que é um pouco o trabalho que ele faz, mas de onde ele vem não precisava de um. Agora precisa menos.
‘A’ saiu do Afeganistão com a família e encontraram refúgio no Irão. Mesmo depois da fronteira. Estavam seguros, pensava ele. Fugiam dos talibãs. Não estavam seguros, mas ele não sabia. Até a aldeia ser atacada e terem de fugir, de novo.
E fugiram, desta vez fugiram. Fugiram com o que tinham. Com tudo o que conseguiam carregar. Nada mais, nada menos. E nessa jornada perderam quase tudo. E a minha preocupação é se consigo pôr tudo numa mala de porão ou se devo adicionar outra ou o que devo escolher para levar comigo. Será que aquilo que achamos precisar carregar connosco é mesmo importante?
O que é importante? ‘A’ foge com o seu filho pequeno. A idade não é certa. Entre 3 a 4 anos. Não é certo quando fugiram. O que é certo é que a mãe do seu filho carrega outro bebé no ventre. Grávida de alguns meses. Fugiram. O que é importante, a família.
Fugiram porque procuravam melhores condições económicas? Migrantes como lhe chamam. Mas porquê sair da sua terra? Duas vezes. À procura de uma vida melhor? À procura de um trabalho melhor? Isso acontece em Portugal quando vamos para a Alemanha trabalhar. Ou França. Suíça. Ou Inglaterra como fui à uns anos atrás. Antes desta crise de refugiados. Antes de pensar que um dia estaria aqui... Não. Refúgio. Estas pessoas só procuram um lugar longe da guerra. Onde estejam a salvo, longe do sofrimento. Onde estejam em paz, longe das mortes que assistem a cada dia. Vizinhos. Amigos. Família. Longe da cultura que conhecem. Longe da terra onde cresceram e que os viu crescer. Longe da única língua que sabem usar para comunicar. Longe. Do bem. Longe. Do mal.
‘A’ perdeu o pai num bombardeamento. O irmão perdeu uma perna depois de ter sido atingido por uma bala perdida num tiroteio. ‘A’ foi atingido com estilhaços, não é muito claro quando. Ou como. Só é certo que tem as marcas.
O Irão é seguro, pensava. Foi o que sempre ouviu. Muitos estão seguros lá. Junto da fronteira. Fronteira que muitas vezes é difícil de definir. A língua é a mesma que aprendeu em pequeno, a comunicação é fluída.
Afeganistão é seguro, é o que dizem as entidades oficiais. Mas não é o que ‘A’ vivenciou. Mais um carro bomba que destrói famílias. A cada mês. A cada semana. A cada dia. Parece que falam línguas diferentes. Não compreende o que se passa.
Conheci o ‘A’ no meu primeiro dia em Oinofyta. Um campo de refugiados. De carro fica a 1 hora, norte da capital Atenas. Grécia. Criámos laços. Ainda hoje falamos. Liga-me só para treinar o Inglês dele e saber como estão as coisas e saber quando o visito. Já não está num campo de refugiados. Está agora em Atenas. Num squat, como lhes chamam. A lutar por uma vida digna. Gostava de visitar Portugal. Espero que sim. E espero vê-lo.
Conheci o ‘A’ e a família dele. O filho pequeno. A filha bebé. A mulher doente. Mais de 4,000 km percorridos. A pé. Em autocarros. Em camiões. De todas a maneiras possíveis. Até ao mar. Atravessam o mar, não sabem nadar. Nunca antes tinham visto uma imensidão de água tão grande. Mar Mediterrâneo. Costa da Turquia. Promessas de proteção e refúgio na Europa. Segurança. Europa está mesmo ali, à distância de um barco. Depois de subirem e descerem montanhas. Atravessarem desertos. Dias sem comida, dias molhados com a chuva, dias e dias... quem está a contar?
Depois de semanas incontáveis nesta jornada, a Europa está mesmo ali. É só entrar num barco. Contrabando? Sem dúvida. As famílias pagam milhares por uma travessia, quando a alguns quilómetros de distância têm o ferry. Duas vezes por dia. Alguns euros. Mas estas famílias pagam milhares de dólares. Não sabem. Não podem. Não conseguem. Não falam língua. Seguem aqueles que seguem em frente deles. Confiam? Não importa. Estão cansados e a Europa está já ali. E entram no barco. Com lugar para vinte pessoas, neste barco estão 40, 50, 60... ninguém sabe ao certo. É escuro quando entram. Muito ficam pelo caminho. Quando chegam ao destino são 40,50... quem está a contar?!
O ‘A’ não fala muito dessa travessia. Não sei muitos pormenores através dele. Mas ele está ao meu lado. Falamos de coisas triviais. Futebol. Comida. Língua. Ele ensina-me algumas palavras em Farsi, em troca eu ajudo-o com o Inglês... trocamos palavras, trocamos expressões. ‘A’ não fala dessa travessia. Mas diz-me que demoram mais de 30 dias... não sabe ao certo quanto tempo. 4,000 km até à costa da Turquia. Ah, e diz-me que não sabe nadar. Como a maioria.
Mas fala-me da vida. Antes de fugirem do Afeganistão. Antes de fugirem do Irão. Não tinha muito é certo, mas tinha o que precisava. Trabalho. Comida. Casa. Agasalho. Fala-me de como era a vida. E como ficou ferido. Mostra-me as cicatrizes. Perna. Peito. Mas não sente dor física. Pior. É psicológico. Não só assistir a esses atentados. Mas a viagem, a travessia. A mulher está com depressão. Muitas mulheres estão. Muitos homens também. Doença do século XXI, dizem. Doença do mundo ocidental. Sem dúvida. Enquanto na terra de onde fugiram estavam seguros. Saudáveis. Estavam em casa. Sem sentimentos depressivos. A vida tinha acabado de começar. Uma criança pequena. Um bebé a caminho. Ele não me fala da doença da mulher. Mas fala-me da vida. Do dia-a-dia agora na Europa. E nos sonhos. Sair dali, arranjar uma casa em Atenas. E quem sabe, visitar Portugal. Não falamos muito do passado recente nem falamos do futuro próximo. É preciso olhar para o presente e não esquecer o passado, mas viver um dia de cada vez. O que vier será sempre melhor, diz ele. E falamos de futebol, e de coisas triviais.
E já se passaram quase três anos desde o nosso encontro. Grécia. Iraque. Uganda. Cuidado. Dignidade. Relacionamento. Europa. Médio Oriente. África. Resiliência. Esperança. Fé. Passado. Futuro. Presente.
Não sou bom com nomes. Mas tenho conhecido vidas que tem marcado a minha. Indelével. Tinta indelével nas páginas da minha vida.
A comunicação entre nós é mais lenta. Difícil? Não, diferente! Pergunta-me o que estudei. Arquitetura. Diz-me que na aldeia dele era um género de arquitecto. É constructor. Lá não precisam de arquitectos.
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