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A Peça de Mil
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Um misterioso magnata contrata uma equipe de expedição para procurar um estranho Artefato para sua coleção particular. Mas como encontrar algo que nunca se teve relatos? Com capítulos narrados por cada um dos personagens, A Peça de Mil mostra que em meio ao frio ártico o clima hostil e o terreno traiçoeiro são a menor das ameaças.(O conto será atualizado com novos capítulos frequentemente. Autor: V. Paulella)
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thethousandpiece · 8 years ago
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5 - Michelle
       Não é a primeira vez que meu avô usa sedativos na equipe de expedição, porém ele nunca me incluía nas doses, mas por não querer me discriminar ele abriu uma exceção, afinal dessa vez eu também era parte da equipe.
       Lembro-me quando aos onze anos ele me levou ao Tibete e passamos meses viajando por diversos templos budistas, meu avô passava noites em claro lendo pergaminhos antigos enquanto eu tinha aulas particulares sobre linguagem e cultura local, sempre sendo ensinada por monges poliglotas. Alguns dias se passavam com o aprendizado de filosofias e matemáticas, nesses dias eu conseguia ver me avô apenas na parte da manhã quando ele estava indo dormir, já varado desde a noite anterior e mesmo cansado, sempre que ele me via ele sorria, me fazia cafuné e desejava bom dia, sempre tendo em mãos as anotações daqueles peculiares pergaminhos.
        Com o passar dos meses eu cheguei ao fim do que seria um ano letivo e comecei a passar parte do tempo ouvindo histórias dos monges ou lendo sobre as lendas daquele lado do mundo. A essa altura a pesquisa do meu avô tinha nos levado até templos isolados no topo de montanhas no Himalaia, onde ficamos até o final daquele ano. O templo era enorme, com vastos salões iluminados por pequenos lampiões espaçados de forma que a iluminação fosse mínima, suas paredes e colunas eram feitas de madeira com espessura suficiente para que o frio das montanhas não penetrasse. O mais engraçado era que haviam pouquíssimos monges ali e todos pareciam ser até mais velhos que meu avô, o que me obrigava a andar com ele sempre que saíamos de nossos aposentos para que eu não me perdesse nos escuros e tenebrosos corredores.
        Dentro de poucas semanas a equipe de expedição que meu avô contratara havia chegado, o que não mudou muito o clima no templo já que todos andavam de caras fechadas e muitas vezes me ignoravam, mas o que na época me dava medo eram as reuniões pré expedição, as discussões ficavam acaloradas e até mesmo violentas, eu sempre esperava na porta, do lado de fora do salão, ao final das reuniões meu avô me pegava pela mão e íamos até uma sala onde havia um enorme buda de bronze, lá o velho se ajoelhava e ficava meditando, sempre que fazia isso ele ficava com uma expressão brava em seu rosto, como se descontasse sua raiva em seus próprios demônios, enquanto isso eu ficava sentada ao seu lado, até que ele se acalmasse.
        Mas no dia que antecederia a expedição a discussão foi além da gritaria, do lado de fora pude ouvir três tiros e depois um silêncio fantasmagórico, que foi logo quebrado pelo som da grande porta de madeira se abrindo e meu avô saindo as pressas com o braço esquerdo sangrando, quando olhei para dentro do salão vi parte da equipe travada em seus lugares, completamente apavorados, no chão, próximo a mesa de centro, estava um casal morto, ambos com um tiro na cabeça, o homem segurava uma faca militar e a mulher segurava uma pistola calibre .38 com o cano ainda fumegante. No lado de fora meu avô, antes de ser socorrido pelos monges, me entrega um pequeno, porém muito pesado, objeto embrulhado em seu lenço, já sujo de sangue. O velho manda eu ir até seu quarto e deixar o embrulho debaixo do colchão e depois eu deveria ir direto para meu quarto e trancar a porta. Fiz como ele pediu.
       Nos dias que se seguiram eu fiquei trancada no quarto, os monges traziam comida quatro vezes ao dia e me acompanhavam até o banheiro quando eu pedia, eles sempre se restringiam a esperar na porta, no lado de fora. Essa rotina seguiu por quase um mês, até que finalmente meu avô conseguiu contratar uma nova equipe e dessa vez houve apenas uma reunião em que ao final todos da equipe foram, sem qualquer consentimento, sedados e devidamente colocados no helicóptero que os levaria até o local da expedição.
        Desde então sedar a equipe se tornou rotina para o velho, evitando dores de cabeça e conflitos desnecessários e, como um homem de palavra, ele sempre pagava o valor do contrato aos que retornavam com o artefato que ele pedira, mas é claro que sempre alguns imprevistos acontecem nessas expedições e nem todos retornam.
        E agora eu retomava a consciência sentindo, antes de mais nada, a tremenda dor de cabeça que o sedativo causa, em seguida percebi que minhas roupas haviam sido trocadas por roupas para frio extremo e, por fim, percebi que já estávamos no helicóptero em direção ao nosso destino.
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thethousandpiece · 8 years ago
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4 - Rick Amster
        Do momento em que botei meus pés dentro daquela mansão e durante longos cinco minutos de caminhada fui obrigado a aturar aquela garota ruiva tagarelando sobre como eram incríveis meus artigos e como meus cabelos loiros não eram tão reluzentes e meus olhos não eram tão azuis quanto nas fotos das capas das revistas científicas. Expliquei com paciência que eles enchem as fotos com efeitos gráficos e que meus artigos eram motivos de chacota na comunidade científica, mesmo assim ela não parava de sorrir e dizer o quanto concordava com boa parte das minhas teorias até que finalmente chegamos ao salão de jantar.
      Admito que a decoração da mansão era impressionante, mas ver a lua reluzindo na mesa de jantar por cima de um teto de vidro foi de tirar o fôlego. Antes de me sentar observei o deck ao lado e perguntei à garota ruiva:
      – Michelle, se importaria se eu saísse para fumar?
      – Fique à vontade, apenas mantenha a porta fechada.
      Caminhei até o deck e fechei a porta de vidro atrás de mim, o jardim de inverno era quase do tamanho de um campo de futebol, cercado de vidro transparente como uma estufa, iluminado apenas pela lua lá fora e devia ser climatizado pois estava mais quente que o interior e exterior da mansão. Haviam árvores tropicais espalhadas aqui e ali, um grande lago no centro e uma parte arenosa do outro lado do lago, com poucas árvores mais baixas onde figuras sombrias repousavam sem que pudesse saber o que exatamente estava ali pela falta de luz.
      Me aproximei do lago onde havia um banco de madeira embaixo de uma grande árvore, liguei a lanterna do celular e tirei do bolso da jaqueta meu saquinho de erva e um papel de seda, temperei cuidadosamente o papel com a erva que eu havia antes triturado e enrolei com a eleg��ncia que apenas os anos de prática podiam ter me ensinado. Guardei o saquinho e o celular de volta na jaqueta e, do bolso esquerdo da calça, saco meu isqueiro, acendo o fumo e trago suavemente apenas para logo em seguida ouvir passos pela grama vindo de trás de mim e uma voz feminina, que não era da garota ruiva:
      – Então este é o polêmico Ricardo Amster, poluindo o jardim de inverno do maior magnata que já existiu com seu baseado barato – Pelo sarcasmo da frase pude perceber que não era uma fã e nem alguém querendo me criticar, apenas uma convidada entediada querendo jogar conversa fora. Encarei-a de baixo à cima, uma garota mais ou menos da minha idade, de estatura baixa com um esbelto corpo negro, vestindo coturnos, calças jeans de grife, uma camisa social coberta por uma jaqueta de couro, dreadlocks amarrados em um coque atrás da cabeça, olhos escuros como a noite e um sorriso belo como a lua. Ela devia saber que eu era canhoto pois estendeu a mão esquerda para me cumprimentar. – Sou Rose Allen, li um dos seus artigos alguns anos atrás e não me pareceu tão blasfemo quanto as revistas diziam ser.
      Levantei-me um pouco sem graça e a cumprimentei, em seguida ofereci o baseado e a garota dos dreads, sem pensar duas vezes, aceitou e nos sentamos enquanto ela dava leves tragos e passava o fumo de volta para mim.
      – Por favor, me chame de Rick. – Falei enquanto tragava e passava o baseado para ela – Só costumo usar meu nome de batismo para assinar os cheques dos advogados quando alguém está me processando.
      Ela riu e se afogou com a fumaça, depois riu de novo pelo ocorrido e me entregou o que sobrava do baseado e após um último trago apaguei e guardei a ponta. Em seguida expliquei que a erva não era comprada na farmácia, mas sim plantada em minha casa e tratada com cuidados especiais ensinados por um Mestre Jamaicano.
      – Meus pais são da Jamaica – Dizia Rose exibindo um sorriso nostálgico, carregado de incontáveis lembranças, mas certo pesar de culpa. – Nasci e fui criada lá, mas consegui uma vaga em uma faculdade nos Estados Unidos e após isso a vida me levou cada vez mais para o norte, fosse por oportunidades de trabalho ou desilusões amorosas. O mais engraçado é que eu pude atravessar meio mundo, do Japão às Américas, e ainda assim jamais consegui voltar para minha terra natal.
      – Talvez esse seu coração não tenha passado por aventuras suficientes para querer ir para casa. – Disse eu, tentando animá-la.
      Um sorriso pensativo foi tudo que a garota pode dar como resposta. Ficamos em silêncio encarando o lago, curtindo nossas mentes até que ouvimos um pesado rastejar na areia logo a frente, no outro lado do lago. Com calma, saco o celular e ligo a lanterna apenas para revelar um dragão de Komodo, nos encarando curioso com a conversa, ao fundo haviam outros dois, mas não demonstraram reação.
      Estávamos completamente chapados enquanto admirávamos aqueles enormes répteis e quase afundamos no lago quando Michelle, que havia aberto a porta de vidro e se esgueirado bem atrás do banco que eu e Rose estávamos sentados, sem fazer qualquer ruido, gritou em nossos ouvidos:
      – QUE LINDO!! Dois pombinhos namorando e usando drogas no meu jardim! – Ela exibia um sorriso sádico e gargalhava de forma satisfeita ao ver como havíamos nos assustado. – Vocês tem muita coragem para ficar tão perto do lago, afinal Athos, Porthos e Aramis – ela se referia aos dragões de Komodo – só comem carne francesa, mas como houve um atraso no carregamento eles estão há alguns dias sem comer nada. A propósito, todos os convidados já chegaram, então se puderem me acompanhar de volta a sala de jantar poderemos dar início ao evento.
      Rose se levanta e eu deixo que as garotas entrem primeiro, fecho a porta de vidro atrás de mim e reparo no ambiente, agora mais povoado que quando eu havia chegado, tomo uma cadeira em um dos lados da mesa e reparo ao redor.
      Além da mulher mais velha e da criança agora haviam Rose, Michelle, o índio que me trouxera de limusine até a mansão, um homem asiático, provavelmente de origem japonesa que aparentava ter por volta de trinta e cinco anos e, por fim, um senhor muito velho, com, pelo menos, oitenta anos de idade, em pé em frente a mesa. Sua feição era simples, mas sua pele havia sido gasta pelo tempo, haviam leves cicatrizes ao redor dos olhos, bochechas e testa. Seus olhos verdes exalavam suas décadas de conhecimento, os poucos cabelos brancos que restavam estavam lambidos para trás, usava um roupão de seda na cor preta com detalhes prateados, o velho se apoiava em uma bengala de prata pura, com o cano detalhado em ouro e um apoiador feito com a maior pedra de diamante que já vi na vida.
      O velho nos encara por alguns segundos, criando um ar de suspense, após alguns segundos ele levanta um sorriso e com uma voz rouca, porém animada, começa seu discurso:
      – Boa noite a todos, sei que estão cansados da viagem então tentarei ser breve e para poupar tempo peço que apreciem o jantar enquanto vos explico a situação.
      Vindo de uma porta aos fundos uma empregada entra empurrando um longo carrinho com bandejas de prata individuais, servindo um a um, sob a bandeja havia uma grande tigela de sopa recheada com legumes e carnes variadas. Sem tirar os olhos do velho eu começo a comer enquanto ele começa seu monólogo:
      – O motivo de tê-los convidado para este jantar é para fazer-lhes a oferta de uma caçada ao tesouro. – Ele dá uma pausa, como se esperasse alguma reação dos convidados e logo prossegue. – Claro, não é um tesouro simples e nem uma caçada simples, vocês terão de ir até o extremo norte da Província, serão deixados em um vilarejo Inuit. De lá serão guiados pelo Senhor Malaraq – ele aponta para o velho índio ao seu lado – até a entrada de uma antiga mina de carvão, dali em diante vocês estarão por conta própria para encontrarem o tesouro. Alguma dúvida até agora?
      Não sei se eu ainda estava chapado, mas quando me dei conta a sala estava escura e um projetor que havia saído do teto mostrando fotos dos lugares de onde o velho falava. Os outros convidados também pareciam meio lentos enquanto variavam os olhares entre o velho e aquela deliciosa sopa, e como ninguém havia dito nada o velho seguiu em frente:
      – Obviamente fornecerei todo o transporte, equipamento e suprimentos necessários para esta expedição…
      Não consegui prestar atenção nas palavras daquele velho, terminei a sopa e as luzes se acenderam e quando olhei ao redor os outros também pareciam um pouco confusos e perdidos, olhei para Rose e a vi focando na direção do velho magnata, mas seus olhos estavam vidrados, como se dormisse acordada. E mesmo assim o velho não parava de falar:
      ‘ – Por fim, gostaria de apresentar formalmente minha neta Michelle, ela acompanhará vocês durante a expedição, eu gostaria de ir também, mas infelizmente já estou muito cansado para isso. E para acompanhar minha neta, escolhi cada um de vocês a dedo. – Ele apontava para cada um enquanto nos apresentava. – Ricardo Amster, arqueólogo e historiador, com dezenas de artigos publicados.
      Não consegui me levantar para me apresentar melhor, mas os outros também estavam estasiados e quase imóveis. O velho então apontou para o japonês ao meu lado:
      – Bruce Tagahawa, médico militar, prestou serviço em todos os cantos do mundo através do exército das Nações Unidas.
      O japonês cai de cara na mesa, inconsciente, antes que o velho pudesse apresentar a mulher de meia idade ao lado do oriental desmaiado, mas ninguém pareceu notar ou ouvir a cena, e o velho, que apenas ignorou, continuava, incansável, sua apresentação:
      – Carmen Lucille, ex-comandante da Real Polícia Montada, atualmente aposentada e trabalhando como detetive particular.
      A mulher me encarou com pavor antes de seus olhos revirarem e ela desmaiar, eu não pude fazer nada.
      – Connor Dallas – o velho não se importava nem com a criança, que só então eu percebi que há tempos havia caído da cadeira e estava largada no chão, também inconsciente – com apenas doze anos esse garoto passou em todas as faculdades do país em primeiro lugar, aos dez anos, já havia terminado o ensino médio, simplesmente um gênio em todas as áreas de estudo.
      Eu já não podia ver direito, minha visão estava embaçada, minhas mãos tremiam e eu suava frio, tentava lutar para continuar acordado.
      – Por último, mas não menos importante, Rose Allen. Jornalista independente, acabou com a vida de políticos corruptos ao redor do país e foi a única pessoa no mundo a entrevistar cara a cara o Imperador do Japão.
      Tentei olhar ao redor, mas minha cabeça estava muito pesada, senti-me ser tirado da cadeira e deitado em um lugar plano, ouvi alguém reclamando do exagero nos sedativos até que tudo ficou escuro.
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thethousandpiece · 8 years ago
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3 – Rose Allen
        Era uma noite estrelada de verão quando a limusine entrou pelos portões da vila onde logo de cara fui recebida por um jardim suspenso que deixaria qualquer rei da babilônia de queixo caído, o carro seguia por uma rua larga que ao lado oposto do jardim ficavam as casas de vários períodos históricos de todo o mundo, réplicas de construções gregas, romanas, vitorianas, góticas, hindus, russo da época imperial e até orientais feudais, eram todas casas dos empregados. Foram necessários quase dez minutos de carro até chegarmos na entrada da mansão, que diferente da vila, era uma obra futurista com design reto e liso, onde todas as curvas eram em ângulos de quarenta e cinco ou noventa graus, as paredes subiam por cinco andares eram feitas de vidro escurecido, as quinas eram iluminadas internamente como se uma linha de neon branco saíssem delas de forma que se podia ver as curvas da casa e ter uma ideia de toda sua extensão mesmo mal podendo ver a estrutura durante a noite e no topo, ao lado do heliporto, havia uma grande cúpula, também de vidro porém esse mais claro e brilhante de forma que irradiava luz, não refletindo de holofotes, mas de dentro da cúpula.
      A limusine parou em frente as escadas e o mordomo abriu a porta para mim, era um velho índio com seus quarenta e poucos anos, longos cabelos lisos amarrados para trás em um rabo de cavalo, rosto desgastado pelo tempo que gerava uma expressão de mal-humorado, apesar de falar pouco ele era extremamente formal e educado e mesmo assim, seus olhos escuros tinham um ar misterioso. Seu terno, azul-marinho, com uma camisa azul-claro por baixo e uma gravata branca, devia valer tanto quanto a limusine.
      Conforme desci da limusine filetes de neon branco acenderam por debaixo do piso, também feito de vidro escurecido, para iluminar os degraus que iam até uma das paredes e a contornavam no desenho de uma porta, ao me aproximar a parte contornada desliza para baixo revelando o corredor de entrada da casa. O velho índio faz um sinal para que eu entre enquanto ele volta para a limusine e leva o carro para além de onde eu possa ver, sozinha entro e a porta de vidro se fecha atrás de mim, à minha frente havia um curto corredor branco, bem iluminado, com paredes que pareciam ser feitas de gesso e uma grande porta de madeira ao fundo talhada com desenhos gregos com detalhes que eu jamais tinha visto antes.
      Confesso que não fiquei nervosa assim nem quando entrevistei a família imperial japonesa e jantei com o imperador para uma matéria exclusiva. Essa casa tinha um ar de grandeza e mistério que não só dava borboletas no estômago, mas chegava a ser sufocante. Levei alguns instantes para abrir a porta e quando o fiz estava na minha frente a garota mais bonita que vi na vida, seus cabelos ruivos encaracolados indo até um pouco abaixo dos ombros, olhos claros e brilhantes como o mais puro mel, um vestido branco curto de alça e detalhes impecáveis nas rendas, ele devia ser feito com uma seda tão perfeitamente cuidada que a rainha da Inglaterra ficaria com inveja e como se não bastasse a qualidade o vestido ainda se ajustava ao ser corpo como se feito sob medida, realçando as sutis curvas daquela garota alta e magra com seus vinte anos, quase oito anos mais nova que eu. E como se tudo isso não bastasse ela me encarava com um sorriso amigável e ao mesmo tempo intimidador para segundos depois ela me dar o prazer de ouvir sua voz:
      – Olá Rose, meu nome é Michelle. Percebi que você demorou para abrir a porta. Seja bem-vinda. – A garota falava de uma forma rápida e descontraída, como se fossemos amigas desde a infância.
      – Olá Michelle. – O fato de me conhecerem tão bem assim estava começando a me incomodar, no dia anterior havia recebido uma carta convite dizendo que as devidas medidas tinham sido tomadas e que eu estaria de folga do trabalho por um tempo e na manhã seguinte haveria uma limusine me esperando. Claro que na hora achei que era uma brincadeira de mal gosto, ainda mais a parte que detalhava minha vida pessoal, minha rotina diária e justificava o porque eu havia sido escolhida, porém hoje de manhã quando sai para trabalhar me deparo com o velho índio encostado na limusine, de portas abertas, me esperando. – Me diga, como sabia que eu ia entrar por aquela porta?
      A garota, sem tirar aquele sorriso bobo da cara, aponta para cima e ao me virar vejo uma enorme tela em cima da porta filmando desde a entrada da vila, até a porta de vidro escurecido e o corredor com a porta pela qual eu acabara de entrar. Fico encabulada por não ter pensada em algo tão óbvio, provavelmente era o cansaço da viagem, vejo que a ruivinha percebe a situação e decide quebrar o gelo:
      – Bom, agora que nos conhecemos que tal me acompanhar até a sala de jantar? Quase todos chegaram e logo explicaremos tudo isso.
      Concordei e a deixei guiar o caminho enquanto eu reparava no interior da mansão que lembrava muito a arquitetura do Palácio de Buckingham, com largos halls e corredores de mármore branco, sustentados por colunas de mesmo material com cada coluna sendo esculpida na imagem de um deus de uma mitologia diferente, começando por Jesus Cristo de pé, usando seus mantos e com as palmas das mãos viradas para cima mostrando os furos dos pregos, em seguida estava o deus egípcio Rá, com o sol se erguendo por cima de sua cabeça. E assim se seguia o corredor, uma ordem aleatória de deuses que pareciam te encarar conforme se passava por eles. Os largos tapetes, na cor de roxo uva com bordas douradas, se esticavam por todo o meio do corredor e as paredes eram cobertas por quadros que variavam entre civilizações antigas, algumas das quais eu não puder reconhecer, e outros que lembravam as invenções de Leonardo DaVinci e Nikolas Tesla, porém não eram obras deles, eram obras que eu jamais tinha visto em livros de história ou enciclopédias, algo realmente fascinante. Por fim, o teto era iluminado por gigantes lustres de cristal, todos variando em formato e tamanho, mas nunca eram menores que um adulto de porte médio, as vezes variavam a cor dos cristais deixando partes dos corredores em um azul tão claro quanto o céu.
      – Os tons de azul são o reflexo de diamantes sob a luz, mas diamantes azuis são extremamente raros e ainda não conseguimos colocar em todo o corredor. – Essa foi a única coisa que Michelle disse durante todo o corredor, sem eu ter perguntado nada, mesmo assim havia um silêncio agradável naquela caminhada. Reparei que em momento algum ela havia tirado aquele sorriso do rosto, podia ver que ela estava excitada, animada, como uma criança antecipando seu presente em uma véspera de natal.
      Após o que pareceu ser uma eterna caminhada por infindáveis corredores finalmente chegamos a sala de jantar, que era nada menos que um enorme salão retangular com um teto de vidro transparente com vista para as estrelas, pequenos lustres ao redor das paredes com uma iluminação ambiente fraca em tom laranja para não atrapalhar a vista do céu e um deck de madeira que levava a um jardim de inverno que mais parecia uma reserva ecológica de clima tropical. Ao centro uma grande mesa coberta por um pano branco, com velas ao centro em castiçais de prata e poucas cadeiras esparsas em volta e um conjunto de jantar seleto para cada cadeira. Haviam duas pessoas sentadas, uma mulher mais velha e uma criança, não pareciam ser mãe e filho.
      – Por favor, sente-se cara Rose, logo os outros convidados chegarão e serviremos o jantar. – Logo que terminou a frase seu celular tocou e após uma breve olhada, provavelmente outro convidado chegara. – Peço licença a todos, estarei de volta em breve.
      A garota saiu correndo por onde viemos e tudo que eu pude fazer foi puxar uma cadeira e ficar em um desconfortável silêncio nesse recém-formado triângulo de olhares.
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thethousandpiece · 8 years ago
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2 – Michelle
        Os homens sempre foram gananciosos, abusivos, pretensiosos e burros. E não me leve a mal, mas as mulheres também não divergem muito dessa ideia, a diferença é que somos inteligentes. Pelo menos é o que dizia meu avô, claro ele não era meu avô de verdade, ele resolveu cuidar de mim quando eu tinha seis anos, depois que seu filho e o marido dele morreram em um acidente de avião. Eles haviam me adotado quando eu tinha 4 anos, me tirando do orfanado onde meus pais biológicos me deixaram, mas isso não vem ao caso.
      A questão é que meu avô é um velho extravagante, excêntrico, que gosta dessas coisas exotéricas, ele é pirado das ideias e também é absurdamente rico. Não apenas rico, ele é um magnata tão influente e poderoso que se alguma mudança tiver que ser feita na Província o Primeiro-Ministro tem que pedir autorização para ele. Ou, pelo menos, foi assim que um outro Ministro descreveu o velho durante as férias de verão daquele ano na nossa ilha no Pacífico. Também não era a maior das ilhas, de acordo com o Ministro as ilhas maiores eram habitadas por pescadores e fazendeiros e não podiam ser compradas para uso pessoal, então meu avô comprou todas as terras de fazendas e navios pesqueiros e contratou todos os moradores dos arquipélagos próximos para trabalhar para ele, praticamente do dia pra noite e sem alterar a vida daquelas pessoas o velho se tornou dono de toda aquela área.
      Os Ministros adoravam meu avô, rolavam aos seus pés e comiam em sua mão como cachorrinhos mimados e o velho os odiava, assim como sempre odiou toda e qualquer forma de política. Para ele a anarquia era a solução de tudo e a desculpa que usava para justificar tudo que fazia era que sempre fora um mestre estrategista, não só isso mas um mestre da manipulação e engenharia social, dizendo que só podia fazer o que quisesse, onde quisesse e quando quisesse pois a vida toda teria seguido e realizado apenas a própria vontade e, de alguma forma, suas ações sempre retornavam de forma positiva. E eu sendo a única família que lhe restava, ele decidiu me passar seus conhecimentos, então quando completei nove anos ele começou a me levar junto em suas viagens pelo mundo.
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thethousandpiece · 8 years ago
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1 – Rick Amster
       Não queria aceitar que esse fosse meu fim, ajoelhado nos pedregulhos misturados com sangue e neve no fundo de uma mina que poderia cair em cima de todos nós e com um revólver calibre .44 encostado na testa. Fechei os olhos ao ouvir agulha sendo puxada pra trás, não durou um segundo e pude sentir minha orelha esquerda queimando com o raspão da bala, me jogo no chão em choque e agonia sentindo o sangue escorrendo do furo na ponta superior da orelha. Um ferimento com raio de não mais que dois centímetros. Levantei a cabeça e vi aquele maldito japonês caído no chão, bem do meu lado, com uma vara de ferro cravada no meio do peito e logo atrás estava Rose, tirando o recém-defunto de perto de mim e me encarando de forma preocupada.
        - E os outros? – Perguntei, ainda em choque, quase surdo pelo tiro e com a orelha sangrando.
      - Achei o corpo do garoto, ou o que sobrou dele, esmagado por uma pedra. Já a garota eu não vejo desde que entramos na mina. – Ela respondia enquanto me levantava e apoiava parte do meu peso e seus ombros, com um dos meus braços apoiado em suas costas.
      - Pegue a arma e me dê a Peça, vamos dar o fora antes que o lugar desmorone de vez. É bom saber que a mina não desmoronou em cima de você, aliás, veja se nosso amigo empalado ali não tem um cigarro no bolso, estou realmente precisando de um.
      - Rick, você tem uma maldita bala alojada na perna e quase teve uma varando o cérebro, se não calar a boca vou te levar pra fora arrastado pela perna e não vai ser pela boa.
      - Mas ainda vai me tirar daqui, não é?
      Rose pegou o revólver e me entregou a Peça, fuçou os bolsos do japonês e tirou um maço de Marlboro vermelho e uma caixa de fósforos, colocou um cigarro em minha boca e o ascendeu, depois deu uma risada nervosa e disse:
      - É melhor que o resto da mina não exploda com esse seu cigarro.
      Caminhamos alguns metros e depois de algumas curvas fechadas e alguns tremores pudemos ver a entrada da mina. A sensação de ver a “luz no fim do túnel” jamais tinha parecido tão literal, mesmo sem sentir uma perna por causa da morfina, estando a pelo menos dois dias sem dormir e esperando um velho esnobe que talvez nos mataria logo que chegássemos do lado de fora, ainda era bom sentir o vento gélido do norte cortando o rosto mais uma vez.
      - Rick dá pra parar de puxar meus dreads! – Dizia a garota, irritada e nessas palavras pude sentir um frio descendo a espinha e batendo no estômago.
      - Rose, minha cara, um de meus braços está segurando a Peça, o outro estou apoiando por trás de seus ombros para que eu não caia. Como eu puxaria seus dreads? – Por mais que eu tivesse tentado manter a calma Rose deve ter sentido o mesmo frio que eu, pois naquele instante ela parou em choque, como se tivesse congelado, mesmo assim continuei – Escute, eles só querem a Peça, é só não olhar para trás e focar na luz à frente.
      Mas ela continuou ali parada, congelada pelo medo, por um tempo que pareceu ser toda eternidade.
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