#você me paga jonathan
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kitdeferramentas · 6 months ago
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I bet you tought that I was soft and sweet...
Começou com um espetáculo no chalé 9, de um filho de Hefesto animado demais fazendo tudo relacionado à proposta divina. Responder perguntas? Ele ria para o papel, achando graça. Receber o envelope? Seus olhos brilhavam com a expectativa. Trocar de roupa? Bom, vamos dizer que o quarto era só dele quando começou. A música nas alturas, a voz afinada acompanhando os agudos da música preferida e roupas... Tantas roupas vestidas e descartadas, porque ele criava personalidades diferentes para cada peça e item de adorno. E só após alcançar a meta da semana de duzentas repetições de tal música, ele decidiu com o simples nosso de cada dia. A blusa da última coleção, adquirida pelo trabalho de sua mãe; as calças mais confortáveis e um par de all stars estilizados, seguindo o padrão floral da blusa. O casaco estaria à tiracolo, claro, mas esperava não usá-lo tão cedo. Melhor está pronto para agitar a capa vermelha, @juncyoon, ou vai levar chifrada desse touro de Colchis.
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ketohacker · 1 year ago
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tmagbr · 4 years ago
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Avisos de conteúdo: Bonecas, dentes, situações insalubres, body horror, invasão de privacidade, instabilidade mental, vômito, acidente de carro, ferimentos.
MAG 005 – CASO #0092302 “JOGADO FORA”
ARQUIVISTA
Declaração de Kieran Woodward, em relação a itens recuperados dos rejeitos de Lancaster Road, 93, Walthamstow. Declaração original dada em 23 de fevereiro, 2009. Gravação em áudio por Jonathan Sims, Arquivista Chefe do Instituto Magnus, Londres.
Início da declaração.
ARQUIVISTA (DECLARAÇÃO)
Eu trabalho como lixeiro para o Concelho de Waltham Forest. Não é um trabalho ruim, sério, desde que você consiga aguentar o cheiro e acordar cedo — sem mencionar que quando o inverno começa a engatar, pode ser bem desagradável. Já tive que tirar lascas de gelo de umas latas de lixo só pra abri-las. Ainda assim, o pagamento é bem decente, pelo menos quando você adiciona os bônus de hora extra — e quando você termina seu turno, geralmente fica de folga pelo resto do dia, então trabalha menos do que gente mal paga de escritório. Só acontece que essas horas são bem menos agradáveis que qualquer coisa que você encontraria numa planilha de contabilidade. Mas não vim aqui pra falar sobre os benefícios e problemas de trabalhar com coleta de lixo. Pelo menos, eu acho que vim aqui falar sobre um problema muito específico que encontrei ano passado enquanto coletava os detritos da Lancaster Road número 93.
Bem, você encontra coisas estranhas nesse trabalho o tempo inteiro. Pessoas têm um bloqueio mental esquisito — a ideia de que assim que eles colocam alguma coisa na lixeira, ela some; que foi feito de lixo, então ninguém vai mais ver aquilo. O fato de que alguém teve que tirar dali e levar pro aterro sanitário ou centro de reciclagem realmente não passa por suas cabeças e ninguém parece perceber que mais de uma dúzia de pessoas possa estar vendo o que você jogou fora antes que finalmente desapareça pra sempre. Mas não. Até onde o resto do mundo sabe, quando você joga fora, aquilo some, muito além de toda compreensão humana. Isso deixa com que nós, que trabalhamos com o a coleta de resíduos, vejamos todo tipo de lado estranho da humanidade, mas com uma visão honesta de tudo. Se você é um bebum, existe muita chance de que lixeiros saibam o quanto você bebe mais do que você, porque esvaziamos todas as garrafas. E sim, nós nos lembramos e julgamos bastante as vezes, mas não necessariamente as coisas que pensa — você pode jogar fora uma montanha de pornô grotesco e, desde que você coloque em pacotes bem fechados, estamos bem com isso. Mas se você jogar fora sujeira de gato sem fazer o ensacamento próprio, pode acreditar que ganhou o ódio de cada lixeiro que já tirou aquilo dali. Enfim, estou saindo do assunto.
A questão é que a sacola de cabeças de bonecas não me incomodou. Quer dizer, era esquisito — centenas de cabeças pequenas de plástico, me encarando de dentro do saco de lixo —, mas além de um pequeno rasgo na lateral do saco, elas foram descartadas com cuidado e facilmente jogadas no caminhão. A sacola estava cheia delas. Estava posta perto da lixeira verde de recicláveis e, de primeira eu acho que era só uma boneca com a cabeça saindo do rasgo, mas quando a joguei no caminhão, a fenda aumentou, deixando cair um monte de outras coisas. Chutaria que, no mínimo, tinha mais de uma centena delas ali. Eram feitas de plástico duro, rígido, com aquela cara infantil de boneca que você encontra em todos os outros brinquedos do tipo. Várias tinham diferentes cabelos moldados ou pintados, então era claro que não eram simplesmente um cento de bonecas iguais. Alguém passou um tempo adquirindo toda uma variedade de bonecas, as quais foram decapitadas e enfiadas na sacola. Estavam desgastadas, mas não pela idade — parecia que alguém tinha pegado cabeças novas e as arrastado por concreto desnivelado, mas eu não poderia dizer se elas estavam presas ao corpo durante isso. Era bizarro, claro, mas o sol estava alto e estávamos em quatro trabalhando naquele dia, então foi fácil o suficiente só rir e esquecer. Era o grupo antigo: David Attayah, Matthew Wilkinson e Alan Parfitt, quem dirige — dirigia — o caminhão.
O que aconteceu foi que marcamos a Lancaster Road, 93, em nossas cabeças como “Casa das Bonecas”, já que passamos o resto do dia fazendo piadas batidas sobre o tipo de pessoa que deveria morar ali. Eu disse antes que os lixeiros locais sabem bastante sobre você. Bem, isso provavelmente não é a verdade pra maior parte das pessoas — nós servimos centenas de casas diariamente e quem consegue se lembrar de tantas pessoas? Quem quer fazer isso? No entanto, há casas sobre as quais você precisa manter o olho aberto; o tipo de lugar que joga fora coisas estranhas ou até perigosas. Como eu disse, nós provavelmente sabemos se você é alcoólatra, mas não é porque te assistimos obsessivamente ou nos preocupamos com sua saúde. É porque garrafas esmagadas e vidro quebrado são perigosas e aprendemos a tomar cuidado ao redor de casas em que é provável encontrar isso. Eu li uma vez que coleta de lixo é a segunda profissão mais perigosa na Inglaterra. Não tenho certeza se acredito — disseram que o primeiro lugar eram fazendeiros —, mas você vê um número considerável de machucados, então aprende a prestar atenção e marcar em sua mente em quais casas você deveria ser cauteloso.
Depois daquilo, a Casa das Bonecas se tornou uma dessas casas pro meu grupo. Não por causa de nenhum perigo conhecido, mas porque quando alguém enche uma lixeira de coisas esquisitas como aquela, você nunca sabe o que mais podem jogar fora. Além do mais, Alan, bem... tinha um senso de humor meio distorcido e amava aquelas cabeças de boneca. Quando contamos pra ele, ele insistiu que parássemos o caminhão e saíssemos pra dar uma olhada, então depois daquilo, sempre se certificava de nos pedir pra prestar atenção na número 93. E nós o fizemos.
Nas semanas seguintes, quando paramos na 93, tomei um segundo ou dois a mais só pra procurar por algo estranho na lixeira, mas nada parecia fora do normal. Alan, especialmente, ficou desapontado por isso, porém foi dificilmente considerado algo pra insistir sobre, então tiramos isso da cabeça e continuamos com o dia de trabalho. Isso seguiu por alguns meses e o incidente das cabeças de boneca não apareceu em nossas conversas, exceto por algumas mais interessantes no centro de reciclagem onde, pra ser sincero, não acho que acreditaram na gente ou se imediatamente tentaram ganhar de nós com suas próprias histórias bizarras de achados.
Foi no início da primavera que achamos a próxima coisa estranha da Lancaster Road 93. Novamente, era um saco de lixo sem nenhuma marca deixada próxima à lixeira de recicláveis. Assim que a vi, soube que era mais uma. O formato era regular demais pra estar cheio de lixo normal. Quando a peguei, também percebi que era muito leve. Parecia não pesar quase nada, mas tinha protuberâncias que pareciam ser feitas por um monte de papel. Eu dei uma olhada pros outros e lhes disse que achava que tínhamos outra sacola estranha. David e Matt começaram a discutir se deveríamos ou não a abrir, já que essa não parecia ter um rasgo como a última, e ainda estávamos discutindo sobre isso quando Alan foi checar o porquê de estarmos demorando tanto. Ele sabia onde estávamos e dava pra ver em seus olhos que esperava que essa fosse a razão do atraso. Numa última olhada em seu rosto, soube que se nós não abríssemos, ele abriria.
Olhei em direção à casa, checando por qualquer um assistindo, mas a 93 era perto do início da nossa rota, então ainda era bem cedo e todas as luzes estavam apagadas. Não havia sinal de movimento, então, com muito cuidado, eu abri a sacola. Era papel, como esperado. Parecia ser uma só tira de um papel sulfite grosso, talvez com uns três centímetros de largura. O papel era longo. Tão longo que parecia que, no saco inteiro, só tinha ela, enrolada, dobrada e amassada pra caber ali dentro. Tinha algo escrito em outra língua, acho que latim. Matt que foi criado como católico e nunca calava a boca sobre isso disse que reconhecia aquilo, afirmando ser uma oração ao Senhor, Pai de Todos, escrita de novo e de novo. Ele soou bem agitado sobre isso, especialmente pelo fato de que, em alguns pontos, as bordas do papel pareciam estar ligeiramente chamuscadas, como se tivessem passado por uma vela ou um isqueiro. Ele até pareceu hesitante em jogar aquilo fora com o resto do lixo, mas não havia nenhuma utilidade, então foi jogado com o resto do lixo. Alan sorriu pelo resto do turno e existia um deleite ali que, sinceramente, começou a me incomodar. Aquilo era meio que uma decepção depois das cabeças de boneca, mas o jeito que os outros reagiram me deixou inquieto.
A terceira sacola foi a que realmente mudou as coisas. Foi uma quinzena depois do papel de oração que achamos. Ao nos aproximarmos da 93, percebi outro saco colocado perto da lixeira. Os outros claramente notaram também já que todos ficaram muito quietos. As duas últimas sacolas que estavam do lado de fora da lixeira eram únicas, então não me sobraram dúvidas de que era mais lixo bizarro. Alan desligou os motores e encostamos perto da casa pra sair do caminhão. O que quer que estivesse naquela sacola, ele veria. O saco de lixo tinha protuberâncias, como os outros, mas sua superfície tinha uma aparência irregular. Encaramos aquilo por vários segundos antes que eu percebesse que os outros estavam esperando que eu o pegasse — eu tinha pegado os outros, então, aparentemente, aquilo era como as coisas seguiriam. Senti como se fosse quase um ritual.
Eu andei até ele e o levantei do chão. Era mais pesado e enquanto se movia, fazia barulhos como areia ou cascalho, quem sabe até um chocalho. Comecei a carregá-la até meus colegas pra abri-la quando, acidentalmente, bati com o fundo da sacola na baixa parede de tijolos em frente ao pequeno jardim. Cheia até o topo, a sacola se rasgou facilmente.
Do mais novo buraco vazaram dentes. Centenas, milhares de dentes; vieram se derramando numa cachoeira de branco, creme e amarelo, pulando ao se encontrarem com o chão e gradualmente fazendo uma pilha de tamanho impressionante. Ao finalmente se esvaziar, nós só paramos ali em silêncio, encarando a montanha de dentes agora no chão a nossa frente. Pareciam ser humanos pra mim, mas eu não era exatamente um expert e com toda certeza não queria checar mais de perto. Finalmente, David quebrou o silêncio vomitando num bueiro próximo e eu me afastei do monte sinistro. Até Alan pareceu chocado com isso — suponho que algumas coisas são desconcertantes não importando o quão estranhos são seus interesses. Chamamos a polícia.
Isso é outra coisa que as pessoas costumam se esquecer sobre lixeiros — somos perfeitamente capazes de ligar pra polícia se virmos algo obviamente ilegal sendo jogado fora. Usualmente não nos preocupamos se for algo pequeno, mas isso... isso nos fez chamar a polícia. Eles, supreendentemente, vieram em boa hora e eu me lembro que estavam ainda mais assustados que a gente. Um deles recolheu nossas declarações enquanto outra foi até a casa pra checar seus ocupantes e ver se sabiam qualquer coisa sobre os dentes. Quando a oficial bateu na porta, todos se esforçaram pra ter uma visão melhor do que a cumprimentou. Sem chance de que iríamos perder a chance de dar uma olhada de verdade em quem residia na Lancaster Road 93. Eventualmente, a porta se abriu e uma mulher velha pôs-se de pé ali, ajustando a visão ao sol de início de manhã — claramente alarmada de ver a polícia. Nem é necessário dizer que a velha e seu marido não tinham ideia sobre nenhum dos sacos esquisitos que vinham aparecendo em seus descartes e pareceram realmente perturbados quando receberam os detalhes. A polícia passou uns dez minutos fazendo seu melhor pra coletar todos os dentes e fomos mandados embora dali. Eu não tinha ideia — isso se tivesse dado em algo — dos resultados da investigação. Certamente eu nunca mais fui contatado por eles e, se qualquer um de nós tivesse sido, não mencionaram.
E por um tempo, foi só isso. Ficamos de olho sempre que alguém ia em direção à Lancaster Road, mas não encontramos mais nenhuma sacola de lixo sinistra. Eu acho que, talvez, o envolvimento da polícia tinha assustado quem quer que seja que estivesse as deixando ali. Talvez a polícia tivesse encontrado o culpado e só não tinha nos contado sobre.
Eu comecei a notar, no entanto, que Alan não estava bem. Frequentemente ele se atrasava pro seu turno e, quando finalmente chegava nele, ele se mostrava exausto e mal-humorado, surtando pra todo mundo e rudemente afastando qualquer um que perguntasse sobre sua saúde ou como ele estava. Ele parecia ainda pior assim que nos aproximávamos do final da Lancaster Road, as vezes acelerando o caminhão até termos que correr pra acompanhar. Eventualmente, depois que tropecei no meio-fio por causa da pressa e torci meu tornozelo, eu o confrontei. Disse a ele que o que quer que estivesse acontecendo consigo ou deveria ser dito ou superado, mas claramente precisava lidar com algo. Ele ficou em silêncio e disse que ficou observando a número 93 por algumas noites. Falou que precisava ver quem estava deixando aquelas coisas ali. Que ele precisava saber.
Não sei o que eu esperava. Problemas em casa, talvez, ou depressão, só que aquilo me pegou de surpresa. Eu contei que era realmente uma ideia ruim, que se a polícia ainda estivesse investigando, era bem provável que o escolhessem como culpado, e mesmo se não o fizesse, o velho casal da 93 poderia facilmente fazê-lo ir preso por assédio ou perseguição. Alan assentiu com a cabeça enquanto eu falava, mas eu notei que ele não estava escutando. Ele disse, de novo, que precisava saber, contou que estava sendo cuidadoso como s esperasse que aquilo me acalmasse. Não acalmou, porém também percebi que não daria conta de tirar aquilo da cabeça dele, então acabamos num silêncio desconfortável.
O que eu não contei é que quase fiz o mesmo uma ou duas vezes. Existia algo ali, muito além de tudo que havia encontrado... Sei lá. Aquilo me atraiu tanto quanto me enojou. Tanto quanto, mas não o suficiente pra me convencer que ignorar era a decisão certa, só olhar pra Alan me dizia isso. Com o passar do tempo, as olheiras dele ficaram mais fundas e eu o via por pra dentro meia dúzia de energéticos durante uma manhã só pra aguentar seu turno. Eu poderia ter dito algo pro nosso chefe, mas, ainda assim, Alan era meu amigo e eu não queria ser a pessoa que o colocou em qualquer problema. No entanto, eventualmente, veio à tona. Alan adormeceu no volante do caminhão e bateu num carro estacionado. Ninguém se feriu e o caminhão estava devagar demais pra qualquer dano de verdade, mas àquele ponto, foi o suficiente pra despedi-lo. Ficamos tristes por vê-lo partir, mas, sinceramente, no fim de tudo, a companhia dele se tornou bem desagradável e ninguém chorou por isso. Ganhamos outro membro em nossa equipe — um cara chamado Guy Wardman — e a vida continuou relativamente pacífica. Por um tempo pelo menos.
Então em 8 de agosto do ano passado, depois das duas da manhã, eu fui acordado com uma mensagem de Alan. Dizia “EU O ENCONTREI”. Respondi imediatamente. O que ele tinha achado? Tinha sido quem andava deixando as sacolas? Teria essa pessoa levado outra? Não houve resposta. Mandei outra mensagem perguntando se ele estava bem. E reenviei várias vezes, mas não ouvi nada dele. Tentei telefonar, mas ninguém atendeu. Os minutos viraram horas e a preocupação que se instalou em meus instintos se tornou em uma sombria certeza. Eu soube que Alan se fora. Eu também soube que tinha que ir à Lancaster Road 93 ver por mim mesmo. Peguei meu casaco e saí pela noite.
Andei devagar, quase relutante, então o céu começava a escurecer quando cheguei. Eu sabia o que acharia quando chegasse ali e estava certo. Não havia sinal de Alan ou do que quer que ele tenha visto. No entanto, havia um novo saco de lixo no lugar de sempre. Estava cheio e, desta vez, o topo tinha sido amarrado com uma fita verde-escura — arranjada num laço como um presente antigo de natal. Tinha protuberâncias como o último.
Peguei a sacola, que acabou sendo bem leve, e tirei o laço. Abrindo-a, vi algo branco se mexendo e, por um segundo, achei que fossem mais dentes. Olhando mais de perto, enxerguei a verdade: amendoins de espuma. Amendoins de espuma de poliestireno. Suficientes pra encher a sacola de lixo à sua capacidade máxima. Eu quase me senti aliviado até perceber que tinha mais alguma coisa ali dentro fazendo com que a sacola de poliestireno fosse mais pesada do que deveria ser. Fechei meus olhos e enfiei meu braço nela esperando achar algo horrível dentro. Em vez disso, minha mão se fechou ao redor de metal frio e eu tirei de lá um pedaço de... Acho que deve ter sido de cobre ou bronze, esculpido grossamente no formato de um coração — mas um coração de verdade, não como um coração de dia dos namorados. Era frio ao toque, como se tivesse acabado de sair do freezer, e quase grudou em minha pele. Gravado na lateral tinha o nome “Alan Pafitt” cujas letras tinham precisão de máquina. Aquele foi o último sinal de Alan que eu encontrei. Até onde eu sei, ele nunca mais foi visto desde então.
Eu dei o pedaço de metal pra um amigo meu que trabalha com lixo hospitalar e me deve um favor. Pedi pra ele jogar aquilo fora com uma de suas remessas já que o incinerador médico queima melhor do que qualquer um que eu tenho acesso, achei que aquela era a minha melhor chance de me livrar daquilo propriamente. Eu ainda trabalho na rota da Lancaster Road, mas desde então não houve mais sacos estranhos aparecendo na 93. Na maior parte do tempo eu só tento me esquecer daquilo.
ARQUIVISTA
Fim da declaração.
É ótimo ter uma declaração na qual a maior parte dos pormenores é facilmente verificável. Veio ainda com declarações menores de suporte de David Atayah e Matthew Wilkinson confirmando os conteúdos das primeiras três sacolas, assim como detalhes do comportamento de Alan Parfitt antes de sua rescisão do trabalho para o governo local. Em exemplo não característico de realmente ter que lidar com tecnologia moderna, minha predecessora teve o bom senso de fazer uma cópia das últimas mensagens entre Alan Parfitt e o Sr. Woodward.
Fiz Martin conduzir uma entrevista de acompanhamento com o Sr. Woodward semana passada, mas foi pouco esclarecedora. Aparentemente não houve mais sacolas na número 93 e nos anos seguintes, ele desacreditou muitos dos aspectos estranhos de sua experiência. Eu não esperava muito já que o tempo, geralmente, inclina as pessoas a esquecer o que elas preferem não acreditar, mas pelo menos tirei Martin do instituto por uma tarde, o que é sempre um alívio bem-vindo.
Sasha teve mais sorte seguindo os relatórios antigos da polícia. Alan Parfitt foi dado como desaparecido por seu irmão Michael em 20 de agosto de 2009 e sua localização continua desconhecida. O saco de dentes também foi confirmado pelos relatórios dos policiais Suresh e Altman, no entanto, eles não podem providenciar mais detalhes por nunca terem prendido alguém ou sequer terem localizado suspeitos. O relatório médico dos dentes dá um detalhe intrigante: todos os dentes confirmaram-se sendo humanos, não só isso como , até onde a pessoa que examinou pôde determinar... Todos estavam em diferentes estágios de decaimento e não batiam com nenhum registro dental disponível — mas todos os dois mil setecentos e oitenta eram exatamente o mesmo dente.
Fim da gravação.
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nanofregonese · 7 years ago
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The Black Monday Murders: todos louvem o deus dinheiro
Texto publicado no Update Or Die.
1929, quebra da bolsa de valores de Nova York, também conhecida como a Grande Depressão. É aí que começa essa história de mistério envolvendo magia, sacrifícios humanos, deuses antigos e dinheiro. Muito dinheiro.
Durante as primeiras horas da manhã, antes da bolsa quebrar pra valer, um magnata é servido por seu mordomo. De repente, o magnata começa a sangrar pelo nariz, deixando o serviçal muito preocupado.
– Senhor – diz o mordomo. – Você está sangrando muito.
– Não sou eu, seu imbecil. É o dinheiro.
Sim!��Era o dinheiro que estava sangrando.
O que se segue é uma sequência de sacrifícios rituais para alcançar um equilíbrio de energias e deixar o dinheiro em uma boa situação novamente.
Já ouviu aquela história de que um monte de gente desesperada se atirou das janelas dos prédios logo depois da quebra? Pois então, aqui elas não se atiraram. Elas foram arremessadas pelos próprios colegas de trabalho.
Isso tudo serve para nos apresentar a um mundo no qual famílias de feiticeiros muito antigas controlam o poder global ao controlar a grana (se você alguma vez já suspeitou que os muito muito muito ricos deviam ter algum tipo de pacto, você estava certo). É como um Harry Potter muito mais sombrio onde você vai pra Wall Street ao invés de ir para Hogwarts.
Para se manter no alto, essas famílias matam, chantageiam, manipulam e exploram.
Sim, é uma metáfora poderosa e eu não sei como ninguém pensou nisso antes. Ainda bem que Jonathan Hickman está aí para ter esse tipo de ideia maluca e nos brindar com uma história original, assustadora e da mais alta qualidade.
The Black Monday Murders vai nos inserindo aos poucos nesse universo, nos mostrando acontecimentos em diferentes linhas temporais. Temos um crime bizarro no presente, enquanto vemos detalhes sobre as famílias de magos e seus relacionamentos no passado. Intercalando tudo isso, Hickman e o ilustrador Tomm Coker nos brindam com diagramas e esquemas ocultistas que explicam o (complexo) funcionamento da magia e alguns documentos censurados que ajudam a mergulhar mais fundo na trama.
É um conto noir moderno, mas que não tem medo de abraçar o sobrenatural e apresentar conceitos que vão fazer o seu queixo cair. Quer ver?
NINGUÉM PODE SERVIR A DOIS SENHORES, PORQUE OU HÁ DE ODIAR UM E AMAR O OUTRO OU SE DEDICARÁ A UM E DESPREZARÁ O OUTRO. NÃO PODEIS SERVIR A DEUS E À MAMON.
O deus que os magos adoram aqui é Mamon, aquele citado na Bíblia e que é a representação do dinheiro/riqueza… na verdade, dizer que ele seria um deus não é o correto, sendo que Mamon não é um ser que está conectado ao dinheiro. Ele está mais para uma encarnação do próprio poder. E todos bem sabemos que, no mundo de hoje, o que é o dinheiro senão o poder em forma física e mensurável?
Sendo assim, um mago adora e recebe bênçãos do dinheiro em pessoa. Foda, né?
Outra passagem que me deixou de olhos arregalados foi uma em que um mago mais experiente está explicando a um grupo de sócios menores como eles devem fazer para conseguir riqueza.
O primeiro passo diz respeito a pagamento. Você paga com as suas horas, seu suor, sua juventude, sua saúde, suas relações familiares.
Só que há um limite do quanto você pode enriquecer com esse tipo de coisa. Quando você quer acumular poder pra valer, ganhar dinheiro de verdade, você precisa se apoiar nas costas dos outros… sejam filhos, escravos ou funcionários, você sacrifica os outros.
Por fim, o último passo. Bem, o último passo tem que ficar para outra ocasião, porque ainda não estamos preparados para aprendê-lo.
Assustador.
The Black Monday Murders é uma das melhores HQs que li nos últimos tempos, com uma arte impactante, um cenário original e personagens instigantes. O ritmo é um pouco lento e o esquema todo é intrincado o suficiente para fazer você perder detalhes se não estiver atento, mas vale muito a pena.
Essa é uma história que exige comprometimento do leitor, mas, como ensinam esses magos endinheirados, se você estiver disposto a pagar o preço, sairá mais rico da experiência.
The Black Monday Murders: todos louvem o deus dinheiro was originally published on NaNo
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homemvoador · 6 years ago
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A mansão
Acabo de me servir de um copo de uísque. Estava no piso superior da minha casa, deixando Mozart ecoar.
Do segundo andar, tenho uma boa vista de Los Angeles. Ela é sempre elogiada. Elogios de pessoas que vieram pela casa, pela bebida, e pelas atrações.
Eu não posso ser o único na cidade que sente vontade de acordar um dos funcionários de vez em quando pelo simples prazer da companhia. Não faço isso, é claro.
Se chamasse Orlando, por exemplo, por mais descontraído que eu fosse, não conseguiria penetrar seu profissionalismo. Ele manteria a fachada subserviente. E quando finalmente o sono vencesse, eu iria para o quarto com a sensação de que não tive a companhia de um igual. Desejaria boa noite pela primeira vez na vida a um empregado, que se deitaria com mais pena de mim do que num dia comum.
Numa dessas madrugadas, liguei para Jonathan. Acordou com o telefonema. Insisti que deveríamos sair da rotina e fazer algo juntos. Jogar xadrez, que fosse.
“Você está bêbado, Mike. Vá dormir.” Mas eu não estava.
Jonathan é a única pessoa que considero meu amigo. Trabalhamos juntos há vinte e três anos. Mas hoje é tudo o que fazemos. Trabalhar.
Sempre que você escuta “Este é meu amigo” numa festa, está conhecendo um parceiro de negócios. Tempo é dinheiro, e dinheiro se gasta com coisas, não com pessoas.
Meu Deus... Eu soo como um adolescente. Acorde, Mike. Você é esse velho de Armani no espelho. Um velho de Armani. Um velho.
Uma vida trabalhando para comprar o Sonho Americano, que, um dia, envolvia uma bela mulher e dois filhos, e agora envolve ocasionais mulheres pagas e nenhum filho. Comprei tudo e não divido com ninguém. E não é nem porque eu não queira. É porque o idealismo de todo mundo morre com a chegada dos cabelos brancos. E o que tornava um adolescente interessante nos anos 1960 é o que faz gente da minha idade parecer absurda. É elegante ser cético. É patético acreditar em mais do que essa casa, essa vista e esse uísque.
Talvez eu ligue de novo para Jonathan logo mais. Ou talvez eu fique apenas observando as luzes de LA outra vez. Como ontem. Como anteontem. É impressão minha ou eu tenho passado todas as noites do último mês olhando a paisagem sozinho no silêncio?
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web-series · 6 years ago
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13 - gaiola
Neco volta pra casa e é surpreendido por Lorrayne, que o esperava.
(Neco)-ué, pensei que estivesse em casa.
(Lorrayne)-eu tava, mas resolvi sair. O Miguel tá com o meu pai e eu não suporto mais ficar lá. Enfim, onde você tava? Te mandei mensagem e nada.
(Neco)-aff, mano, vai ficar me controlando agora?
(Lorrayne)-tá, tá, foi mal, é que eu fico preocupada, cê me conhece.
(Neco)-fica de boa, eu tô tranquilo. Dorme comigo essa noite?
(Lorrayne)-hum...não sei se você tá merecendo.
Neco pega a namorada pela cintura e sorri.
(Neco)-tô merecendo não? Olha minha carinha e vê se eu não tô merecendo.
Neco leva a mão da moça até seu pau e ela morde os lábios. Segundos depois, eles vão pra sala e começam a fazer amor.
Hugo se familiariza com seu novo quarto, quando Bárbara entra no local.
(Bárbara)-ei, Hugo! 
(Hugo)-oi, tudo bem?
(Bárbara)-tudo sim. Prazer, meu nome é Bárbara.
(Hugo)-oi, Bárbara. Belo nome.
(Bárbara)-obrigada. Posso me sentar?
(Hugo)-claro, à vontade, só não repara a bagunça.
(Bárbara)-tá de boa. Mas me conta mais sobre você. É solteiro, casado, namora...
(Hugo)-sou solteiro. Não tenho cabeça pra relacionamentos por agora.
(Bárbara)-olha que bacana, eu também tô solteira. Podíamos dar um rolê, que acha?
(Hugo)-claro...podemos sim.
(Bárbara)-duvido que vai querer continuar sendo solteiro depois de dar uns rolês comigo. Opinião minha, né.
Hugo sorri, sem graça.
Joyce repreende Jonathan por ter aceitado Hugo na gaiola sem lhe consultar.
(Jonathan)-o apartamento tá no nome de quem?
(Joyce)-eu sei que é no seu, mas alugamos juntos, portanto...
(Jonathan)-portanto nada, minha filha, é isso aí! Eu tenho o direito de decidir quem entra e quem sai!
(Joyce)-se esse cara que entrou for mal elemento, você me paga! Mano, que mania de fazer as coisas sem consultar ninguém!
(Jonathan)-pega no meu e balança, ô menina chata do caralho.
Jonathan junta suas coisas e vai pro quarto, deixando Joyce irritada.
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alvaromatias1000 · 6 years ago
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Chris Anderson entrevista Yuval Noah Harari
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Chris Anderson: Bem, estamos em Nova York para o primeiro de uma série de Diálogos TED, com Yuval Harari. Há um público no Facebook Live assistindo. Vamos iniciar as suas perguntas e as das pessoas no auditório em apenas alguns minutos, então continuem a enviá-las.
Se você argumentar “precisamos passar pelo nacionalismo por causa da vinda do perigo tecnológico”, devido a muito do que está acontecendo, temos de ter uma conversa global sobre isso. É difícil conseguir as pessoas realmente acreditarem a IA (Inteligência Artificial) ser mesmo uma ameaça iminente. Pelo menos algumas pessoas se importam muito mais agora com a mudança climática e outras questões como os refugiados, as armas nucleares, e assim por diante. De alguma forma, essas questões precisam ser tratadas? Você falou sobre a mudança climática, mas Trump disse não acreditar nisso. Então, de certa forma, seu argumento mais poderoso, não pode ser usado neste caso.
Yuval Noah Harari: A mudança climática, à primeira vista, é bastante surpreendente haver uma correlação muito estreita entre nacionalismo e mudanças climáticas. Quase sempre, quem nega mudanças climáticas é nacionalista. À primeira vista, você pensa: Por quê? Qual é a conexão? Por que não temos socialistas negando mudanças climáticas? Mas quando pensamos nisso, fica óbvio: porque o nacionalismo não tem uma solução para as mudanças climáticas.
Se você quer ser um nacionalista, no século 21, você nega o problema. Se aceitar a realidade do problema, então você deve aceitar, sim, ainda há espaço no mundo para o patriotismo, ainda há espaço no mundo para lealdades especiais e obrigações para com seu próprio povo, e para com seu próprio país. Ninguém realmente está pensando em abolir isso. Mas, para enfrentar a mudança climática, precisamos de lealdades e compromissos adicionais em um nível além da Nação. Isso não deve ser impossível, porque as pessoas podem ter várias camadas de lealdade. Você pode ser leal à sua família, à sua comunidade, e ao seu país, então, por que você não pode também ser leal à humanidade como um todo? É claro, há ocasiões quando fica difícil o que colocar em primeiro lugar, mas a vida é difícil. Lide com isso. (Risos)
Howard Morgan: Uma das coisas faz obviamente uma enorme diferença neste país, e em outros, é a desigualdade na distribuição de renda. Houve uma mudança dramática na distribuição de renda nos EUA em relação há 50 anos, e em todo o mundo. Há algo a fazer para mudar isso? Porque disso derivam muitos problemas.
YNH: Até agora não ouvi uma boa ideia sobre o que fazer sobre isso, novamente, em parte porque a maioria das ideias permanecem no nível nacional, e o problema é global. Uma ideia ouvida muito hoje é a renda básica universal. Mas este é um problema. É um bom começo de debate, mas é uma ideia problemática porque não está claro o que é “universal” e não está claro o que é “básico”. A maioria das pessoas, quando fala sobre renda básica universal, pensa em renda básica nacional. Mas o problema é global.
Vamos dizer que IA e impressoras 3D estão tirando milhões de postos de trabalho em Bangladesh, de todas as pessoas produtoras de minhas camisas e meus sapatos. O que vai acontecer? O governo dos EUA vai cobrar impostos do Google e da Apple na Califórnia, e usá-los para pagar uma renda básica aos bengaleses desempregados? Se você acredita nisso, pode muito bem acreditar que Papai Noel vai chegar e resolver o problema.
A menos que tenhamos renda básica realmente universal e não nacional, os problemas difíceis não vão desaparecer. E também não está claro o que básico significa, pois quais são as necessidades humanas básicas?
Mil anos atrás, alimento e abrigo eram suficientes. Mas hoje, as pessoas dirão que educação é uma necessidade humana básica, e deve ser parte do pacote. Mas quanto? Seis anos? Doze anos? PhD?
Da mesma forma, com assistência médica, vamos dizer que em 20, 30, 40 anos, você terá tratamentos caros que podem estender a vida humana para 120 anos, eu não sei. Será que isto vai fazer parte da cesta da renda básica ou não?
É um problema muito difícil, porque em um mundo onde as pessoas perdem sua empregabilidade, a única coisa a recorrer é a essa renda básica. Então, o que compõe essa cesta é uma questão ética muito difícil. Temos muitas perguntas sobre como o mundo pode bancá-la e, também, quem paga.
CA: Há uma pergunta aqui da Lisa Larson no Facebook: “Como é que o nacionalismo nos EUA hoje se compara àquele existente entre a Primeira e Segunda Guerra Mundiais?”
YNH: Bem, a boa notícia, no que diz respeito aos perigos do nacionalismo, é estarmos em uma posição muito melhor face há um século. Há um século, em 1917, os europeus estavam se matando aos milhões. Em 2016, com o Brexit, até onde me lembro, uma única pessoa morreu, um membro do parlamento assassinado por um extremista. Apenas uma única pessoa. Ou seja, se o Brexit era sobre a independência britânica, esta é a guerra de independência mais pacífica na história da humanidade.
Se agora a Escócia vá optar por deixar o Reino Unido, após o Brexit, assim como no século 18, quando os escoceses quiseram várias vezes, romper com o controle de Londres. Antes, a reação do governo em Londres era enviar um exército para o norte para queimar Edimburgo e massacrar as tribos das montanhas. Meu palpite é, se em 2018 os escoceses votarem pela independência, o governo de Londres não irá enviar um exército para o norte para queimar Edimburgo. Poucas pessoas estão agora dispostas a matar ou serem mortas pela independência escocesa ou britânica.
Então, para toda conversa sobre a ascensão do nacionalismo e volta à década de 1930, ao século 19, pelo menos no Ocidente, o poder dos sentimentos nacionalistas é hoje muito menor do que era há um século.
CA: Embora hoje algumas pessoas estejam mostrando preocupação de que isso possa estar mudando. Talvez possam realmente haver surtos de violência nos EUA dependendo de como as coisas ficarem. Deveríamos nos preocupar com isso, ou acha mesmo essas coisas terem mudado?
YNH: Devemos nos preocupar; devemos estar cientes de duas coisas. Antes de mais nada, não fique histérico. Ainda não voltamos à Primeira Guerra Mundial. Mas, por outro lado, não seja complacente. Vivemos de 1917 a 2017, não por algum milagre divino, mas simplesmente por decisões humanas, e se nós agora começarmos a tomar as decisões erradas, poderemos voltar a uma situação análoga a 1917 em poucos anos.
Uma das coisas que sei como historiador é: nunca devemos subestimar a estupidez humana. (Risos) É uma das forças mais poderosas na história, estupidez e violência humana. Os humanos fazem coisas muito malucas, sem nenhuma razão aparente, mas mais uma vez, ao mesmo tempo, outra força muito poderosa na história da humanidade é a sabedoria humana. Temos ambas.
CA: Temos aqui conosco o psicólogo moral Jonathan Haidt. Ele tem uma pergunta.
Jonathan Haidt: Obrigado, Yuval. Você parece ser fã da governança global, mas quando você olha para o mapa do mundo da Transparência Internacional, avaliando o nível de corrupção das instituições políticas, vê um vasto mar vermelho com pequenos pedaços amarelos aqui e ali para aqueles com boas instituições. Então, se pudéssemos ter algum tipo de governança global, o que o faz pensar o mundo ser mais parecido com a Dinamarca ao invés da Rússia ou Honduras? Não existem alternativas, tal como fizemos com as SECs? Há maneiras de resolver problemas globais com governos nacionais. Como seria um governo mundial, e por que ele funcionaria?
YNH: Bem, eu não sei como seria. Ninguém tem ainda um modelo para isso. A principal razão hoje é a demanda social: precisamos dele é porque em muitas destas questões todos perdem. Quando há uma situação como no comércio, em que todos ganham, ambos os lados podem se beneficiar de um acordo de comércio, então isso é algo a funcionar sem algum tipo de governo global, cada governo nacional tem seu interesse em fazê-lo. Mas quando há uma situação em que todos perdem, como a mudança climática, é muito mais difícil sem alguma autoridade abrangente, autoridade real.
Agora, como chegar lá e como seria esse governo, eu não sei. E, certamente, não há nenhuma razão óbvia para pensar: o mundo seria tal como a Dinamarca, ou seria uma socialdemocracia. O mais provável é não ser. Não temos modelos democráticos viáveis para um governo global. Então, talvez ele parecesse mais com a China antiga em lugar da Dinamarca moderna. Mas ainda assim, face aos perigos enfrentados, a urgência de termos algum tipo de capacidade real de impor decisões difíceis em um nível global é mais importante em vez de quase qualquer outra coisa.
CA: Há uma questão de Kat Hebron no Facebook, enviando de Vail: “Como as nações desenvolvidas cuidariam dos milhões de refugiados climáticos?”
YNH: Eu não sei.
CA: Essa é a sua resposta, Kat.
YNH: E não acho que eles saibam também. Eles só vão negar o problema, talvez.
CA: Mas imigração, em geral, é outro exemplo de um problema muito difícil de ser resolvido por um país individualmente. Uma nação pode fechar suas fronteiras, mas talvez isso traga problemas para o futuro.
YNH: Sim, é um outro caso muito bom, especialmente porque é muito mais fácil migrar hoje se comparado à Idade Média ou aos tempos antigos.
CA: Yuval, há uma crença entre muitos tecnólogos, certamente, de as preocupações políticas estarem meio exageradas. Na verdade, os líderes políticos não têm tanta influência no mundo. Neste momento, a determinação real da humanidade é pela ciência, pelas invenções, pelas empresas, por muitas outras coisas além de líderes políticos. Na verdade, é muito difícil para os líderes fazerem muito, então, estamos realmente nos preocupando com nada aqui.
YNH: Em primeiro lugar, deve-se enfatizar: a capacidade dos líderes políticos de fazer o bem ser muito limitada, mas a sua capacidade de causar danos é ilimitada. Há um desequilíbrio básico aqui. Você ainda pode pressionar o botão e explodir todo mundo. Você tem esse tipo de capacidade. Mas se quiser, por exemplo, reduzir a desigualdade, isso é muito difícil. Mas, para começar uma guerra, você ainda pode fazê-lo muito facilmente.
Portanto, há um desequilíbrio embutido no sistema político hoje muito frustrante. Há um limite para fazer coisas boas, mas ainda dá para causar muitos danos. O sistema político ainda é uma preocupação muito grande.
CA: Então, ao olhar para o que acontece hoje, usando seu “chapéu de historiador”, você identifica momentos na história quando estava tudo indo bem e um líder individual realmente fez o mundo ou seu país regredir?
YNH: Na verdade, há vários exemplos, mas devo salientar: nunca foi um líder individual. Quero dizer, alguém o colocou lá, e alguém permitiu ele continuar lá. Por isso, nunca é realmente apenas a culpa de um único indivíduo. Há muitas pessoas por trás de cada um desses indivíduos.
CA: Podemos dar o microfone aqui, por favor, para o Andrew?
Andrew Solomon: Você falou muito sobre o global versus o nacional, mas me parece, cada vez mais, a situação do mundo estar nas mãos de grupos individuais. Vemos pessoas de dentro dos EUA recrutados pelo ISIS. Outros grupos se formaram, estão além dos limites nacionais, mas ainda representam poderes importantes. Como eles poderão ser integrados no sistema e como um conjunto diverso de identidades se tornará coerente sob uma liderança nacional ou global?
YNH: Bem, o problema de tais identidades diversas é um problema do nacionalismo também. O nacionalismo acredita em uma identidade única, monolítica, e versões exclusivas ou, pelo menos, mais extremas de nacionalismo acreditam em uma lealdade exclusiva para uma única identidade. Portanto, o nacionalismo tem tido uma série de problemas com as pessoas com ambição de dividir suas identidades entre os vários grupos. Portanto, não é apenas um problema, digamos, para uma visão global.
Mais uma vez, a história mostra não devermos necessariamente pensar em termos tão exclusivos. Se há apenas uma única identidade para uma pessoa, “Eu sou apenas X. Eu não posso ser várias coisas, posso ser apenas isso”, esse é o início do problema. Temos religiões e nações teológicas às vezes exigentes de uma lealdade exclusiva, mas não é a única opção. Há muitas religiões e muitas nações permissivas de se ter diversas identidades ao mesmo tempo.
CA: Mas, no ano passado, um grupo de pessoas criticou as elites liberais de esquerda, por falta de um termo melhor, obcecada por muitas e muitas identidades diferentes e, sentindo-se: “Mas e a minha identidade? Estou sendo completamente ignorado. E, a propósito, eu achava que era a maioria”. Isso provocou muita raiva.
YNH: A identidade é sempre problemática, porque ela é sempre baseada em histórias fictícias. Elas, mais cedo ou mais tarde, colidem com a realidade. Quase todas as identidades, além do nível da comunidade básica de algumas dezenas de pessoas, são baseadas em uma história fictícia. Elas não são a verdade, a realidade. São apenas histórias cujas pessoas adeptas inventam e contam entre si – e, pior, começam a acreditar! Portanto, todas as identidades são extremamente instáveis. Elas não são uma realidade biológica. Às vezes os nacionalistas, por exemplo, acham a Nação ser uma entidade biológica. É feita de uma combinação de solo e sangue, então cria-se a Nação. Mas esta é apenas uma história fictícia.
CA: Solo e sangue fazem uma lama pegajosa! (Risos)
YNH: Faz, e também mexe com a mente quando se pensa muito sermos uma combinação de solo e sangue. Se você olhar do ponto de vista biológico, obviamente nenhuma das nações existente hoje existia há 5 mil anos. O Homo sapiens é um animal social, certamente. Mas por milhões de anos, o Homo sapiens e nossos ancestrais hominídeos viviam em pequenas comunidades de algumas dezenas de indivíduos. Todos se conheciam.
As nações modernas são comunidades imaginadas, no sentido de ninguém conhece todas essas pessoas compatriotas. Eu venho de uma nação relativamente pequena, Israel, e dos 8 milhões de israelenses, nunca conheci a maioria deles. Eu nunca vou conhecer a maioria deles. Os elos existem basicamente no imaginário nacionalista.
CA: Mas em termos dessa identidade, esse grupo se sente excluído e talvez perca seu emprego… Em “Homo Deus” você realmente fala deste grupo de certo modo se expandindo. Muitas pessoas podem perder seus empregos de alguma forma para a tecnologia. Poderíamos acabar com uma enorme “classe inútil”, uma classe tradicionalmente vista pela Economia como pessoas sem propósito e com desalento?
YNH: Sim.
CA: Qual a probabilidade disso ocorrer? Isso é algo que deve nos apavorar? E podemos resolver isso de alguma forma?
YNH: Devemos pensar sobre isso com muito cuidado. Ninguém sabe realmente como será o mercado de trabalho em 2040, ou 2050. Há uma chance de muitos novos postos de trabalho aparecerem, mas não é certeza. Mesmo se novos empregos aparecerem, não será necessariamente fácil para um motorista de caminhão desempregado, com 50 anos, tendo perdido seu emprego para veículos autônomos, se reinventar como designer de mundos virtuais.
Anteriormente, se você olhar para a trajetória da revolução industrial, quando as máquinas substituíram os humanos em um tipo de trabalho, a solução geralmente veio de trabalhos de baixa qualificação em novas linhas de negócios. Na mecanização do campo, não precisávamos de mais trabalhadores agrícolas, então as pessoas passaram a ocupar vagas industriais de baixa qualificação. Quando isso é tirado por mais e mais máquinas, as pessoas passam para serviços de baixa qualificação.
Agora, quando se diz: “haverá novos empregos no futuro”, os humanos podem fazer melhor em lugar da IA, podem fazer melhor do que robôs, costuma-se pensar em empregos bem qualificados, como engenheiros de software projetando mundos virtuais. Eu não vejo como um caixa desempregado do Wal-Mart se reinventa aos 50 anos como designer de mundos virtuais, e, certamente não vejo como os milhões de trabalhadores têxteis de Bangladesh desempregados serão capazes de fazer isso. Se eles irão fazê-lo, precisamos começar a ensinar aos bengaleses hoje como serem designers de software, e não estamos fazendo isso. Então, o que eles farão em 20 anos?
CA: É quase uma pergunta difícil de fazer em público, mas se alguma mente tem sabedoria para contribuir, talvez seja a sua, então vou te perguntar: para que servem os humanos?
YNH: Até onde se saiba, para nada. (Risos) Não há nenhum grande drama cósmico, um grande plano cósmico no qual tenhamos um papel a desempenhar. E só precisamos descobrir qual é nosso papel e então, desempenhá-lo da melhor forma conforme nossas habilidades. Esta tem sido a história de todas religiões e ideologias e assim por diante, mas como cientista, posso dizer isso não ser verdade. Não há um drama universal, com um papel nele para o Homo sapiens. Então…
CA: Vou me opor só um minuto, exatamente do seu próprio livro, porque no “Homo Deus,” você dá exemplos coerentes e compreensíveis sobre senciência, sobre consciência, esse tipo único de habilidade humana. Você diz ela ser diferente da inteligência construída em máquinas. Há, realmente, muito mistério em torno dela. Como você pode ter certeza não haver nenhum propósito quando nós sequer entendemos o que essa senciência é? Em seu próprio pensamento, não existe uma chance de o papel dos humanos ser aqueles com sentimentos a respeito do universo? Eles não são o centro da alegria, do amor, da felicidade e da esperança? Talvez possamos construir máquinas capazes de ajudarem a ampliar isso, mesmo elas não se tornando também sencientes? É loucura? Eu me vi acreditando nisso, ao ler seu livro.
YNH: Certamente acho a pergunta mais interessante hoje na ciência ser a questão da consciência e da mente. Estamos ficando cada vez melhor na compreensão do cérebro e da inteligência, mas não estamos ficando muito melhores na compreensão da mente e da consciência. As pessoas muitas vezes confundem inteligência com consciência, especialmente em lugares como o Vale do Silício, o que é compreensível, porque nos humanos, elas ficam juntas.
Quer dizer, a inteligência é basicamente a capacidade de resolver problemas. A consciência é a capacidade de sentir as coisas, de sentir alegria, tristeza, tédio, dor e assim por diante. No Homo sapiens e nos outros mamíferos também, não é exclusivo dos seres humanos, em todos os mamíferos e pássaros, e em outros animais, a inteligência e consciência andam juntas.
Nós muitas vezes resolvemos problemas sentindo as coisas. Por isso, costumamos confundi-las, mas elas são coisas diferentes.
O que está acontecendo hoje em lugares como o Vale do Silício é estarmos criando inteligência artificial, mas não consciência artificial. Tem havido um desenvolvimento incrível na inteligência computacional ao longo dos últimos 50 anos, e exatamente nenhum desenvolvimento na consciência computacional, e não há indícios de que computadores vão tornar-se conscientes tão cedo.
Então, primeiro lugar, se há algum papel cósmico para a consciência, ele não é exclusivo do Homo sapiens. As vacas são conscientes, os porcos são conscientes, assim como chimpanzés e galinhas, então, seguindo essa lógica, precisamos ampliar horizontes e lembrar de forma muito clara: não somos os únicos seres sencientes na Terra. Quando se trata de inteligência, há boas razões para acharmos sermos os mais inteligentes de todo o grupo. Mas quando se trata de senciência, afirmar os humanos serem mais sencientes do que as baleias, ou os babuínos, ou os gatos, eu não vejo nenhuma evidência para isso.
Então, o primeiro passo é ir nessa direção e expandir. A segunda questão sobre sua função, gostaria de invertê-la e dizer: a senciência talvez não sirva para qualquer coisa. Não precisamos descobrir o nosso papel no universo. O que realmente importa é nos libertarmos do sofrimento. O que caracteriza os seres sencientes ao contrário dos robôs, das pedras, de qualquer coisa, é: seres sencientes podem sofrer. Assim, eles deveriam se concentrar não em descobrir seu lugar em algum drama cósmico misterioso, mas sim em entender:
o que é sofrimento,
o que o causa e
como se libertar dele.
Plateia: Em seu trabalho, você fala muito sobre histórias fictícias aceitas como verdade, e vivemos nossas vidas baseadas nelas. Como um indivíduo, sabendo isso, como isso afeta as histórias escolhidas por ele, para viver a sua vida, e se ele não as confunde com a verdade, como é habitual em todos nós?
YNH: Para mim, talvez a questão mais importante, tanto como cientista e como pessoa, é como saber a diferença entre ficção e realidade, porque a realidade objetiva está lá.
Não estou dizendo tudo ser ficção. É muito difícil para o ser humano saber qual é a diferença entre ficção e realidade. Isto tem se tornado mais difícil com o avanço da história, porque as ficções criadas: nações, deuses, dinheiro e corporações, etc., agora controlam o mundo. Então, só de pensar: “Oh, são apenas entidades fictícias criadas por nós”, é muito difícil. Mas a realidade está lá.
[Fernando Nogueira da Costa: O entendimento do conceito de Instituições ajudaria nesse debate: são as restrições criadas para dar forma às interações humanas. Yuval Harari parece sugerir instituições não são reais, mas sim ficções! Real seria só o biológico ou o físico?!
Restrições são as “regras do jogo”. Existem restrições informais: os códigos, os costumes e as tradições sociais. Há restrições formais: as regras consolidadas na lei e na política de cada País.
Instituições emergem através do aumento do número de adeptos de uma determinada regra; expressam conformidade com um hábito socialmente difundido.
Hábitos não são apenas frutos de pensamentos automáticos. Eles resultam da repetição de pensamento e ação consciente.
Lógica de Ação é um conjunto de regras socialmente compartilhadas e recorrentes de pensamento e comportamento. Constitui-se de modelo mental e regras de comportamento.]
Há vários testes para dizer a diferença entre ficção e realidade. O mais simples, o melhor para dizer resumidamente, é o teste do sofrimento. Se puder sofrer, é real. Se não puder sofrer, não é real.
Uma nação não pode sofrer, isso é muito claro. Mesmo se uma nação perde uma guerra, dizemos: “A Alemanha sofreu uma derrota na Primeira Guerra Mundial”, é uma metáfora. A Alemanha não pode sofrer. A Alemanha não tem mente nem consciência. Os alemães podem sofrer, mas a Alemanha não. Da mesma forma, quando um banco vai à falência, o banco não pode sofrer. Quando o dólar perde seu valor, o dólar não sofre.
Pessoas e animais podem sofrer. Isto é real. Assim, se você realmente quer ver a realidade, sugiro verificar se passa pela porta do sofrimento. Se puder entender o que é sofrimento, isso vai lhe dar também a chave para entender o que é realidade.
CA: Há uma pergunta do Facebook: “É a Era Pós-verdade uma era totalmente nova, ou apenas um outro clímax de uma tendência sem fim?
YNH: Pessoalmente, não aceito essa ideia de pós-verdade. Minha reação básica como historiador é: se esta é a Era da Pós-verdade, quando foi a Era da Verdade?
CA: Certo. (Risos)
YNH: Foi a década 80, a de 50, a Idade Média? Sempre vivemos em uma era, de certa forma, de pós-verdade.
CA: Mas eu me oporia a isso, porque havia um mundo no qual tínhamos menos meios jornalísticos, no qual havia tradições, no qual as coisas eram validadas. Foi incorporado nos estatutos daquelas organizações “a verdade importa”. Se você acredita em uma realidade, então o que você escreve é informação. Havia uma crença dessa informação se conectar à realidade. Se você escrevesse uma manchete, seria uma tentativa séria e sincera de mostrar algo realmente acontecido. A preocupação agora é termos um sistema tecnológico incrivelmente poderoso: a internet. Durante algum tempo, pelo menos, ampliou massivamente qualquer coisa, sem prestar atenção se as informações nela postadas refletiam a realidade, ou só se conectavam em busca de acessos e likes. Isso foi seguramente tóxico. Essa é uma preocupação razoável, não é?
YNH: Sim, é. A tecnologia muda a coisa. Agora é mais fácil divulgar tanto a verdade, como a ficção e a falsidade. É uma via de mão dupla. É também muito mais fácil, no entanto, propagar a verdade do que era antes. Mas não acho haver algo essencialmente novo sobre essa disseminação de ficções e erros. Não há nada de novo para Joseph Goebbels: ele sabia sobre toda essa ideia de notícias falsas e pós-verdade! Ele ficou famoso ao dizer: “se uma mentira é repetida muitas vezes, as pessoas vão pensar que é a verdade, e quanto maior for a mentira, melhor, pois as pessoas não vão nem pensar algo tão grandioso poder ser uma mentira”. As notícias falsas têm estado conosco há milhares de anos. Basta pensar na Bíblia. (Risos)
CA: Mas há uma preocupação de notícias falsas estarem associadas a regimes tirânicos. Quando há um aumento nas notícias falsas é um alerta de tempos sombrios estarem por vir.
YNH: O uso intencional de notícias falsas é um sinal preocupante. Mas não estou dizendo não ser ruim, eu só estou dizendo não ser novidade.
CA: Há um grande interesse no Facebook sobre esta questão de governança global versus nacionalismo. Uma pergunta de Phil Dennis: “Como podemos fazer as pessoas nos governos abandonarem o poder? Isso é uma necessidade? Será preciso uma guerra para chegarmos lá?”
YNH: Uma opção pensada comumente é apenas uma catástrofe sacudir a humanidade e abrir o caminho para um verdadeiro sistema de governança global. Não podemos fazê-lo antes da catástrofe. Temos de começar a criar os alicerces para, quando o desastre acontecer, podermos reagir rapidamente. Mas as pessoas simplesmente não têm a motivação para fazer tal coisa antes de o desastre ocorrer. Qualquer pessoa realmente interessada em governança global deve sempre deixar muito claro: ela não substitui ou abole as identidades e comunidades locais; ela deve ser parte de um único pacote.
CA: Eu quero ouvir mais sobre isso, porque as próprias palavras “governança global” são quase o ep��tome do mal na mentalidade nacionalista de muitos da “direita-alternativa” hoje. Parece assustador, remoto, distante, mas os xenófobos espantam o espantalho: “Globalistas, governança global? Não! Vão embora!” E muitos veem a eleição como pimenta nos olhos para quem acredita nisso. Então, como mudamos a narrativa para não parecer tão assustadora e remota? Elabore mais a ideia de isso ser compatível com identidades e comunidades locais.
YNH: Devemos começar com as realidades biológicas do Homo sapiens. E a biologia nos diz duas coisas sobre o Homo sapiens muito relevantes para esse problema.
Em primeiro lugar, somos completamente dependentes do sistema ecológico à nossa volta e ele é um sistema global. Você não pode fugir disso.
Em segundo lugar, nós, Homo sapiens, somos animais sociais, mas somos sociais em um nível muito local.
É apenas um fato simples da humanidade que não conseguimos ter convivência íntima com mais de uns 150 indivíduos. O tamanho do grupo natural, a comunidade natural do Homo sapiens, não é maior do que 150 indivíduos. E tudo além disso é na verdade baseado em todos os tipos de histórias imaginárias e instituições de grande escala.
Podemos encontrar uma maneira, baseados em uma compreensão biológica de nossa espécie, de juntar os dois e compreender hoje, no século 21, precisarmos tanto do nível global como da comunidade local.
Eu iria ainda além e diria isso começar com o próprio corpo em si. Os sentimentos que as pessoas hoje têm de alienação e solidão e de não encontrar seu lugar no mundo, o principal problema não é o capitalismo global. O principal problema é, ao longo dos últimos 100 anos, pessoas terem renunciado progressivamente a seus corpos, foram se distanciando de seus corpos.
Como um caçador-coletor ou até mesmo como um camponês, para sobreviver, você precisa estar constantemente em contato com seu corpo e seus sentidos, a todo momento. Se você vai para a floresta procurar cogumelos e não prestar atenção ao que ouve, cheira, o que prova, você morre. Portanto, você deve ficar muito conectado.
Nos últimos 100 anos, as pessoas vêm perdendo a capacidade de estar em contato com seus corpos e seus sentidos, de ouvir, cheirar, sentir. Mais da nossa atenção vai para as telas, para o que acontece em outro lugar, em outro momento. Isso, eu acho, é a razão profunda para os sentimentos de alienação e solidão, e assim por diante.
Portanto, parte da solução não é trazer de volta um nacionalismo de massa qualquer, mas sim a reconexão com nosso próprio corpo. Se você retomar o contato com seu corpo em harmonia com a natureza, vai se sentir muito mais à vontade no mundo também.
CA: Dependendo dos acontecimentos, todos poderemos voltar à floresta logo. Vamos a mais uma pergunta da sala e mais uma do Facebook.
Ama Adi-Dako: Olá. Eu sou de Gana, África Ocidental, e a minha pergunta é: como você apresenta e justifica a ideia de governança global aos países historicamente marginalizados pelos efeitos da globalização? Estamos falando de governança global a partir de uma ideia muito ocidentalizada de qual “global” deve ser. Então, como apresentar e justificar essa ideia de global versus algo inteiramente nacionalista para as pessoas em países como Gana, Nigéria e Togo e em outros países como esses?
YNH: A história é extremamente injusta. Devemos perceber isso. Muitos dos países cujos habitantes tiveram mais sofrimento, nos últimos 200 anos da globalização e do imperialismo e industrialização, são exatamente os países mais propensos a sofrer mais com a próxima onda. E devemos estar muito conscientes disso.
Se não tivermos uma governança global, e sofrermos com as mudanças climáticas, e as rupturas tecnológicas, o pior sofrimento não será nos EUA, mas em Gana, no Sudão, na Síria, em Bangladesh, será nesses lugares.
Então, esses países têm um incentivo ainda maior para fazer algo sobre a próxima onda de ruptura, quer seja ecológica ou seja tecnológica. Novamente, se você pensar em ruptura tecnológica, se a IA, as impressoras 3D e os robôs assumirem o emprego de bilhões de pessoas, eu me preocupo muito menos com os suecos do que com as pessoas em Gana ou em Bangladesh.
Portanto, porque a história é tão injusta, os resultados de uma calamidade não serão compartilhados igualmente entre todos. Como de costume, os ricos vão se livrar das piores consequências das mudanças climáticas de uma forma pela qual os pobres não serão capazes de fazê-lo.
CA: Aqui está uma ótima pergunta do Cameron Taylor no Facebook: “No final do ‘Sapiens’, você disse que deveríamos perguntar: “O que nós queremos querer?” Bem, o que você acha que devemos querer?”
YNH: Devemos querer saber a verdade, compreender a realidade. O que mais queremos é mudar a realidade, ajustá-la às nossas próprias vontades, aos nossos próprios desejos.
Devemos, em primeiro lugar, querer entendê-la. Se observarmos a trajetória de longo prazo da história, o que vemos é, por milhares de anos, nós humanos termos obtido o controle do mundo à nossa volta. Tentamos moldá-lo para atender às nossas próprias vontades. Obtivemos o controle sobre os outros animais, sobre os rios, as florestas, e os reformulamos completamente, causando uma destruição ecológica sem ficarmos satisfeitos.
Então, o próximo passo é voltarmos nosso olhar para dentro, e dizermos: “Certo, obter o controle do mundo à nossa volta não nos trouxe satisfação. Vamos agora tentar obter o controle do mundo dentro de nós“.
Este é realmente o grande projeto da ciência e da tecnologia e da indústria no século 21: tentar obter o controle do mundo dentro de nós, aprender a projetar e produzir corpos, cérebros e mentes. Estes tendem a ser os principais produtos da economia do século 21.
Quando as pessoas pensam sobre o futuro, elas frequentemente pensam em termos: “Oh, eu quero obter o controle do meu corpo e do meu cérebro“. Acho isso muito perigoso. Se aprendemos alguma coisa com nossa história anterior, ganhamos apenas o poder de manipular. Mas porque nós realmente não entendemos a complexidade do sistema ecológico, estamos agora enfrentando um colapso ecológico.
Se nós agora tentarmos reestruturar o mundo dentro de nós sem realmente entendê-lo, especialmente sem entender a complexidade do nosso sistema mental, poderemos causar uma espécie de desastre ecológico interno. Vamos enfrentar uma espécie de colapso mental dentro de nós.
CA: Juntando todas as peças aqui, as políticas atuais, a tecnologia a chegar, preocupações como acabou de resumir, parece você mesmo estar em um lugar muito sombrio quando pensa sobre o futuro; parece muito preocupado com isso. É isso mesmo? E, se houvesse um motivo de esperança, como você a relataria?
YNH: Eu foco as possibilidades mais perigosas em parte porque este é o meu trabalho ou responsabilidade como historiador ou crítico social. A indústria concentra-se principalmente nos lados positivos, então, é trabalho de historiadores, filósofos e sociólogos destacar o potencial mais perigoso de todas essas novas tecnologias.
Não acho que nada disso seja inevitável. A tecnologia nunca é determinista. Você pode usar a mesma tecnologia para criar tipos muito diferentes de sociedades.
Se observarmos o século 20, as tecnologias da Revolução Industrial, os trens e a eletricidade e tudo aquilo poderia ter sido usado para criar uma ditadura comunista ou um regime fascista ou uma democracia liberal. Os trens não lhe dizem o que fazer com eles.
Da mesma forma, hoje, inteligência artificial e bioengenharia e tudo isso, não predeterminam um único resultado. A humanidade pode enfrentar o desafio.
O melhor exemplo que temos da humanidade enfrentando o desafio de uma nova tecnologia é o das armas nucleares. No final de 1940, 1950, muitas pessoas estavam convencidas de, mais cedo ou mais tarde, a Guerra Fria acabaria em uma catástrofe nuclear, destruindo a civilização humana. E isso não aconteceu. Na verdade, as armas nucleares levaram os humanos de todo o mundo a mudarem a maneira com que conduziam política internacional para reduzir a violência.
Muitos países praticamente excluíram a guerra como opção política. Eles já não tentam mais alcançar seus interesses com guerras. Nem todos os países fizeram isso, mas muitos deles sim. Talvez esta seja a razão mais importante pela qual a violência internacional diminuiu drasticamente desde 1945, e hoje, como eu disse, mais pessoas cometem suicídio do que são mortas em guerras.
Então, esse é um bom exemplo de, mesmo com a tecnologia mais assustadora, os seres humanos poderem enfrentar o desafio e coisas boas poderem até advir disso. O problema é termos bem pouca margem para erro. Se não acertarmos, poderemos não ter uma segunda opção para tentar novamente.
CA: Esse é um ponto bastante forte, sobre o qual podemos concluir esta entrevista. Antes de encerrar, só quero dizer uma coisa para as pessoas aqui e para a comunidade global TED e qualquer pessoa assistindo on-line: nos ajudem com esses diálogos. Se você acredita, como nós, ser preciso encontrar um tipo diferente de conversa, agora mais do que nunca, ajude-nos a fazê-lo. Ajude outras pessoas, tente conversar com pessoas que você discorda, entenda-as, junte as peças, e nos ajudem a descobrir um modo de levar essas conversas adiante para que possamos fazer uma contribuição real para o que está acontecendo no mundo agora. Todo mundo se sente mais vivo, mais preocupado, mais envolvido com as políticas do momento. Os riscos parecem mesmo bastante altos, assim nos ajudem a responder a eles de uma maneira bem sábia. Yuval Harari, obrigado.
Chris Anderson entrevista Yuval Noah Harari publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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Redator encarregado do portal Mercado E também-commerce, Breno Koscky é formado em Design Gráfico, Publicidade e Propaganda e Pós Graduado em Marketing Digital. É mentor de E-commerce no curso de curso de formação em administração em Gestão Empreendedora de Marketing Digital, no B.I. Mundial, colunista de Redes Sociais no portal Varejo 1 e também mentor nos cursos de Redes Sociais, Marketing Digital e E-commerce do Mercado E também-commerce. Já palestrou nos primordiais informações do mercado, como Encontro Vernáculo do Sebrae, Digitalks, Edted e também no E também-Correios, acontecimento de e também-commerce solene dos Correios, onde foi um dos idealizadores. Atua no mercado como consultor em marketing de performance, tendo desenvolvido projetos para grandes empresas como a Fiat, Iveco, Info2, entre muitas outras.
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ketohacker · 1 year ago
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tmagbr · 4 years ago
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Avisos de conteúdo: vertigem, restos mortais, ossos de animais, body horror (mutilação de pele)
MAG 004 — CASO 0132806 “UM LIVRO EMOCIONANTE”
ARQUIVISTA
Declaração de Dominic Swain, em relação a um livro brevemente possuído por ele durante o inverno de 2012. Declaração original dada em 28 de junho de 2013. Gravação em áudio feita por Jonathan Sims, Arquivista Chefe do Instituto Magnus, Londres.
Início da declaração.
ARQUIVISTA (DECLARAÇÃO)
Eu trabalho como técnico de teatro em vários lugares pelo West End. Lido principalmente com luzes, mas a maior parte dos lugares menores não conseguem pagar por equipes grandes para suas produções, então sempre acabo fazendo um pouco de tudo. Acho que isso não é diretamente relevante pra minha experiência, mas só queria que soubesse que eu não sou um doido vagando pelas ruas. Eu trabalho, faço coisas práticas com as mãos e não estou propenso a surtos de desejos estranhos.
Naquele dia eu veria a matinê da apresentação de As Mulheres Troianas no The Gate Theatre, em Notting Hill. Uma amiga minha, Katherine Mendes, participava dela e já tentava me fazer assisti-la por um tempo. Trabalhamos juntos na produção de The Seagull uns dois anos antes e meio que tivemos um caso nessa época. Naquele momento, eu tinha acabado de ficar solteiro, então estava interessado em me encontrar com ela e ver se alguma faísca ainda restava. Acabei indo ver a peça na tarde de sábado, 10 de novembro — me lembro dessa exata data porque houve muitas conversas sobre ela, já que ambos estávamos envolvidos em shows diferentes, fazendo tardes serem complicadas.
Então, na tarde de sábado, eu me dirigi a Notting Hill Gate, matando tempo por uma hora ou duas antes do show começar. Bem, Notting Hill não é um lugar que costumo ir com frequência — já que está pendendo pros maiores preços, mesmo pra Londres — e não sei o quanto você sabe sobre técnicos de teatro, mas não é uma profissão muito bem paga. Ainda assim, eu tinha algumas vagas memórias de algum brechó beneficente Oxfam nos arredores, dado que uma vez comprei uma túnica militar antiga que continua sendo uma de minhas jaquetas preferidas. A encontrei sem problemas e passei quase dez minutos olhando roupas e outras bugigangas, mas me desapontei. Era bem menos do que me lembrava e ainda parecia conter as mesmas raridades entediantes que todos os outros brechós. Como ainda tinha algum tempo pra gastar, resolvi dar uma olhada na sessão de livros deles, algo que mal me incomodo em fazer usualmente.
Achei o livro na estante de Ficção científica e Fantasia. Primeiro eu pensei que fosse algum tipo de edição especial de couro sintético e tinha certeza de que quem quer que tenha o colocado à venda, pensou a mesma coisa, porque custava só quatro libras. Havia alguma coisa nele que me fez querer olhar novamente e, ao pegá-lo, senti a encadernação e percebi que ela poderia muito bem ter sido feita em couro de verdade, provavelmente de carneiro, de tão macia que era. Não sou um expert em livros, de jeito nenhum, mas ele parecia antigo e eu achei que parecia encadernado a mão já que as páginas pareciam um pouco desalinhadas. Não havia nenhum invólucro de proteção e a capa não tinha título, mas na lombada dele, haviam gravadas as palavras “Ex Altiora” em letras douradas. Fiz um pouco de latim na escola quando era criança, mas não tive muitas situações pra praticar, então me desculpe se alguma tradução não fizer muito sentido. Acredito que significavam “Do mais elevado” ou “Vindo das alturas”.
No mínimo, fiquei surpreso — o livro claramente valia mais do que o preço pelo qual estava sendo vendido. Se quem trabalhava de balconista ali tivesse prestado pelo menos um pouco mais de atenção, ele estaria naquelas caixas de vidro nas quais deixam coisas doadas realmente valiosas. Folheei rapidamente, mas parecia estar completamente escrito em latim, então não tive muita sorte em descobrir do que se tratava. A única coisa em inglês que pude ver parecia ser uma plaquinha na capa na qual lia-se “da biblioteca de Jurgen Leitner”, no entanto, nenhum autor foi citado. Também havia várias ilustrações em preto e branco —xilogravuras, eu acho — cada uma mostrando uma montanha ou um precipício, numa delas tinha o que se parecia com um céu noturno vazio. Senti algo estranho quando olhei essa imagem, mesmo sendo tão simples, estava quase cedendo a ela e meu estômago se embrulhou, quase me fazendo derrubar o livro no meio da Oxfam.
Resolvi comprá-lo. Mesmo se nunca descobrisse como ler aquela coisa, claramente valia muito mais do que o preço que estipularam. Senti que fui um pouco filho da mãe por não os deixar saber o quão valioso poderia ser, quase como se estivesse roubando dinheiro da caridade. No fim, decidi que não era meu trabalho por preços nessa loja e, além do mais, aquele livro tinha me fascinado muito. A mulher que trabalhava de caixa sequer ergueu uma sobrancelha quando eu o levei até ela e paguei minhas quatro libras. Saí dali, esperando encontrar um café no qual eu poderia sentar e dar outra olhada nele, mas foi só aí que percebi as horas. De algum jeito, eu tinha dado conta de passar uma hora naquela loja e, agora, estava quase atrasado pra peça da Katherine. Cheguei no horário por pura sorte, mesmo tendo que correr um pouco.
O show foi ok. Particularmente, nunca fui um fã de peças gregas e essa interpretação não foi a que me fez ganhar um gosto por elas. Katherine foi ótima, claro, mas o resto do show, francamente, foi enfadonho. Ainda assim, não sou um crítico de teatro e não estava prestando total atenção porque estava convencido que tinha algum problema na iluminação do palco. Durante a apresentação continuei sentindo um cheiro fraco de ozônio e me preocupei com isso. A única outra vez que senti esse cheiro num teatro foi quando acabamos instalando um projetor com uma lâmpada de xênon-mercúrio — do tipo usado pra esterilizar equipamento médico com UV. Eu percebi o problema antes que qualquer coisa acontecesse, mas ainda me lembro do cheiro intenso de ozônio. Ainda assim, ninguém mais pareceu perceber nada na organização das lâmpadas que possa ter causado o odor, então dei o meu melhor pra ignorá-lo.
Depois que a respectiva performance acabou, Katherine e eu fomos jantar antes de ir pros nossos respectivos shows noturnos. Eu fiquei desapontado ao descobrir que qualquer atração que já ouve entre nós pareceu ter sumido completamente e , enquanto passamos algumas horas agradáveis junto um do outro, foi obvio que nenhum de nós queria levar aquilo adiante. No entanto, eu mostrei o livro pra ela. Ela sabia ainda menos latim que eu, mas fiquei impressionado. Ela disse que parecia valioso e que eu deveria levar pra algum lugar pra ser avaliado, mas ela não olhou nenhum detalhe por muito tempo já que as figuras desencadearam a vertigem dela por alguma razão.
Nada digno de nota aconteceu depois que eu saí dali. Fiz meu show, uma produção de Much Ado About Nothing no Courtyard Theatre, sem problema algum. Cheguei em casa tarde depois de ter ido beber com o diretor de palco e alguns atores e me senti acordado demais pra ir dormir, então me servi de um pouco mais Gin e tônica e decidi dar uma olhada mais profunda nos detalhes. Estranhamente eu não tinha aprendido mais nada de latim desde que o comprei umas doze horas atrás, então lê-lo estava fora de questão, mas ainda queria estudar mais afundo aquelas xilogravuras. Encontrei cerca de doze, em sua maioria montanhas e precipício, mas uma parecia ser uma torre que se erguia ameaçadora sobre o campo ao seu redor num ângulo estranho com pequenos pássaros visíveis circundando seu topo. E tinha aquela figura do céu vazio. Nunca tive medo de altura, mas encarar aquela pintura me fez sentir... Não sei, de verdade. Eu não conseguia olhar por muito tempo. Parecia céu aberto até onde a vista alcançava, sem nenhuma outra escolha a não ser cair naquilo. Foi ainda mais estranho porque não havia mais nada na figura, só a tinta preta e algumas estrelas estilizadas, mas algo nas proporções teve esse efeito em mim.
Resolvi que Katherine talvez tivesse razão e, talvez, pudesse ser valioso como uma antiguidade, então eu pesquisei um pouco pra tentar descobrir mais sobre ele. Latim saiu de moda como linguagem pra textos acadêmicos no século 18 e eu realmente duvidei que ele fosse algo tão antigo. Desde então só tinha sido realmente usado pra textos religiosos, mas certamente o livro não parecia estar cheio de orações. Procurar Ex Altiora online também não foi de muita ajuda — a frase era usada em algumas orações antigas, tinha uma companhia chamada Altiora e alguma coisa em italiano sobre futebol, mas nada daquilo pareceu remotamente próximo do meu livro. Procurar por Jurgen Leitner também não foi muito melhor. Me apareceram algumas entradas sobre um músico austríaco e algumas páginas no Facebook, no entanto, todas pareciam ter tremas no nome, diferentemente do que tinha no livro, e nenhuma dessas pessoas pareceu do tipo a ter uma biblioteca cheia de livros estranhos em latim. A única coisa que eu achei remotamente parecida foi uma listagem no ebay de 2007. O leilão foi intitulado “A Chave de Salomão, 1863, possuído por McGregor e Jurgen Leitner” e tinha sido vendido por um pouco mais de 1200 libras pra um usuário desativado — gbookworm1818. Não tinha nenhuma figura ou descrição, só o título e a aposta vencedora. Decidi encerrar a noite por ali e ir dormir. Acho que tive um pesadelo, mas não me lembro dos detalhes.
Dormi até muito tarde no dia seguinte e, quando eu acordei, não restava mais tanto tempo de luz solar. Passei as horas restantes até meu show contatando vendedores de livro que encontrei online. Todos eles colocaram a idade do livro entre 100 e 150 anos e disseram que parecia ter sido encadernado a mão. A maior parte deles se ofereceu pra comprar por algumas centenas de libras, mas naquele ponto eu estava mais interessado na informação sobre ele. Infelizmente, nenhum deles tinha ouvido sobre o livro antes ou parecia familiar com seu conteúdo. No entanto, a última vendedora que visitei reconheceu o nome Jurgen Leitner.
Ela me disse que Leitner tinha sido um grande nome na cena literária nos anos 90, um escandinavo rico e recluso pagando quantidades absurdas de dinheiro por qualquer livro que o interessasse. É dito que frequentemente ele teria encadernações customizadas depois de ter o manuscrito providenciado ou até faria comissões pros autores produzirem trabalhos pra sua causa — no entanto, ela não conhecia ninguém que realmente conhecia algum escritor que tenha trabalhado com Leitner. Ele parece ter sumido da vista pública em torno de 95, porém ela se lembra de ter numerosos negócios com Pinhole Books em Morden, e me deu os detalhes de Mary Keay, a dona do lugar.
Eu fiz meu show logo depois disso. Era a última noite da temporada de fato, mas mesmo que eu não tivesse perdido nenhuma deixa de iluminação, eu não conseguia tirar aquele livro da cabeça. Senti que tinha algo nele que estava perdendo, exatamente fora do meu alcance. E tudo o que pude detectar foi o fraco odor de ozônio. Era mesmo ozônio? Havia alguma coisa a mais lá, eu sei, mas não consigo recordar. Toda vez que sinto que chego perto, sou engolfado com uma tontura e uma náusea que ameaçam me derrubar.
Eu fugi da festa do elenco que aconteceu depois. Em vez dela, eu fiz uma longa caminhada pra “clarear minha mente” no vento frio de novembro. Não sei por quanto tempo andei. Devem ter sido horas, mas soou como se fosse tudo o que poderia fazer. Andar soou tão natural quanto cair. Foi só quando um homem gritou pra mim por ter quase esbarrado nele que eu parei e dei uma olhada nos meus arredores. Eu não tinha ideia de onde estava. Peguei meu celular pra achar a estação de metrô mais próxima e vi que ela era só uma rua de distância de Morden. Me senti zonzo de repente e quando olhei pro edifício no qual eu estava parado em frente, não fiquei nem um pouco surpreso ao ver uma placa de bronze na qual lia-se “Pinhole Books — somente com hora marcada” próxima de uma porta sem marcas de uma madeira escura. toquei a campainha e esperei.
A mulher que abriu a porta não era nada do que eu estava imaginando. Ela era muito velha e tão dolorosamente magra, mas sua cabeça era completamente raspada e todo centímetro de pele que eu conseguia ver estava coberto com tatuagens de um texto que eu não reconheci. Ela parou no final do lance de escadas e desde o início eu pude ouvir o som de death metal estridente saindo de autofalantes poderosos. Eu imaginei por um momento se ela recebia reclamações de seus vizinhos por tocar tão alto às duas da manhã — percebi assustado que eram duas da manhã. Me desculpei por ter incomodado ela tão tarde e perguntei se ela era Mary Keay. Ela bufou e perguntou de uma maneira claramente não amigável se eu tinha hora marcada. Alcancei minha bolsa e tirei dela o Ex Altiora, abrindo-o pra mostrar o nome de Leitner na contracapa. Com isso, os olhos dela pareceram se acender e ela se virou pra subir as escadas. Como não fechou a porta, levei como um convite pra entrar e a segui pra cima.
Entramos num conjunto apertado de quartos com livros empilhados até o alto em todo canto, num ponto em que eu tinha que ser cuidadoso seguindo-a pelo labirinto pra não me perder. Ela estava falando, percebi, e não parecia se importar se eu a ouvia ou não por cima da música. Disse que fazia tempo desde que não encontrava um Leitner, mesmo que “seu Gerard” ficasse de olho. Ela não elaborou sobre quem Gerard podia ser. Essa velha estranha não pareceu interessada em ler ou investigar profundamente o livro, em vez isso, perguntou se eu queria ver o que ela tinha. Simplesmente acenei com a cabeça. Eu estava fora da minha zona de conforto aqui, mas não sabia até onde. Só sabia que não tinha sentido o cheiro de ozônio desde que cheguei.
Segui Mary Keay até uma sala de estudos sombria. Já era pequena pra início de conversa, mas todas as paredes estavam cobertas com estantes cheias, enchendo ainda mais o espaço. Imediatamente minha anfitriã começou a escaneá-los atentamente, murmurando pra si mesma sobre onde “ele” deveria ter colocado aquilo. Eu só fiquei de pé desajeitadamente, sem querer encarar a velha, mas hesitante em fazer qualquer coisa que não fosse isso. Além das estantes, havia pouco no quarto, só uma mesa gasta com uma cadeira que parecia muito velha. A mesa estava coberta com papeis, fios de nylon e um aparelho de barbear. Acho que responde muito sobre meu estado quando digo que sequer prestei atenção nessas coisas. Minha atenção estava fixada numa imagem presa numa pequena área da parede não coberta por estantes. Era uma pintura de um olho. Muito detalhada e, de início, eu quase diria foto-realista, mas quanto mais eu olhava pra ela, mais eu percebia os padrões e simetrias que se transformavam na imagem inteira, foi assim até que eu foquei tanto nelas que comecei a ter dificuldade em enxergar o olho. Escrito abaixo dele havia três linhas em caligrafia refinada e verde: “Garanta-nos a visão do que podemos não saber. Garanta-nos as fragrâncias que podemos não perceber. Garanta-nos o som que podemos não ouvir.”
Nesse momento Mary Keay voltou com dois copos de chá. Eu sequer tinha percebido que ela tinha saído ou tinha pedido por um copo de chá preto — o qual ela pressionou contra minha mão. Ela perguntou se eu tinha gostado da pintura e me disse que seu Gerard tinha a feito. Disse também que ele era um artista muito talentoso. Murmurei alguma coisa em aprovação, mas não me lembro bem do que, e fitei o copo de chá em minha mão. Ela não tinha me oferecido nenhum leite e agora se ocupava procurando pelas estantes de novo, seu próprio copo esquecido acima da mesa. Tentei beber aquilo por pura educação, mas tinha um gosto horrível de poeira e fumaça. Eu acho que talvez possa ter sido lapsang souchong, mas se fosse mesmo, tinha alguns anos de idade.
Finalmente, Mary pareceu achar o livro que procurava e o pegou da estante. Ela me entregou o livro que, à primeira vista, parecia quase idêntico à minha cópia do Ex Altiora, exceto que a capa de couro estava em melhores condições. Não havia título nesse e ao abri-lo, vi letras que não reconheci. Não havia ilustrações nesse livro e as únicas palavras em inglês que achei foram na contracapa: “da livraria de Jurgen Leitner”. Assim como o meu. Mary me disse que a escrita era em sânscrito, mas quando perguntei pra ela se ela conseguia ler, ela começou a rir.
Ela pegou o livro de volta e andou até a mesa, onde o único bulbo de luz aceso lançava sombras fortes pelo chão. Ela deliberadamente segurou o livro naquelas sombras por alguns segundos e o entregou pra mim. Eu percebi que, pela primeira vez, o heavy metal não estava tocando e o cômodo estava num completo silêncio. Abri o livro e, por alguns segundos, fiquei confuso por não ter percebido nenhuma mudança. A escrita ainda era inteligível pra mim e não me senti nem um pouco diferente. Levantei-o pra olhar mais de perto e ao fazê-lo, ouvi algo bater de leve no chão. Olhei pra baixo e vi ossos. Pequenos ossos de animais do que pude discernir, mas cada um deles estava ligeiramente curvado e deformado de modos que ossos não deveriam estar. Enquanto olhei pra eles, Mary Keay pegou o livro de volta e o passou pelas sombras novamente. Mais ossos caíram. Ela fez isso por várias vezes seguidas até que se formasse uma pequena pilha aos meus pés.
Eu não sabia o que dizer. Nesse ponto minha cabeça começou a latejar e eu senti que esse lugar escuro, apertado, com seu chá velho e livros antigos estava começando a me sobrecarregar. Tudo o que eu pude perguntar foi se meu livro fazia aquilo também. Mary Keay riu e me disse pra olhar por mim mesmo. Comecei a dar uma olhada nas folhas. Não o havia passado por nenhuma das sombras, mas eu sabia que algo havia mudado. As xilogravuras estavam mais rígidas e, de alguma forma, no fundo de cada uma havia novas linhas, grossas e escuras, indo em direção ao céu. Então chegou a figura do céu vazio, porém, agora, tinha um padrão rígido entalhado nele. Um padrão que eu reconhecia. Meu estomago se embrulhou quando o chão sumiu e eu comecei a cair.
Tendo dificuldades em ficar de pé, eu murmurei alguma desculpa e comecei a sair. O cheiro de ozônio voltou, agora mais forte do que nunca, e eu tinha que sair dali. Caí das escadas na minha fuga, machucando feio meu quadril e torcendo dolorosamente meu tornozelo, mas não me importava. Eu saí mancando pra fora do lugar o mais rápido que consegui e chamei um táxi pra me levar pra casa, os dedos ainda se prendiam firmemente no meu livro.
O padrão ramificado que eu tinha visto naquela imagem era conhecida como a Figura de Lichtenberg. Mostra os caminhos divergentes da eletricidade num material isolante como vidro ou resina. Eu conhecia aquilo por causa do padrão de cicatrizes nas costas do meu amigo de infância que tinha sido atingido por um raio por minha culpa. O nome dele era Michael Crew e tínhamos 8 anos na época, brincávamos num campo perto da casa da minha avó. Quando a tempestade começou, Michael disse que deveríamos ir pra dentro, mas eu quis continuar brincando na chuva. Disse aquilo pra ele, que só suspirou e me respondeu “tudo bem”. Foi logo após falar essas palavras que ele foi atingido. O som do que aconteceu foi tão alto que abafou completamente seus gritos, mas foi o cheiro que realmente grudou na minha cabeça: aquele cheiro forte de ozônio entremeado pelo cheiro de carne sendo cozida. No fim, Michael sobreviveu, mas a cicatriz, aquela cicatriz de Lichtenberg ramificada, ficou com ele pro resto da vida.
Quando cheguei em casa, toda minha concentração foi necessária pra subir as escadas, quando finalmente alcancei o sofá, não pude esquecer aquela sensação de estar caindo. O cheiro era tão forte que eu mal conseguia respirar. Eu não olhei pro livro, ele só ficou jogado ali. Senti que esperava por algo, mas não sabia o que.
Pela hora que as batidas na minha porta vieram, eu me sentia quase bem o suficiente pra responder. Quase. Ainda me levaram quase cinco minutos pra juntar coragem pra abri-la. As batidas não vieram novamente, mas eu tinha certeza de que o que fosse do outro lado ainda não tinha ido embora. Eu alcancei a maçaneta e abri a porta. Parado logo na soleira tinha um homem num longo e escuro casaco de couro. Seu cabelo era pintado de um tom artificial de preto e tinha o visual desleixado d quem não dormia faz uns dois dias. Perguntei se ele era Gerard Keay e ele disse que sim e me contou que gostaria de ver meu livro. Assenti com a cabeça silenciosamente e ele me seguiu pra dentro, fechando a porta logo depois.
Peguei o livro e o coloquei na mesa. Gerard o estudou por um tempo, mas não o tocou. Finalmente, ele assentiu e se ofereceu pra comprá-lo por cinco mil libras. Eu quase ri quando ele disse aquilo. Eu teria vendido por uma fração daquele preço. Talvez só tivesse dado pra ele se não fosse pela sensação de que... de algum jeito aquilo não contaria. É difícil explicar. Não me importava com o que ele planejava fazer com aquilo, só queria me livrar disso, então concordei.
Gerard não pareceu exatamente feliz com as notícias. Ele só assentiu gravemente e se dirigiu a porta, dizendo que ele precisava sacar o dinheiro e retornaria. Não tentei pará-lo. Ele saiu, fechando a porta logo depois e me deixando sozinho. O encontro inteiro não deve ter levado muito mais do que um minuto.
Eu me sentei ali, esperando silenciosamente até que ele voltasse. Foi horrível e precisei achar algum jeito de me distrair daquele cheiro que se rastejava até mim. Então decidi pegar meu computador e ver o que encontrava sobre Gerard e Mary Keay. Enquanto digitava seus nomes, não soube bem o que esperar, mas certamente não era um artigo de revista de 2008 sobre a assassinato de Mary Keay. A polícia tinha invadido no final de setembro, depois de vizinhos reclamarem sobre o cheiro e a encontraram morta no estúdio. A causa da morte foi aparentemente determinada como sendo uma overdose de analgésicos, mas foi considerado como assassinato por causa das “várias lacerações post-mortem pelo corpo”. Grandes partes de sua pele tinham sido descascadas e penduradas pra secar em fios de nylon por todo cômodo. O artigo tinha fotos de Mary Keay e, sem dúvidas, era a mesma mulher que eu tinha conhecido em Morden, no entanto, na fotografia, ela parecia ter uma cabeça cheia de cabelo e não possuía nenhuma tatuagem visível.
Freneticamente, eu comecei a procurar qualquer outra informação que pudesse achar. Outras histórias mais recentes cobriam o julgamento de Gerard pelo assassinato da mãe. Aparentemente ele tinha sido absolvido depois de terem conseguido uma evidência que julgaram inadmissível, mas nenhuma das reportagens pareia saber o que era. foi nesse momento que as batidas na porta vieram novamente. Gerard tinha retornado.
Eu abri a porta. Pensei brevemente em não o deixar entrar, mas sabia que ele esperaria ali por quanto tempo fosse necessário e não aguentaria nem pensar com o fedor de ozônio que penetrava todos os meus sentidos. Não consegui esconder o terror em minha face quando ele entrou, mas se ele percebeu qualquer mudança no meu comportamento, não reagiu a isso. Ele simplesmente me entregou um envelope cheio de dinheiro. Sequer me importei em contar antes de entregar o livro. Ele olhou para o título e então folheou rapidamente antes de rir a acenar com a cabeça, aparentemente pra si mesmo, como se tivesse acabado de tomar uma decisão.
Esperava que Gerard fosse sair imediatamente, mas me vez disso, ele andou até minha lixeira metálica e colocou o livro dentro dela. ele pôs a mão dentro do bolso da jaqueta e tirou de lá uma garrafa de fluído de isqueiro e uma caixa de fósforo. Em alguns segundos, o livro estava em chamas e o cheiro sumiu quase imediatamente. Mesmo quando minha cabeça começou a clarear, senti que deveria perguntá-lo o porquê, mas ele só balançou a cabeça.
“Nem sempre minha mãe sabe o que é melhor pra família.” Foi tudo o que ele disse antes de pegar o cesto de lixo, agora cheio de brasas fumegantes. Eu o avisei que seria quente demais pra segurar, mas ele deu de ombros e disse que já passou por coisa pior. Então Gerard Keay saiu e eu nunca vi o livro ou o ele outra vez.
ARQUIVISTA
Fim da declaração.
Nunca ainda seria pouco tempo pra eu querer ouvir o nome de Jurgen Leitner novamente. Suponho que é esperar demais que nós finalmente tivéssemos lidado com tudo o que restou do incidente de sua biblioteca em 1994, mas seria mais útil se Gertrude pelo menos tivesse adicionado essa declaração à ficha atual do projeto. Quem sabe quantas declarações a mais estão aqui que podem ter relação com seus livros ou outros projetos ativos do Instituto? Se minha sorte é algo no qual eu possa confiar, eu diria que é improvável que isso seja um caso isolado. Quanto mais eu descubro sobre esse arquivo, mais me parece que Gertrude simplesmente pegou as declarações escritas e as jogou junto desses arquivos sem sequer lê-los. Dado que ela foi Arquivista Chefe por mais de 50 anos, então isso é... Isso pode ser um trabalho maior do que eu imaginei.
Independente disso, a maior parte dos detalhes verificáveis na declaração do Sr. Swain parece se alinhar com as nossas próprias pesquisas. Martin não conseguiu achar nenhum registro de Ex Altiora como um título existente em catálogos de literatura esotérica ou similar, então coloquei Sasha pra reexaminar. Ainda nada. Será possível que o Sr. Swain tenha se enganado com o título? Parece improvável dada a simplicidade dele e... as ocorrências que ele descreve, certamente parecem próximas do que seria realmente um volume de Leitner. Ainda assim, todas os outros livros de sua biblioteca eram edições customizadas de textos de demonologia ou do arcano. Se existem outros Leitners por aí que não ouvimos falar sobre, temo que possa nos alarmar um pouco.
No entanto, detalhes úteis do seguimento da investigação são poucos e bem espaçados. Registros de doações no brechó beneficente Oxfam em Notting Hill Gate só tem doações anônimas listadas pra livros em outubro/novembro de 2012 e, obviamente, nenhum dos funcionários parece se lembrar do livro. Também não fomos capazes de localizar Gerard Keay. Além desse encontro, parece que ele desapareceu completamente depois do final de seu julgamento. A descrição que o Sr. Swain dá coincide com as fotos arquivadas de Gerard e Mary Keay. E pela forma que sua descrição soa, parece que ele encontrou o que costumava ser a Pinhole Books em Morden, no entanto, ela esteve fechada desde 2008 por motivos óbvios e ninguém se mudou pra lá até 2014. Mas há uma coisa interessante que Tim encontrou no registro da polícia sobre a morte de Mary Keay: aparentemente, as lâminas de pele tinham sido rabiscadas com marcador permanente. Não há transcrição ou tradução disso no registro, mas a linguagem foi identificada como sânscrito.
Então não parece ter nenhuma pista concreta a qual seguir. Ainda assim, levamos isso até Elias e recomendamos que a busca de qualquer outro livro faltante da biblioteca Leitner seja tomada como a prioridade do Instituto. Jurgen Leitner feriu o suficiente o mundo e devemos tomar todos os caminhos que se certifiquem de que ele não o fará mais.
Fim da gravação.
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