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#um monte de coisa pra fazer cheia de novidades tantas possibilidades
bat-the-misfit · 1 year
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mano que vontade de ir pra Paulista scrr
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marilaliah · 7 years
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foi com 23
a novidade - ele chegou quando eu tinha nove. o dia em que meus pais anunciaram que ele viria continua claro na minha memória. era legal mesmo esse negócio de ter um irmão? as muitas vezes que minha mãe passava mal no meio da rua ou que parava o carro pra vomitar me faziam pensar que, talvez, essa coisa de ganhar um irmão talvez não fosse tão boa assim.
quando a vó Maria foi passar uns dias na nossa casa em Brasília o León estava perto de nascer.  meu quarto já não era só meu. o berço do caçula já estava lá. foi em 11 de maio de 93 que ele chegou. só existia vontade de conhecer aquela nova pessoinha, mas “- criança não pode subir pro quarto. você vai ter que esperar”. aff! que coisa odiosa de se dizer pra uma criança curiosa! só nos encontramos no dia em que ele e minha mãe tiveram alta e parece que demorou uma eternidade.
a sensação de ter um irmão neném era a mesma de quando conheci minha prima. eu só havia passado pela “experiência” do nascimento de alguém quando conheci a Tamara, ainda pequenininha. foi basicamente a mesma coisa que aconteceu com o meu irmão, assim como achava a Tamara uma boneca, também achava que ele era meu brinquedo, mas esse morava na minha casa e quando ele chorava de noite eu também acordava.
aquele neném que morava lá em casa era uma novidade pra mim. tudo o que acontecia em torno dele era novidade. eu tava cheia de ciúmes. foram longos nove anos sozinha, nos mimos, nas broncas e na bajulação da família, já que eu, até então, era a única neta que morava longe, pelo menos por parte de mãe, e isso sempre me rendeu a atenção dos avós e dos tios quando íamos visitá-los. apesar, do ciúme, tava tudo bem. aquele nenemzinho era bonitinho, mas peraí! olha a sacanagem: até apelido ele tinha e eu não. Léo. pq todo mundo chama ele de Léo se o nome dele é León? todo mundo me chama de Lali, uai!
o tempo foi passando e a ideia de ter ele ali foi melhorando, era massa ter um irmão pequenininho. você pode fazer ele pegar as coisas pra você, levar as coisas pra você, botar a culpa das coisas nele... essas coisas que irmãos mais velhos fazem, né? confesso, a diferença de idade nunca foi nossa aliada. passava o tempo que fosse, ele continuava sendo o irmão mais novo, aquele que você não tem paciência e saco de ficar cuidando, porque é isso que acontece quando se tem um irmão mais novo, invariavelmente você vai ter que ficar de olho nele por algum motivo.
crescemos, não no tamanho (valeu genética!), mas na idade. nos acostumamos a não sermos parceiros. éramos irmãos. às vezes conversávamos despretensiosamente. às vezes nos abraçávamos. às vezes quebrávamos o galho um do outro. nossa relação foi construída com um catatau de às vezes, de quando estávamos afim, de quando estávamos dispostos a nos aturar.
da infância para a adolescência dele foi um pulo. cheio de querer, ele começou a marcar seus espaços. já tinha um quarto só dele, as coisas dele e um gosto por coisas que ninguém em casa cultivou. curtia anime, ballet, moda e música pop. tudo isso era resultado de sua descoberta pelo mundo e do mundo que ele queria fazer parte. um dia decidiu que queria ser estilista, mas sabe-se lá o que aconteceu que escolheu fazer jornalismo. decidiu, mas depois “desdecidiu”, só não contou pra ninguém.
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não estive perto na fase de decisões, nem nos dias em que o abuso de álcool afetou o cotidiano daquela casa em que eu já não mais estava. ele viveu essa barra. e também viveu a barra de assumir pro mundo quem ele era. aos poucos, fuçando por aí, eu fui conhecendo a Leona Luna, a drag queen que ele criou e fez dela o trampolim para, finalmente, extravasar sua alma de artista. sempre, desde sempre, ele deu sinais de que seria uma estrela. só não sabíamos onde. pintando, costurando, criando, dançando. tudo isso permeou sua essência que ganhou luz em palcos daquela Bras-ilha.
a notícia - por muitos anos do meu lado, não consigo dizer que o conheci por inteiro. conheci o que eu queria, o que era mais fácil, mais cômodo dentro da nossa relação de às vezes. depois que me mudei nossos às vezes ficaram cada vez menos frequentes e eu acabei perdendo de vista tudo o que acontecia perto dele. no início deste ano ele mandou um sinalzinho de nada me fazendo pensar que algo podia estar diferente.  “ei pessoa. não é pra ficar abalada, viu? você tem pessoas que te amam e vão continuar amando sempre. apesar de eu e você sermos diferentões demais, você é meu sangue e eu te amo (da minha maneira). fica bem”, ele disse em uma mensagem no dia 9 de janeiro depois de saber sobre um problema meu.  chorei, como passei boa parte daquele dia chorando, mas eu nem imaginava que ele é quem estava tentando ficar bem.
foi perto da hora do almoço, no dia 30 de janeiro que minha mãe avisou. passando muito mal e precisando de ajuda para ir ao hospital, ele contou que era portador de HIV. por já apresentar suspeitas e mais suspeitas de pneumonia, essa possibilidade sempre rondava as conversas entre eu e minha mãe. mas ele já era maior de idade e ninguém forçou ele a dizer o que não queria. mesmo sendo muito amigo da minha mãe, conversando sobre coisas que eu nunca conversei com ela, ele preferiu guardar essa informação. foi procurando melhorar aqui e ali quando se sentia mal, mas só começou a se tratar de verdade um ano depois que o vírus entrou no seu corpo. fez o primeiro exame e “estava limpo”. no segundo, já era positivo, mas ele não foi buscar o resultado. no terceiro, ele soube de verdade.
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a notícia veio como uma tempestade rápida, barulhenta e cheia de trovões na minha cabeça. depois do primeiro impacto, um vento carregado de trocentas perguntas tomou meu pensamento. sozinha na sala de casa, longe deles, chorei. e agora? dividi a notícia com o marido que muito mais equilibrado que eu, me acalmou. todas as diferenças que eu tinha com o meu irmão sumiram depois de alguns minutos em que eu esbravejei pra mim mesma o quanto ele era irresponsável, que ele não tomava jeito nunca. o medo, a tristeza, a raiva... tudo isso em minutos. quando a tempestade da notícia passou eu só pensava em como livrar nosso leonzinho – era como meu pai cantava “O leãozinho” pra ele – daquela situação.
dali pra frente foram dias que pareciam não acabar em hospitais. sem pensar que algo de ruim pudesse acontecer, ele não tinha plano de saúde. se virando como era possível no sistema de saúde público, minha mãe ficava com ele. pedimos ajuda, muita ajuda. e ela veio de passinho em passinho como os amigos podiam. uma rede de pessoas se mobilizou para tornar a internação menos sofrida para ele e para a minha mãe. da enfermaria para o quarto do HRAN, de lá para o isolamento. tuberculose. até que um dia ele recebeu alta, estranhamos, mas comemoramos. não foram 24h em casa. fora do hospital ele sofria todos os efeitos da doença novamente. voltaram pro hospital. o quadro tinha evoluído e ele precisou ser encaminhado para o semi-intensivo.
logo surgiu a necessidade de uma vaga na UTI. desespero. três letras que tornam a expectativa em lamento. o que se espera quando alguém vai pra UTI? eu tentava me convencer que seria melhor para ele. mais uma vez recorremos a quem podíamos para conseguir um leito. e, após três dias de semi-intensivo ele veio. foi a liminar da justiça? foi o pedido para amigos ligados ao sistema de saúde? foi a fé inabalável da minha mãe? não sabemos. o que sabíamos era que ele estava em uma fila enorme de espera assim como tanta gente deve estar hoje. comemoramos mais essa conquista.  
consegui antecipar uns dias de férias e fui pra Brasília. não dava mais para ficar longe. um monte de “e se” perturbava a minha cabeça. chegamos, eu e o marido, no fim da tarde de um sábado. já não dava mais tempo para  a visita. mais um dia de aflição sem encontrar o pequeno. no domingo fomos até o hospital, a uns 40 km de distância de casa. ao entrar na UTI eu desmoronei. não conseguia olhar pra ele direito. aquele tanto de fio, ele entubado, inchado, sedado... chorei por alguns minutos até que consegui escutar a voz do marido que já me chamava há um tempo: “fala com ele”. a sedação não estava tão forte. “leléo. fica calmo. a gente tá aqui leléo. vai dar tudo certo. você vai sair dessa, né?”, era só o que eu conseguia dizer. com a sedação moderada, ele balançava a cabeça dizendo que sim. 
dali em diante foram seis dias indo todas as tardes passar uma horinha com ele. em todos esses seis dias ele já estava completamente sedado. teve um dia que, quando chegamos para a visita, não pudemos entrar tão rápido. pediram pra que esperássemos, mas não deram maiores explicações. foram minutos no início do corredor vendo um monte de gente entrar no quarto e pensando as piores coisas. passou. foi só um susto. no sétimo dia eu não fui com a minha mãe para a visita, já que não tínhamos ninguém para ficar em casa com o meu pai. lembra da história do abuso do álcool? pois é. esse capítulo teve desdobramentos, mas é relato pra outra hora. enfim.. minha mãe mandou um recado. “seu irmão pirou. acho que você precisa ir no hospital. ela já conversou com o médico e ele vai deixar você entrar mesmo que a visita já tenha acabado”. que desespero. como assim? piorou como? o que aconteceu? isso é um aviso? parecia uma sentença. de carona, corri pra lá. não foram 10 minutos ao lado do leléo. mas foi um temo em que só consegui dar carinho pra ele. muito carinho.
domingo de carnaval. 26 de fevereiro. chegamos para a visita, mas não pudemos entrar. “a médica vai vir aqui falar com vocês”. sabe quando você faz algo errado e alguém descobre? o coração bate de um jeito estranho, alguma reação química faz a sua garganta ficar travada... foi bem assim. apertei a mão da minha mãe, ficamos sentadas esperando e nada de alguém aparecer. demorou. demorou muito. quando a médica chegou começou o discurso. “o quadro do león evoluiu, vocês sabem, desde ontem” e emendou num monte de blá blá blá que eu nem lembro. minha mãe cortou “ele faleceu? pode falar de uma vez”. “sim, infelizmente ele não resistiu. ele teve uma parada e nós não conseguimos reverter”, disse a médica. no sim, nós já não olhávamos mais pra ela. nos abraçamos, choramos, choramos, muito. uma dor imensa no peito. minutos assim.
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muito ligada a tudo que é espiritual, minha mãe para por um instante e diz. “eu senti. ele esteve em casa hoje. ele abriu a porta do quarto, me deu um beijo e saiu”. e emendou. “ele agora está bem”. eu fiquei pensando o quanto desprivilegiada era por não ter tido essa sensação, essa oportunidade. eu tinha tanta coisa pra falar com ele ainda, mas não deu tempo. ele só tinha 23 anos. por boa parte da vida dele eu estava ali, mas não estava. nós não estávamos nem aí um pro outro e desde janeiro eu pensei em tanta coisa que tínhamos que conversar. pq não fiz isso quando ele ainda estava lúcido no hospital? 
burocracias, decisões, chuva de mensagens impossíveis de responder. no dia 28, velamos seu corpo. nunca imaginei que pudesse ter tanta gente em volta dele. minha mãe pediu pra tocar Lulu Santos. o som ficou lá durante todo o velório. minha mãe queria paz, tranquilidade e amor naquele momento. e foi o que vivemos. “não é mais que um até logo. não é mais que um breve adeus. bem cedo junto ao fogo tornaremos a nos ver”, um coro entoou a canção da despedida, como em todas as despedidas escoteiras. foi um afago para os nossos corações. 
optamos pela cremação. minha mãe havia decidido que o León viraria árvores para que pudesse continuar vivo por aí. a primeira foi plantada justamente no grupo escoteiro do qual fizemos parte por muitos anos e que ele frequentou desde que estava na barriga dela. 
seis meses se passaram. a dor ainda não foi embora. ela vai e vem. às vezes suave, às vezes como um soco no peito. sei que é um processo. os questionamentos diminuíram, tento aceitar que tudo é aprendizado. minha mãe diz isso e eu tenho conseguido compreender melhor. aprendi que amor é sempre amor seja qual for sua forma de manifestação. nunca me dei conta do tamanho do amor que eu sentia pelo meu irmão até o início deste ano e isso foi avassalador. nunca me dei conta que a AIDS ainda pode ser destruidora e que muita gente não pensa nisso. eu não pensava. estamos em 2017 e as pessoas ainda morrem em consequência da Síndrome da Imunodeficiência Humana. as famílias ainda são questionadas se a causa pode ser declarada na certidão de óbito, reflexo de todo preconceito que a doença carrega. 
a dor traz reflexão em diferentes aspectos da vida. a perda faz os dias seguirem lentamente e, inexplicavelmente, o sofrimento transforma o amor. hoje meu irmão está mais presente em mim do que eu consigo descrever. todas as lembranças florescem um pedacinho novo dele em mim. espero ser um jardim para a sua memória.
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